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Acórdão
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Apelação Cível nº 1194705-6, da Comarca de Foz do Iguaçu 4ª Vara Cível. Apelante: Karin Tatiana da Silva. Apelada: Salete Silvestre da Silva. Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Júnior. APELAÇÃO CÍVEL REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DA CHANCE - DANOS MORAIS - QUANTUM DIMINUÍDO - JUROS DE MORA INCIDENTES A PARTIR DO EVENTO DANOSO CORREÇÃO MONETÁRIA QUE DEVE SER CALCULADA A PARTIR DESTE JULGAMENTO RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. - A fixação da indenização por danos morais é tarefa cometida ao juiz, devendo o arbitramento operar-se com razoabilidade, proporcionalmente ao grau de culpa, aos níveis socioeconômicos da parte ofendida e do ofensor e, ainda, levando-se em conta as circunstâncias do caso. Trata-se de ação de indenização ajuizada por Salete Silvestre da Silva em face de Karin Tatiana da Silva, pleiteando indenização pelos prejuízos suportados, em virtude da suposta atuação negligente da advogada (ré), contratada para interpor ação de despejo c/c
cobrança de acessórios da locação.
A r. sentença de fls. 169/176, julgou procedente a ação, para: "condenar a ré no pagamento de R$ 12.000,00 (doze mil reais) a título de danos morais, devidamente corrigidos pelo índice do INPC/IBGE e acrescido de juros de 1% a.m., ambos contados desta data, pois nesta sentença que o valor da indenização foi tornado líquido". Condenou a ré, ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, devidamente corrigidos pelo índice do INPC/IBGE.
Karin Tatiana da Silva apela, alegando que o valor arbitrado a título de danos morais seria excessivo. Argumenta que o montante arbitrado corresponderia a, praticamente, 18 (dezoito) salários mínimos, evidenciando a ausência de razoabilidade.
Sustenta que a indenização por danos morais deve ser fixada levando em consideração determinados critérios, tais como: "as peculiaridades do caso concreto, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa, a posição social ou política do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado", os quais não teriam sido observados na sentença.
Argumenta que o fato de exercer a advocacia não torna, por si só, a apelante bem sucedida financeiramente. Sustenta, ainda, que o fato não teve nenhuma repercussão social e que o valor que se pretendia
cobrar naquela ação era infinitamente menor que o arbitrado na sentença, o que deveria ser levado em consideração para reduzir o valor da indenização.
É o Relatório, VOTO:
Presentes os requisitos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, de se conhecer o presente recurso.
Antes de analisar o mérito do recurso, necessário fazer uma retrospectiva dos fatos, para que seja possível entender a amplitude da questão debatida.
Observa-se dos autos, que a advogada Karin Tatiana da Silva, conforme procuração de fl. 36, foi contratada para ajuizar "ação de despejo por falta de pagamento c/c com cobrança de acessórios da locação", em face de Roberto Benigno Gimenes Blanco, a qual foi ajuizada em 04/04/2006.
Na referida ação, alegou-se que o inquilino Roberto Benigno Gimenes Blanco, teria deixado de pagar os condomínios referentes aos meses de março, abril, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2005, bem como os débitos de IPTU, referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005. Em razão da inadimplência, requereram a rescisão do contrato de locação, com a consequente
desocupação do imóvel e a condenação do réu ao pagamento dos débitos em aberto, no valor de R$ 2.031,04 (dois mil e trinta e um reais e quatro centavos).
Regularmente citado, o réu apresentou contestação, alegando, em síntese, que teria efetuado o pagamento de todas as taxas de condomínio (juntou comprovantes de depósito e recibos, muitos dos quais estão ilegíveis nos presentes autos). Sustentou, ainda, que o pagamento do débito de IPTU não seria de sua responsabilidade, conforme ajustado verbalmente com o esposo da autora.
Intimada para se manifestar sobre a contestação, a advogada da autora se manteve inerte. Passados mais de 08 (oito meses) da referida intimação, a autora foi, novamente, intimada para se manifestar sobre a contestação, tendo se mantido inerte.
Na sequência, as partes foram intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir, bem como sobre a possibilidade de conciliação. (fl. 74). A autora não se pronunciou. O Réu, por sua vez, informou que desocupou o imóvel e requereu o arquivamento do feito.
Diante de tal petição, a advogada da autora foi intimada para se manifestar sobre o interesse no prosseguimento do feito, em duas oportunidades: em 18/01/2008 (fl. 80) e em 14/04/2008 (84), tendo novamente permanecido inerte.
O magistrado, então, determinou a intimação pessoal da parte autora, para que desse andamento ao feito no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de extinção (fls. 86). Nesta oportunidade, a advogada da autora fez carga dos autos em 06/08/2008, devolvendo apenas em 29/08/2008 (ao ser intimada para tanto). Protocolou petição requerendo a suspensão do feito, pelo prazo de 20 (vinte) dias.
O pedido de suspensão foi deferido. Contudo, transcorrido o prazo de suspensão, o feito permaneceu paralisado. Diante disso, o magistrado determinou que a autora fosse intimada pela última vez, para manifestar seu interesse no prosseguimento do feito, sob pena de extinção. Apesar de ter sido intimada por meio do Diário da Justiça Eletrônico de 18/02/2009 (fl. 96), a advogada não se pronunciou.
Como não houve manifestação, foi proferida sentença de extinção do feito, sem resolução do mérito (fls. 98/99), a qual transitou em julgado em 09/07/2009 (fl. 101).
Em 26/05/2010, a advogada (ora ré), enviou e-mail para sua cliente, com o seguinte teor: "Boa tarde Salete. Seu processo era de despejo cumulado com cobrança de aluguéis. O juiz entendeu que o despejo não é necessário em razão do Sr. Roberto ter desocupado o imóvel, motivo pelo qual requeremos o prosseguimento somente com a cobrança. Sem atualizar, solicitei encaminhamento ao contador judicial, R$ 2.031,00 (sem atualizar), solicitei tbem desde já ofício à Receita
Federal quanto a propriedade de bens da Sra Rosy Mary Ferreira Dias Paredes Antunes (fiadora)"- fl. 126.
Ao tomar conhecimento da decisão que extinguiu o processo, fato que teria ocorrido somente em 2011, quando a atual procuradora da autora fez carga daqueles autos, a autora interpôs a presente ação, argumentando que a ré não teria atuado de forma diligente na defesa de seus interesses, tendo em vista que deixou de dar andamento ao feito, nas oportunidades em que foi intimada para tanto. Sustentou a possibilidade de indenização da teoria da perda de uma chance.
A sentença julgou procedente a ação, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais), acrescido dos encargos legais.
A apelante pretende a redução de tal valor.
Segundo a doutrina e jurisprudência, para que exista responsabilidade civil pela perda da chance, é necessário comprovar que o advogado agiu com culpa, bem como o prejuízo ou dano causado pelo atuar negligente do profissional da advocacia. Contudo, a dificuldade consiste na apuração e alcance do dano.
Pela teoria da perda de uma chance, comumente utilizada pela doutrina e jurisprudência para solucionar os casos de negligência do profissional da advocacia, a responsabilidade civil somente
se verificará quando a conduta dolosa ou culposa do advogado apresentar chances sérias e reais de minar o sucesso que a vítima obteria.
Transportada para a área jurídica, referida teoria remete à ideia de perda da oportunidade de ver examinada, em juízo, a pretensão ou de ver reformada uma decisão judicial.
Na perda da chance, o que se indeniza, segundo a maioria, é a potencialidade de uma perda. A certeza do dano não pode ser meramente hipotética, sendo necessário se distinguir entre a mera possibilidade e a probabilidade de certeza, para verificar a existência ou não de dano indenizável.
Segundo Venosa, "no exame dessa perspectiva, a doutrina aconselha efetuar um balanço das perspectivas contra e a favor do ofendido. (...) Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A "chance" deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza"1.
A solução da questão parece ainda mais complicada nos casos em que o mérito da ação ou recurso, deixa de ser analisado, por culpa do advogado, isto porque, nestas hipóteses, não há como saber se o autor tinha possibilidade de vencer a causa. 1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 290.
Em tais casos, segundo a teoria da perda da chance, para que fosse afastada a responsabilidade do advogado, teria que ficar demonstrado, "sobretudo com base na jurisprudência, que mesmo se fosse interposto, o resultado do julgamento provavelmente seria o mesmo da decisão que deixou de ser recorrida"2.
Referido autor continua:
Faz-se uma retrospectiva do julgamento, que não ocorreu, para apurar qual o resultado provável, se houvesse ocorrido. Como diz o jurista português Fernando Pessoa Jorge, "trata-se, na verdade, de um juízo feito ex post, mas colocando-se por abstração o julgador no momento da prática do facto e decidindo-se se os prejuízos, que se verificaram, eram prováveis consequências daquele; faz-se, portanto, um prognóstico a posteriori". Embora grande parte da doutrina sustente que somente haverá perda da chance se ficar comprovado que existia alguma probabilidade de sucesso da causa, entendo que a simples perda da chance configura dano em si mesmo, devendo a questão relativa à avaliação da probabilidade ou não, de sucesso, ser considerada na fixação do quantum indenizatório.
Importante ressaltar, ainda, que: "na perda da chance por culpa do advogado, o que se indeniza é a negativa de possibilidade de 2 DIAS, Sérgio Novais. Reponsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados. In: Anais da XVIII Conferência nacional dos advogados: cidadania, ética e estado. Brasília: OAB Conselho Federal, 2003, p. 1582
o constituinte ter seu processo apreciado pelo judiciário, e não o valor que eventualmente esse processo poderia propiciar-lhe no final"3.
Portanto, o prejuízo deve ser analisado de acordo com a perda da possibilidade da ação ser analisada no mérito e não com relação ao valor da condenação, até porque não é possível analisar se o "autor ganharia a causa no exato alcance e extensão pretendidos ou, sendo réu, não a teria perdido, caso a atuação do profissional tivesse sido adequada e escorreita"4.
No caso, é indiscutível que a ação interposta pela autora não teve o mérito analisado por negligência da advogada, que não deu andamento ao processo e isto configura culpa. Também é indiscutível que houve a perda da chance de se obter a reforma, ainda que parcial, da sentença, já que não foi interposto recurso da decisão que extinguiu o processo. E, somente em virtude disso, no meu entender, já se apresentam prejuízos a serem indenizados.
No entanto, a extensão deste dano, que, no meu entender, depende da probabilidade de sucesso da ação, não pode ser valorada, devido à ausência de dados concretos que permitam analisar quais as chances de êxito da ação proposta, caso tivesse o mérito analisado.
3 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 262. 44 STOCCO, Rui. Responsabilidade civil do advogado à luz das recentes alterações legislativas. In: RT 797, março de 2002, ano 91. Pag. 78.
É que o réu negou a existência de débitos e juntou comprovantes de pagamento (embora alguns estejam ilegíveis nos autos). À fl. 58, há um recibo emitido pelo condomínio, comprovando o pagamento das taxas condominiais referentes aos meses de junho, julho, agosto e setembro de 2005, o que autoriza presumir que as taxas anteriores também teriam sido quitadas.
É certo que os débitos condominiais eram pagos com atraso, mas, independentemente disso, aparentemente, estavam sendo pagos pelo locatário. Assim, a ação poderia ser procedente, no máximo, quanto às taxas de condomínio vencidas em outubro, novembro e dezembro de 2005, com relação às quais não foi possível identificar recibos nos autos, até porque alguns se encontram ilegíveis.
Além disso, o contrato de locação juntado às fls. 42/43, não prevê a obrigação do locatário de pagar o IPTU, o que, em tese, afastaria a cobrança de tais valores, tendo em vista o disposto no artigo 22, VIII, da Lei 8.2455.
Veja-se que diante destas ponderações, a probabilidade de sucesso da ação de cobrança era pequena, o que deve ser considerado no arbitramento do valor do dano moral. 5 Art. 22. O locador é obrigado a: (...) VIII - pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;
Assim e por isto, levando-se em conta, tão somente, a perda da chance quanto a ser analisado o mérito da ação, entendo que a indenização arbitrada deve ser reduzida, até porque havia grandes chances da ação de cobrança ser julgada improcedente.
Além disso, é necessário considerar que a autora poderia ter evitado a extinção do feito, pois foi intimada, pessoalmente, para dar andamento ao processo, contudo nada fez. Embora a autora alegue que teria entrado em contato com a advogada, na ocasião, e que esta teria se comprometido a impulsionar o processo, não há nenhuma prova, nos autos, com relação a isso, como, por exemplo, um e-mail como aquele juntado à fl. 126.
Assim, considerando tais circunstâncias, bem como a capacidade econômica das partes, o grau de culpa, dentre outros requisitos, entendo que a indenização por danos morais devida à autora deve ser reduzida para R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Observo que tal valor mostra-se absolutamente razoável, principalmente quando comparado com o valor que a autora pretendia receber na ação de cobrança (R$ 2.031,04), a qual, como já se disse, tinha poucas chances de ser julgada totalmente procedente.
Tal valor deverá ser corrigido monetariamente a partir da data deste julgamento, nos termos da Súmula 362, do Superior Tribunal de Justiça, e acrescido de juros de mora, a partir do evento danoso
(09/07/2009 data do trânsito em julgado da sentença extintiva), nos termos da Súmula 54, do Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, VOTO por CONHECER o recurso e DAR-LHE PROVIMENTO, para reduzir a indenização por danos morais para 2.000,00 (dois mil reais), que deverá ser acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso e de correção monetária (INPC), a partir deste julgamento, mantendo, no restante, a respeitável sentença, por seus próprios fundamentos.
ACORDAM os Membros Integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER o recurso e DAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.
Participaram do julgamento os excelentíssimos Senhores Desembargadores José Augusto Gomes Aniceto (presidente sem voto), Domingos José Perfetto e o Juiz Substituto de 2º Grau Sérgio Luiz Patitucci.
Curitiba, 24 de julho de 2014.
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