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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CRIME Nº 1.158.442-8, DE REALEZA - VARA ÚNICA. APELANTE : ATAÍDES WEILER. APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATOR : DES. JOSÉ CARLOS DALACQUA. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ARTIGO 7º, INCISO VII DA LEI Nº 8.137/90. INDUZIR CONSUMIDOR A ERRO AO INDICAR FALSA E ENGANOSAMENTE A ORIGEM DO COMBUSTÍVEL REVENDIDO ATRAVÉS DA BANDEIRA DO POSTO DE GASOLINA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DISPOSITIVO LEGAL TAXATIVO QUANTO A NATUREZA E A QUALIDADE DO PRODUTO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O TIPO DESCRITO NO ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.176/91. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NOS AUTOS DE QUE O COMBUSTÍVEL REVENDIDO ERA ADULTERADO OU ADQUIRIDO DE EMPRESA NÃO REGULAMENTADA. INFIDELIDADE AO FORNECEDOR QUE DEVE SER CONSIDERADA MERA INOBSERVÂNCIA CONTRATUAL. ILICITUDE QUE REPERCUTE UNICAMENTE NA ESFERA ADMINISTRATIVA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 2 VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 1.158.442-8, de Realeza - Vara Única, em que é Apelante ATAÍDES WEILER e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
I RELATÓRIO O Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de seu representante na Comarca de Realeza, ofereceu denúncia em face de ATAÍDE WEILER, brasileiro, casado, comerciante, RG n° 500.156.2122/RS, nascido aos 08.03.1950, filho de Ermindo Alois Weiler e Hulda Weiler, residente na Avenida Rubens Cezar Caselani, 2464, centro, Realeza/PR, em razão do seguinte fato: "No dia 26 de abril de 2010, por volta das 11h45min, no Posto de Weiler Comércio de Combustível Ltda, situado à Rua José de Alencar, 3033, neste Município e Comarca de Realeza/PR, o denunciado ATAÍDE WEILER, na qualidade de gerente do posto de gasolina mencionado, com consciência e vontade, induziu os consumidores de combustível a erro ao indicar falsa e enganosamente, pela bandeira do posto de gasolina, a origem do combustível re-vendido pelo posto. Isso porque, a bandeira exposta no posto de gasolina era da empresa Petrobrás, mas o combustível efetivamente re-vendido era da empresa Arogás (conforme indicam as notas fiscais de fls. 15/28, com a assinatura de recebimento do denunciado). A venda de combustível oriundo de distribuidor distinto daquele exibido na marca comercial é prática falsa e enganosa que induz o consumidor a erro, tanto que é vedada pelo artigo 9º, inciso I e artigo 11 da Portaria n.
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 3 116/200-ANP e pelo disposto no art. 2º da Lei Estadual n. 12.420/99". (sic fls. 02/03).
O réu foi denunciado, desta forma, pela prática do crime definido no artigo 7º, inciso VII da Lei Federal n. 8.137/90. Finda a instrução, o réu foi condenado pela prática de crime contra as relações de consumo, incurso no artigo 7º, inciso VII da Lei 8.137/90. A reprimenda restou fixada em 02 (dois) anos de detenção em regime aberto, sendo substituída por duas penas privativas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora por dia de condenação, e prestação pecuniária no equivalente a 15 (quinze) salários mínimos (fls. 145/149). Inconformado com a decisão, o réu interpôs o presente recurso, sustentando, em síntese, que: a) a bandeira do posto na época dos fatos constava no cadastro da Agência Nacional do Petróleo ANP, como bandeira branca; b) nas bombas de combustível não estavam caracterizadas como da Petrobrás; c) o réu não agiu com dolo, inexistindo vontade livre e consciente em induzir os consumidores em erro, já que vendia combustível de boa qualidade; d) inexiste nos autos provas de que as bombas de combustível estavam caracterizadas com a marca Petrobrás; e) sendo o posto considerado de bandeira branca, este poderia comercializar combustível de qualquer marca. Ao final, requer seja cassada a sentença proferida em primeiro grau, absolvendo-se o réu nos termos do artigo 386, VI do Código de Processo Penal (fls. 157/166). Em sede de contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo conhecimento e improvimento do recurso, com a consequente manutenção da decisão prolatada (fls. 170/175).
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 4 A douta Procuradoria Geral de Justiça, na pessoa de seu eminente Procurador Sylvio Roberto Degasperi Kuhlmann, manifestou-se pela absolvição, de ofício, do acusado, sob fundamento de que a conduta descrita na denúncia não caracteriza o criem previsto no artigo 7º, VII da Lei 8.137/1991, mas sim o tipo esculpido no artigo 1º, inciso I do mesmo diploma legal (fls. 183/191). Após, vieram conclusos. É o breve relatório. II VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, impõe-se o conhecimento do presente apelo. Afirma a defesa que a conduta praticada pelo apelante é atípica, sob o argumento de que não houve dolo de induzir os consumidores a erro, conforme a conduta descrita no artigo 7º, inciso VII da Lei nº 8.137/90. Pois bem. Da leitura da denúncia tem-se que foi imputado ao apelante a conduta de comercializar derivados de petróleo em dissonância com a bandeira ostentada pelo estabelecimento e, com isso, induzir os consumidores em erro, nos termos do artigo 7º, inciso VII da Lei nº 8.137/90: "Art. 7º. Constitui crime contra as relações de consumo: (...). VII induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade de bem ou serviço, utilizando-se de
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 5 qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária".
O tipo penal acima transcrito prevê a indução a erro por indicação falsa ou enganosa sobre a natureza ou qualidade do bem, sendo o dispositivo legal taxativo, nada mencionando sobre a marca. E, consultando os autos, nada comprova que o apelante esteve comercializando combustível adulterado ou fora das normas pré- estabelecidas de produção, ao contrário, extrai-se que o produto encontrava-se em conformidade com as especificações da Agência Nacional de Petróleo ANP (fls. 20,25,27, 68/69). Assim, inexistindo nos autos informação ou perícia de que o combustível revendido pelo apelante estava adulterado ou de que foi adquirido de empresa não regulamentada, conclui-se que o apelante não induziu o consumidor a erro sobre a natureza ou qualidade do bem, sendo impossível a responsabilização criminal com fulcro no artigo 7º, VII da Lei nº 8.137/1990. Nesse sentido: "(...). INFIDELIDADE DA BANDEIRA QUE DEVE SER TRATADA MEDIANTE REGRAMENTOS ESPECIAIS. LEIS N. 8.176/91 E N. 9.478/97, E PORTARIA 116 DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. INOBSERVÂNCIA REGULAMENTAR QUE REPERCUTE UNICAMENTE EM SANÇÕES DE CUNHO PECUNIÁRIO E CONTRATUAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (...). II - Mais se trata, aliás, a questão narrada nos autos de uma ilicitude administrativa, na defesa da exclusividade do fornecedor, do que propriamente de um ilícito penal, dado que inexistiu as características potenciais de induzir em erro os consumidores ou mesmo prejuízo para
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 6 a massa consumerista, porquanto até mesmo a regulamentação administrativa da conduta praticada (art. 10, inciso VI, da Portaria n. 116 da ANP), impõe ao administrador varejista prestar as informações necessárias aos consumidores a respeito da origem do combustível automotivo comercializado, nos termos estritos do artigo 11 da Portaria n.116 da Agência Nacional do Petróleo, o que foi observado pelos recorrentes. A inobservância destes deveres, aliás, apenas repercutirá nas sanções da correta tipificação do delito (art. 1º da Lei 8.176/1991) caso haja a inequívoca intenção dos agentes em prejudicar e lesionar o bem jurídico tutelado, consistente na ordem das relações econômicas, o que no caso, inexistindo estes pressupostos, não há como sustentar uma condenação penal, máxime pelo artigo 7º, VII, da Lei 8.137/90 que exige a manifesta comprovação da intenção de induzir em erro a massa consumerista, que não se logrou demonstrar nos presentes autos. (...)". (TJPR Apelação Crime nº 1.122.203-8 2ª Câmara Criminal Relator Laertes Ferreira Gomes Publicação: 25.06.2014).
"APELAÇÃO. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. INDICAÇÃO OU AFIRMAÇÃO FALSA OU ENGANOSA SOBRE NATUREZA E QUALIDADE DO BEM OU SERVIÇO. (ART. 7º, VII, LEI Nº 8.137/1990). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INSURGÊNCIA DO PARQUET. CONDIÇÃO DE SÓCIO-GERENTE, À ÉPOCA DO FATO, AFASTADA ACERTADAMENTE. COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEL DE FORNECEDOR DIVERSO AO DA BANDEIRA OSTENTADA PELO POSTO. ILÍCITO QUE NÃO TRANSCENDE A ESFERA ADMINISTRATIVA. RECURSO DESPROVIDO. 1. (...). 2. O art. 7º, inc. VII, da Lei nº 8.137/1990, prevê como crime contra as relações de consumo "induzir o consumidor ou usuário a erro, por via
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 7 de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade de bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive, a veiculação ou divulgação publicitária". 3. Natureza e qualidade do produto não se confundem com marca, daí ser inadmissível a pretendida condenação, cujo esteio seria, indiscutivelmente, a analogia in malam partem". (destaquei). (TJPR Apelação Crime nº 1.027.229-0 2ª Câmara Criminal Relator José Maurício Pinto de Almeida Publicação: 02.08.2013).
Ainda, importante consignar, que a conduta praticada pelo acusado não caracteriza o delito previsto no artigo 1º, inciso I da Lei nº. 8.176/1.991, que assim prevê: "Art. 1° Constitui crime contra a ordem econômica: I - adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei; Pena: detenção de um a cinco anos." Ora, da mesma forma que o dispositivo legal anteriormente mencionado, o inciso I do artigo 1º da Lei nº 8.176/1.991 também exige que o agente adquira, distribua ou revenda derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas pela ANP, no caso, a Portaria 116/2.000, vigente à data do fato.
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 8 Essa Portaria previa a proibição de alienar, emprestar ou permutar combustível com outro revendedor varejista, devendo haver vinculação entre a marca do fornecedor e o produto efetivamente vendido, sob pena de ser penalizado nos termos da Lei nº 9.847/1.999 e do Decreto 2.953/1.999. Contudo, ambas as normas se referem a procedimentos de fiscalização e penalização, estabelecendo multas e sanções de natureza exclusivamente administrativas. Corroborando esse entendimento, confira-se: "APELAÇÃO CRIMINAL - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE DELITO CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO (ARTIGO 7º DA LEI 8137/90 - ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DE CONDUTA ACOLHIDA - DENÚNCIA QUE NARRA TER O POSTO DE GASOLINA, GERENCIADO PELO RÉU INDUZIDO OS CONSUMIDORES DE COMBUSTÍVEL A ERRO AO INDICAR FALSA E ENGANOSAMENTE, PELA BANDEIRA DO POSTO DE GASOLINA, A ORIGEM DO COMBUSTÍVEL REVENDIDO - CONDUTA QUE PODE CARACTERIZAR ILÍCITO CONTRATUAL, MAS QUE É ATÍPICA PARA O DIREITO PENAL - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO, TANTO AO ARTIGO 7º DA LEI 8137/90 QUANTO AO ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N. 8.176/91, COMO SUGERIDO NO PARECER DA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA - CONDUTA DO RÉU QUE NÃO SE ENQUADRA EM NENHUM DOS MENCIONADOS ARTIGOS DE LEI - REFORMA DA SENTENÇA PARA O FIM DE ABSOLVER O RÉU, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 386, INCISO III, DO CPP. RECURSO PROVIDO". (destaquei). (TJPR Apelação Crime nº 1.166.962-0 2ª Câmara Criminal Relator Roberto de Vicente Publicação: 23.05.2014).
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 9 Feitas tais considerações, conclui-se que a conduta do apelante não se enquadra em nenhum tipo penal, sendo impossível lhe imputar alguma sanção na esfera criminal. Diante do exposto, ante a atipicidade da conduta, há que se reformar a sentença para absolver o apelante, nos termos do artigo 386, III do Código de Processo Penal. III DISPOSITIVO Por essas razões, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade em, de ofício, absolver o apelante, com fulcro no artigo 386, III do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator. A Sessão foi presidida pelo Desembargador José Carlos Dalacqua. Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Relator Excelentíssimos Senhores Desembargado Laertes Ferreira Gomes e o Juiz Substituto de Segundo Grau Doutor Hamilton Rafael Marins Schwartz. Curitiba, 24 de julho de 2014. JOSÉ CARLOS DALACQUA Relator
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