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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLAÇÃO DE SEPULTURA, FURTO E DANO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - POSSIBILIDADE DA CUMULAÇÃO MATERIAL ENTRE OS CRIMES DE FURTO E VIOLAÇÃO DE SEPULTURA - OBJETO MATERIAL DO FURTO QUE NÃO É O CADÁVER OU PRÓTESES DO CADÁVER - IRRELEVÂNCIA DE SE TRATAR DE COISA FORA DO COMÉRCIO PARA A TIPIFICAÇÃO DO CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - SENTENÇA MANTIDA- RECURSO DESPROVIDO. Pode haver concurso de crimes entre a violação de sepultura e furto, desde que o objeto material do furto não seja o cadáver ou de próteses do cadáver. A lei não exige que a coisa furtada tenha valor comercial ou de troca, bastando que seja bem patrimonial, isto é, que represente alguma utilidade para quem detenha a posse, ou até mesmo um significado ditado pelo valor afetivo"
JOSÉ RESENA DA SILVA FILHO e ALEXANDRE APARECIDO BISPO, já qualificado nos autos, foi denunciado e processado como incurso nas sanções dos artigos 210 e 155, § 4º, IV, em relação ao primeiro fato, e art 163, parágrafo único, III em relação ao segundo fato, todos c/c o art. 29 e 69 do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos: 1º FATO: "No dia 07 de Julho de 2.002, por volta das 23:00 horas, no cemitério municipal de Araruna, nesta comarca, após permanecerem alguns minutos na capela mortuária onde estava ocorrendo um velório, os denunciados JOSÉ RESENA DA SILVA FILHO e ALEXANDRE APARECIDO BISPO, um aderindo à vontade do outro, e cada qual cooperando decisivamente para o sucesso da empreitada criminosa, com vontade livre e consciente, profanaram a sepultura de Benedito de Freitas, quebrando os enfeites e flores e uma placa de mármore, e, com ânimo de assenhoramento, subtraíram para si uma placa de bronze, medindo 21 cm X 07 cm, com a inscrição em relevo 'Benedito F. de Freitas - F. 24.07.73', que foi apreendida no dia seguinte pela autoridade policial na posse do denunciado Alexandre Aparecido Bispo, sendo avaliada em R$ 135,00 (cento e trinta e cinco reais), de acordo com o auto de apreensão e avaliação de fls.09 e 25 ". 2º FATO: "No dia 07 de julho de 2.002, logo após profanarem e furtarem o túmulo de Benedito de Freitas, no interior do cemitério Municipal de Araruna, os denunciados JOSÉ RESENA DA SILVA FILHO e ALEXANDRE APARECIDO BISPO, um aderindo à vontade do outro, e cada qual cooperando decisivamente para o sucesso da empreitada criminosa, com vontade livre e consciente, dirigiram-se para o centro da cidade de Araruna, nesta comarca, e inutilizaram os telefones públicos de números 044-562-2996 e 562-1786, de propriedade da concessionária de serviço público Telepar/Brasil Telecom, arrancando seus dois monofones, causando um prejuízo de R$ 60,00 (sessenta reais), de acordo com o orçamento apresentado às fls.23, sendo apreendidos os monofones na posse do denunciado Alexandre Aparecido Bispo". A denúncia foi recebida no dia 23 de julho de 2002 (fls.37), sendo os réus José Resena e Alexandre Aperecido interrogados às fls.47 e 48 dos autos. O defensor dativo apresentou a defesa prévia às fls.51 e 52. A oitiva das testemunhas de acusação deu-se conforme fls.53/55 e 75. Por parte da defesa, não houve testemunhas arroladas. Superada a fase do art.499 do CPP, vieram aos autos as alegações finais pelo Ministério Público às fls.159/167 e pela defesa às fls.168 e 169. Encerrada a instrução criminal, às fls.170/182 sobreveio sentença julgando procedente a denúncia a fim de condenar os réus pelos delitos cometidos. O Sr. José Resena da Silva, ora apelante, foi condenado, para fins do art. 210, do CP, a 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, juntamente com o pagamento de 12 dias-multa. Por sua incursão no art. 155, § 4º, IV, do CP, foi condenado a 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, com pagamento de 12 dias-multa e, por fim, à pena de 08 (oito) meses de detenção, somado ao pagamento de 12 dias-multa pelo crime de dano. A pena definitiva quedou em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, mais 08 (oito) meses de detenção, bem como o pagamento de 36 dias-multa. Determinou-se o regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade. Apenas José Resana da Silva Filho demonstrou interesse em recorrer (fls.184v). Termo de recurso às fls185, com razões de apelação (fls.188/190) pleiteando, em suma, a reforma total da sentença, posto que não comprovadas as práticas delituosas pelos meios probatórios aplicados. Alega ainda ser caso apenas de aplicação do art.210 e não do art.155 do CP, haja vista estar o objeto fora de comércio, além de ser coisa de cadáver, pois se teria a prática de apenas um ato, ao contrário do narrado na denúncia. Contra-razões de apelo às fls.192/198. Os autos subiram a este Tribunal. Em parecer de fls.206/209, a D. Procuradoria requer o conhecimento e o improvimento da apelação. É o relatório. Não comporta provimento o presente recurso. A autoria e materialidade dos delitos restaram demonstradas diante da prova produzida nos autos. A autoria do delito é ampla diante da prova testemunhal dos autos, deixando evidente que os acusados eram acostumados a praticar atos de vandalismo no cemitério e que, no dia dos fatos, após freqüentarem um velório de pessoa que não conheciam, foram em direção aos túmulos e iniciaram a prática do vandalismo, sendo que os denunciados saíram do cemitério carregando uma placa de bronze. Os próprios acusados narram com detalhes a prática delitiva, conforme se lê dos depoimentos de fls.09;47;09/10 e 48, o que indubitavelmente se deu em concurso de pessoas. Nesse sentido foram os depoimentos colhidos, como se observa às fls.16,53,54,55 e75 dos autos. A materialidade delitiva, ademais, se encontra consubstanciada no Termo de Exibição e Apreensão (fls.14), Termo de Restituição (fls.17), pelas fotos (fls.20/21) e Laudo de Exame de Avaliação (fls.30). Tenta agora o apelante elidir com o pleito recursal o reconhecimento do concurso material dos crimes de violação de sepultura e furto. Não comporta, no entanto, guarida tal argüição. Como ensina MAGALHÃES NORONHA sobre o objeto material do crime previsto no art.210 do Código Penal: "Violar é abrir, devassar, descobrir, escavar. Tratando-se de sepultura comum (vala ou cova), haverá violação com a remoção da terra, exposto o cadáver ou seus restos à luz. Profanar é tratar com desprezo e irreverência; é macular e aviltar. Profana sepultura quem remove suas pedras danificando ornamentos, apaga inscrições, escreve palavras injuriosas ou pornográficas, coloca objetos grotescos ou obscenos , provocando irrisão, zombaria, etc."(in Direito Penal, p.86, 1988). Ainda segundo os ensinamentos do Prof. Júlio Fabbrini Mirabete, conforme destacou o Ministério Público nas contra-razões (fls.196/197): "O objeto material do delito é a sepultura, ou seja, o local onde se acha imunado cadáver humano ou suas partes, o que abrange sepulcros, mausoléus, tumbas, túmulos, covas, etc., bem como o que lhe é conexo como a lápide, ornamentos estáveis, estátuas, etc." (in Código Penal Interpretado p.1235) Bem indica a solução da questão a ilustre Promotora de Justiça em primeiro grau: " Ressalte-se que ao contrário do que afirma o apelante, pode haver concurso de crimes entre a violação de sepultura e furto, desde que o objeto material do furto não seja o cadáver ou de próteses do cadáver. A alegação de que a placa de bronze é a coisa fora do comércio, que não possui valor negociável, tal afirmativa não é verdadeira, não podendo ser aceita. Uma conduta do apelante e seu comparsa foi a de profanar e violar algumas sepulturas existentes no cemitério, retirando delas vasos de flores e inclusive, vindo a quebrar a placa de mármore de uma das sepulturas, conforme fotografia de fls.20. A outra conduta foi cometida na sepultura identificada como de Benedito F. de Freitas, da qual o apelante e o co-réu. Tal conduta, ao contrário do que alega o apelante, adequa-se perfeitamente ao tipo penal descrito no artigo 155 §4º inciso IV eis que praticada em concurso de agentes." O objeto do furto foi uma placa de bronze retirada de um dos túmulos, avaliada em R$35,00 (laudo de exame de avaliação de fls.30).Por esse motivo, o apelante requer a exclusão do crime de furto por se tratar de coisa de cadáver e fora do comércio. Cumpre ressaltar,no entanto, que para a tipificação do delito de furto não há necessidade do objeto ser comercializável.. Como bem especificou a douta Procuradoria Geral de Justiça: "Ora, como é sabido, a lei não exige que a coisa furtada tenha valor comercial ou de troca, bastando que seja bem patrimonial, isto é, que represente alguma utilidade para quem detenha a posse, ou até mesmo um significado ditado pelo valor afetivo" (fls.209). Nesse sentido ainda a jurisprudência: "(...)para a configuração do delito é irrelevante que a coisa esteja fora do comércio ou até mesmo que seja ilícita." (TACRIM-SP- Ap. -Rel- Márdio Bártoli- j.14.01.2000- BolIBCCrim 89/442) Diante de todo o exposto, não havendo reformas a serem efetuadas na sentença, voto pelo desprovimento do recurso. ACORDAM os juízes integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Paraná, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso. Participaram do Julgamento os Exmos Senhores Juízes Mário Helton Jorge e Waldemir Luiz da Rocha. Curitiba, 15 de maio de 2003. CUNHA RIBAS Relator
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