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Acórdão
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HABEAS CORPUS Nº 1.261.859-0 2º VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DE COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA Impetrante: MAURÍCIO FARIA JUNIOR Paciente: DOUGLAS APARECIDO MARTINS DA SILVA Impetrado: Juiz de Direito da 2ª VARA CRIMINAL do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CURITIBA Relatora: Juíza Subst. em 2º Grau LUCIANE R. C. LUDOVICO (em substituição ao Desembargador MIGUEL PESSOA) HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está sedimentada no sentido de que a alusão à gravidade em abstrato do crime sem fundamentação no caso concreto não é suficiente para a decretação ou manutenção da prisão cautelar com base na garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal. 2. A fundamentação acerca da decretação da prisão preventiva decorre da própria Constituição Federal (art. 5º, LXI e art. 93, IX), sendo que a sua falta caracteriza constrangimento ilegal e acarreta a imediata soltura do paciente. 3. De acordo com o artigo 321 do Código de Processo Penal, pode-se conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares do artigo 319 do mesmo diploma legal. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 1.261.859-0, da 2ª VARA CRIMINAL do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CURITIBA, em que é impetrante: MAURÍCIO FARIA JUNIOR; paciente: DOUGLAS APARECIDO MARTINS DA SILVA; e impetrado: MM. Juiz de Direito da 2ª VARA CRIMINAL do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CURITIBA.
RELATÓRIO MAURÍCIO FARIA JUNIOR impetra o presente pedido de Habeas Corpus em favor de DOUGLAS APARECIDO MARTINS DA SILVA.
Relata o impetrante ter sido o paciente preso, em 05/08.2014, pela prática, em tese, do delito previsto no art.33, caput, da Lei 11.343/06. Aduz que a decisão proferida pela magistrada a quo conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva carece de fundamentação idônea, sendo que inexistem, ao caso, os motivos autorizadores do art.312 do CPP, sem olvidar que o Ministério Público de origem se manifestou favoravelmente à liberdade provisória do paciente. Ademais, alegou que as condições pessoais são favoráveis ao paciente. No mais, alegou que a prisão preventiva do paciente se mostra desproporcional ao regime inicial de cumprimento de pena que será fixado no caso de eventual condenação. Pugnou pela aplicação das medidas cautelares diversas da prisão. Requereu a concessão liminar da Ordem. Indeferida a liminar (fls. 50/51), foram prestadas informações pela autoridade coatora (fls.55/56). A D. Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer pela concessão da Ordem (fls. 61/65). É em síntese, o relato.
VOTO O presente Habeas Corpus deve ser conhecido e a ordem merece ser concedida. Em primeiro lugar, atenta-se para a constitucionalidade das prisões cautelares, medidas excepcionais, mesmo diante da consagração do princípio da presunção de inocência, pois devidamente reconhecida pela jurisprudência pátria a legitimidade jurídico- constitucional de tais medidas, estando igualmente previstas na Carta Magna, artigo 5º, inciso LXI.
Nesse sentido: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 155, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. 1. NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE. QUESTÃO SUPERADA ANTE A CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA. 2. REITERAÇÃO CRIMINOSA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. 3. RECURSO IMPROVIDO. 1. Convertida a custódia em preventiva, fica superada a alegação de nulidade da prisão em flagrante, ante a existência de título autônomo a justificar a segregação cautelar. 2. A liberdade, não se pode olvidar, é a regra em nosso ordenamento constitucional, somente sendo possível sua mitigação em hipóteses estritamente necessárias. Contudo, a prisão de natureza cautelar não conflita com a presunção de inocência, quando devidamente fundamentada pelo juiz a sua necessidade. 3. No caso, inexiste ilegalidade a ser sanada, pois a prisão provisória encontra-se motivada na necessidade de resguardo da ordem pública, nos termos disciplinados no art. 312 do Código de Processo Penal, ante a reiteração criminosa do recorrente, pois afirmou o Juízo de primeiro grau ser ele "afeto a vida criminosa, uma vez que já se envolveu em diversos delitos quando menor de idade e já está sendo processado como maior de idade por crime de trânsito e outros furtos nesta Comarca de Solânea e em Bananeira", fundamento este considerado idôneo pela uníssona jurisprudência desta Corte. 4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (STJ - RHC 46.997/PB, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 18/06/2014).
Em razão disso, a prisão cautelar é admitida em hipóteses excepcionalíssimas, sendo que para a legitimação da medida, a decisão que a decreta deve estar baseada em elementos concretos, demonstrando a sua real necessidade, quando constatada a presença dos pressupostos e requisitos legais constantes do artigo 312 e seguintes do Código de Processo Penal, suficientemente fundamentada, com fulcro, também, no preceito constitucional dos artigos art. 5º, LXI e art. 93, IX. No caso concreto, não se afiguram presentes os requisitos para o decreto da prisão preventiva para garantir a ordem pública. Senão vejamos.
Conquanto se façam presentes, no caso ora em análise, o fumus boni juris, caracterizado por indícios de autoria e prova de materialidade, queda-se ausente o requisito do periculum libertatis, essencial à decretação da prisão preventiva. O paciente é primário, com bons antecedentes (fls. 68/69 - TJ), demonstrou possuir ocupação lícita (mov. 1.7 dos autos nº 0017941-15.2014.8.16.0013), residência fixa (mov. 1.2 e 1.3 dos autos nº 0017941-15.2014.8.16.0013), além de não haver notícia de que apresenta risco à instrução criminal e a ordem pública. Observa-se que a ilustre magistrada a quo se vale da gravidade abstrata do delito para justificar a manutenção da prisão preventiva do paciente, ressaltando o temor social que a criminalidade impõe à sociedade (fls.41/43 TJ), sem olvidar que não houve ponderação acerca de qualquer elemento que exacerbe a normalidade do crime em questão. Quanto a isto, é cediço o entendimento de que a mera gravidade abstrata não permite, por si só, a decretação da prisão preventiva.
Ora, não houve a exposição dos motivos pelos quais o paciente coloca em risco ordem pública, tampouco a necessidade da manutenção da prisão preventiva calcada no caso concreto; o que implica em decisão ausente de fundamentação, ferindo o artigo 93, IX da Constituição Federal. Neste sentido: HABEAS CORPUS. DUPLA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCEPCIONALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE ABSTRATA DA CONDUTA. TRÁFICO DE DROGAS. 35G DE MACONHA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito implicada na impetração, salvo nas hipóteses de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, bem como nos casos de decisões manifestamente contrárias à jurisprudência desta Corte ou teratológicas. 2. No caso, a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva limitou-se a fazer afirmações a respeito da gravidade abstrata do delito de tráfico de drogas, em contrariedade à firme orientação jurisprudencial do Tribunal. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para assegurar ao paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação, ressalvada a possibilidade de expedição de nova ordem de prisão por fundamento superveniente. (STF - HC 121500, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 03/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 24- 06-2014 PUBLIC 25-06-2014). AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AGRAVANTE QUE PRETENDE INOVAR NA FUNDAMENTAÇÃO PARA JUSTIFICAR A SEGREGAÇÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. 1. A prisão preventiva é admitida nas hipóteses elencadas no art. 313 do Código de Processo Penal, quando expressamente justificadas na necessidade de se assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do mesmo Códex. 2. A existência de indícios de autoria e prova da materialidade bem como o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão preventiva se desvinculados de elementos concretos do caso. 3. Pretende o agravante trazer fundamentos não utilizados pelas instâncias ordinárias para justificar a segregação cautelar do paciente. 4. Não cabe a esta Corte, em ação exclusiva da defesa, acrescentar fundamentos para justificar a manutenção da custódia, devendo cingir-se à análise dos fundamentos lançados pelo magistrado singular e pelo Tribunal de origem. 5. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC 233.103/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 01/07/2014). HABEAS CORPUS. 1. "OPERAÇÃO NAVALHA". INQUÉRITO NO 544/BA, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2. ALEGAÇÃO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. 3. DECRETO PRISIONAL FUNDAMENTADO EM SUPOSTAS CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA. 4. SEGUNDO A
JURISPRUDÊNCIA DO STF, NÃO BASTA A MERA EXPLICITAÇÃO TEXTUAL DOS REQUISITOS PREVISTOS PELO ART. 312 DO CPP, MAS É INDISPENSÁVEL A INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE DEMONSTREM A NECESSIDADE DA SEGREGAÇÃO PREVENTIVA. PRECEDENTES. 5. A PRISÃO PREVENTIVA É MEDIDA EXCEPCIONAL QUE DEMANDA A EXPLICITAÇÃO DE FUNDAMENTOS CONSISTENTES E INDIVIDUALIZADOS COM RELAÇÃO A CADA UM DOS CIDADÃOS INVESTIGADOS (CF, ARTS. 93, IX E 5º, XLVI). 6. A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE, POR SI SÓ, NÃO JUSTIFICA A DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. 7. A BOA APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE CARÁTER PROCESSUAL, PRINCIPALMENTE A PROTEÇÃO JUDICIAL EFETIVA, PERMITE DISTINGUIR O ESTADO DE DIREITO DO ESTADO POLICIAL. 8. NÃO SE JUSTIFICA A PRISÃO PARA A MERA FINALIDADE DE OBTENÇÃO DE DEPOIMENTO. 9. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS APONTADOS PELA PRISÃO PREVENTIVA NO QUE CONCERNE AO RISCO DE CONTINUIDADE DA PRÁTICA DE DELITOS EM RAZÃO DA IMINÊNCIA DE LIBERAÇÃO DE RECURSOS DO PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO (PAC). 10. MOTIVAÇÃO INSUFICIENTE. 11. ORDEM DEFERIDA PARA REVOGAR A PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EM FACE DA PACIENTE. (STF - HC 91524, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 18/03/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-05 PP-00950).
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. 2. In casu, a fundamentação apresentada pelas instâncias precedentes vincula-se essencialmente à gravidade abstrata do delito, deixando de apontar circunstâncias concretas do crime que justifiquem a excepcionalidade da medida. 3. Recurso ordinário provido a fim de que o recorrente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma ou mais dentre as medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade. (STJ - RHC 42.994/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 14/04/2014).
Assim, em sendo carente de fundamentos concretos a decisão proferida pela magistrada a quo, não se justifica manter o paciente preso preventivamente, sendo aplicáveis, ao caso, as medidas cautelares previstas no art. 319, do Código de Processo Penal.
A Lei nº 12.403/2011 estabeleceu um rol de medidas cautelares diversas, substitutivas da prisão preventiva, a fim de possibilitar que o acusado responda o processo em liberdade sem que, com isso, não se mantenha uma garantia mínima ao bom andamento do processo. Neste sentido, entendo ser plenamente possível fixar, ao presente caso, as medidas previstas nos incisos I, IV e V, do artigo 319, do Código de Processo Penal, quais sejam, o comparecimento periódico em juízo para justificar suas atividades, a proibição de se ausentar da Comarca de sua residência sem a prévia autorização do juízo; e o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga de seu trabalho. Ressalte-se que o cumprimento de tais imposições deverá perdurar até a prolação de sentença no primeiro grau de jurisdição, admitindo-se serem revistas ou revogadas a qualquer tempo caso descumpridas pelo paciente, o que poderá ensejar novo decreto de prisão preventiva pelo Juízo do processo e fiscalizador das medidas, consoante dispõe o artigo 282, §4º, do Código de Processo Penal. Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e conceder a ordem impetrada no presente Habeas Corpus, em razão do que determinar a consequente expedição de alvará de soltura, pelo Juízo a quo, em prol do paciente, se por outro motivo não estiver preso, prescrevendo-lhe, no entanto, as medidas cautelares supramencionadas.
ACÓRDÃO ACORDAM os Magistrados integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e conceder a ordem impetrada, para o efeito de revogar o decreto de prisão preventiva, nos termos do voto da Relatora. Expeça-se ofício ao Juízo impetrado comunicando o teor do acórdão e requisitando a lavratura do respectivo termo de compromisso, além da expedição, caso aceitas as imposições das medidas assecuratórias, do respectivo alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso.
PARTICIPARAM do julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Lídia Maejima (com voto), a Excelentíssima Senhora Juíza Subst. em 2º Grau Dilmari Helena Kessler. Curitiba, 24 de setembro de 2014.
Juíza Subst. 2º G. LUCIANE R.C.LUDOVICO Relatora
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