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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.250.135-8, DA 6ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA
APELANTE: SAMIRA FABIANA AUTOUN APELADA: CDM INFORMÁTICA E INGLÊS LTDA. RELATORA: DESEMBARGADORA ROSANA ANDRIGUETTO DE CARVALHO REL. SUBST.: JUIZ SUBSTITUTO EM 2º GRAU HUMBERTO GONÇALVES BRITO REVISOR: DESEMBARGADOR LUIZ TARO OYAMA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. NOTA PROMISSÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELO DO AUTOR. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ APLICADA EM SENTENÇA. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS INCISO II, ART. 17 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO E APLICAÇÃO DA PENA DE CONFESSO EM AUDIÊNCIA QUE NÃO CONFIGURAM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MERO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. SANÇÃO REVOGADA. BENEFÍCIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA CONCEDIDOS. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 1.250.135-8, da 6ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, em que é apelante SAMIRA FABIANA AUTOUN e apelada CDM INFORMÁTICA E INGLÊS LTDA.
RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação cível interposto por SAMIRA FABIANA AUTOUN da sentença proferida pela Juízo de Direito da 6.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina que, na ação declaratória de inexigibilidade de título cumulada com cancelamento de protesto nº 36028-60.2007.8.16.0014, julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Condenou-a, ainda, por litigância de má-fé, aplicando multa de 1% sobre o valor da causa e a incumbindo a indenizar os prejuízos liquidáveis da parte adversa, conforme disposição dos artigos 17, inciso II e 18 do CPC. Por fim, revogou o benefício da assistência judiciária concedida, por entender que a litigância de má-fé exige a pronta revogação do benefício (fls. 123/125). Inconformada, SAMIRA FABIANA AUTOUN apela (fls. 132/140), alegando, em síntese, que o magistrado não poderia ter aplicado a sanção por litigância de má-fé, pois não incorreu em nenhuma hipótese do art. 17 do CPC, exercendo, apenas, seu direito de ação constitucionalmente garantido. Ao final, pleiteia a concessão da assistência judiciária gratuita revogada na sentença. Contrarrazões às fls. 148/152, pelo não provimento do recurso. É o relatório, em síntese. VOTO E FUNDAMENTAÇÃO Em análise aos pressupostos extrínsecos de admissibilidade - tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo -, e intrínsecos - legitimidade, interesse e cabimento -, voto pelo conhecimento do recurso.
Cinge-se a controvérsia na possibilidade de aplicar a litigância de má-fé no caso concreto, bem como, em razão de sua aplicação revogar o benefício da assistência judiciária gratuita. A esse respeito o magistrado aplicou a litigância de má- fé, incisos I e II do art. 17 do CPC, entendendo que a parte autora teria alterado a verdade dos fatos, presumida nos autos diante da ausência de impugnação aos fatos modificativos alegados na contestação. Por fim, revogou o benefício da assistência judiciária concedida, por entender que a litigância de má-fé exige a pronta revogação do benefício. Por outro lado a autora alega que apenas utilizou seu direito de ação constitucionalmente garantido. Com razão a autora. Observando-se os autos verifica-se que a autora ingressou com ação declaratória de inexigibilidade da nota promissória protestada pela empresa CDM INFORMÁTICA E INGLÊS LTDA. Asseverou que havia contratado curso de informática com a ré e que havia quitado completamente seus débitos, não existindo razão para o protesto da nota promissória no valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais). Alegou que a empresa teria encerrados suas atividades, razão pela qual foi obrigada a ingressar com a ação para o cancelamento do título (fls. 02/07). Por sua vez, em contestação, a empresa CDM INFORMÁTICA E INGLÊS LTDA. alegou que apesar de ter concluído o curso a autora teria remanescido inadimplente de parte da última prestação, sendo protestada apenas em R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) (fls. 23/33). Ocorre que, embora intimada a prestar o seu depoimento pessoal, a autora SAMIRA FABIANA AUTOUN e sua procuradora deixaram de comparecer à audiência, aplicando o magistrado a pena de confesso e encerrando a instrução processual (fls. 123/125). Como dito, em sentença, o magistrado aplicou a litigância de má-fé, incisos I e II do art. 17 do CPC, entendendo que a parte autora teria alterado a verdade dos fatos, presumida nos autos diante da ausência de impugnação aos fatos modificativos alegados na contestação e
da aplicação da pena de confesso por não comparecer à audiência, revogando o benefício da assistência judiciária concedida. Entretanto, em que pese seu entendimento não pode prevalecer, pois embora fundamente a aplicação da medida nos incisos I e II do art. 17 do CPC, não demonstrou a contento que a parte teria alterado a verdade dos fatos. Ora, as atitudes da autora não demonstram que deduziu pretensão ou defesa contra fato expresso de lei ou fato incontroverso (inciso I do art. 17 do CPC) ou teria alterado a verdade dos fatos (inciso II do art. 17 do CPC). Pelo contrário, verifica-se que autora apenas utilizou-se do seu direito constitucional de ver sua demanda apreciada pelo judiciário com todos os meios a ela inerentes contraditório e ampla defesa (art. 5, XXXV e LV, da CF). No caso dos autos não se pode dizer que a autora teria alterado a verdade apenas por não ter impugnado a contestação ou deixado de comparecer a audiência, pois como o próprio magistrado asseverou trata-se de "verdade presumida, ou seja, não há certeza do que realmente ocorreu. Nesse sentido Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero esclarecem que "a alteração da verdade dos fatos pela parte, a fim de que se configure litigância de má-fé, tem de ter sido intencional, com manifesto propósito de induzir o órgão jurisdicional em erro. Representação diversa da realidade de uma e de outra parte, por si só, não configuram litigância de má-fé." (in: Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p. 115.) Corrobora a jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ERRO NA QUALIFICAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO. INDICAÇÃO DE HOMÔNIMO DO RÉU. LITIGÂNCIA DE MÁ- FÉ. NÃO-CONFIGURAÇÃO. 1 - A conduta de qualificar na exordial homônimo da pessoa que se pretendia indicar como ré na ação de
improbidade, embora reprovável, não denota deslealdade processual apta a ensejar condenação por litigância de má-fé. 2 - O termo "alteração da verdade dos fatos" pressupõe a intenção de faltar com a verdade para tentar induzir o julgador em erro e assim obter vantagem, o que não ocorreu na espécie. 3 (...) 5. Recurso especial parcialmente provido, para afastar a multa e a indenização por litigância de má-fé aplicadas contra a União, mantida, entretanto, a verba honorária sucumbencial, ante o princípio da causalidade. (REsp 1200098/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 19/08/2014) grifei.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DERIVADA DA SEGUNDA FASE DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - DECISÃO QUE CONDENA O IMPUGNANTE AO PAGAMENTO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AUSÊNCIA DE PROVA IRREFUTÁVEL DA EXISTÊNCIA DE DOLO PARA ALTERAR A VERDADE DOS FATOS E PROVOCAR INCIDENTES MANIFESTAMENTE INFUNDADOS - OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO QUE NÃO CARACTERIZA MÁ-FÉ PROCESSUAL, AINDA QUE COM PROPÓSITO DE EFEITOS INFRINGENTES - PRECEDENTES - REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA - APLICAÇÃO DO PAR. 1º-A DO ART. 557 DO CPC. (TJPR - 15ª C.Cível - AC 1242977-1 Decisão Monocrática - Rel.: Elizabeth M F Rocha J. 11/07/2014) grifei.
Portanto, diante da ausência de demonstração de que a parte alterou a verdade dos fatos, não é possível manter as sanções da litigância de má-fé. Por fim, devem ser restituídos os benefícios da assistência judiciária gratuita revogados na sentença, por ser um direito fundamental previsto no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, regulamentada pela Lei nº 1.060/50, que estabelece, em seu artigo 4º, que a mera alegação de insuficiência econômica para o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo próprio ou de sua família, é suficiente para o deferimento do benefício, o que foi realizado pela parte em duas oportunidades (fls. 06 e 143).
Saliente-se, ainda, que a autora comprovou ter renda líquida pouco superior a um salário mínimo (fls. 144). Dessa forma, dou provimento ao recurso de apelação cível, a fim de afastar as sanções da litigância de má-fé e deferir o benefício da assistência judiciária gratuita, mantendo-se, no demais a sentença. DISPOSITIVO Acordam os Excelentíssimos Desembargadores integrantes da 13ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes de Direito Subst. de 2º Grau Luciano Carrasco Falavinha Souza e Luiz Henrique Miranda. Curitiba, 22 de outubro de 2014.
HUMBERTO GONÇALVES DE BRITO JUIZ SUBSTITUTO 2º GRAU
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