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Acórdão
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Digitally signed by LEONEL CUNHA:25816 Date: 2014.11.06 14:41:43 BRST Reason: Validade Legal Location: Paraná - Brasil APELAÇÃO CÍVEL Nº 1252591-4, DA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ FORO CENTRAL DE MARINGÁ 6ª VARA CÍVEL. Apelante: AEDEC - ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS E DE DEFESA DO CONTRIBUINTE E DO CONSUMIDOR. Apelados: COCAMAR COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL E OUTRO. Relator: DES. NILSON MIZUTA. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL NA MATRÍCULA DO IMÓVEL E DE DANO AMBIENTAL. ANÁLISE DE MÉRITO DA LIDE, NOS TERMOS DO ARTIGO. 515, § 3º, DO CPC. IMPOSIÇÃO DA AVERBAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INEXIGIBILIDADE LEGAL, JÁ QUE O CADASTRO AMBIENTAL RUAL CAR, AINDA NÃO FOI IMPLEMENTADO. LEGITIMIDADE ATIVA NÃO VERIFICADA. FALTA DE REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA. AUSÊNCIA DE PROVAS DOS SUPOSTOS DANOS AMBIENTAIS. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. CONDIÇÕES DE AÇÃO NÃO VERIFICADAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFIGURADA. APLICAÇÃO DO ART. 18 DO CPC C/C ART. 17 DA LEI nº 7.347/85. 1. Sem a implementação do Cadastro Ambiental Rural CAR, não é possível impor ao proprietário a obrigação de averbação da reserva legal, o que evidencia a impossibilidade jurídica do pedido. 2. "Este Tribunal já reconheceu ilegitimidade ativa da AEDEC em caso análogo, pois, as associações civis necessitam ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse transindividual que pretendam tutelar em juízo. Não podem ter estatutos com finalidades tão genéricas e amplas que se mostrem abertas a atuar em qualquer tema. Ou seja, a generalidade dos fins da associação não pode ser desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a representatividade adequada do grupo lesado. (nesse sentido: MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 329)." (TJPR AP nº 1147036-3, Rel. Dr. Rogério Ribas) 3. "No exame de apelação interposta contra sentença que tenha julgado o processo sem resolução de mérito, o Tribunal pode julgar desde logo a lide, mediante a aplicação do procedimento previsto no art. 515, § 3º, do CPC, na hipótese em que não houver necessidade de produção de provas (causa madura), ainda que, para a análise do recurso, seja inevitável a apreciação do acervo probatório contido nos autos." (STJ Informativo nº 528). 4. O ajuizamento de demanda com o nítido intuito de obter vantagem financeira indevida autoriza a condenação da autora à má-fé, nos termos dos art.(s) 17 e 18 do CPC, c/c art. 17 da Lei nº 7.347/85 RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Civil nº 1252591-4, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Maringá Foro Central 6ª Vara Cível, em que são: apelante AEDEC - ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS E DE DEFESA DO CONTRIBUINTE E DO CONSUMIDOR, e apelados COCAMAR COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL e LUIZ SÉRGIO MORI. RELATÓRIO AEDEC - Associação de Estudos e de Defesa do Contribuinte e do Consumidor ajuizou a Ação Civil Pública Ambiental de Imposição de Obrigação de Fazer e Não Fazer, cumulada com Notificação por Dano Ambiental, com possibilidade de imposição de
indenização pecuniária, contra LUIZ SÉRGIO MORI, E INTERESSADOS o BANCO DO BRASIL S.A. e a COCAMAR COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL. Alegou, em resumo, que o réu Luiz Sérgio Mori era proprietário dos lotes de terras nº(s) 88 e 88/1 subdivisão do 88-B e 88-81, com uma área de 11,50 alqueires paulistas, situados na Gleba Ribeirão Caxias, Município de Floresta, Comarca de Maringá, PR, consoante matrícula imobiliária nº 16.917, do CRI da Comarca de Maringá - PR, conforme cópia juntada. Sustentou a autora que o imóvel rural em tela não atendia ao percentual mínimo de 20% da área total para a reserva legal, além de não existir o devido registro junto à matrícula do bem desta área protegida. Arguiu que segundo a legislação correspondente o imóvel deveria possuir a área de reserva legal. Requereu, em síntese: a) a determinação para que o réu procedesse na recuperação da vegetação da reserva legal, que foi eliminada indevidamente; b) a condenação do réu para que cessasse a exploração da atividade na área de reserva legal; c) a determinação para que o requerido procedesse no registro e averbação da área de reserva legal junto à matrícula imobiliária do seu imóvel; e, e) a condenação ao pagamento das custas e honorários. A Cocamar apresentou Contestação (fls. 69/97). Peticionou a AEDEC pugnando pela desistência da lide com relação ao Banco do Brasil e a Cocamar (fl. 111).
A AEDEC também apresentou Impugnação à Contestação da Cocamar (fls. 113/171). A Cocamar apresentou Impugnação ao valor da causa (fl. 173). Sobreveio r. sentença que julgou extinto o processo, nos termos do artigo art. 267, inc. VI do CPC, sem resolução de mérito, ante a falta de pressuposto processual. Condenou a parte autora à litigância de má-fé, no percentual de 1% sobre o valor da causa, nos termos do art. 18, caput, CPC. Condenou, ainda, ao pagamento das custas processuais, além dos honorários advocatícios, que foram fixados em R$ 1.500,00. Julgou por fim, improcedente a Impugnação ao valor da causa (fls. 180/188). Insatisfeita com a decisão proferida, a AEDEC interpôs o presente recurso de Apelação arguindo, dentre vários pontos, que o fato de não constar, na matrícula do imóvel, a averbação da Reserva Legal já seria prova suficiente para a propositura da lide. Argui que o entendimento jurisprudencial a respeito da necessidade de averbação da Reserva Legal é no sentido de que, enquanto não implantado o CAR, como no Estado do Paraná, persiste a obrigação de averbação na matrícula imobiliária.
Também explana que a falta da menção de seu endereço na peça inicial, não seria motivo suficiente para extinção do feito, pois segundo os comandos do Código de Processo Civil, caberia ao MM. Juiz determinar a emenda à inicial. Ainda insite que a procuração e outros documentos juntados também conteriam seu endereço, configurando assim rigorismo exagerado por parte do douto julgador. Quanto à condenação à má-fé, argumenta que não poderia haver tal condenação, pois sua tese estaria fundamentada em lei e entendimento jurisprudencial. Pugna, ao final, pelo acolhimento das razões constantes no apelo, declarando-se nula a sentença recorrida. A Cocamar apresentou Contrarrazões (fls. 233/238). A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou- se pelo provimento da Apelação interposta pela AEDEC (fls. 11/19- TJ). VOTO Inicialmente, cumpre consignar que nos termos do art. 19 da Lei n. 4.717/65, e com base na jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o apelo também deve ser conhecido em sede de reexame necessário : "Por aplicação analógica da primeira parte do art.
19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (STJ. REsp 1108542/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 29/05/2009). Portanto, conheço do presente recurso também em sede de Reexame Necessário. Trata-se de recurso de Apelação interposto pela AEDEC - Associação de Estudos e de Defesa do Contribuinte e do Consumidor, contra a sentença que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, ante a falta de pressuposto processual, além de condenar a recorrente à má-fé e ao pagamento das custas e despesas processuais. Insiste, em síntese, que: a) a falta de averbação da Reseva Legal na matrícula do imóvel já seria prova suficiente para o ajuizamento da lide e do descumprimento da obrigação legal do proprietário; b) na falta de implementação/criação do CAR, a averbação deveria ser realizada na matrícula do bem; c) que a falta de endereço da recorrente na peça inicial não seria motivo suficiente para extinção da lide; e, d) que não poderia ser condenada à má-fé porque sua tese estaria fundamentada em lei e jurisprudência. A apelante não merece amparo em suas razões. Inicialmente registre-se a extinção do feito não ocorreu pela falta de endereço na petição inicial.
Da leitura da r. sentença, pode-se extrair que o fundamento utilizado pelo MM. Juiz para extinção da lide foi a falta de interesse processual, representado pela inexistência de regulamentação quanto à obrigatoriedade de averbação no CAR. A menção à falta de endereço da recorrente na exordial somente ocorreu a título de observação, como, aliás, o próprio douto Magistrado, Dr. Belchior Soares da Silva ressaltou: "Frisa-se, ainda a título de observação, que a Requerente não menciona na exordial o seu endereço, sendo esse requisito necessário da petição inicial, de acordo com o art. 282, II, CPC." (fl. 183) (sublinhei) A AEDEC também se insurge defendendo a obrigatoriedade de registro da chamada "Reserva Legal" no CAR, ou na inexistência deste, no respectivo registro de imóvel. Ocorre que o CAR sequer foi implementado, como a própria apelante reconhece: "(...) enquanto não implantado o CAR (Cadastro Ambiental Rural) como acontece no Estado do Paraná (...)." (fl. 211) Por oportuno, sobre a ausência de obrigatoriedade legal da averbação da Reserva Legal, cumpre fazer menção ao Parecer do Ministério Público de Primeiro Grau, em caso análogo, constante na Apelação nº 1259846-2, também de minha relatoria:
"A problemática, no entanto, reside na disposição inserida no parágrafo 4º, no artigo 18, do Novo Código Florestal (§4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato." - Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012 grifo nosso). Em que pesem outras interpretações e posicionamentos já adotados a respeito (ainda não é questão pacificada), entendemos, salvo melhor juízo, que a melhor interpretação a ser dada ao texto legal em referência, seria a de que o legislador, na realidade, facultou ao proprietário rural optar pelo CAR ou pela averbação, e assim, há uma período de tolerância até a implantação do CAR. Mesmo porque, por mais que se exigisse a averbação, esta seria, hoje, impossível de ser executada na prática, porque, aqui no Estado do Paraná, o IAP tem recomendação para não firmar Termo de Compromisso até que seja efetivamente implantado o CAR (Portaria nº 249/2013), e, ainda, a Corregedoria Geral da Justiça, em decisão administrativa, suspendeu por 90 (noventa) dias, a partir de setembro de 2013, a exigência da averbação da área de reserva legal nas transações imobiliárias, e, por esta razão, os Cartórios de Registros de Imóveis não estão exigindo a averbação das áreas (salvo os casos que já estavam em andamento e que já possuíam o Termo de Compromisso com o IAP). Tanto a averbação quanto o registro junto ao CAR, são instrumentos utilizados para a demarcação da área de Reserva Legal (a ausência do registro não leva à conclusão lógica de que a propriedade não teria isolado a referida área). Assim, como não há sequer exigência na esfera administrativa, também não poderia ser exigível a mesma na esfera judicial (porém, a conclusão não é a mesma para a
existência da área de reserva legal, que continua sendo exigida)." (fls. 67/68). Ora, se a própria legislação ambiental somente atribui obrigatoriedade da averbação após a implantação do CAR, e como este cadastro, como a própria recorrente reconhece, ainda não foi implementado, não há como impor, neste momento, tal obrigação aos apelados, o que resulta, no caso em exame, na impossibilidade jurídica do pedido formulado pela autora/recorrente. Sobre a extinção do processo pela impossibilidade jurídica do pedido, o Código de Processo Civil é expresso: "Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;" Acerca da possibilidade jurídica do pedido, Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni lecionam que: "Se determinado pedido é excluído pelo ordenamento jurídico, não existindo sequer a possibilidade de alguém exigir sua realização no plano do direito material, não há pretensão de direito material (...)." (in, Manual do Processo de Conhecimento. 5ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.64)
Portanto, não sendo exigível, neste momento, a averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, não há como ser acolhido o pleito que busca impor tal obrigação aos proprietários. Além disso, a demanda ajuizada também falece de interesse de agir, pois não existe interesse processual quanto à alegação de danos à reserva legal, já que a lide não apresenta o mínimo suporte legal e probatório sobre os supostos danos ambientais. Em sua peça inicial, a recorrente assenta que: "No presente caso em tela, observa-se que na parte destinada à Reserva Legal o(s) requerido(s) explora(m) a atividade de agropecuária, não só a área equivalente a Reserva Legal, mas toda a área aberta está sendo explorada." (fl. 18) Todavia, não há, em todo o proceso, qualquer elemento, mínimo que seja, que comprove as atividades econômicas na área de preservação permanente. O que existe são acusações genéricas e sem qualquer elemento probatório capaz de demonstrar a suposta exploração indevida da vegetação. Como Nelson Nery Junior registra: "O interesse processual se consubstancia na necessidade de o autor vir a juízo e na utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar." (in, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 167)
Sem qualquer descrição dos alegados danos ambientais, ou das supostas atividades danosas ao meio ambiente, não há que se falar em utilidade para a presente demanda, pois não existem elementos probatórios indicativos dos alegados prejuízos à Reserva Legal. Nesta seara, destaque-se que para que ocorra a acusação de dano à chamada Reserva Legal, antes de mais nada, seria necessária a prévia definição desta área dentro do imóvel, bem como indicação razoável dos supostos danos ambientais causados. Nenhuma destas consta nos autos. Para definição da Reserva Legal dentro do imóvel, a legislação elenca condições a serem observadas para delimitação desta área: "Art. 14. A localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios: I - o plano de bacia hidrográfica; II - o Zoneamento Ecológico-Econômico III - a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida; IV - as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e V - as áreas de maior fragilidade ambiental.
§ 1º. O órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a localização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei." Ou seja, não há como identificar ações danosas à área protegida quando não se conhece qual espaço do imóvel foi qualificado como tal. Ademais, consultando todo caderno processual, constata-se a ausência de notificação ou interpelação da Associação aos recorridos, inspeção no local, ou eventual negativa de acesso à propriedade por seu proprietário, para verificação dos alegados danos ambientais, como previsto no art. 51, da Lei nº 12.651/2012: "Art. 51. O órgão ambiental competente, ao tomar conhecimento do desmatamento em desacordo com o disposto nesta Lei, deverá embargar a obra ou atividade que deu causa ao uso alternativo do solo, como medida administrativa voltada a impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada". Portanto, além da impossibilidade jurídica do pedido pela inexigibilidade da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel neste momento, a autora/recorrente também carece de interesse processual, pois não há como pleitear a recomposição da suposta área danificada sem que esta seja previamente delimitada e conhecida.
Por fim, e talvez como fundamento mais relevante, cumpre também assentar a improcedência da demanda pela falta de legitimidade ativa da associação autora. De acordo com recente entendimento da Câmara, a Associação de Estudos e de Defesa do Contribuinte e do Consumidor não é parte legítima para a propositura de Ações Civis Públicas para proteção da Reserva Legal. A legitimação ativa na Ação Civil Pública é descrita pelo legislador no art. 5º da Lei 7.347/85: "Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
(...) § 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido." Os requisitos constantes das alíneas "a" (pré- constituição de um ano) e "b" (pertinência temática), do inciso V do dispositivo transcrito, têm sido identificados como elementos para que se configure a representatividade adequada da associação. No caso da AEDEC tem-se discutido sobre sua legitimidade ativa para a propositura de Ações Civis Públicas que buscam compelir proprietários de áreas rurais à observância da Reserva Legal. Em várias ações semelhantes, e como já assentado na presente análise, verificou-se que a associação não indica a área de reserva legal, tampouco os danos ambientais que foram ou podem ser causados. Ainda, ficou constatado que muitas ações foram protocoladas durante o período conferido aos proprietários rurais, pelo art. 29, §3º, da Lei nº 12.651/2012, para que adequassem suas áreas às novas exigências legais. Cabe também registrar que por ocasião dos julgamentos das apelações nºs 1133122-5 e 1133054-2, de minha relatoria, pode-se constatar que esta AEDEC foi autora de inúmeras ações com a mesma causa de pedir, inclusive, sendo tal fato
noticiado naqueles autos pelo Sindicado Rural de Mandaguari, que informava: "A AEDEC Asso ciação de Estudos e de Defesa do Contribuinte e do Consumidor está propondo inúmeras ações neste juízo, sob a pretensa qualidade de defensora do meio ambiente, através de uma `Ação Civil Pública Ambiental de Imposição de Obrigação de Fazer e Não Fazer', cumulada com a notificação por dano ambiental sujeita á indenização pecuniária (...) citado o produtor rural, a associação entra em contato com o mesmo apresentando-lhe um `Termo de Ajustamento de Conduta', com o objetivo de por fim a demanda, desde que o produtor se comprometa `ao pagamento dos honorários profissionais em favor das empresas de advocacia que prestam serviço a autora, ou seja, a Consultoria e Advocacia Diniz, cujo profissional é também o Presidente da Associação'" (AP 1118518-5 e 1133054-2). Na espécie, o que se verifica é que os advogados da AEDEC (fl. 24 e fl. 27) correspondem, respectivamente, ao próprio Presidente da Associação e ao seu Tesoureiro (fl. 25). Somente a título exemplificativo, nas apelações nº 1118518-5 e nº 1133054-2 também constava cópia do "Termo de Ajustamento de Conduta" que previa, dentre outros pontos, o pagamento "de honorários profissionais em favor das empresas de advocacia Diniz advogados Associados (CNPJ n. 09.027.725/0001- 48 e Jhonathas Sucupira Assessoria LTDA (CNPJ n. 13.496.707/0001- 82), pelo importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), autorizando a emissão de boleto (s) bancário (s) e/ou duplicata (s) ou letra (s) de cãmbio."
Ora, não há como fechar os olhos para o fato de que o escritório de advocacia responsável pela celebração dos acordos entre os proprietários rurais e a AEDEC, para a desistência das ações, era constituído pelo Presidente e pelo Tesoureiro da própria AEDEC, exatamente como acontece nestes autos, conforme se colhe das fls. 24 e 27. Como se depreende, a associação tem sido utilizada por seus diretores para o atingimento de fins particulares e escusos, desvirtuando-se de sua finalidade precípua, que é a defesa de interesses de seus associados. Sobre a legitimidade de associações como a que ora recorre, Swarai Cervone de Oliveira defende que, paralelamente à possibilidade de se dispensar o requisito de pré-constituição de um ano, "para que se garanta a coerência do sistema, deve-se aceitar que o juiz possa, diante de um caso claro de falta de representatividade da associação, negar a sua legitimação, muito embora preencha os requisitos subjetivos. O juiz poderá verificar, por exemplo, o histórico da associação e sua conduta na defesa, em juízo ou fora dele, dos direitos e interesses tutelados". (In: Poderes do Juiz nas Ações Coletivas, São Paulo, Atlas, 2009, p. 64). Inserindo tal ensinamento à espécie, forçoso reconhecer que a AEDEC não possui representatividade para o ajuizamento destas ações coletivas. Mesmo que estejam presentes as exigências previstas na legislação (constituição a mais de um ano; pertinência
temática), a recorrente não tem demonstrado sua aptidão para a defesa dos direitos que pretende tutelar. Além disso, suas finalidades institucionais expostas em seu estatuto social abrangem tantas áreas do direito que se torna difícil definir ao certo qual seria sua real atuação. É importante que se diga que não se ignora a possibilidade de que sejam constituídas associações com mais de um objeto social, nem se está afirmando que falta representatividade adequada àquelas que possuem objetos genéricos. O que se defende é que a generalidade de suas funções, de forma desarrazoada, confirma a tese de que a recorrente está sendo utilizada com exclusiva finalidade de beneficiar patrimonialmente seus diretores, que se aventuram em ações judiciais infundadas como forma de coerção para buscar transação extrajudicial e pagamento por honorários. Sobre a ausência de pertinência temática destas associações, são oportunos os julgados: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PREJUÍZO INDEMONSTRADO. NULIDADE INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. (...) 2. A pertinência temática é imprescindível para configurar a legitimatio ad causam do sindicato,
consoante cediço na jurisprudência do E. S.T.F na ADI 3472/DF, Sepúlveda Pertence, DJ de 24.06.2005 e ADI-QO 1282/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 29.11.2002 e do S.T.J: REsp 782961/RJ, desta relatoria, DJ de 23.11.2006, REsp 487.202/RJ, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ 24/05/2004. 3. A representatividade adequada sob esse enfoque tem merecido destaque na doutrina; senão vejamos: "(...) A pertinência temática significa que as associações civis devem incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses objetivados na ação civil pública ou coletiva por elas propostas, dispensada, embora, a autorização de assembleia. Em outras palavras, a pertinência temática é a adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional. As associações civis necessitam, portanto, ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse transindividual que pretendam tutelar em juízo. Entretanto, essa finalidade pode ser razoavelmente genérica; não é preciso que uma associação civil seja constituída para defender em juízo especificamente aquele exato interesse controvertido na hipótese concreta. Em outras palavras, de forma correta já se entendeu, por exemplo, que uma associação civil que tenha por finalidade a defesa do consumidor pode propor ação coletiva em favor de participantes que tenham desistido de consórcio de veículos, não se exigindo tenha sido instituída para a defesa específica de interesses de consorciados de veículos, desistentes ou inadimplentes. Essa generalidade não pode ser, entretanto, desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a exigência de representatividade adequada do grupo lesado. (...)" in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, Hugo Nigro Mazzilii, São Paulo, Saraiva,
2006, p. 277/278." (STJ, AgRg no REsp 901936/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 16/03/2009) "AÇÃO COLETIVA. ADCON. CEF. PLANOS VERÃO E COLLOR. CADERNETA DE POUPANÇA. DIFERENÇA DE RENDIMENTOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. (...) No caso, há a falta de pertinência temática quando a entidade autora é montada para fins genéricos. Entidade vaga que se arvora em representante de toda a população de poupadores, sem que os interessados conheçam a entidade, saibam da questão, e sem que o próprio Judiciário, muitas vezes, se dê conta dos problemas gerados com tais pseudo-ações coletivas (expressão de ilustre jurista, Dr. Luiz Paulo da Silva Araújo). Associação com finalidade muito genérica não preenche os requisitos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85." (TRF2, Apelação Cível e Reexame Necessário nº 475927 200851010246950, Sexta Turma Especializada, rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, j. 16/08/2010) Consta da fundamentação do voto: "a lei exige finalidade específica. Seu objetivo foi estimular o nascimento de entes da sociedade civil, que se estabilizem e se façam conhecidos em tais e quais campos e, assim, possam usar das benesses processuais, quando for o caso, das ações coletivas. O que não se quer é a montagem de associações de gaveta, que nas floresçam da sociedade civil, e sim apenas para poder litigar em todos os campos com o benefícios do artigo 18 da Lei de Ação Civil Pública." "APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO. "AEDEC" - ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS E DE
DEFESA DO CONTRIBUINTE E DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL DE IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER, C/C NOTIFICAÇÃO POR DANO AMBIENTAL SUJEITO A INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES QUANTO ÀS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS EM IMÓVEL DOS APELADOS. RESERVA LEGAL SEM REGISTRO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO, E NECESSITANDO DE RECOMPOSIÇÃO. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA DE PLANO PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. ILEGITIMIDADE ATIVA DA AEDEC - ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS E DE DEFESA DO CONTRIBUINTE E DO CONSUMIDOR. ESTATUTO QUE APONTA DIVERSAS FINALIDADES, COM EXTREMA GENERALIDADE. PRESIDENTE DA ENTIDADE QUE TAMBÉM ATUA COMO SEU ADVOGADO.ENTENDIMENTO PELA AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. ART. 5º, INCISO V, ALÍNEA B DA LEI 7.537/85 (LACP). EVIDÊNCIAS DE ABUSO DE DIREITO NO ATUAR DA REFERIDA ASSOCIAÇÃO.PRECEDENTES DA CORTE EM CASOS ANÁLOGOS ENVOLVENDO A MESMA ASSOCIAÇÃO. PETIÇÃO INICIAL INSTRUÍDA APENAS COM CÓPIA DA MATRÍCULA IMOBILIÁRIA, SEM SEQUER APRESENTAR RELATÓRIO DE VISTORIA IN LOCO OU QUALQUER OUTRO ELEMENTO CAPAZ DE DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE RESERVA LEGAL NO LOCAL. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA DEMANDA.A)- RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.SENTENÇA MANTIDA TAMBÉM EM REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO.B)- REMESSA DE CÓPIA DESTE ACÓRDÃO À PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA PARA APURAR EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE OU ABUSO DE DIREITO DA ASSOCIAÇÃO AUTORA. Este Tribunal já reconheceu ilegitimidade ativa da AEDEC em caso análogo, pois, as associações civis necessitam ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse transindividual que pretendam tutelar em juízo. Não
podem ter estatutos com finalidades tão genéricas e amplas que se mostrem abertas a atuar em qualquer tema. Ou seja, a generalidade dos fins da associação não pode ser desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a representatividade adequada do grupo lesado. (nesse sentido: MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 329)." (TJPR AP nº 1142248-3. Rel. Dr. Rogério Ribas. 5ª Câmara Cível. J.: 27/05/2014. DJ: 1350 04/06/2014) Nesse contexto, entendo que a AEDEC é parte ilegítima para o ajuizamento dessas Ações Civis Públicas, em razão da ausência de representatividade adequada (art. 5º, V, "b", da Lei 7.347/85). Quanto à condenação à má-fé, também sem êxito as arguições da apelante. O Código de Processo Civil, sobre a má-fé estipula: "Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (...) III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal." NELSON NERY JUNIOR conceitua litigância de má- fé: "É a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou
impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no CPC 14". E acrescenta: "O litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe ser indevida". (in, Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 213/214) (sublinhei) Como se depreende de toda a demanda, claramente o objetivo da AEDEC era obter vantagem econômica através do ajuizamento indevido de ações, induzindo os proprietários rurais à celebração de Termo de Ajustamento, no qual os requeridos se comprometiam a pagar honorários advocatícios em favor dos representantes da autora. Assim, bem configurada a má-fé em suas ações. Sobre a matéria são oportunos os julgados: "PROCESSUAL CIVIL - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ RECONHECIMENTO - PRESSUPOSTOS - I - Entende o Superior Tribunal de Justiça que o artigo 17 do Código de Processo Civil, ao definir os contornos dos atos que justificam a aplicação de pena pecuniária por litigância de má-fé, pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade (...)" (STJ - RESP 334259 - RJ - 3ª T. - Rel. Min. Castro Filho DJU 10.03.2003). (sublinhei)
"(...) 2. O art. 18 do Código de Processo Civil autoriza o Magistrado, de ofício ou a requerimento, condenar o litigante de má-fé. Dessa forma, não se cogita da ocorrência de reformatio in pejus pelo fato de o Tribunal a quo ter condenado a agravante nas penas cominadas no mencionado dispositivo, sem provocação da parte contrária, por haver manifestamente alterado a verdade dos fatos." (STJ - AgRg no Ag 1226379 / RS. Rel. Min. RAUL ARAÚJO. QUARTA TURMA. J.: 07/04/2011. DJe 18/04/2011) Quanto à má-fé, a Lei nº 7.347/85 especifica: "Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos." Portanto, ainda que por fundamento diverso, a declaração da litigância de má-fé da recorrente deve ser mantida. Sendo assim, considerando a ausência de comprovação do desmatamento na propriedade, a inexigibilidade da averbação da reserva legal até a criação do CAR, e, principalmente, pela nítida litigância de má-fé da recorrente, deve ser mantida a sentença recorrida, com base nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil, c/c artigo 17 da Lei nº 7.347/85. Do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto por AEDEC ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS E DE
DEFESA DO CONTRIBUINTE E DO CONSUMIDOR, e de manter a r. sentença em sede de Reexame Necessário. ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso interposto por AEDEC- ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS E DE DEFESA DO CONTRIBUINTE E DO CONSUMIDOR, e em manter a r. sentença em sede de Reexame Necessário. Vencido o Senhor Desembargador LEONEL CUNHA, que dá provimento ao recurso e julga prejudicado o Reexame Necessário, conhecido de ofício, com declaração de voto em separado. A sessão foi presidida pelo Senhor Desembargador NILSON MIZUTA, com voto, e participaram do julgamento os Senhores Desembargadores CARLOS MANSUR ARIDA e LEONEL CUNHA. Curitiba, 04 de novembro de 2014.
NILSON MIZUTA Relator LEONEL CUNHA Voto Vencido
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