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Acórdão
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Ementa: AÇÃO DE EXTINÇÃO DE COMODATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRENO DE PROPRIEDADE DA AUTORA. COMODATO FEITO DE FORMA VERBAL. COMPROVADA A SUA EXISTÊNCIA, POR NÃO POSSUIR A REQUERIDA ANIMUS DOMINI. CONTA DE LUZ, ÁGUA E IMPOSTO ERAM PAGOS PELA AUTORA. REDUÇÃO DO ÂMBITO DO TERRENO SEM OBJEÇÃO DA RÉ. 1) Agravo retido. Ausência do patrono da autora e do seu representante legal na audiência de instrução e julgamento. Prazo concedido pelo Juiz "a quo" de 48 horas para justificativa. Justificativa dentro do prazo concedido e aceita. "Se o Juiz, sem essa prova, adiou a audiência, já não poderá mais condicionar a designação de nova audiência à comprovação do justo impedimento pelo advogado (JTA 98/361)". Nulidade não pode proceder. 2) Embora já tenha sido julgada uma ação de reintegração de posse relativa ao mesmo terreno de propriedade da autora e a sua ocupação pela requerida, a coisa julgada deste processo não atinge o atual, devido a requerida ter feito, após, um acordo verbal de comodato, permanecendo ou retornado ao terreno por autorização da autora, perfazendo um novo caráter de posse. Além disso, o tipo de acordo feito permite que a autora venha a requerer seu terreno de volta, e ante a recusa da ré, ajuíze uma nova ação de reintegração. 3) Não há julgamento extra ou ultra petita, por ter decidido o MM Juiz sobre uma área de terreno não especificada em metragem, visto que a área que a requerida ocupa, cedida em comodato, está dentro do terreno de propriedade da autora, devidamente delimitado na exordial. A autora quer ser reintegrada na posse da área que a requerida ocupa, indevidamente, que está abrangida no terreno de sua propriedade. 4) Não houve cerceamento de defesa no indeferimento de prova pericial, para avaliar se área relatada não era exatamente a ocupada pela ré. A inicial prova a extensão, localização e propriedade do terreno todo e as demais provas, que a requerida ocupa área de propriedade da autora indevidamente. Isto é suficiente para o julgamento da ação. 5) Somente as benfeitorias necessárias devem ser indenizadas, por deter a ré, no momento, posse de má-fé. Entendo como necessárias, a locomoção da terra para regularização do leito do terreno e os gastos para a construção da casa. 6) A especificação da verba indenizatória, deve ser definida por perícia, em liquidação de sentença por arbitramento. APELO E AGRAVO RETIDO IMPROVIDOS E RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos e examinados estes autos, acima identificados.
Relatório Trata-se de ação de extinção de comodato c/c reintegração de posse, ajuizada pela SOCIEDADE SOCORRO AOS NECESSIDADOS, contra SEBASTIANA APARECIDA CAMARGO, pela qual aduziu ser legítima proprietária do imóvel objeto da demanda, tendo firmado comodato verbal com a requerida, sob condição de devolução da área, em havendo melhora de sua situação econômico-financeira; percebendo que a requerida não mais precisava do local por estar empregada, notificou-a judicialmente, objetivando a rescisão e concedendo-lhe prazo para desocupação, este decorreu sem que deixasse o local tornando a posse injusta e ilegítima. Requereu concessão de liminar, a extinção do comodato e a reintegração definitiva na posse do imóvel. Em audiência de justificação de posse (f. 24), a proposta de conciliação restou infrutífera. Indeferido pedido de liminar, pois o esbulho data de mais de ano e dia. A requerida ofereceu contestação (f. 28/50), na qual alegou, preliminarmente, a irregularidade de representação e inépcia da inicial pela impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, alegou que, na década de 1970, seu marido trabalhou pela construtora contratada para a construção de um pavilhão na área, que por ocasião era de propriedade das Irmãs Passionistas, sendo que em 1972, resolveu o casal residir na área, construindo casa de madeira e mais tarde em junho de 1973, providenciaram a delimitação da área ocupada até hoje. As contas de luz e água não eram individualizadas, localizando-se os registros e contadores no pavilhão onde localizado o asilo de idosos. Afirmou que nunca existiu comodato verbal, sendo que sempre exerceu posse mansa, pacífica e sem oposição, com animus domini, pelo período necessário para configurar o usucapião extraordinário, realizou ainda, diversas benfeitorias no local. Requereu a improcedência da ação, o reconhecimento do usucapião extraordinário e, alternativamente, do direito de retenção pelas benfeitorias realizadas ou a indenização pelas mesmas, ante a valorização da coisa. A autora impugnou a contestação (f. 190/197), alegando ter sempre exercido pleno domínio sobre a área, tendo inclusive mudado de lugar a cerca erguida pela ré sem qualquer oposição. A requerida interpôs agravo retido (f.235/239), alegando não comparecimento à Audiência designada, sem justificação prévia ou comprovação posterior (f. 232), cerceamento de defesa, por impossibilidade de manifestação quanto a documento juntado aos autos (f.232) e pediu reconsideração do despacho que acolheu justificativa da autora e designou nova audiência e o julgamento antecipado da lide. Em audiência de instrução e julgamento, (novamente não foi obtida conciliação), sendo colhido o depoimento pessoal da requerida (f. 249/250) e de testemunhas arroladas pela ré (f. 251/253) e foi indeferido o pedido de prova pericial elaborado pela ré. Após, as partes apresentaram alegações finais (f. 254/264 e 265/273). Em seguida, a MM. Juiz proferiu sentença (f.275/286), julgando procedente a ação, declarando rescindido o contrato verbal de comodato, reintegrando a autora na posse e reconhecendo parcialmente procedente o pedido da requerida quanto às benfeitorias realizadas, cabendo a autora indenizá-la. Pela sucumbência recíproca, mas não em igual proporção, condenou a ré ao pagamento de 75% das despesas processuais, cabendo a autora os 25% restantes. Inconformada, a autora interpôs apelação (f. 287/290), para que seja reformada a sentença, excluindo da condenação o direito à indenização de benfeitoria, bem como a sucumbência. A requerida interpôs recurso adesivo (f. 294/306), requerendo a inépcia da inicial, cerceamento de defesa, contrariedade às provas dos autos, julgamento extra e ultra petita além da não observância que questões de direito processual atingiram coisa julgada (f. 141/144). Pugnou pela total reforma da sentença ou alternativamente, reconhecimento do direito de retenção e indenização por todas as benfeitorias realizadas. Em contra-razões de apelação, a ré reiterou os termos da contestação (f.307/310). Após, os autos subiram a este Sodalício, sendo distribuídos a esta Câmara e Juiz. É o relatório. Fundamentos Preliminarmente: Os recursos são tempestivos e preenchem os demais requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, devendo ser conhecidos e julgados por esta Câmara Especializada. No mérito: Preliminares de nulidade apontadas em recurso adesivo: Quanto ao Agravo Retido, a requerida aduziu que a advogada da autora deixou de comparecer à audiência de instrução sem justificação prévia, o que ocasiona a nulidade do ato. O art. 453, em seu inciso II e § 1.º, do CPC, regra que: "II - a audiência poderá ser adiada se não puderem comparecer, por motivo justificado, o perito, as partes, as testemunhas ou os advogados. §1.º - Incumbe ao advogado provar o impedimento até a abertura da audiência; não o fazendo, o juiz procederá à instrução." Ocorre que o Juiz "a quo", ao invés de proceder a instrução, por estarem presentes a requerida e as testemunhas que arrolou, decidiu por adiar a audiência e conceder um prazo de 48 horas para que a patrona da autora justificasse o seu impedimento. Em 24 horas, a advogada juntou petição justificando a sua ausência, dizendo que foi acometida por doença do fígado e que não conseguiu comparecer na audiência. A justificativa foi aceita pelo MM. Juiz, que marcou nova data para a instrução do feito. Tal decisão foi motivo de ajuizamento de agravo retido pela requerida, alegando nulidade processual. No entanto esta não pode ser aceita. Primeiro, é pacífico nos Tribunais que o não comparecimento da autora e de sua procuradora em audiência não acarreta a extinção do processo; assim, continuaria o digno Juiz a instrução do feito normalmente ouvindo a requerida e suas testemunhas, que consistiram, na verdade, em toda prova produzida nos autos para o esclarecimento do feito, fato que não ocasionaria prejuízo às partes. Segundo, porque quando decidiu o Dr. Juiz pelo adiamento da audiência, concedendo prazo para que a patrona da autora se manifestasse justificando a sua ausência, não poderia mais condicionar a designação de nova audiência à comprovação pela advogado. Assim, vem decidindo desta forma o Tribunal de Alçada de São Paulo: "Se o Juiz, sem essa prova, adiou a audiência, já não poderá mais condicionar a designação de nova audiência à comprovação do justo impedimento pelo advogado (JTA 98/361)". 1 No tocante à coisa julgada material aduzida, por já ter sido julgada uma ação de reintegração de posse relativa ao mesmo terreno de propriedade da autora e a sua ocupação pela requerida, entendo que esta também não merece proceder. Embora o processo tenha sido extinto com relação à requerida, pois esta já teria desocupado a área, houve um acordo de comodato verbal entre as partes, o qual permitiu a sua permanência na terra de propriedade da autora até o presente momento. A coisa julgada do processo antigo não atinge o atual, pois com o acordo se perfez um novo caráter de posse, de boa fé, com a anuência da autora. Além disso, o tipo de acordo feito permite que a autora venha a requerer seu terreno de volta, e ante a recusa da ré, ajuíze uma nova ação de reintegração. Sustenta a requerida ainda, que houve julgamento extra ou ultra petita, por ter decidido o MM Juiz sobre uma área de terreno não especificada em metragem, e o sobre a qual indeferiu o pedido de prova pericial para comprovar que a área ocupada era diferente da pleiteada pela autora. Entretanto, a autora ajuizou ação descrevendo e demonstrando que é proprietária de um imóvel, localizado na quadra 56 da planta Vila Bairro Alto, sendo que uma parcela deste, localizado na lateral do terreno onde está estabelecido o Lar dos Idosos, junto ao pavilhão frontal, entre ele e o muro divisório esquerdo do terreno, foi objeto de comodato verbal com a ré. Embora não haja uma metragem especificada da área ocupada, esta se encontra dentro do terreno de propriedade da autora. A inicial provou a extensão, localização e propriedade do terreno todo e as demais provas, que a requerida ocupa área de sua propriedade indevidamente. Isto é suficiente para o julgamento da ação de reintegração de posse. Se a área fosse realmente um pouco distinta da relatada, não interferiria no caso, pois ainda é uma ocupação de má-fé, ante a recusa em sair do terreno, que está sendo feita no imóvel de propriedade da autora. Em razão disso, também não houve cerceamento de defesa no indeferimento de prova pericial, para avaliar se área relatada não era exatamente a ocupada pela ré. Com relação ao mérito da causa, restou demonstrado o comodato verbal, por não possuir a autor animus domini. Em seu depoimento em juízo a requerida relatou que: "que reside no local desde 1972 ou 1973; que nesta ocasião o marido da declarante trabalhava como pedreiro na construção da cozinha do asilo da autora e, estando o terreno aberto, sem qualquer cerca resolveram construir a casa para deixar de pagar aluguel, facilitando ainda o trabalho de pedreiro do marido da declarante; (...) que nunca foi procurada para deixar o local em que reside; (..) que não pagam água e luz, afirmando que são pagos pelo Estado; (...) que a depoente não possuiu ou ocupou qualquer outra área naquele local senão esta em que se localiza sua casa; que a depoente plantava na parte da frente e de trás da sua casa porém sempre dentro desta área indicada que foi por ela cercada posteriormente. (...) que a área que anteriormente era utilizada pela depoente para plantio de verduras foi ocupada há poucos anos pela Sociedade para plantação de árvores, diminuindo a área dos fundos da depoente; (...) que a numeração da casa da depoente é a mesma da Sociedade; (...) que as cartas endereçadas à depoente são deixadas no portão da sociedade." (f.249/250) Negritos do Relator A requerida depôs, afirmando que nunca foi procurada para deixar o local, mas anexou cópia de uma ação de reintegração de posse (f.115/188), ajuizada pela autora contra a ré, em 1991, momento em que ficou sabendo quem era a proprietária e também ocasião em que permaneceu no imóvel por permissão da autora. Além disso, ficou clara a posse de boa-fé e o comodato, pois não há atrito entre a autora e a requerida, e nem foi demonstrado o animus domini pela ré, pois esta não pagava água, luz, não tinha um número próprio em sua residência, sendo que suas cartas eram endereçadas à Sociedade, além de ter acatado a redução do seu terreno pela autora. Restando claro o comodato verbal, e analisando que atualmente encontra-se a requerida em posse de má-fé, posto que se recusou a sair do imóvel, mesmo após a notificação judicial feita em 1997, só é viável a indenização pelas benfeitorias necessárias realizadas em razão da ocupação. Embora tenha a autora citado o art. 1254 do CC, que "o comodatário não poderá recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada",entendo que as benfeitorias não se enquadram ao caso. Isto se aplicaria, por exemplo, para o caso da água e luz, que já vem sendo suportada pela Sociedade, que pela sua condição está isenta de tal pagamento. Entendo como necessárias, a locomoção da terra para regularização do leito do terreno e também os gastos para a construção da casa. "REINTEGRAÇÃO DE POSSE - LOTE URBANO - COMODATO -PROCEDENCIA - BENFEITORIAS - DIREITO DE RETENÇÃO -EXCEPCIONALIDADE ADMISSIVEL - APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. O COMODATÁRIO DE BOA-FÉ PODERÁ COBRAR AS DESPESAS COM A EDIFICAÇÃO DE CASA DE MORADIA, REPUTADA COMO BENFEITORIA EXTRAORDINARIA E NECESSÁRIA, DE CARÁTER INDISPENSÁVEL,ASSEGURANDO-LHE, EXCEPCIONALMENTE O DIREITO DE RETENCAO DO LOTE URBANO." (Ap. n.º 129.715-0, da 5.ª CC do TAPR, Rel. MARQUES CURY, julg. em 24/03/1999) A especificação da verba indenizatória, deve ser definida por perícia, em liquidação de sentença por arbitramento. "PROVA PERICIAL - AG INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU CONTÁBIL E OS QUESITOS FORMULADOS PELA RECORRENTE - SENTENÇA QUE, SENDO DE PROCEDÊNCIA, AINDA DEPENDERÁ DE LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO - PERÍCIA PREMATURA - AGRAVO PROVIDO. Tendo a autora formulado pedido certo e indeterminado (CPC, art. 286), ou seja, deduzido pretensão qualitativamente definida e quantitativamente incerta, vindo ela a ser acolhida dever-se-á apurar o "quantum" devido através de liquidação por arbitramento (CPC, art. 606, II), veículo processual adequado para a resolução, via perícia, das questões correspondentes. (TJSP - AL 104.14-4 - São Paulo - 6.ª CDPriv. - Rel. Des. Antonio Carlos Marcato - 04.03.1999 - v.u.) Em razão do exposto, julgo improcedente o agravo retido e indefiro as preliminares de nulidade apontadas. Acolho a procedência da r. sentença, quanto à rescisão do contrato verbal de comodato, com a reintegração da autora na posse da área descrita, mas reformo-a parcialmente, quanto à condenação indenizatória da autora, para considerar como benfeitoria necessária, não somente a locomoção da terra para regularização do leito do terreno, mas também os gastos para a construção da casa. Mantenho ainda o prazo de 15 (quinze) dias, para a requerida levantar as demais benfeitorias e desocupar voluntariamente a área objeto de litígio e os ônus sucumbenciais fixados no "decisum". Voto Face ao exposto, e tudo o que dos autos consta, nego provimento ao agravo retido e à apelação da autora e dou provimento parcial ao recurso adesivo da ré, para acrescentar na condenação indenizatória da autora, no tocante às benfeitorias necessárias, a edificação da casa onde reside a requerida. Mantenho os ônus sucumbenciais e demais fundamentações da r.sentença. Decisão ACORDAM os Juizes integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo retido e à apelação da autora e dar provimento parcial ao recurso adesivo da ré, conforme o voto supra. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juizes EDVINO BOCHNIA e MACEDO PACHECO. Curitiba, 28 de agosto de 2003. Juiz JOÃO KOPYTOWSKI Relator e Presidente 2003 - Sesquicentenário da Emancipação Política do Paraná 1 NEGRÃO, Theotonio. "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", 35.ed.atual - São Paulo:Saraiva, 2003, p.463. 23
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