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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ÓRGÃO ESPECIAL
ESTADO DO PARANÁ INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.115.242-4/01, DA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ, FORO CENTRAL DA COMARCA DE MARINGÁ. SUSCITANTE: 4ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTI-ÇA DO ESTADO DO PARANÁ. INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ E OUTROS. RELATOR: DES. LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA. INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI DO MUNICÍPIO QUE ALTERA PONTUALMENTE O ZONEAMENTO URBANO POSTERIOR REVOGAÇÃO DA LEI OBJETO DE CONTROLE DIFUSO NECESSÁRIA VERIFICAÇÃO DOS EFEITOS PRODUZIDOS PELA NORMA PERDA DE OBJETO NÃO RECONHECIDA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO EM OFENSA À FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA E DA IMPESSOALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL RECONHECIDA. I RELATÓRIO. Trata-se de Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade suscitado pela 4ª Câmara Cível desta Corte, em face da Lei Complementar nº 752/2009, do Município de n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, princípios
constitucionais da isonomia, impessoalidade, proporcionalidade e razoabilidade (fls. 832/843). Mencionada Câmara Cível, ao apreciar a Apelação nº 1.115.242-4, interposta contra sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública nº 0012191-25.2011.8.16.0017, inclinou-se pela inconstitucionalidade da norma municipal por considerar que ela modificou pontualmente a lei de zoneamento urbano do Município de Maringá. Na ocasião, o órgão suscitante entendeu que a lei municipal teria alterado a classificação do zoneamento urbano de apenas 03 (três) imóveis, mantendo-se a designação antiga do zoneamento para os demais lotes existentes na mesma região, razão pela qual poderia restar configurado o vício da inconstitucionalidade material. Destarte, consta da decisão que suspendeu a causa principal: "Trata-se de Ação Civil Pública na qual se objetiva: 4.1) seja, incidenter tantum, declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 752/2009, porquanto violou os princípios da isonomia, da impessoalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade; 4.2) em consequência, seja o Município de Maringá condenado na obrigação de não permitir nenhuma edificação fora dos padrões permitidos para a Zona Residencial 1 (ZR-1) nos lotes nº 260 (data 01/02/04/06 a 14/260 da quadra 73), matriculado sob o nº 45574, 260-A, matriculado sob o nº 6762 e 260-B/C, matriculados sob os nº 1262 e 1263, todos situados no Jardim Betty; 4.3) sejam os requeridos BRA Splendor Empreendimentos Imobiliários Ltda., Espólio de José Renato de Vasconcelos Holanda, Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Maringá condenados a não edificarem fora dos padrões permitidos para a Zona Residencial 1 (ZR-1) nos lotes nº 260 (data 01/02/04/06 a 14/206 da quadra 73), matriculado sob o nº 45574, 260-A, matriculado sob o nº 6762 e 260-B, matriculados sob os nº 1262 e 1263, respectivamente, todos situados no Jardim Betty" (fl. 834).
Instada a manifestar-se, a Procuradoria-Geral de Justiça opinou no sentido de ser reconhecida a inconstitucionalidade da lei por ofensa ao artigo 5º, "caput", ao artigo 37, "caput", ao artigo 182, "caput" e seu parágrafo 4º, todos da Constituição Federal (fls. 854/863). Em momento posterior, o Município informou que a Lei Complementar Municipal nº 752/2009 foi revogada expressamente pela Lei Complementar Municipal nº 996/2014, publicada em 29/08/2014. Requereu, portanto, que seja reconhecida a perda do objeto do presente incidente e da
Ação Civil Pública que lhe da amparo (fls. 868/869). Juntou os documentos de fls. 870/872. Vieram os autos conclusos. É o relatório.
II FUNDAMENTAÇÃO. Primeiramente, necessário considerar que no controle incidental de constitucionalidade, a revogação da norma objeto de controle não prejudica o julgamento de mérito. Diferentemente de que ocorre na análise concentrada de constitucionalidade, no controle difuso objetiva-se a resolução de determinado caso concreto, que não fica prejudicado pela revogação da norma. Assim, deve o Poder Judiciário manifestar-se a respeito da constitucionalidade da norma no período em que produziu efeitos. Nesse sentido: "INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - ARTIGO 75-A DA LEI MUNICIPAL Nº 1.672/2011, REVOGADO POSTERIORMENTE PELA LEI MUNICIPAL Nº 1.779/2011 - CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - INOCORRÊNCIA DE PERDA DE OBJETO - ATIVIDADE DE TAXI - SERVIÇO DE RELEVÂNCIA PÚBLICA - NECESSIDADE DE LICITAÇÃO - OFENSA AOS ARTIGOS 37, INCISO XXI e 175, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - AÇÃO PROCEDENTE. Em sede de controle de constitucionalidade pela via difusa, eventual revogação da lei ou ato normativo não prejudica o julgamento do incidente. Nestes casos, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ficam limitados no período em que a norma viciada permaneceu em vigor. Tendo em vista que a atividade de taxi possui natureza jurídica de serviço de relevância pública, é descabida a postergação de realização de procedimento licitatório. Ação julgada procedente" (TJPR - Órgão Especial - IDI - 883603- 3/01 - Rel. Des. Regina Afonso Portes - Unânime - J. 05.05.2014).
Pois bem. O artigo 182 da Constituição Federal, ao tratar do tema, indica os critérios a serem observados pelos Municípios no estabelecimento da política de desenvolvimento urbano. Dentre os critérios, o "caput" da norma estabelece que a política urbana "tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes".
Por sua vez, o parágrafo 2º desse mesmo dispositivo prevê que "A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor". Analisando-se, portanto, o plano diretor do Município de Maringá - Lei Complementar nº 632/2006 -, constata-se na seção referente ao desenvolvimento socioeconômico da cidade que: "Art. 18 - A política de promoção do desenvolvimento socioeconômico no Município deve estar articulada a preservação e controle e recuperação do meio ambiente, visando à redução das desigualdades sociais e a melhoria da qualidade de vida de toda a população".
Dessa maneira, dos dispositivos constitucionais supramencionados, analisados em conjunto com o plano diretor de Maringá, depreende-se que a propriedade urbana desempenhará sua função social quando utilizada como instrumento de desenvolvimento que reduza as desigualdades sociais existentes, tendente a melhorar a qualidade de vida de toda a população. Ao contrário, a promoção de alterações na lei de zoneamento urbano de modo a não respeitar a igualdade material entre os munícipes que se encontrem em uma mesma situação jurídica, fatalmente estará viciada sob a pecha da inconstitucionalidade. Por esse motivo, a regra da proibição do arbítrio determina que "nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitraria-mente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser 1 arbitrariamente tratado como igual ". Sob outro fundamento, igualmente é possível concluir que no estabelecimento das diretrizes e na ordenação da ocupação e uso do solo urbano, mostra-se necessária uma política de desenvolvimento de forma planejada. Isso porque o inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal evidencia que o casuísmo, nessa matéria, estará em desarmonia com os ditames constitucionais. A norma atribui ao Município a competência de "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano". Nessa toada, a doutrina especializada no tema expõe que: "As normas de zoneamento podem ser diferentes e, em geral, o são nas diversas zonas, mas devem ser idênticas em zonas da mesma espécie ou dentro da mesma zona, sob pena de quebrar a generalidade que as legitima" (SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 243). "a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade" (MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2004, p.29). "Não há nada que impeça, em tese, a alteração pontual de um plano diretor, por intermédio de lei municipal de mesma hierarquia. A única limitação existente diz respeito à coerência e sistematicidade que o plano, após a alteração, deve manter. Não é possível sob pena de violar o princípio da razoabilidade que se introduza alteração pontual num plano diretor que destoe por completo de sua diretriz assumida genericamente" (CÂMARA, Jacintho Arruda. Estatuto da cidade, Malheiros, p. 334). "Por vezes são alterados os índices urbanísticos de determinados imóveis de uma rua ou de uma quadra para facultar a poucos uma exploração diferenciada, sem preocupação com o impacto no entorno. Sabe-se que a lei deve ser geral, abstrata e impessoal, editada sem visar discriminação, benefícios ou prejuízos aos administrados. Favoritismos ou perseguições, simpatias ou animosidades pessoais (políticas ou ideológicas), interesses de grupos ou facções não devem motivar a edição das leis, sob pena de violação ao princípio da impessoalidade que vincula as atividades legislativas e administrativas" (FREITAS, José Carlos. A ação civil pública, a ordem urbanística e estatuto da cidade. In Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Editora RT, 2005. p. 263).
A orientação acima exposta, referente ao necessário tratamento isonômico entre os proprietários dos imóveis que se encontram em uma mesma situação jurídica, é acompanhada pela jurisprudência. Nesse sentido: "Mediante a ação cautelar em exame, o autor afirma que o mencionado ato normativo distrital `permite a criação dos chamados Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas PDEU, e o faz de forma Página 5 de 7
alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos `de forma isolada e desvinculada' do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana" (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, Data de Julgamento: 27/03/2012). "NORMA DE ZONEAMENTO TERRITORIAL URBANO - RECUSA DO MUNICÍPIO - INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA - ILEGALIDADE - PRINCÍPIO DA ISONOMIA (...) 1. O Município detém legitimidade para zonear e instituir áreas residenciais ou comerciais dentro de seus limites. No entanto, a lei deverá ser interpretada de modo a dar tratamento igualitário aos destinatários, não podendo a administração, na mesma zona urbana, para efeito de licenciamento, distinguir os estabelecimentos com atividades afins" (TJ-SC - Apelação Cível AC 39374 SC 1999.003937-4. Data de publicação: 24/06/2002). "ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.782/10 QUE ALTEROU A LEI DE ZONEAMENTO DA CIDADE DE PETRÓPOLIS, LEI MUNICIPAL Nº5393/98 (...) LEI QUE SE REVESTE DE PESSOALIDADE E VIOLA OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E FINALIDADE PÚBLICA (...) A lei que beneficia apenas interesses de determinada pessoa jurídica ou associação, em detrimento da coletividade, importa em violação aos princípios da igualdade e da finalidade pública. Pelo que se depreende, a lei objeto de análise modificou a então Lei de Zoneamento Urbano de Petrópolis, Lei nº 5393/98, abriu uma verdadeira exceção, atendendo a pretensão de determinada associação em detrimento de outras que continuarão a se submeter às vedações legais, tudo a evidenciar um dirigismo legislativo. (...) Ademais, a referida lei não encontra guarida estabelecida pelo artigo 37, 5º, caput, ambos da Constituição da República. Declara-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.782/2010, do Município de Petrópolis, retornando-se os autos da Ação Civil Pública à 15ª Câmara Cível, para prosseguimento do julgamento" (TJ-RJ AI nº 0012398- 96.2010.8.19.0042, Data de Publicação: 09/10/2013). Desse modo, considerando toda a fundamentação supramencionada, resta caracterizada a ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade, razão pela qual padece de inconstitucionalidade material o diploma legislativo ora analisado. Referidos princípios podem ser extraídos do texto do artigo 5º, "caput", da Carta Magna, é expresso ao determinar que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito (...) à igualdade". Ademais, o artigo 37, "caput", da Constituição Federal também impõe à Administração Direta e Indireta a obediência ao princípio da impessoalidade. Em arremate, o artigo 182, "caput", da Constituição Federal,
regulamenta o desenvolvimento urbano de modo a garantir o bem-estar de todo o conjunto dos munícipes. "In verbis" : "Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes". Por conseguinte, com o objetivo de extirpar do ordenamento jurídico qualquer efeito produzido pelo dispositivo, VOTO pela inconstitucionalidade material da Lei Complementar de Maringá nº 752/2009, encontrando como parâmetros de controle o artigo 5º, "caput", o artigo 37, "caput" e, ainda, o artigo 182, todos da Constituição Federal. Devolvam-se os autos à 4ª Câmara Cível para processamento e julgamento da Ação Civil Pública. III DISPOSITIVO. Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em julgar procedente o presente incidente, declarando-se a inconstitucionalidade material Lei Complementar nº 752/2009, do Município de Maringá, devolvendo-se os autos à 4ª Câmara Cível para prosseguimento do feito. Participaram da sessão, com acompanhamento do voto, as Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras Regina Afonso Portes e Sônia Regina de Castro e os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Guilherme Luiz Gomes, Telmo Cherem, Campos Marques, Miguel Pessoa, Ruy Cunha Sobrinho, Rogério Coelho, Luiz Fernando Tomasi Keppen, José Carlos Dalacqua, Jorge Wagih Massad, Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira, D'Artagnan Serpa Sá, Luís Carlos Xavier, Cláudio de Andrade, Luis Espíndola, Renato Lopes de Paiva, Guilherme Freire de Barros Teixeira e José Augusto Gomes Aniceto. Curitiba, 17 de novembro de 2014.
LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA Relator
-- 1 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada Volume I. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 339-342.
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