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Acórdão
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Agravo de Instrumento n° 1.278.206-0 Origem: 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Foz do Iguaçu Agravante: Município de Foz do Iguaçu Agravados: Aurea Conceição Menegardi e Outro Interessado: Hospital Santa Terezinha Ltda. Relator: Des. Silvio Dias ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. INAPLICABILIDADE DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PREVISTA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. SERVIÇO PÚBLICO PRESTADO DIRETAMENTE PELA ESTADO E CUSTEADO POR RECEITAS TRIBUTÁRIAS. RESSALVA, CONTUDO, ACERCA DA POSSIBILIDADE DE EVENTUAL REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO POR FORÇA DA TEORIA DINÂMICA DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. RECURSO PROVIDO. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão proferida pelo ilustre magistrado de primeiro grau Lucas Cavalcanti da Silva que ao sanear o feito inverteu o ônus da prova em favor do autor da ação de indenização, que manteve o Município agravante no polo passivo do feito e fixou os demais pontos controvertidos. Inconformado, sustenta o recorrente que ao acolher o pedido de inversão do ônus da prova o juízo de primeiro grau vai de encontro ao previsto em lei e entendimento jurisprudencial; que a relação existente entre as partes não é de consumo; que o serviço médico hospitalar foi prestado através do Sistema Único de Saúde, sem qualquer pagamento; que por isso resta afastada a aplicação do CDC. Pugna pela concessão de efeito suspensivo ao recurso ou antecipação dos efeitos da tutela recursal a fim de que seja afastada a inversão do ônus da prova determinada, bem como pelo posterior provimento do recurso. O recurso foi recebido às fls. 77/78, com a concessão do efeito suspensivo. A decisão agravada foi mantida, conforme informações de fl. 85. Sem manifestação da parte contrária, como se vê da certidão de fl. 89. É o relatório. Fundamentação do Voto Merece provimento o recurso para que se reconheça a inaplicabilidade do CDC ao caso e, consequentemente, se afaste a inversão do ônus da prova, com as considerações que passo a fazer. Kauã Henrique de Agustinho Menegardi e Aurea Conceição Menegardi ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais em face do Município de Foz do Iguaçu e do Hospital Vera Cruz em razão do falecimento de Jonathan Henrique Menegardi. O magistrado, na decisão agravada, entendeu que "o caso dos auto revela a vulnerabilidade técnica e jurídica da parte autora, que presume-se não ter conhecimentos da técnica médica por ser pessoa das lidas domésticas, beneficiária da justiça gratuita. Deixar recair sobre seus ombros o ônus da prova no caso parece despropositado, e não se coaduna com a regra da distribuição dinâmica do ônus da prova(...)". A inversão do ônus da prova é técnica processual de
natureza consumerista, prevista no artigo 6º, VIII, do CDC: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência; Portanto, exige-se que haja, necessariamente, uma relação de consumo entre as partes envolvidas. E não há que se falar em relação de consumo nos casos de responsabilidade civil do ente público quando "o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias". Nesse sentido a jurisprudência do STJ: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULTATIVA. 1. Os recorridos ajuizaram ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em razão de suposto erro médico cometido no Hospital da Polícia Militar. 2. Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Nos feitos em que se examina a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano não é obrigatória. Caberá ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à celeridade ou à economia processuais. Precedentes. 4. Considerando que o Tribunal a quo limitou-se a indeferir a denunciação da lide com base no art. 88, do CDC, devem
os autos retornar à origem para que seja avaliado, de acordo com as circunstâncias fáticas da demanda, se a intervenção de terceiros prejudicará ou não a regular tramitação do processo. 5. Recurso especial provido em parte. (STJ, REsp 1187456/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. CASTRO MEIRA, J. 16/11/2010, DJe 01/12/2010) Bem como desta Corte: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. DECISÃO QUE AFASTA A PRESCRIÇÃO E INVERTE O ÔNUS DA PROVA, DETERMINANDO O ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS DO PERITO PELOS RÉUS.1. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE NÃO SE APLICA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. ÔNUS DA PROVA DO AUTOR QUANTO AOS FATOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO.2. HONORÁRIOS DO PERITO. AUTOR BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PAGAMENTO AFINAL PELO SUCUMBENTE.3. RESPONSABILIDADE DA FAZENDA PÚBLICA SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA À SANTA CASA (PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO). DECISÃO QUE NÃO CAUSA LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO NESTA FASE PROCESSUAL. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO.4. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO E CONVERSÃO EM PARTE EM AGRAVO RETIDO DE OFÍCIO. "Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes." (REsp nº 1187456/RJ - Rel. Min. Castro Meira - 2ª Turma - DJe 1º-12-2010). (TJPR - 2ª C.Cível - AI - 948859-5 - Cianorte - Rel.: Lauro Laertes de Oliveira - Unânime - J. 25.09.2012) Portanto, dou provimento para afastar a inversão do ônus da prova realizada em 1º grau. Todavia, fica ressalvado que o magistrado, utilizando- se da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, poderá mitigar a visão "estática" do artigo 333 do CPC, que distribui o ônus
sem levar em consideração o caso concreto. Para tanto, deverá o juiz demonstrar que determinada prova deve ser produzida por alguma das partes especificamente, analisando as peculiaridades da prova pretendida. Não basta a posição da parte, sua insuficiência, técnica, jurídica ou financeira. Não se aceita uma inversão completa do ônus probatório, de maneira geral e universal, como feita no processo em exame. Assim ensina a doutrina moderna: "(...) A solução alvitrada tem em vista o processo em sua concreta realidade, ignorando por completo a posição nele da parte (se autora ou se ré) ou a espécie de fato (se constitutivo, extintivo, modificativo, impeditivo). Há de demonstrar o fato, pouco releva se alegado pela parte contrária, aquele que se encontra em melhores condições de fazê-lo." 1
"(...) A teoria das cargas processuais dinâmicas, desenvolvida por Jorge W. Peyrano, jurista argentino, rompeu com a concepção estática da distribuição do ônus da prova, considerando o processo em sua concreta realidade, atribuindo o ônus da prova à parte que melhores condições, pelas circunstâncias reais, tiver de demonstrar o fato, independente de sua posição no processo ou da espécie do fato, se constitutivo, se modificativo, por exemplo."2 E é como vem julgando este Tribunal de Justiça: PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - APLICAÇÃO DA TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA - FLEXIBILIZAÇÃO DA REGRA DO ART. 333, DO CPC - POSSIBILIDADE - ARRIMO CONSTITUCIONAL - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INAPLICABILIDADE - PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DIRETAMENTE PELO ENTE PÚBLICO E CUSTEADO POR RECEITAS TRIBUTÁRIAS - ATRIBUIÇÃO DO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS MANTIDO - RECURSO PROVIDO. I - Não obstante o art. 333, do CPC delineie a responsabilidade do ônus da prova no processo, hodiernamente a jurisprudência, mitigando tal regra, entende haver situações em que a prova se torna demasiadamente dificultosa para a parte, de forma a impedi-la da desincumbência de seu ônus probatório. Diante disso, consagrou-se a teoria essa a qual foi denominada de Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, que, inclusive, encontra arrimo no princípio da Isonomia, Devido Processo Legal e Acesso à Justiça (art. 5º, caput, XIV e XXV, todos da Constituição Federal) ante a atribuição de ônus da produção da prova a quem detiver melhores condições de produzi-la, de acordo com as circunstâncias de cada caso. II - Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias. (TJPR - 1ª C.Cível - AI - 1171011-1 - Londrina - Rel. Desig.: Rubens Oliveira Fontoura - Por maioria - J. 10.06.2014) Assim, a inversão prevista no CDC é inaplicável, mas fica a ressalva de que poderá, sendo o caso, ser redistribuído o ônus por força da teoria da distribuição dinâmica. Dispositivo Acordam os integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento, afastando a inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, VIII, do CDC.
Participaram do julgamento Excelentíssimos Senhores Desembargadores Stewalt Camargo Filho (Presidente) e Guimarães da Costa. Curitiba, 02 de dezembro de 2014
Des. Silvio Vericundo Fernandes Dias Relator
-- 1 DALL'AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos Tribunais, vol. 788, Jun/2001, p. 92. 2 RUSCH, Erica. Distribuição do ônus da prova nas ações coletivas ambientais. Revista de Processo, vol. 168, Fev/2009, p. 363.
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