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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1254822-2, FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 25ª VARA CÍVEL. APELANTE : LEANDRO JOSÉ CONCEIÇÃO SITINIKI. APELADO : SBF COMÉRCIO DE PRODUTOS ESPORTIVOS LTDA. RELATOR : DES. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR MATERIAIS E MORAIS IMPROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU RECURSO COMPRA REALIZADA PELA INTERNET CANCELAMENTO UNILATERAL PELO FORNECEDOR DÉBITO EM CARTÃO DE CRÉDITO ESTORNO POSTERIOR INSCRIÇÃO EM ÓRGÃO DE RESTRIÇÃO EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DE UMA PARCELA E ENCARGOS ATO ILÍCITO CARACTERIZADO - PAGAMENTO DO VALOR PENDENTE PARA LEVANTAMENTO DA INSCRIÇÃO DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES DETERMINAÇÃO DANO MORAL OCORRÊNCIA QUANTUM COMPENSATÓRIO E PUNITIVO ARBITRAMENTO EM R$ 10.000,00 JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA SUCUMBÊNCIA DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, ESTES FIXADOS EM 15% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CONDENAÇÃO RECURSO PROVIDO, PARCIALMENTE POR UNANIMIDADE. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1254822-2, de Curitiba 25ª Vara Cível, em que é apelante Leandro José Conceição Sitinki e apelada SBF Comércio de Produtos Esportivos Ltda. I Trata-se de recurso de apelação cível interposto contra a sentença proferida nos autos de ação indenizatória nº 4022-77.2013.8.16.0179, a qual julgou improcedente o pedido formulado na inicial e condenou o autor nas despesas processuais e em honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00,
suspensa a exigibilidade nos termos do artigo 12 da Lei 1060/50. LEANDRO JOSÉ CONCEIÇÃO SITINIKI insatisfeito interpôs recurso de apelação, dizendo que o MM. Juiz sentenciante partiu de premissa fática equivocada, isto é, inscrição no cadastro de restrição ao crédito em função de encargos moratórios relativos às parcelas anteriores àquela compra cancelada. Diz que conforme se observa dos extratos da Hipercard constante dos autos, a parcela com vencimento no dia 01 de julho de 2011, no valor de R$ 106,50, referente à compra realizada junto da demandada "CENTAURO", único débito constante, contudo, acrescida de juros e multa de atraso perfazem a quantia de R$ 118,51. "Resta evidente que os encargos de inadimplemento lançados na fatura de 01/08/2011 se referem à parcela de R$ 106,50 lançada na fatura de 01/07/2011 e que, por consequinte, se referia à compra cancelada. Assim, o débito que levou a inscrição do nome do postulante no cadastro de inadimplentes se refere aos encargos tem origem na compra cancelada.". Afirma que o estorno da compra foi lançado somente na fatura de 01 de outubro de 2011, apenas com o valor nominal da compra de R$ 319,50, porém, restaram os encargos decorrentes. "Foi bem por conta disso que inclusive a HIPERCARD continuou a cobrar o apelante mesmo após aquele estorno (tardio), bem como manteve a inscrição do seu nome, posto que somente o valor principal foi estornado (nova falha da apelada aí, agora na comunicação com a operadora do cartão).". Ressalta que teve que pagar a importância de R$ 201,23 para que fosse retirado seu nome do Órgão de restrição, haja vista a necessidade de realizar negócio de imóvel em Itapoá-SC, pois só seria possível se não houvesse restrição. Que sofreu danos morais pela inclusão. Pugna pelo provimento. (mov. 78.1). Contrarrazões apresentadas (mov. 87.1). É o relatório. I - O recurso interposto merece ser conhecido porque
presentes os pressupostos de admissibilidade. II A discussão trazida aos autos refere-se ao direito do autor apelante em ser indenizado por danos materiais e morais em face da inscrição do seu nome em banco de dados de restrição ao crédito do SERASA, bem como o pagamento de R$ 201,23 para retirada do seu nome do Órgão de restrição. Relata o autor em sua inicial que efetuou compras pela internet no site da demandada SBF Comércio de Produtos Esportivos Ltda., (CENTAURO) a qual foi confirmada, contudo, a compra foi por esta, unilateralmente, cancelada. A compra foi realizada em 07 de junho de 2011, no valor total de R$ 319,50, sendo parcelado em 03 vezes de R$ 106,50, no cartão de crédito da bandeira Hipercard, com o primeiro vencimento para o dia 01 de julho de 2011, com prazo de entrega de cinco dias. Passados 09 dias não recebeu a mercadoria. No dia 16 de junho de 2011, solicitou informações por email ao SAC da demandada, contudo, sem resposta. No dia 28 de junho entrou em seu cadastro virtual junto à Loja, constatou que seu pedido fora cancelado unilateralmente pela ré no mesmo dia da compra. Enviou novo e-mail para a demandada questionando o lançamento do valor em seu cartão de crédito com a compra cancelada, da primeira parcela com vencimento 01/07/2011. Somente em 28 de julho de 2011 recebeu email da demandada noticiando o cancelamento da compra e o estorno do valor de R$ 319,50. Diz o autor que: "Acontece que a ré NÃO EFETIVOU O CANCELAMENTO/ESTORNO do lançamento apontado à HIPERCARD, conforme por ela prometido, e por conta disso a cobrança contra o postulante foi mantida. Porém, como o valor não era devido e a ré inclusive havia prometido uma solução, o postulante não pagou quaisquer das faturas que continham as parcelas daquela infeliz compra cancelada." (mov. 1.1). Em abril de 2012 recebeu o comunicado da SERASA e do SPC de que seu nome estava sendo lançado ao cadastro de restrição ao crédito em
função do débito de R$ 110,00 junto ao HIPERCARD, relativo às parcelas de compra cancelada. O MM. Juiz sentenciante julgou improcedente o pedido do autor por entender que, nos termos do esclarecimento prestado pela Hipercard em resposta ao ofício do Juízo, a inscrição no Serasa teve como origem nos resíduos de encargos lançados no cartão pelo fato de não ter ocorrido o suposto adimplemento das parcelas nos meses anteriores ao estorno da compra efetuada pelo autor. Pois bem. Inicialmente consigno que a parte demandada não debateu na contestação os fatos narrados na inicial pelo autor, apenas faz referências genéricas acerca do direito reclamado. Conforme se observa do documento do SCPC (fl. 33), o apelante foi incluso em Órgão de Restrição ao Crédito por dívida apontada pelo HIPERCARD/ITAU, com data do débito em 1º de agosto de 2011, no valor de R$ 110,00. Data venia ao entendimento do ilustre Magistrado sentenciante, o valor de R$ 110,00 não poderia ser apenas dos encargos lançados no cartão, uma vez considerada a suspensão do valor total da compra ocorrido em 08 de setembro de 2011, da fatura de 1º de outubro de 2010, isto é, a importância registrada no banco de dados de um mês de atraso. O documento do SERASA não deixa dúvida que o débito era de 1º de agosto, com valor de R$ 110,00. Portanto, esse valor refere-se além dos encargos uma parcela vencida, e não apenas encargos em razão do não adimplemento, diga-se, de um mês de atraso. Não é crível que numa compra parcelada de R$ 319,50, com vencimento da primeira parcela em 1º de julho, a segunda em 1º de agosto, o apontamento fosse apenas dos encargos para este vencimento, pois considerando o montante supostamente vencido, não poderia chegar ao valor apontado, conforme se vê daqueles valores constantes das faturas. Em atenta análise dos documentos colecionados aos autos, não é crível que o valor apontado pelo Cartão de Crédito chegasse aos patamares
em que se chegou pelo mero inadimplemento dos encargos, haja vista os valores constantes na fatura, com vencimento de primeiro de agosto: juros de mora R$ 1,09; juros de financiamento R$ 8,79 e multa de atraso R$ 2,13. (mov. 54.1, pág. 143). Ocorreu falha no serviço consubstanciada na comunicação entre a vendedora e o cartão de crédito (art. 14, CPC), isso porque não se consolidou o negócio entre a vendedora e o consumidor, por certo não poderia ser lançado qualquer débito. Nesse contexto, merece procedência o pedido inicial do autor. Danos materiais. Conforme se depreende do documento encartado, o autor pagou a importância de R$ 201,23, em proposta de liquidação de dívida à vista (mov. 1.9, pág. 37), o qual deverá ser restituído pela demandada na forma simples, haja vista que não existiu má-fé da demandada, apenas ineficiência em seu mecanismo de estorno. Tal valor deve ser corrigido monetariamente pela média aritmética entre o INPC e o IGP-DI desde 29/05/2013, data do desembolso, nos termos da Súmula 43, do STJ, bem como juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 219, do CPC e art. 405, CC). Danos morais. No caso específico, para fins de inscrição no SERASA, constou a instituição credora o Ipercard Administradora de Cartões de Crédito Ltda., contudo, decorreu de informações prestadas pela demandada SBF Comércio de Produtos Esportivos Ltda., sendo esta responsável pelos danos sofridos pelo autor, e assim, afasta-se a incidência do §3º, incisos I e II, do artigo 14, do CDC. A documentação acostada aos autos, não deixa qualquer dúvida acerca da inscrição indevida do nome do apelante nos dados cadastrais, gerando dano à sua personalidade. Carlos Roberto Gonçalves: "Em qualquer atividade o homem deve observar a necessária cautela para que sua conduta não venha a causar danos a terceiros,
ainda que ausente o animus laeendi. A inobservância desse dever geral de cautela ou dever de cuidado, imposto genericamente no art. 186 do Código Civil, configura a culpa stricto sensu ou aquiliana.(...) O ponto de partida da culpa, portanto, a sua ratio essendi, é a violação de uma norma de conduta por falta de cuidado; geral, quando contida na lei, particular, quando consignada no contrato, mas sempre por falta de cautela. E a observância dessa norma é fator de harmonia social. A conduta culposa deve ser aferida pelo que ordinariamente acontece, e não pelo que extraordinariamente possa acontecer." (Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. IV. 2ª Ed. p. 297). Diante de tais conclusões, evidencia-se que a inscrição em cadastro de proteção ao crédito não teve causa legítima, haja vista que a origem dos valores teve como base compra cancelada de mercadorias, a qual não poderia geral qualquer débito nos registros de cartão de crédito do consumidor. Desta feita, é evidente que a dívida noticiada na inicial é inexigível e que a inscrição do nome do autor em órgão de proteção ao crédito mostrou-se indevida, configurando ato ilícito e consequente dever de indenizar diante do abalo de crédito presumido gerado. Configurado o dever de indenizar o dano moral é in re ipsa, ou seja, independente da prova de prejuízo. A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Estaduais também entende que a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes gera o dano moral presumido. Vejamos: "CIVIL. CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INSCRIÇÃO. Comprovada a inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito, o dano moral é presumido. Agravo regimental não provido." (AgRg no Ag 779264/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/05/2007, DJ 28/05/2007, p. 328). "Civil e processual civil. Recurso especial. Omissão. Inexistência. Danos morais. Não renovação do cheque especial.
Ausência de prova. Protesto indevido. Negativação. Pessoa jurídica. Dano in re ipsa. Presunção. Desnecessidade de prova. Quantum indenizatório. Exagero. Afastamento de um dos motivos de sua fixação. Redução. - Para o Tribunal de origem, o envio do título a protesto de forma indevida gerou presunção de dano moral, o que tornou desnecessária a análise dos pontos questionados em embargos declaratórios; - A não renovação do contrato de cheque especial não pode ser imputada ao protesto indevido promovido pela recorrente. Fato não comprovado nos autos; - Nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica. Precedentes; [...]" (REsp 1059663/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 17/12/2008). Embora não se tenham parâmetros rígidos para encontrar o valor real da indenização, existe orientação no sentido de que não deve a importância ser ínfima, que não valorize o dano moral, nem tão elevada, que cause enriquecimento indevido ao ofendido de maneira que o julgador, ao arbitrar o valor da indenização, deve se orientar pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente a situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso. Nesse sentido, veja-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "(...) III A indenização por danos morais deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir- se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve ela contribuir para
desestimular o ofensor a repetir o ato, inibindo sua conduta antijurídica. (...)". (REsp 265133/RJ Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA 4ª Turma DJ 23.10.2000). Emerge dos autos, incontestavelmente, a indevida inscrição do nome do apelante nos cadastros dos órgãos de restrição de crédito. Igualmente, as consequências da inclusão indevida do nome nos cadastros de proteção ao crédito são evidentes. Sobre o tema YUSSEF SAID CAHALI ensina que: "Os fundamentos deduzidos para a reparabilidade do "abalo de crédito" em seus variados aspectos, em casos de protesto indevido de títulos de crédito e indevida devolução de cheque, aproveitam- se igualmente no caso de indevida inscrição no catálogo de maus pagadores dos serviços de proteção ao crédito: sofrimento, angústia, constrangimento em razão do cadastramento, perda da credibilidade pessoal e negocial, ofensa aos seus direitos da personalidade, com lesão à honra e respeitabilidade; em resumo, o cadastramento indevido no órgão de proteção ao crédito provoca agravo à honra, pessoa física ou jurídica, gerando abalo de crédito ao ente jurídico, que tem um nome a zelar em função de sua imagem" (in Dano Moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 476). Desta forma, levando-se em conta a capacidade econômica das partes, a extensão do dano (considerando os documentos acostados aos autos pelo autor, mov. 1.11) e o caráter punitivo compensatório da indenização, bem como sopesando os parâmetros utilizados normalmente, tem-se como adequado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a que a parte demandada deverá indenizar o autor pelos danos morais sofridos. Condeno a parte demanda na importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais. Tal valor deve ser corrigido monetariamente pela média aritmética entre o INPC e o IGP-DI a partir desta decisão, nos termos da Súmula 362, do STJ, bem como juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 219,
do CPC e art. 405, CC). Sucumbência mínima, negativa da devolução em dobro. Condeno ainda a parte demandada integralidade das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios em favor do patrono do autor, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 20, § 3º, do CPC. Diante do exposto, DOU provimento PARCIAL ao recurso interposto. Ante ao exposto, ACORDAM os Senhores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o voto do eminente Desembargador Relator, os Exmos. Des. José Sebastião Fagundes Cunha e Lilian Romero. Curitiba, 6 de novembro de 2014. Des. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO Relator
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