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Acórdão
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APELAÇÃO CRIME Nº 1.206.980-2, DA COMARCA DE PONTA GROSSA (1ª Vara Criminal) Apelante: MARILDO COSMAM Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
Relator: Des. JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE
ALMEIDA. APELAÇÃO CRIME. CRIME DE PESCA ILEGAL COM A UTILIZAÇÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS (ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI N.º 9605/98). ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO. DESCABIMENTO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PLEITO PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RECURSO DESPROVIDO. 1. O crime de pesca ilegal mediante o uso de petrechos proibidos é de perigo abstrato, sendo que, praticada a conduta, o prejuízo ao meio ambiente é presumido. 2. O princípio da insignificância, via de regra, não é aplicado aos crimes ambientais, pois o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é difuso, devendo ser protegido por todos. I. Trata-se de apelação criminal interposta por MARILDO COSMAM, denunciado pelo ilustre representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, que lhe imputou a prática, em tese, dos delitos descritos no artigo 14 da Lei n° 10.826/03 e no artigo 34, parágrafo único, inciso II da Lei nº 9.605/98, em razão dos seguintes fatos narrados na denúncia: "Consta no incluso Inquérito Policial que em 28 de março de 2011, por volta das 23:00h, policiais militares, em atendimento à denúncia
anônima, constataram que os denunciados MARILDO COSMAM e EDEVILSON MOACIR NOVATZKI, agindo livre e conscientemente, com ciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, estavam pescando no Rio Tibagi, na região de Uvaia, mediante a utilização de 40 metros de rede de pesca, que segundo os artigos 3º e 4º da Portaria nº 4 de 19 de março de 2009 do IBAMA é petrecho proibido para a pesca amadora. Na ocasião foram apreendidos 3 kg de peixes, razão pela qual foram lavrados o auto de infração nº 10.922 e o termo de apreensão e depósito nº 5909. Além disso, consta também que, quando do momento da abordagem pelos policiais, foram localizadas no carro em que encontravam-se os denunciados,
consistente no veículo Fiat Strada, cor prata, placa AAK 1675: uma espingarda marca Boito, calibre 12, dois canos, com número de série nº 42930, acompanhada por uma sacola plástica contendo treze cartuchos carregados de calibre 12; e um revólver calibre 22, marca Taurus, com número de série desbastado acompanhado por uma pochete azul pequena com 26 munições de calibre 22. O armamento, de propriedade de Marildo Cosman, era portado sem a devida autorização, motivo pelo qual foi apreendido. Segundo o laudo de exame de armas de fogo e munições elaborado pelo Instituto de Criminalística, tais armas poderiam ser utilizadas eficientemente para a realização de disparos".
Julgada procedente a pretensão formulada na denúncia, o nobre julgador de primeiro grau condenou MARILDO COSMAM nas sanções do artigo 14 da Lei nº 10.826/03 e do artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98. Como consequência, foram-lhe aplicadas as penas definitivas, de acordo com o previsto nos artigos 69 e 72 do Código Penal, de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário- mínimo. Presentes os requisitos elencados no art. 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, fixada no valor de um salário-mínimo. MARILDO COSMAM interpôs recurso de apelação (fls. 157/161), alegando, em suma, que: a)-o crime de pesca ilegal exige dolo do agente e, no presente caso, os petrechos proibidos eram do corréu, só tendo sido utilizados por ele, sendo que o apelante se utilizou apenas de varas de pescar, devendo, por isso, ser absolvido;
b)-alternativamente, caso se entenda que o apelante praticou pesca ilegal, deve ser reconhecido o princípio da insignificância, em virtude da inexpressiva ofensividade da conduta. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em suas contrarrazões recursais (162/168), manifestou-se pelo desprovimento do recurso. Em parecer, às fls. 175/182, a douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA opinou pela manutenção da r. sentença. II. É de se negar provimento ao presente recurso. O apelante requer sua absolvição, aduzindo que não houve dolo em sua conduta, visto que a rede de pesca apreendida pertencia ao seu amigo, o então corréu. Sem razão, no entanto.
A autoria e a materialidade do crime de pesca ilegal foram devidamente demonstradas, consoante o auto de prisão em flagrante delito (fls. 07/08), o auto de exibição e apreensão (fl. 11), o boletim de ocorrência (fls. 13/17), o auto de infração ambiental (fls. 18/24) e as declarações colhidas em Juízo. O apelante, em seu interrogatório judicial, declarou: "que no dia dos fatos ele e Edevilson foram
pescar no Rio Tibagi, que as redes eram de seu colega, que não tem nada
a ver com elas e que sempre levava sua espingarda, recebida por meio de
herança de seu pai, mas que nunca caçou, nem disparou. Que achou o
revólver numa sacola. Afirmou que os três quilos de peixe foram pegos
com a rede. Que não foi a primeira vez que saiu para pescar com
Edevilson e que ele não lhe falou nada se podia ou não pescar com aquela
rede. Que trabalha na plantação de fumo e morango. Que seu
rendimento é de aproximadamente R$ 700,00 (setecentos reais) por mês.
Que só levava a espingarda quando ia ao meio do mato, pescar, para o
caso de se defender de algum animal, não possuindo o registro ou o porte
dela.".
A testemunha Anderson Luís Heirich declarou, em Juízo: "(...) que conhece Marildo e Edevilson há uns
15 anos, sendo que eles trabalhavam com o plantio de fumo e de
morango. Nunca soube de brigas envolvendo os réus. Sabia que Marildo
tinha uma espingarga. Que não sabia do revólver e das munições". A testemunha Cleverson Bonfati de Almeida declarou, em Juízo: "(...) que não tem conhecimento dos fatos da
denúncia. Que conhece Marildo desde que nasceu e nunca soube de
algum envolvimento dele com briga. Que a espingarda era herança do
pai de Marildo. Que o carro em que foram encontrados os artefatos
apreendidos era de Edevilson e não sabe quem assumiu a propriedade das
armas". A testemunha José Sirlei Bueno de Camargo declarou, em Juízo: "(...) que não presenciou os fatos e que a
espingarda de Marildo foi fruto de herança, sendo que nunca o viu
portando tal artefato. Disse que sabia que Marildo e Edevilson gostavam
de pescar. Que o carro em que foi encontrada a espingarda era de
propriedade de Edevilson. Prestou apenas declarações abonatórias em
relação ao acusado". O policial Márcio José Bicudo declarou, em Juízo: "(...) que foi recebida denúncia anônima de
prática de caça e pesca, razão pela qual por volta das 19 horas, sua equipe
foi até ao local e ficou escondida esperando o barco aportar. Que os réus
foram abordados dentro do veículo automotor, onde foram encontradas
duas armas, três quilos de peixe e uma rede de pesca, que estava
molhada. Que não conhecia o réu". O policial Jonas Luiz Grossi declarou, em Juízo: "(...) que participou da diligência em que
foram presos Marildo e Edevilson, sendo que foi recebida denúncia
anônima de que estava ocorrendo a prática da caça no Rio Tibagi. Que
visualizaram o barco e esperaram um pouco. Que, posteriormente, foi
realizado o bloqueio da via e no carro em que se encontravam os réus
foram encontrados: uma espingarda, um revólver, peixes, rede (que
estava molhada) e um motor de barco. Que não conhecia os réus". Cabe salientar que a palavra dos policiais é meio de prova apto a ensejar condenação, conforme entendimento do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ: "APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. PESCA PREDATÓRIA COM EMPREGO DE REDES. ART. 34 PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DA LEI Nº 9.605/98.PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO DELITO. TESE AFASTADA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA, DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE CORROBORARAM CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL (ESTA RETRATADA EM JUÍZO) DE DOIS DOS TRÊS RÉUS. PALAVRA DOS POLICIAIS. VALIDADE E IDONEIDADE. AUSÊNCIA DE SUSPEIÇÃO. CONSONÂNCIA COM O CONTEXTO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO". (TJPR - 2ª
C.Criminal - AC - 919762-2 - Quedas do Iguaçu - Rel.: Lilian Romero Unânime - J. 31.01.2013) [destacou- se]
No caso em tela, não cabe discutir a propriedade das redes, mas sim se há adequação típica. A conduta do apelante incidiu integralmente no tipo do artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98, assim expresso: "Art. 34. Pescar em período no qual a pesca
seja proibida ou em lugares interditados por
órgão competente:
(...)
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas
quem:
(...)
II - pesca quantidades superiores às
permitidas, ou mediante a utilização de
aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não
permitidos; (...)" Desse modo, não merece guarida o argumento do apelante de que não houve dolo em sua conduta, uma
vez que incidiu em conduta tipificada na Lei, pouco importando se o petrecho proibido era ou não seu. Tendo o apelante aderido à conduta do corréu, deve ser punido, conforme demonstra a manifestação da douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em parecer de lavra do Ilustre Procurador Jorge Guilherme Montenegro Neto: "Quando o apelante admite que estava
pescando com o denunciado Edevilson Moacir Noratzki, pouco importa
quem era o dono da rede ou quem a armou, o acordo sobre a atividade foi
anterior ao ato, houve um acerto de vontades para pescar, ou seja, o
apelante no mínimo aderiu à conduta do co-denunciado, com vontade
livre e consciente pelo que pode ser considerado co-autor do crime". Além do mais, o crime de pesca ilegal mediante o uso de petrechos proibidos é de perigo abstrato, sendo que, praticada a conduta, o prejuízo ao meio ambiente é presumido. Neste sentido, o entendimento da doutrina de GUILHERME DE SOUZA NUCCI: "(...) de perigo abstrato (independe da prova da probabilidade de efetiva lesão ao meio ambiente)1". 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. Ed. São Paulo: RT, 2009, p. 922
O apelante aduz, ainda, que deve ser aplicado o princípio da insignificância, haja vista a ínfima quantidade de peixes apreendidos. Ocorre que tal princípio, como regra geral, não é aplicado aos crimes ambientais, pois o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é difuso, devendo ser protegido por todos e havendo presunção de ofensividade ao bem jurídico tutelado. O apelante, ao participar da pesca ilegal de três quilos de peixe, de forma livre e consciente, deixou de se preocupar com a preservação do meio ambiente. Quando o delito cometido refere-se ao meio ambiente, o sujeito passivo é a sociedade e o objeto jurídico é a proteção daquele meio em prol da sociedade em seu tempo presente e futuro. O HOMEM, ao retirar da natureza sua subsistência tem por DEVER proporcionar sua devida manutenção. A preservação do meio ambiente necessita ser praticada de forma preventiva e repressiva, em benefício das gerações futuras, sendo inaceitável a prática até mesmo de mínimas ações que, se forem admitidas, podem ter como consequência danos irreversíveis.
Neste sentido, o posicionamento do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ: "APELAÇÃO CRIME - CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE - CRIMES CONTRA A FAÚNA (ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DA LEI N° 9.605/98) - APELANTE FLAGRADO DESENVOLVENDO ATIVIDADE DE PESCA NO PERÍODO DO DEFESO COM PETRECHOS NÃO PERMITIDOS - SENTENÇA CONDENATÓRIA - MATERIALIDADE E AUTORIA ESTREME DE DÚVIDAS - PROVAS SUFICIENTES A EMBASAR A CONDENAÇÃO - PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - CRIME DE PERIGO ABSTRATO - RELEVÂNCIA DO BEM JURÍDICO TUTELADO - MEIO AMBIENTE SE TRATA DE UM DIREITO DIFUSO, DE UM BEM INDISPONÍVEL E DE UM DIREITO FUNDAMENTAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, QUE NÃO ESTÁ PREVISTO NA LEI PENAL
BRASILEIRA, COLIDENTE COM OS PRINCÍPIOS REITORES DO MEIO AMBIENTE DO DESENVOVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA PREVENÇÃO - PRINCÍPIOS REITORES DO MEIO AMBIENTE COM GUARIDA NO ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO". (TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 950876-7 - Uraí - Rel.: Fabiana Silveira Karam - Unânime - J. 20.03.2014) [destacou- se] E, ainda, nas palavras do parecer da douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA: "A insignificância só se caracteriza quando
qualquer sanção imposta se mostra desproporcional ao crime cometido.
Na hipótese, o paciente foi apenado com 10 (dez) dias-multa e só isto já
afasta o reconhecimento do crime de bagatela". Portanto, superados os argumentos defensivos, irreparável a r. sentença.
III. Desse modo, ACORDAM os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, à unanimidade, em negar provimento ao presente recurso.
Deliberou o Colegiado, também, pela remessa imediata de cópia deste acórdão via Mensageiro ao MM. Juiz prolator da sentença Dr. Luiz Carlos Fortes Bittencourt. Presidiu o julgamento o Desembargador JOSÉ CARLOS DALACQUA, com voto, e dele participou o eminente Desembargador ROBERTO DE VICENTE. Curitiba, 11 de dezembro de 2014.
José Maurício Pinto de Almeida Relator
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