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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Estado do Paraná
Recurso em Sentido Estrito nº 1265126-2 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1265126-2, DA COMARCA DE PONTA GROSSA 1ª VARA CRIMINAL.
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RECORRIDO : MARCIO HENRIQUE CORREA RELATOR CONV. : JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIOS CONSUMADO E TENTADO. SENTENÇA DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA OS CRIMES DE HOMICÍDIO CULPOSO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR E LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXAME DO DOLO QUE NÃO VIOLA SOBERANIA DO JÚRI, POR TER RELAÇÃO COM A PRÓPRIA COMPETÊNCIA DAQUELE TRIBUNAL. DISTINÇÃO ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL. CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL SÓ PODE SER FEITA COM BASE EM ELEMENTOS CONCRETOS, SOB DEMONSTRAÇÃO DE TER ASSUMIDO O RISCO DE MATAR. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. EMBRIAGUEZ DO RÉU NÃO PODE LEVAR, AUTOMATICAMENTE, À PRESUNÇÃO DA OCORRÊNCIA DE DOLO. SENTENÇA DE DESCLASSIFICAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 1265126-2, da Comarca de Ponta Grossa 1ª Vara Criminal, em que é recorrente o Ministério Público do Estado do Paraná e recorrido Marcio Henrique Correa.
I. O Ministério Público do Estado do Paraná Marcio Henrique Correa como incurso nas sanções dos artigos 121, "caput" e 121, "caput" c.c 14, inciso II, todos do Código Penal, pela suposta prática do fato delituoso descrito na denúncia, nos seguintes termos: "No dia 10 de julho de 2011, por volta das 18h30mib, na rodovia estadual PR 151, a 250 metros para frente do KM 321, entre as cidades de Carambeí/PR e Ponta Grossa/PR, o denunciado Marcio Henrique Correa, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, dolosamente, embriagado, dirigindo seu veículo VW/GOL, placas KNH-6360, efetivamente assumindo o risco de produzir o resultado morte, invadiu a contramão da rodovia, colidindo seu veículo contra o veículo FORD/ESCORT, placas ABA-3734, que estava à vítima Erika William Pereira, que acabou falecendo após dar entrada no hospital, em virtude das lesões sofridas, bem como a vítima Amélia Correia Pereira, que não faleceu por circunstâncias alheias à vontade do agente, eis que foi prontamente socorrida e encaminhada para o hospital. Realizado teste do alcoolemia no denunciado (fl.06) este apresentou resultado 0,705 mg/l de concentração de álcool por sangue. Consta nos autos, ainda, o B.O. de fl.14/16, certificado de verificação de etilômetro de fl.17/18, certidão de óbito da vítima Erik de fl.22 e cópia do Laudo de Exame Cadavérico. Será juntado posteriormente laudo original de necropsia da vítima Erik e laudo de exame de lesões corporais da vítima Amélia".
A denúncia foi recebida em 01/08/2011 (fl.66). Regularmente citado, o réu apresentou resposta à acusação (fls.87/94). Durante a instrução foram ouvidas 02 (duas) testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fl.129 e 129-v), uma testemunha arrolada pela defesa (fl.130), a vítima Amélia Correia Pereira(fl.149), bem como interrogado o réu (fl.161). Alegações finais apresentadas pelo Ministério Público e Defesa às fls.178/186 e 188/196, respectivamente. A Dra. Juíza a quo desclassificou a conduta do réu para os crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor e lesões corporais culposas na direção de veículo automotor (fl.201/212).
Inconformado, o Ministério Público interpôs tempestivo recurso em sentido estrito, pleiteando a pronúncia do réu pelos delitos de homicídio consumado e tentado, ambos em sua modalidade dolosa (fl.217/234). Contrarrazões recursais acostadas às fls. 236/241. Em sede de juízo de retratação, a decisão foi mantida (fl.242/243). Nesta instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra da ilustre Procuradora Dra. Elza Kimie Sangalli, opinou pelo provimento do recurso (fls.251/254-v). É o relatório. Voto. Em suas razões, pleiteia o representante do "Parquet" a pronúncia do réu pelos delitos de homicídio consumado e tentado, ambos em sua modalidade dolosa. No caso, da análise dos autos, verifica-se haver indícios de que o réu possa ter dado causa ao acidente. Com efeito, o depoimento da vítima Amélia Correia, no sentido de que o réu teria invadido a pista na contramão, aliado ao depoimento dos policias rodoviários Anderson Pavelski e José Carlos Alves de Souza, no sentido de que o exame etilométrico realizado no réu teria apontado dosagem de álcool no sangue em quantidade superior à permitida em lei, bastariam para a decisão de pronúncia, eis que tal não exige prova robusta, incontestável, conforme pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores: "A pronúncia é viável a partir da existência do crime e de simples indícios de envolvimento do acusado, descabendo cogitar de prova robusta quanto a esse último aspecto". (STF, HC 89493 / SP - Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 28/11/2006 Órgão Julgador: Primeira Turma).
"A decisão de pronúncia, como reiterada doutrina e jurisprudência, encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o
ordenamento jurídico para a superação dessa fase do procedimento do júri, somente indícios mínimos da ocorrência do crime e de sua autoria. A expressão in dubio pro societate não consiste, propriamente, em um princípio do processo penal, mas em eficiente orientação ao magistrado que, ao decidir sobre a pronúncia, deve analisar, de forma fundamentada e limitada, a presença dos elementos mínimos de autoria e materialidade, resguardando o mérito ao juiz natural da causa." (STJ, AgRg no AREsp 67768 / SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, T5 - QUINTA TURMA, DJe 21/09/2012) Ocorre que, para a submissão do réu ao Tribunal do Júri, deve-se verificar a ocorrência de crime doloso contra a vida. Caso contrário, a desclassificação é medida que se impõe. Cumpre salientar, neste ponto, que a desclassificação do crime não desrespeita a soberania do Tribunal do Júri, tal qual constitucionalmente assegurada. Trata-se, na verdade, de questão de aferição de competência e não de intromissão nas atribuições e livre consciência daquela corte popular. Vale transcrever, a esse respeito, brilhante trecho de voto da lavra do iminente Ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça: "É certo que, na fase do iudicium accusationis, não se admite longas incursões sobre o mérito da acusação, sob pena de usurpar a competência do Tribunal do Júri. Entretanto, não se pode transferir para a Corte Popular, utilizando-se do brocardo in dubio pro societate, o juízo técnico a respeito da adequação do dolo eventual e da culpa consciente, nas hipóteses de homicídio praticado na direção de veículo automotor, ante as dificuldades óbvias de compreensão desses institutos. 4. Apesar de existir vários conceitos teóricos sob o tema, quando se parte para o campo prático nota-se a extrema dificuldade de distinguir quando o agente assumiu ou não o risco de produzir determinado resultado lesivo, ainda mais quando se tratar de crimes de trânsito, para os quais há legislação própria, inclusive com tipos penais específicos. 5. Nesse contexto, diante da tênue diferença entre dolo eventual e culpa consciente - visto que em ambos o
agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade de o evento acontecer -, cumpre ao Juiz togado verificar se há elementos de convicção suficientes para confirmar a competência do Tribunal do Júri. (STJ, REsp 1327087/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 11/11/2013). Pois bem. Feitas essas considerações iniciais, passo ao enfrentamento da questão de fundo, qual seja, saber se o caso é de delito culposo ou doloso, na modalidade eventual. Sabe-se que a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente é uma das questões mais controvertidas do direito penal. A previsão normativa do dolo eventual encontra-se no inciso I, do artigo 18, do Código Penal, quando dispõe que age com dolo não somente o agente que quer o resultado, mas também aquele que assume o risco de produzi- lo. O eminente professor JUAREZ TAVARES assim leciona sobre o tema, verbis: "A distinção ente o dolo eventual e a culpa consciente continua sendo um dos pontos mais controvertidos e nevrálgicos da teoria do delito. A fim de estabelecer essa distinção, atendendo aos fundamentos antes enunciados, deve-se partir de dois pressupostos. O primeiro, de que o dolo eventual, é legalmente, equiparado ao dolo direto no tocante aos seus efeitos, o que quer dizer que o dolo eventual deve haver um grau de intensidade no tocante ao processo de produção do resultado que tenha carga equivalente àquela que se desenvolve com o dolo direito. Isto leva à conclusão de que o dolo eventual deve ter uma base normativa que justifique sua inclusão no âmbito volitivo do sujeito.Assim, na identificação do dolo eventual é preciso não perder de vista esse procedimento de equivalência, o que faz cair por terra, por conseguinte, qualquer teoria que pretenda equacioná-lo exclusivamente nos amplos limites de seu elemento intelectivo. O segundo pressuposto é de que no dolo eventual o agente deve ter refletido e estar consciente acerca da possibilidade da realização do tipo
e, segundo o seu plano para o fato, se tenha colocado de acordo com o fato de que, com sua ação produzirá uma lesão do bem jurídico. Já na culpa consciente, o agente também está ciente da possibilidade de realização do tipo, mas como não se colocou de acordo com a produção do resultado lesivo, espera poder evitá-lo ou confia na sua não- ocorrência. A distinção, assim, deve processar-se no plano volitivo e não apenas no plano intelectivo do agente." (...) O Código Penal brasileiro, em seu art. 18, I, acolhe a fórmula de assumir o risco, que implica dar relevância, na configuração do dolo eventual, ao seu elemento volitivo e não meramente intelectivo, mas essa adoção nada mais é do que uma expressão também do conformar-se com o resultado e não descarta a análise do elemento intelectivo como seu pressuposto prévio. Neste particular, inclusive em face da equivocidade de seus termos, a fórmula do código é evidentemente incompatível com um direito penal de garantia que está a exigir uma precisa tomada de posição da doutrina para delimitá-la no seu verdadeiro sentido. A questão primordial do dolo eventual não reside proporcionalmente nas expressões de formulação legal ou nas expressões usadas pela doutrina, mas no ponto em que, no dolo, qualquer que seja sua espécie, há uma vontade do agente no sentido de realizar o resultado e, assim, lesar o bem jurídico. Para que se possa sustentar a existência do dolo eventual ainda que dentro da estrutura do dolo, como forma de direção consciente e voluntária da sua conduta, assim como vontade de manobrar ou conduzir essa atividade, será preciso partir de dois fundamentos: a) o agente deve ter consciência de que, com sua atuação, pode seriamente lesar ou pôr em perigo um bem jurídico; b) atua com indiferença diante dessa séria possibilidade de lesão ou colocação em perigo do bem jurídico, de modo a assumir o risco de sua produção. O que assinala, portanto, a base do dolo eventual é a relação recíproca de seus elementos constitutivos. Primeiramente, o agente deve dirigir sua conduta com consciência da seriedade das possibilidades de lesão e de perigo de lesão ao bem jurídico e, ademais, com indiferença a essa possibilidade de lesão ou colocação de perigo que ele admitiu como séria, isto é uma possibilidade efetiva, concreta, atual. Em segundo lugar,
que essa indiferença se traduza numa aceitação do resultado de dano ou de perigo. A indiferença não se pode satisfazer simplesmente com uma decisão sobre a direção da conduta, mas pressupõe, para servir de base ao dolo, que o agente inclua na sua consciência que essa modalidade de atuação está sendo conduzida no sentido de uma séria possibilidade de lesão ou colocação em perigo do bem jurídico." (in "Teoria do Injusto Penal", 2ª edição, Del Rey, 2002, pág. 346/351). Pode-se concluir que, para que se configure o dolo eventual, não basta apenas que, ao agir, o sujeito, a despeito da previsão do resultado danoso, acredite que poderá impedir o efeito de nefasto de sua ação. Isso caracteriza a culpa consciente. É necessário mais. Se faz essencial, para a configuração do dolo eventual, que o sujeito "assuma o risco de produzir o resultado". Em outras palavras, deve ficar demonstrado que o sujeito não se importa com o dano que poderá advir de sua conduta. Outrossim é oportuna a citação da lição de NELSON HUNGRIA a respeito do dolo eventual: "Sensível á a diferença entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo um traço comum: a previsão do resultado antijurídico: mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento dêsse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá.Eis a clara e precisa lição de Logoz, que merece transcrição integral: `... a diferença entre estas duas formas de culpabilidade (dolo eventual e culpa consciente) apresenta-se quando se faz a seguinte pergunta: "por que em um e outro caso, a previsão das conseqüências possíveis não impediu o culpado de agir? A esta pergunta uma resposta diferente deve ser dada, segundo haja o dolo eventual ou a culpa consciente. No primeiro caso (dolo eventual), a importância inibitória ou negativa
da representação do resultado foi, no espírito do agente, mas fraca do que o valor positivo que este emprestava à prática da ação. Na alternativa entre duas soluções (desistir da ação ou praticá-la, arriscando-se de produzir o evento lesivo), o agente escolheu a segunda, para ele o evento lesivo foi como o menor de dois males, em suma, pode dizer-se, no caso de dolo eventual, foi por egoístico motivo que o inculpado se decidiu a agir, custasse o que custasse. Ao contrário, no caso de culpa consciente , é por leviandade, antes que por egoístico, que o inculpado age, ainda que tivesse tido consciência do resultado maléfico que seu ato poderia acarretar. Nesse caso, com efeito, o valor do resultado possível era, para o agente, mais forte que o valor positivo que atribuía à prática da ação. Se estivesse persuadido de que o resultado sobreviria realmente, teria sem dúvida, desistido do agir. Não estava, porém, persuadido disso. Calculou mal. Confiou em que o resultado não se produziria, de modo que e a eventualidade, inicialmente prevista, não pôde influir plenamente no seu espírito. Em conclusão: não agiu por egoísmo, mas por leviandade; não refletiu suficientemente." (in "Comentários ao Código Penal" Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. I, t. II. P. 116). É certo que, na prática, muitas vezes, se revela árdua a tarefa de análise da conduta do réu e sua categorização como culpa consciente ou dolo eventual. Não é menos certo, porém, o fato de que tal classificação deve ser realizada com vistas aos elementos concretos, contidos nos autos, que revelem a verdadeira intenção contida na mente do sujeito. Do contrário, estar-se- ia a homenagear a odiosa responsabilidade penal objetiva, que permite imputação criminal com base em suposições despidas de suporte fático. Desse modo, entendo que tão somente a embriaguez do réu, se não aliada a outros fatos que demonstrem seu descaso pelo bem jurídico tutelado pela norma pena, - in casu, a vida -, não tem o condão de conferir o status doloso à conduta. Nesse sentido já se manifestou esta Corte:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÉU QUE DIRIG INDO EMBRIAGADO COMETE HOMICÍDIO. PRONÚNCIA PELA PRÁTICA DE HOMICÍDIO DOLOSO, DOLO EVENTUAL. DISTINÇÃO INTRINCADA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE, QUE EXIGE CONTROLE MAIS ACURADO NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA PRONÚNCIA, NOS CRIMES CONTRA A VIDA, EM QUE ENVOLVA ACIDENTE DE TRÂNSITO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO, DIVERSO DA EMBRIAGUEZ, QUE DEMONSTRE TER O RÉU ANUIDO AO DIRIGIR EMBRIAGADO COM O RESULTADO MORTE. RECURSO PROVIDO PARA DESCLASSIFICAR O CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO (ART. 121, CAPUT, DO CP) PARA O CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, DO CTN). - A complexidade em distinguir o dolo eventual da culpa consciente demonstra a temeridade de se "lavar as mãos", com fundamento no princípio "in dúbio pro societates" submetendo, de forma automática, o agente de crime cometido contra pessoa no trânsito a julgamento perante o Tribunal do Júri, sendo imprescindível um controle mais acurado no juízo de admissibilidade da pronúncia nestes casos. - Não basta tão-somente que o agente esteja dirigindo bêbado ao ocasionar o acidente e consequentemente à morte, pois tal fato, por si só, configura quebra do dever de cuidado objetivo exigido pela própria lei de trânsitos (art. 165, do CTB), configurando o crime culposo. É necessário, a configuração de um "plus" que demonstre realmente que o agente anuiu com o resultado e não que este tenha apenas confiando, de forma leviana, que ao dirigir bêbado poderia evitar o resultado (culpa consciente). - A alta velocidade que exceda de forma manifesta as normas de trânsito, constitui o "plus" aliado a embriagues no volante demonstrativos do "motivo egoístico", da torpeza no comportamento, ou melhor, a imprudência de dirigir embriagado, o que por si só já permite a representação do resultado lesivo, somada com a velocidade manifestamente excessiva no trânsito constitui indícios de fundada suspeita de que o agente anuiu, integrou, o risco de lesar o bem jurídico na realização do seu plano concreto, o que ampara a pronúncia de fundada suspeita na configuração do dolo
eventual. - Na espécie, embora esteja comprovado que o réu estava dirigindo bêbado, não há indícios de que o réu estava em alta velocidade, que poderia consistir no "plus" demonstrativo do motivo egoístico, da torpeza, do agente que decide, "custe o que custar", agir. Desse modo não havendo elemento concreto que possibilite amparar um juízo de fundada suspeita na configuração do dolo eventual, é de rigor a desclassificação do crime de homicídio doloso (art. 121, caput, do CP) para o crime de homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor (art. 302, do CTN). - É de se frisar que aqui não se está a afastar a competência, constitucionalmente assegurada, do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida, o que se faz é, através da distinção do dolo eventual da culpa consciente, com amparo em balizas mais concretas, consistente na necessidade de ficar evidenciado um "plus" que demonstre o agir egoístico, torpe, do motorista embriagado que possa evidenciar que o mesmo anuiu com o resultado morte, afastar a configuração do dolo eventual. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 400765-4 - Guarapuava - Rel.: Mário Helton Jorge - Unânime - - J. 21.06.2007) Diante de todo o exposto, e considerando não vislumbrar, no caso, além da embriaguez do réu, outros elementos contidos nos autos que demonstrem ter o réu assumido o risco de matar a vítima, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e manter a decisão de desclassificação dos delitos, afastando, por conseguinte, a competência do Tribunal do Júri. DISPOSITIVO. III. ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
A sessão de Julgamento foi presidida pelo Exmo. Desembargador Campos Marques, com voto, e dela participou o Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Benjamim Acácio de Moura e Costa. Curitiba, 04 de dezembro de 2014.
MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO Relator Convocado
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