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Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.233.930-9. ORIGEM: VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO REGIONAL DE IBIPORÃ DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - PR. AGRAVANTE: ESTADO DO PARANÁ. AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATOR: DES. CARLOS MANSUR ARIDA.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚLICA. DECISÃO QUE DETERMINOU INTERVENÇÃO JUDICIAL EM HOSPITAL POR INDÍCIOS DE MÁ GESTÃO DE VERBAS PÚBLICAS PARA ATENDIMENTO DE PACIENTES PELO SUS. ILEGITIMIDADE DO ESTADO PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO NÃO VERIFICADA. DEVER DE FISCALIZAR A GESTÃO E APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS REPASSADOS À INSTITUIÇÃO PRIVADA PARA GARANTIR A DESTINAÇÃO ADEQUADA E A EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS. NOMEAÇÃO DE INTERVENTOR. POSSIBILIDADE. MEDIDA QUE NÃO SE CONSTITUI EM INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA COMPETÊNCIA DO EXECUTIVO DE FIXAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. RECURSO NÃO PROVIDO.
RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado do Paraná em face da decisão pela qual foi determinada a intervenção judicial no Hospital Cristo Rei, de Ibiporã, com imediata intimação do Estado do Paraná, por meio da Secretaria Estadual de Saúde, para indicar pessoa idônea para administrar provisoriamente a entidade, no prazo de 24 horas.
Sustenta, em síntese, que: (i) o Estado do Paraná apenas promove o repasse de verbas públicas ao Hospital, considerando o atendimento de pacientes do SUS, sendo certo que não pratica qualquer ato de gerência e, portanto, não possui legitimidade para cumprir a decisão judicial; (ii) o Estado já está cumprindo com suas obrigações junto ao Hospital, porque repassa as verbas que viabilizam os atendimentos à população; (iii) o servidor nomeado para intervenção terá que ser afastado do seu posto de trabalho, onde já presta atendimento aos munícipes, que serão prejudicados pela sua ausência; (iv) a medida revela afronta ao princípio da separação de poderes, haja vista que o Judiciário não pode interferir em decisão relacionada à lotação de servidores do Poder Executivo.
2 ao final, pelo provimento do recurso.
O almejado efeito foi indeferido (fls. 1.069/1.070)
Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados (fls. 1.082/1.084).
Com resposta, os autos foram encaminhados à D. Procuradoria Geral de Justiça, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.
Retornaram para julgamento.
É o relatório.
VOTO E FUNDAMENTOS
1. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
2. Não há motivos que justifiquem a reforma da decisão agravada.
3 que acompanham o presente agravo, no mês de agosto de 2007 o Estado do Paraná assumiu a administração das ações de saúde do Hospital Cristo Rei convênio com o SUS.
Desde então, a entidade recebe repasses oriundos da contratação pela Secretaria Estadual de Saúde, Governo Federal e do Município de Ibiporã, tendo verbas públicas que se incorporam ao seu patrimônio, inclusive mediante doações do Ministério da Saúde e do programa REFORSUS.
Desse modo, justamente pelo referido pacto que ocorreu a inclusão do Estado do Paraná no polo passivo, por se tratar de ações e serviços de saúde executados pelo SUS, e não em razão da má gestão dos antigos administradores como alega o agravante.
3. Com efeito, a Lei nº 8.080/90, que trata das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, traz em seu art. 7º e seu inciso IX que as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos com obediência ao princípio da descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo (art. 198 da CF).
4 Procurador Geral de Justiça à fl. 1.116, com escopo no art. 17 do diploma supracitado:
"Isso impõe ao Estado o dever de fiscalizar a gestão e aplicação dos recursos públicos repassados à instituição privada, a fim de garantir a destinação adequada e a efetividade dos serviços prestados."
Até porque, não se pode perder de vista que, em última análise a saúde é direito de todos e dever do Estado, nos moldes do art. 196 da CF. Conquanto as instituições privadas possam participar do SUS já que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, isso ocorre de forma complementar (art. 199 da CF).
Dessa forma, determinar a nomeação de interventor para gerência de Hospital com problemas de administração não significa interferir em competência que não a do Poder Judiciário.
A propósito, não foi outro o entendimento adotado por este Tribunal quando do julgamento de agravo interposto em face de decisão do Eminente Presidente do TJPR que indeferiu pedido de suspensão dos efeitos da decisão que ora se pretende a reforma:
5 determinou a intervenção no Hospital Cristo Rei de Ibiporã não se constitui em ingerência do Poder Judiciário na competência do Executivo de fixação de políticas públicas na área da saúde, ao contrário do que afirma o agravante. Vale citar sobre a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45: "EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA `RESERVA DO POSSÍVEL'. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO `MÍNIMO EXISTENCIAL'. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (ADPF nº 45- Pleno Rel. Min. Celso de Mello - DJe 29.04.04)."
6 Região Metropolitana de Londrina - Foro Regional de Ibiporã - Rel.: Guilherme Luiz Gomes - Unânime - - J. 07.07.2014)
4. No presente caso, como dito nas razões de indeferimento do efeito antecipatório pretendido, existe procedimento administrativo e autos de inquérito civil, ambos buscando minudenciar as condições de má gestão do Hospital, relacionadas à eventual desvio de dinheiro público, com destinação diversa da legalmente prevista.
Ainda, não se pode olvidar das denúncias sobre suspensão no pronto atendimento 24 horas, a ausência de plantonistas, de pediatras e anestesistas, somada ao atraso nos salários e possibilidade de evasão de tributos.
As circunstâncias narradas exigem a providência determinada pelo Magistrado de primeiro grau, sob pena de o atendimento à população local restar cada vez mais prejudicado, a ponto inviabilizar totalmente a prestação do serviço de saúde.
De mais a mais, nada impede que o Estado indique um profissional competente com perfil de Administrador para que assuma intervenção decretada liminarmente, desde que submetida sua aprovação pelo D. Juiz da Comarca, o que, aliás, refuta sua alegação de que o servidor nomeado para intervenção
7 atendimento aos munícipes, que serão prejudicados pela sua ausência.
5. Por derradeiro, melhor sorte não assiste ao agravante quando assevera que a medida afronta ao princípio da separação de poderes, por entender que o Judiciário não pode interferir em decisão relacionada à lotação de servidores do Poder Executivo.
A uma, porque é dever do Poder Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), não caracterizando violação ao Princípio da Divisão dos Poderes.
Outrossim, a Lei n. 8.080/1990, especialmente os artigos 19-M e seguintes, devem ser interpretados em conformidade com a Constituição, para a concretização do direito fundamental à saúde.
Está-se diante do bem maior das pessoas vida e consequentemente a saúde que é preservado pela Constituição Federal, não podendo ficar à mercê de políticas de governo ou medidas administrativas, pela não garantia dos valores expressos na Carta Magna.
8 negar provimento ao recurso.
DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
A Sessão foi presidida pelo Des. Nilson Mizuta, sem voto, e participaram do julgamento, acompanhando o voto, os Juízes Substitutos em 2º grau, Edison de Oliveira Macedo Filho e Rogério Ribas.
Curitiba, 27 de janeiro de 2015.
DES. CARLOS MANSUR ARIDA Relator
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