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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Estado do Paraná
Apelação Cível n. 1.279.167-2 Origem: 21ª Vara Cível de Curitiba Apelantes: Personalité Fomento Mercantil Ltda e Galeto Comércio de Alimentos Ltda. Apelados: os mesmos Órgão julgador: 13ª Câmara Cível Relator: Juiz de Direito Substituto em 2º Grau LUIZ HENRIQUE MIRANDA (em substituição ao Desembargador EDUARDO SARRÃO) APELAÇÕES CÍVEIS. MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO E CANCELAMENTO DE PROTESTO. DISCUSSÃO ACERCA DA LICITUDE DE PROTESTO DE CHEQUE EMITIDO PARA PAGAMENTO DE NEGÓCIO JURÍDICO QUE NÃO FOI CONCRETIZADO. 1. O factoring é instituto de direito mercantil, guardando muita semelhança com a cessão de crédito. Com esta, tem em comum a característica de tornar o faturizado, igual o cedente, responsável pela existência do crédito negociado, mas não pela solvabilidade do devedor. Outra peculiaridade comum aos dois contratos é a da não criação, pelo negócio de transmissão do direito de crédito, de uma relação autônoma ou desvinculada do negócio originário (diversamente do que ocorre na transmissão de direitos cambiais por endosso), do que resulta a possibilidade de o devedor arguir, contra o credor que adquire essa condição pela cessão ou faturização, as exceções pessoais que podia alegar contra o credor original (Código Civil, artigo 294). Assim, desfeito o negócio do qual derivara o título objeto da operação de faturização, desaparece o direito da empresa de factoring de cobra-lo. 2. Recursos conhecidos e não providos. Apelação cível n. 1.279.167-2 página 1 / 7 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Estado do Paraná
RELATÓRIO
Perante o douto Juízo da 21ª Vara Cível de Curitiba, GALETO COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA ajuizou medida cautelar de sustação e cancelamento de protesto em face de PRIMOS AGROINDUSTRIAL LTDA, VALE DA RIBEIRA LOGISTICA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LTDA e PERSONALITÉ FOMENTO MERCANTIL, dizendo, resumidamente, que realizou compra e venda com a primeira ré, tendo efetuado o pagamento antecipado da referida dívida mediante a emissão de um cheque em favor da segunda requerida, porquanto tratava-se de empresas do mesmo grupo econômico. Asseverou, ademais, que a mercadoria não lhe foi entregue, contudo a 1ª ré repassou o título para a empresa Personalité Fomento Mercantil, a qual, por sua vez, apontou-os a protesto. Os pedidos foram julgados procedentes, tendo o Juízo a quo condenado os Réus ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (fls. 172/177). A Ré Personalité Fomento Mercantil, a ser doravante chamada de Apelante (1), recorreu a este egrégio Tribunal (fls. 187/194) aduzindo, em essência, a impossibilidade de oposição das exceções pessoais em face do terceiro de boa-fé portador do título, à luz do disposto no artigo 25 da Lei 7.357/85. A Autora, doravante designada Apelante (2), também recorreu (fls. 202/209), pugnando pela majoração dos honorários advocatícios. Foram apresentadas contrarrazões aos recursos (fls. 222/224 e 226/234). Após, vieram-me os autos conclusos. É o breve relatório.
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VOTO Conheço dos recursos, eis que preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos a tanto necessários, em especial os da tempestividade, adequação, preparo e legitimidade das partes. Alega a Apelante (1) que deve ser reformada a sentença, porquanto não são oponíveis ao terceiro de boa-fé, portador do título, as exceções fundadas em relações pessoais firmadas com os portadores anteriores. Não lhe assiste razão, contudo. Inobstante a contestação e as razões recursais da Apelante (1) aludirem a uma transmissão de títulos com base em "endosso", o que ocorreu no caso não foi uma operação regulada pelo direito cambial, mas sim a celebração de um contrato de faturização, conforme afirmado taxativamente pela recorrente tanto na contestação quanto nas razões do apelo. Nesta perspectiva, cumpre esclarecer que o factoring é instituto de direito comercial, guardando muita semelhança com a cessão de crédito. Com esta, tem em comum a característica de tornar o faturizado, igual o cedente, responsável pela existência do crédito negociado, mas não pela solvabilidade do devedor. Outra peculiaridade comum aos dois contratos é a da não criação, pelo negócio de transmissão do direito de crédito, de uma relação autônoma ou desvinculada do negócio originário (diversamente do que ocorre na transmissão de direitos cambiais por endosso), do que resulta a possibilidade de o devedor poder arguir, contra o credor que adquire essa condição pela cessão ou faturização, as exceções pessoais que podia alegar contra o credor original. Fran Martins ensina (Contratos e Obrigações Comerciais, Forense, 10ª edição, p. 575): "Tem o comprador o direito de opor ao cessionário ou ao cedente as exceções que lhe competirem no momento em que tiver conhecimento da cessão. É o princípio do artigo 1.072 do Código
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Civil (a referência deve ser entendida ao artigo 294 do CCB/2002), no caso da faturização perfeitamente aplicável". Este Tribunal de Justiça não diverge desse entendimento e já decidiu que "na operação de factoring, o endosso do título de crédito não produz os seus efeitos típicos, podendo o sacador, por esse motivo, opor ao factor exceções pessoais que poderia deduzir contra o tomador" (TJ/PR, 17ª Câmara Cível, AC 0322941-6, relator Juiz Substituto em 2° Grau, hoje Desembargador, Albino Jacomel Guerios, unânime, julgado em 09/08/2006). É incontroverso que o negócio celebrado entre a Autora/Apelante (2), emitente do título, e a Ré Primos Agroindustrial Ltda foi desconstituído, em razão do não cumprimento, por esta, da obrigação de entregar as mercadorias vendidas. Nesse contexto, é evidente que o preço convencionado não poderia ser exigido da compradora, o que demonstra a ilicitude do protesto dos títulos criados para documenta-lo. Ressalte-se que era ônus da Apelante (1) averiguar, tanto por ocasião da aquisição do título quanto no momento de sua comercialização e exigibilidade, a existência de possível obstáculo ao exercício dos direitos adquiridos com base no contrato de faturização. Isto porque, podendo o devedor invocar em face do factor as mesmas exceções guardadas em relação ao credor original, o desfazimento da compra e venda constituía empecilho à aquisição do crédito, sua comercialização, cobrança e protesto dos títulos respectivos. Noutras palavras, se ao credor original não era permitido cobrar o crédito e adotar medidas coercitivas em face do devedor, a mesma restrição se aplicava ao factor. Na espécie, está claro que a Apelante (1) descurou-se desse dever, posto que, ao celebrar o contrato de faturização, o crédito correlato à dívida da Autora não existia mais, ante o desfazimento do contrato de compra e venda firmado entre ela e as outras empresas em favor das quais o título fora emitido originariamente.
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Com efeito, embora referido crédito estivesse documentado em cheque e a transmissão deste tenha sido feita por endosso, era ônus da Apelante (1), antes de adquiri-lo, investigar sua real existência e exigibilidade, de modo a furtar-se do risco de, por ignorância, provocar prejuízos indevidos ao emitente. Não socorre o Apelante (1) o argumento de que agiu de boa fé ao adquirir o título e o de que o protesto deste era necessário para assegurar seus direitos de endossatária. Isto porque, no confronto entre os interesses da empresa de fomento mercantil, que não se acautelou devidamente ao receber o título, e os do terceiro de boa-fé, à revelia do qual o título foi colocado em circulação, hão de prevalecer, por questão de justiça, os do último, que não pode ser penalizado por fato ao qual não deu a mínima causa. Tal entendimento, frise-se, foi de há muito consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, como mostra este aresto:
DUPLICATA SEM CAUSA. Protesto. Endosso. Responsabilidade do banco endossatário. O Banco que recebe por endosso duplicata sem causa e a leva a protesto responde pelo dano que causa ao indicado devedor e pelas despesas processuais com as ações que o terceiro foi obrigado a promover, ressalvado o direito do Banco de agir contra o seu cliente. Precedentes." (REsp. 327.828/MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJU 08/04/2002, página 223).
Na mesma linha é o entendimento desta egrégia Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
Apelação cível n. 1.279.167-2 página 5 / 7 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Estado do Paraná
DÉBITO E DE RELAÇÃO CAMBIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO POR PARTE DA EMPRESA DE FACTORING RÉ. TESES DE INEXIGIBILIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADAS ANTE A NATUREZA DA RELAÇÃO CONTRATUAL PELA QUAL AS PARTES RESTARAM ENVOLVIDAS. DUPLICATAS SEM CAUSA DEBENDI. LEGITIMIDADE PASSIVA VERIFICADA. CESSÃO DE CRÉDITO. FATURIZADORA QUE FIGURA COMO CREDORA E QUE PROCEDEU AO PROTESTO DAS DUPLICATAS. DANO MORAL FIXADO EM DISSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO POR ESTE ÓRGÃO COLEGIADO. PLEITO DE REDUÇÃO ACOLHIDO. VERBA HONORÁRIA FIXADA SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL MANTIDA.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - AC - 1194343-6 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - - J. 30.04.2014)
Por fim, não merece guarida, também, o recurso da Autora/apelante (2) que, de sua parte, pugna pela majoração dos honorários advocatícios. Conquanto o advogado da Apelante (2) tenha se mostrado zeloso, deve ser levado em conta que a ação não possui um grau de complexidade alto, podendo ser decidida com a mera análise da prova documental, além do que o processo tramitou menos de um ano na primeira instância. Neste contexto, a verba honorária arbitrada na sentença deve ser mantida (R$ 500,00), refletindo-se, desta forma, à remuneração adequada do profissional, nos termos do artigo 20, §4º do CPC. Posto isto, voto pelo conhecimento e não provimento dos recursos.
Apelação cível n. 1.279.167-2 página 6 / 7 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Estado do Paraná
DISPOSITIVO
Acordam os integrantes da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Presidiu o julgamento a Senhora Desembargadora Rosana Andriguetto de Carvalho, sem voto, dele participando os Senhores Desembargadores Wellington Emanuel Coimbra de Moura e Athos Pereira Jorge Junior. Curitiba, 04 de fevereiro de 2015.
Luiz Henrique Miranda Juiz de Direito Substituto em 2º Grau
Apelação cível n. 1.279.167-2 página 7 / 7
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