Decisão
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I -RELATÓRIO:Trata-se de Habeas Corpus nº 0038884-48.2021.8.16.0000 em que figura como impetrante ROGÉRIO NOGUEIRA e como paciente JOÃO MENEZES FILHO, nos autos originários de Ação Penal nº 0004121-46.2017.8.16.0037, objetivando a declaração de nulidade dos atos processuais que foram praticados após a sua desabilitação nos autos originários.Para tanto, afirma que foi nomeado defensor dativo ao acusado, ainda que tenha acompanhado o processo durante as tentativas de localização do réu, tendo sido desabilitado sem ter sido intimado da decisão que nomeou o advogado dativo. Alegou que a sua desabilitação acarreta a nulidade dos atos posteriores, em razão do cerceamento de defesa. Ressaltou que quando citado, o paciente informou que possuía advogado (mov. 89.1), havendo, inclusive, procuração acostada aos autos (mov. 1.8). Informou que o prejuízo é presumido, diante da ausência de apresentação, pelo defensor dativo, de rol de testemunhas de defesa e da condenação do acusado. Asseverou que não cabe ao réu preso contatar seu patrono, até mesmo porque estava habilitado nos autos, bastando ser intimado pelo sistema projudi. Esclareceu que solicitou contato com o réu preso, em 01.02.2021, ao passo que a citação se deu, em 28.02.2021, e o parlatório virtual foi agendado, somente, para 12.03.2021, data em que o impetrante foi desabilitado dos autos originários. Pleiteou, liminarmente, pela declaração de nulidade dos atos processuais que foram praticados após a sua desabilitação nos autos originários, diante da presença dos requisitos fumus boni iuris e periculum in mora. Pugnou, no mérito, concessão da ordem.O pedido liminar foi deferido (mov. 9.1 – TJPR).O juiz a quo foi comunicado da decisão, tendo sido prestadas as informações (mov. 14 – TJPR).Os autos foram remetidos à Procuradoria Geral de Justiça, a qual se manifestou pelo conhecimento do writ e, no mérito, pela concessão da ordem (mov. 16 – TJPR).É, em apertada síntese, o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO:Vislumbra-se, da análise dos autos, que o paciente outorgou ao impetrante uma procuração para que procedesse à sua defesa (mov. 1.8, origem).O advogado Rogério Nogueira, inscrito na OAB/PR sob o nº 65.118, acompanhou o acusado na audiência de custódia (mov. 1.14, origem).Ocorre que a tentativa de citação do acusado restou frustrada, em razão de ter empreendido fuga da Delegacia de Polícia de Campina Grande do Sul, onde estava preso preventivamente, diante da conversão do flagrante em segregação cautelar (mov. 1.33, origem). Diante da ausência de citação do réu para responder ao processo, o causídico pugnou pelo desmembramento dos autos (mov. 1.49, origem). O Ministério Público realizou pedido no mesmo sentido (mov. 1.94, origem).O impetrante se manifestou, portanto, no seguinte sentido “tendo em vista que não houve a citação do réu para responder ao processo, aguarda a citação para nova manifestação” (mov. 1.98, origem). Assim, foi determinando o desmembramento do processo (mov. 1.101, origem). Após as tentativas de citação pessoal do réu terem restado infrutíferas, procedeu-se à citação por edital (mov. 58, origem), e, consequentemente, foi suspenso o processo (mov. 64, origem). Tendo o acusado sido localizado recolhido à Penitenciária Estadual de Piraquara II, expediu-se mandado de citação, que foi assinado pelo réu, momento em que informou que possui advogado constituído, indicando o causídico Rogério Nogueira (mov. 89.1, origem).Em que pese tenha sido realizada comunicação eletrônica referente ao evento de expedição de mandado, a comunicação foi efetuada pelo Oficial de Justiça (mov. 90, origem), tendo sido lida pela Secretaria (mov. 91 e 92, origem). Constata-se, portanto, que não foi expedida comunicação eletrônica em nome do defensor constituído, como antes havia sendo feito, a exemplo da comunicação de mov. 68, dos autos originários, onde consta, expressamente, a seguinte informação “EXPEDIÇÃO DE INTIMAÇÃOPara advogados/curador/defensor de JOÃO MENEZES FILHO”.Ato contínuo, o juiz a quo determinou a nomeação de advogado dativo para a apresentação de resposta à acusação, por concluir que houve o decurso do prazo para a defesa, realizando a consequente desabilitação do advogado Rogério Nogueira.A partir deste momento, as intimações foram realizadas em nome do defensor dativo nomeado pelo juízo e o trâmite processual seguiu seu curso.O advogado constituído, ora impetrante, pugnou pela declaração da nulidade dos atos processuais que se seguiram à nomeação do advogado dativo, ao fundamento de que fora cerceada a defesa de seu cliente (mov. 139.1, origem).O pedido, no entanto, foi indeferido pelo juízo, nos seguintes termos: “Em 18/02/2021 o réu foi citado pessoalmente, oportunidade em que informou ter advogado e ficou cientificado de que a não apresentação da resposta no prazo legal, seria nomeado defensor para oferecê-la (mov. 89.1) e sendo a citação ato pessoal, incumbia ao réu, não ao Juízo, entrar em contato com seu defensor para que oferecesse resposta à acusação, não o fazendo, mesmo validamente citado e tendo o patrono do acusado deixado de apresentar resposta à acusação (mov. 93), foi precisamente essa inércia que motivou esta Magistrada a nomear o defensor dativo (mov. 95), em obediência à norma prescrita no artigo 396-A, § 2º, do Código de Processo Penal, “não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias”. Além disso, observa-se que o defensor nomeado aceitou o encargo e apresentou resposta à acusação (mov. 98.1), afastando qualquer alegação de prejuízo sofrido pelo custodiado, diante da presença da efetiva defesa técnica. Como se sabe, em matéria de nulidades, vigora em nosso ordenamento jurídico, o princípio pas de nulitté sans grief, o qual determina que somente será declarada a nulidade quando comprovado o prejuízo para a parte, o que, como visto, não ocorreu na hipótese. Assim, uma vez que, no caso, o réu esteve devidamente assistido e representado por advogado nos autos, não há como acolher a alegada nulidade do feito, se não houve demonstração de prejuízo ou evidente constrangimento ilegal, nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal” (mov. 144.1, origem). Posteriormente, foi prolatada sentença condenatória (mov. 150, origem).Destarte, restou evidenciada a ausência de intimação do defensor já constituído, anteriormente intimado para outros atos processuais, acerca da citação do réu preso.De qualquer forma, o entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores é uníssono no sentido de que, ainda que o advogado constituído tenha sido intimado e tenha se mantido inerte, é imprescindível a intimação do acusado para constituir novo defensor, à sua escolha, antes da nomeação de advogado dativo.A propósito, citam-se os julgados do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PLEITO DA DEFESA DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PLEITO, TAMBÉM, DE ANULAÇÃO DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA CONSTITUIR ADVOGADO DE CONFIANÇA. ILEGALIDADE PELA NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. 1. O acusado tem o direito de se ver processado de acordo com o devido processo legal. Assim, a escolha de defensor, de fato, é um direito inafastável do réu, principalmente, levando-se em consideração que a constituição de um defensor estabelece uma relação de confiança entre o investigado/réu e seu patrono, violando o princípio da ampla defesa a nomeação de defensor dativo sem que seja dada a oportunidade ao réu de nomear outro advogado. 2. Recurso em habeas corpus provido para anular o processo, a partir do vício ora reconhecido, por inequívoco cerceamento de defesa. (RHC 82.687/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 17/09/2019). (Destaquei). PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO E TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES, CORRUPÇÃO DE MENORES E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO. INÉRCIA DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO RÉU PARA CONSTITUIR DEFENSOR PARTICULAR. NOMEAÇÃO DIRETA DA DEFENSORIA PÚBLICA. NULIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PROVIDO. 1. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Precedentes do STJ e STF. 2. "A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica que, no caso de inércia do advogado constituído, deve ser o acusado intimado para constituir novo advogado para a prática do ato, inclusive por edital, caso não seja localizado e, somente caso não o faça, deve ser nomeado advogado dativo, sob pena de, em assim não se procedendo, haver nulidade absoluta" (REsp 1512879/MA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 06/10/2016). De modo contrário, permanecendo inerte o acusado, proceder-se-á à nomeação da Defensoria Pública. 3. No caso em exame, a inexistência injustificada de intimação do advogado constituído e do réu para nomeação de novo defensor constitui nulidade, pois evidenciado o prejuízo à ampla defesa e ao contraditório pelo cerceamento do direito de ser representado por advogado de sua escolha e confiança, eiva reforçada, ainda, pela dispensa, por ocasião da audiência de instrução, de três testemunhas arroladas pela defesa, as quais, em seu entender, seriam fundamentais para o deslinde do processo. 4. Recurso provido para declarar a nulidade a partir da defesa prévia, devendo ser intimado o paciente para indicação de defensor de sua escolha. (RHC 101.833/CE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 30/04/2019). (Destaquei). No mesmo sentido é o entendimento desta Câmara Criminal: REVISÃO CRIMINAL COM PEDIDO LIMINAR. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, INC. II E IV, DO CP). NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO. INÉRCIA DOS ADVOGADOS CONSTITUÍDOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU PARA CONSTITUIR NOVO PROFISSIONAL. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO À MINGUA DE PRÉVIA CIENTIFICAÇÃO FICTA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA (ART. 5º, INC. LV, DA CF). MAGISTRADO DE ORIGEM QUE, MESMO DIANTE DA AUSÊNCIA DO RÉU E DA NOTÍCIA DE FALECIMENTO DO PROCURADOR POR ELE CONSTITUÍDO, PROCEDEU À INDEVIDA NOMEAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO ANTES DE SE ESGOTAREM TODOS OS MEIOS EXISTENTES DE INTIMAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA COMPROVADO. ANÁLISE DOS DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADOS. PRAZO PRESCRICIONAL REGULADO PELO MÁXIMO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA EM ABSTRATO AO DELITO. DECURSO DE MAIS DE 30 (TRINTA) ANOS ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (ÚLTIMO MARCO INTERRUPTIVO OBSERVADO) E A DATA ATUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, PARA DECLARAR A NULIDADE DO PROCESSO Nº 000001-59.1989.8.16.0095, A PARTIR DA NOMEAÇÃO DO DEFENSOR DATIVO, COM O RECONHECIMENTO, EX OFFICIO, DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. O ACUSADO TEM O DIREITO DE ESCOLHER O CAUSÍDICO QUE IRÁ PATROCINÁ-LO NO CURSO DO PROCESSO CRIMINAL E QUE MELHOR ATENDA ÀS SUAS EXPECTATIVAS DE UMA AMPLA DEFESA, NÃO SE ADMITINDO QUE ESTA POSSIBILIDADE LHE SEJA SUPRIMIDA COM A SIMPLES NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO PELO JUÍZO, SEM QUE ANTES SE OPORTUNIZE AO RÉU A INDICAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SUA PREFERÊNCIA. (TJPR - 2ª C.Criminal - 0066895-24.2020.8.16.0000 - Irati - Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ MAURICIO PINTO DE ALMEIDA - J. 25.02.2021). (Destaquei). Ressalte-se, por oportuno, que, no caso em tela, não houve sequer a intimação do advogado constituído nos autos após a citação do acusado para apresentar a resposta à acusação, não havendo óbice à sua intimação pelo sistema Projudi, haja vista que estava sendo intimado de decisões anteriores e participava ativamente do processo.E, mais, ainda que o causídico tivesse sido devidamente intimado e tivesse permanecido inerte, ainda assim, o acusado deveria ter sito intimado para constituir novo procurador antes que fosse nomeado advogado dativo, conforme vasta jurisprudência pátria. Insta destacar, ainda, parte da manifestação proferida pela d. Procuradoria Geral de Justiça, sobre o tema, in verbis: “no Processo Penal Constitucional o direito do acusado escolher seu advogado é corolário lógico do princípio da ampla defesa e esta prerrogativa só pode ser afastada com sua aquiescência, ainda que tácita, ou seja, por qualquer que seja o motivo, a nomeação de defensor dativo para o agente, que tem defensor constituído, só pode ser feita após este solicitar a medida ou quedar-se inerte e em ambos os casos quando especificamente intimado para promover a substituição” (mov. 16, origem).Não é demais frisar que a concessão da ordem não afasta a prisão preventiva anteriormente decretada pelo juiz a quo enquanto não for por ele revogada, além de não ensejar a soltura se por outro motivo o paciente se encontrar preso. Diante do exposto, voto no sentido de ADMITIR a ordem e, no mérito, CONCEDÊ-LA, nos termos do voto e da fundamentação.
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