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Acórdão
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Agravo de Instrumento n° 1244245-2, da Região Metropolitana de Londrina, Foro Central de Londrina 9ª Vara Cível. Agravante: Nilson Carabelli. Agravado: Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Des. Luiz Mateus de Lima. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VEÍCULO. BLOQUEIO JUDICIAL EM AÇÃO CAUTELAR DE ARRESTO E SEQUESTRO. EMBARGOS DE TERCEIRO. GRAVAME. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO A TERCEIRO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO CREDOR FIDUCIÁRIO. ATO DE CLANDESTINIDADE. INCAPAZ DE INDUZIR POSSE. CONSTRIÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, sem a expressa anuência do credor fiduciário, constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse (artigo 1.208 do Código Civil de 2002), o que autoriza a manutenção da constrição judicial havida sobre o bem. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 1244245-2, da Região Metropolitana de Londrina, Foro Central de Londrina 9ª Vara Cível, em que é agravante Nilson Carabelli e agravado Ministério Público do Estado do Paraná.
Nilson Carabelli interpôs agravo de instrumento em face de decisão proferida em embargos de terceiro que indeferiu liminar requerida para desbloquear veículo de sua propriedade (fl. 350). Alegou, em síntese, que: a) adquiriu o veículo (HYP-5418 PR I/MMC PAJERO HPE 3.2) b) fruto dos embargos de terceiro, em negociação particular com o seu antigo proprietário, em data anterior a propositura de Ação Cautelar de Arresto e Sequestro de Bens, intentada pelo Ministério Público Estadual em 02/04/2013, autos sob n°0023531-04.2013.8.16.0014, os documentos que instruíram os embargos de terceiro (notas fiscais), demonstram que o veículo já se encontra em poder do embargante/agravante, antes mesmo da propositura da ação que culminou com o seu boqueio judicial; c) a liminar requerida nos embargos de terceiro contra ato de constrição judicial (bloqueio de circulação e transferência) foi indeferido; d) tal decisão deve ser revista, pois admitiu que a posse do veículo pertence ao agravante; e) a alienação fiduciária em favor do Banco Bradesco que onera o veículo, não é óbice para a compra e venda entre particulares, mormente no caso em apreço, no qual o agravante provou estar pagando as parcelas do veículo financiado, ou seja, honrando o contrato em seu favor, para o final do financiamento transferir para a sua propriedade; f) "é parte legítima para propor os embargos de terceiro, senhor e possuidor, ou apenas possuidor, inexistindo nulidade (....) somente tomou conhecimento das restrições judiciais, após pagar todas as
taxas e impostos administrativos do veículo, e perceber que os documentos de porte obrigatório não foram emitidos pelo Detran/PR, por essa razão o transcurso do lapso temporal sem oposição do agravante"; f) necessário se faz o deferimento do efeito suspensivo porquanto há o risco de apreensão extrajudicial do veículo diante da existência do bloqueio de circulação. Assim requereu a concessão de efeito suspensivo para converter o bloqueio de circulação em bloqueio de transferência, até o deslinde dos embargos de terceiro. Num juízo provisório, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo ao recurso (fls. 49/52). O juízo a quo prestou informações à fl. 58. Foram apresentadas contrarrazões às fls. 61/66. A Douta Procuradoria-Geral da Justiça emitiu parecer (fls. 70/72), subscrito pela Procuradora de Justiça, Doutora Isabel Cláudia Guerreiro, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO.
Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço do recurso de agravo de instrumento e lhe nego provimento. Infere-se do caderno processual que houve o bloqueio judicial do veículo HYP-5418, I/MMC, PAJERO HPE
3.2 D, nos autos de Ação Cautelar de Arresto e Sequestro de Bens (autos nº 0023531-04.2013.8.16.0014, ajuizada pelo Ministério Público, em 02.04.2013. O agravante sustenta que adquiriu referido veículo de Gustavo Jacometto Bertolini em data anterior ao ajuizamento da demanda acautelatória, detendo a posse de referido bem. Ocorre que do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (fl. 18) constata-se que sobre referido automóvel pende gravame de alienação fiduciária em favor do Banco Bradesco. Como se sabe, a alienação fiduciária consiste na transferência da propriedade de um bem, móvel ou imóvel, para assegurar o cumprimento de uma obrigação, tornando o credor o proprietário, ainda que o devedor fique com a posse do bem. Assim sendo, pela própria natureza da alienação fiduciária, na qual o domínio resolúvel da coisa é do credor (Decreto nº 911/69), a garantia de alienação fiduciária constitui verdadeira cláusula impeditiva de transferência do bem pelo devedor. Trata-se de circunstância em que o devedor, por ser mero possuidor do bem, não goza da prerrogativa de dispor do bem a terceiros. Por sua vez, embora o artigo 299 do Código Civil preveja a possibilidade de assunção de dívida por terceiro, ainda assim, se faz necessário o consentimento expresso do credor, do contrário, o devedor primitivo não fica exonerado da respectiva obrigação.
Portanto, nos contratos de alienação fiduciária não pode o devedor (no caso, Gustavo Jacometto Bertolini), sem anuência do credor (Banco Bradesco), vender o bem alienado fiduciariamente para terceiro (agravante), porque esta venda viola expressa proibição legal, representando descumprimento à obrigação contratual prevista na legislação, não isentando o devedor da responsabilidade de restituí-lo ao credor fiduciário, quando necessário. Desse modo, o devedor fiduciante (no caso, Gustavo Jacometto Bertolini) não poderia ter transferido o bem para o ora agravante, sem a anuência do credor fiduciário (Banco Bradesco). Sobre o assunto, já decidiu esta Corte: "APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFERÊNCIA DE BEM.ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DOMÍNIO RESOLÚVEL.ASSUNÇÃO DE DÍVIDA. CONSENTIMENTO DO CREDOR.RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.1 - Na alienação fiduciária em garantia se transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, tornando-se o alienante ou devedor o possuidor direto e depositário. 2 - Não é possível falar em transferência de bem gravado com cláusula de alienação fiduciária, pois se a assunção de dívida é facultada a terceiro, se faz necessário o consentimento do credor, senão, além do devedor primitivo não ficar exonerado da respectiva obrigação (CC art. 299), ele acaba de certa forma por contribuir com o fato que deu ensejo a inscrição de seu nome nas listas restritivas de crédito. 3 - A instituição financeira, não tendo anuído com a assunção de dívida, teria pleno direito de proceder à cobrança de seu crédito, inclusive se utilizando de Bancos de Dados e Cadastros Relativos a Consumidores que são considerados entidades de caráter público (CDC
art. 42, § 4º), de modo que não há que se falar em dano moral a ser compensado.4 - Por outro lado, malgrado a impossibilidade de negociação de bem alienado sem anuência do credor, não se pode permitir o enriquecimento sem causa, pois o negócio jurídico nulo, contendo os requisitos de outro, subsistirá quando o fim a que visava supor queriam as partes, inclusive se a anulabilidade resultar da falta de autorização de terceiro, o negócio será validado se este a der posteriormente (CC arts.170 e 176)." (TJPR, Ap. nº 995246-1, Rel. Victor Martim Batschke, Sétima Câmara Cível, DJe 17.05.2013) Logo, o bem gravado com alienação fiduciária somente pode ser transferido a terceiro pelo devedor fiduciante mediante o prévio e expresso consentimento do credor fiduciário, sob pena de tal transferência ser considerada de natureza clandestina, vez que o devedor possui apenas a posse direta do bem, permanecendo a posse indireta com o credor, efetivo proprietário daquele bem dado em garantia da dívida. E, deve-se enfatizar que a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse, nos termos do artigo 1.208 do Código Civil de 2002. Assim, ainda que o agravante detenha a posse direta do bem objeto da constrição, em virtude da invalidade de tal transferência (veículo com gravame de alienação fiduciária; transferência sem anuência do credor), não há falar em levantamento da constrição. Pelos motivos expostos, conheço do recurso de agravo de instrumento e lhe nego provimento,
mantendo-se a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. III DECISÃO. Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de agravo de instrumento e lhe negar provimento, nos termos do voto. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Nilson Mizuta (presidente, com voto), Carlos Mansur Arida e Luiz Mateus de Lima. Curitiba, 03 de março de 2015.
LUIZ MATEUS DE LIMA Desembargador Relator
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