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Acórdão
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COMPROMISSO ARBITRAL - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO - EXPLORAÇÃO DE GÁS CANALIZADO NÃO CARACTERIZA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO - NÃO ENVOLVE DIREITOS INDISPONÍVEIS - CONTRATO ADMINISTRATIVO - ADMISSIBILIDADE DA ARBITRAGEM - VÍCIOS DO COMPROMISSO NÃO CONFIGURADOS - RECURSO IMPROVIDO. A atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás canalizado, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição Federal, art. 173, § 1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 247.646-0 de Curitiba - 3ª Vara da Fazenda Pública em que é apelante Companhia Paranaense de Gás - Compagás e apelado Consórcio Carioca-Passarelli. 1. Trata-se de ação declaratória de nulidade, cujo pedido afinal foi julgado improcedente. 2. Aduz a apelante (autora) que pediu o reconhecimento da nulidade do compromisso arbitral firmado entre as partes; da possibilidade de discussão do compromisso arbitral no Poder Judiciário; da vinculação ao procedimento de licitação; eleição do foro de Curitiba para a resolução de quaisquer conflitos; falta de previsão na licitação acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem; a arbitragem não estava prevista no edital de licitação nem no contrato; da nulidade da cláusula arbitral por não estabelecer o objeto; da renúncia de um dos árbitros; a decisão foi proferida somente por dois árbitros. 3. Recurso preparado e respondido. É O RELATÓRIO. 4. A controvérsia cinge-se a nulidade de compromisso arbitral ajustado entre as partes. A autora (Compagás) explora os serviços de gás canalizado e contratou com a ré, por meio de licitação, a realização dos serviços da rede de distribuição. Surgiram conflitos entre as partes quanto à readequação econômico-financeira do contrato e as partes instituíram compromisso arbitral para solução. 5. Em primeiro lugar, não se pode esquecer que "a arbitragem é um acordo de vontades de que se utilizam os contratantes, preferindo não se submeter a decisão judicial, com o objetivo de dirimirem seus conflitos de interesses presentes ou futuros, por meio de árbitro ou de árbitros" (Álvaro Villaça Azeveo, Arbitragem, RT, 753:12). 6. Dessa maneira, vigora aqui como fato essencial na relação jurídica estabelecida entre as partes o princípio da autonomia da vontade. Como disse o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira "a realidade social pujante em que vivemos não se contenta mais com o modelo individualista das soluções judiciais de antanho" (A arbitragem no sistema jurídico brasileiro, RT, 735:48). 7. Assim, a constitucionalidade e legalidade do sistema de arbitragem no Brasil é fato incontestável. 8. Em segundo lugar, preconiza a apelante-autora pela nulidade do compromisso arbitral, porque envolve interesse público e não poderia ser objeto de arbitragem. Sem razão a apelante. Primeiro, a autora é sociedade de economia mista, com personalidade de direito privado, conforme o disposto no art. 1º, § 2º da Lei Estadual nº 10.865 de 6 de julho de 1994 (fls. 137/139). Dessa maneira, evidente que os contratos celebrados entre a autora e a ré se regulam pelo direito privado e nada impede que a solução dos conflitos se dê pela arbitragem prevista em nosso ordenamento jurídico. Segundo, a atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás canalizado e demais atividades correlatas e afins, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (CF, art. 173, § 1º, II), por versar sobre intervenção do Estado no domínio econômico, sob a forma de monopólio, nos termos do art. 177, inciso IV, da Constituição Federal. Terceiro, o fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. 9. Em terceiro lugar, a questão posta nos autos não envolve direitos indisponíveis, uma vez que o litígio entre as partes se refere ao desequilíbrio econômico-financeiro de um contrato de prestação de serviços e nada obsta que a autora, na qualidade de sociedade de economia mista, com personalidade jurídica de direito privado, realize transação ou resolva seus conflitos por meio de compromisso arbitral. O interesse é apenas econômico. Não envolve de modo algum interesse público na acepção do termo. 10. Sobreleva frisar que o compromisso arbitral se revela muito mais célere do que uma decisão judicial. Assim, pode ser até mais vantajoso para a própria autora resolver os conflitos desde logo do que aguardar anos para receber uma decisão judicial, o que pode atrasar o cronograma de obras e a implantação do sistema de gás canalizado em Curitiba e São José dos Pinhais. 11. Em quarto lugar, admissível a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos, máxime no caso em exame onde a controvérsia reside na readequação da cláusula econômico-financeira do contrato celebrado entre as partes. Nada obsta a adoção da arbitragem para solucionar o conflito surgido entre as litigantes. Cuida-se de interesse econômico e versa sobre direito disponível na essência. 12. Suficiente verificar que na área de petróleo e gás, a própria Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece no seu art. 20, que: "O regimento interno da ANP disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na conciliação e no arbitramento." Vale dizer a própria lei ressalta a possibilidade da solução dos conflitos na área de petróleo e gás via arbitragem. 13. Caio Tácito leciona: "A questão do cabimento do juízo arbitral, em matéria pertinente a contratos administrativos, assumiu aspecto novo com o advento da Lei n. 8.987/95, que dispõe sobre concessões e permissões de serviços e obras públicas. ... Omissis ... A partir do expresso critério quanto aos contratos de concessão, cujo modelo federal se transmite como norma geral aos planos estadual e municipal, a doutrina passou a reconhecer o ingresso do arbitramento em matéria administrativa. ... Omissis .... Mais ainda se compatibiliza o juízo arbitral com atos de gestão de empresa estadual que se dedique à exploração de atividade econômica na qual, nos termos da Constituição de 1988, art. 173, § 1º, prevalece o regime jurídico próprio das empresas privadas. O acordo conducente ao procedimento arbitral, superando a delonga do rito judicial, favorece a celeridade na superação de litígios em benefício da dinâmica própria das relações econômicas, que o Estado venha a assumir como imperativo do interesse coletivo." (Arbitragem nos litígios administrativos, RDA, vol. 210:113-115). 14. Nossos Tribunais em questões análogas decidiram: "Incorporação. Bens e direitos das Empresas Organização Lage e do espólio de Henrique Lage. Juízo arbitral. Cláusula de irrecorribilidade. Juros de mora. Correção monetária. 1 - Legalidade do Juízo Arbitral, que o nosso Direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda. Precedente do Supremo Tribunal Federal." (RTJ, 68:382). "Mandado de Segurança. Pólo passivo. Tempestividade. Licitação. Interesse público indisponível. Juízo arbitral. Decreto-lei 2.300 e Lei 8.666. Possibilidade. .... III - Pelo art. 54, da Lei nº 8.666/93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contratuais. ..." (TJDP - Acórdão nº 115.813 do Conselho Especial - Rel. Nancy Andrighi, DJDF de 18-8-1999, p. 44). 15. Em quinto lugar, desnecessária a previsão do compromisso arbitral no edital de licitação e no contrato celebrado entre as partes. O que importa é a possibilidade de adoção da arbitragem no caso concreto, uma vez que não versa sobre direitos indisponíveis. Não afeta direito de terceiros a falta de menção no edital, uma vez que a solução do conflito por arbitragem diz respeito a readequação econômico-financeira do contrato e não se cuida de forma evidente de aumento de valores do preço. O conflito surge da falta de previsão de detalhes no edital de licitação e no próprio contrato, o que é natural e previsível. 16. Em sexto lugar, não se pode cogitar de nulidade do compromisso arbitral. Importante salientar que a autora recebeu assessoramento na realização de tal pacto do Prof. Luiz Alberto Blanchet (fls. 378/383) e na própria minuta pelo aludido profissional redigida consta na cláusula 2ª alusão a sentença arbitral (fl. 379), o que se revela incompatível com a alegação da apelante de que versaria sobre simples arbitramento de questões técnicas. Outrossim, na redação definitiva consta expressamente nas cláusulas 4ª e 6ª referências sobre a sentença arbitral. 17. Em sétimo lugar, o objeto da arbitragem também se encontra bem definido no compromisso assumido pelas partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a todas as divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser constado pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências entre as litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer fazer crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do compromisso arbitral. 18. Em oitavo lugar, sem suporte fático e jurídico a alegação de nulidade do compromisso arbitral, porque proferida a decisão apenas por dois árbitros. O árbitro indicado pela apelante deixou de participar do procedimento ao seu alvedrio. Ocorreu regular intimação. Na ausência do árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com fundamento no art. 24, § 1º, da Lei nº 9.307/96. Também nesse aspecto inexiste qualquer vício a macular o procedimento de arbitragem. 19. Em nono lugar, a deliberação realizada pela autora em declarar a nulidade do compromisso arbitral (fl. 38), não tem qualquer eficácia jurídica. O compromisso arbitral é ato bilateral e exige a concordância das duas partes para seu desfazimento ou anulação pelo Poder Judiciário. Não pode a Administração anular atos realizados sob o império do direito privado. Assim sendo, o recurso não merece provimento. Posto isso, acordam os julgadores integrantes da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Juízes Miguel Pessoa, Presidente com voto e Eugênio Achille Grandinetti. Curitiba, 11 de fevereiro de 2004.
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