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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 1264908-0 DA COMARCA DE CASCAVEL 1ª VARA CÍVEL AGRAVANTE: IRMÃOS AVAZ INCORPORAÇÃO E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA AGRAVADO: PEDRO HARRY HOFFMAN E OUTRO RELATOR: DES. VITOR ROBERTO SILVA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA. ANTERIOR AÇÃO REIVINDICATÓRIA. APRESENTAÇÃO DE OPOSIÇÃO. POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO NA ÉPOCA DAQUELAS AÇÕES. MATÉRIA ABRANGIDA PELA COISA JULGADA OU PELA EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 474 DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 1264908-0, em que é agravante Irmãos Avaz Incorporação e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e são agravados Pedro Harry Hoffman e outro.
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 2 Trata-se de agravo de instrumento voltado contra decisão proferida, em ação de usucapião, pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Cascavel, pela qual foram rejeitados embargos de declaração e concluiu-se pela inocorrência de coisa julgada sobre questão atinente à declaração de propriedade do imóvel (fls. 44/48).
Alegou a recorrente, em síntese, que: a) o agravado ingressou com a ação de usucapião nº 945/2009 visando discutir matéria que já tinha sido discutida na ação reivindicatória nº 1025/1980; b) na defesa, foi demonstrado o descabimento da ação por falta de suas condições (impossibilidade jurídica do pedido e inépcia da inicial), porém o juiz assim não entendeu e determinou o prosseguimento do feito, pelo que foram interpostos embargos de declaração; c) há coisa julgada sobre a matéria e o próprio Tribunal já decidiu neste sentido em diversas oportunidades; d) o próprio agravado na reivindicatória e em sede de embargos de terceiro sustentou prescrição aquisitiva, teses estas rechaçadas pelo juiz de 1º grau e, posteriormente, pelo Tribunal de Justiça do Paraná; e e) é legítimo proprietário da área em discussão desde 1980, conforme faz prova a matrícula do imóvel. Requereu a antecipação dos efeitos da pretensão recursal para fins de extinção liminar do feito de usucapião e, ao final, a manutenção do efeito ativo com a revogação da decisão atacada e extinção do feito de usucapião (fls. 07/18).
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 3 Negado efeito suspensivo (fls. 1372/1373), o recurso foi respondido (fls. 1376/1401) e o juiz a quo deixou de apresentar informações (fls. 1912).
É o relatório.
O recurso merece provimento para extinção da ação de usucapião, pois existente a coisa julgada.
Na petição inicial da ação de usucapião (fls. 337/346), os autores Pedro Harry Hoffmann e sua esposa Maria Adelaide Hoffmann relataram que adquiriram o imóvel de matrícula 310, com área de 59,48 hectares, resultante da unificação das matrículas 5495 e 44704 e passaram a exercer posse própria sobre o imóvel em 28.11.1977. Aduziram que perderam a posse do bem em 29.10.2004 em razão de cumprimento de mandado de imissão de posse decorrente da ação reivindicatória nº 1025/1980, processada na 2ª Vara Cível da Comarca de Cascavel/PR, proposta em 16.10.1980 por Octávio Aladio Vaz, Marlene Sabatini Vaz, Antonio Maria Rodrigues e Dulcilia Silva Rodrigues em face de João Alves da Cruz e sua esposa Olivéia Pereira Ramos Cruz. Afirmaram que João Alves da Cruz era seu empregado e, a partir de 1992, seu comodatário. Ao final, pleiteiam o reconhecimento de usucapião com a soma das posses dos antecessores, iniciada em 24.03.1960, quando o Estado do Paraná vendeu as terras ao primeiro particular.
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 4 Como se infere dos autos, na ação reivindicatória houve nomeação à autoria aos ora agravados, Pedro Harry Hoffmann e Maria Adelaide Hoffmann, o que, todavia, foi recusado pelos autores, tendo a ação prosseguido apenas em face de João Alves da Cruz e Olivéia Pereira Ramos Cruz. Não obstante, Pedro Harry Hoffmann e Maria Adelaide Hoffmann apresentaram oposição no curso da ação reivindicatória alegando serem proprietários e possuidores do imóvel (fls. 70/74). O pedido da oposição foi julgado improcedente, tendo o magistrado concluído que os opositores, por não terem a escritura pública de aquisição do imóvel, dele não eram proprietários, verbis: "(...) o mérito da denunciação também merece rejeição, visto que os oponentes não provaram a aquisição do imóvel do denunciado, através de documento exigido por Lei. (...) Inexistindo a prova de aquisição do imóvel, o simples fato dos oponentes ter a posse do imóvel, não gera direito à evicção, através da denunciação à lide. (...) Essa conclusão é fácil de se chegar, se atentarmos para o fato de que os oponentes não possuem o domínio, face a inexistência de título de propriedade, o que os impede de postular em área reivindicatória." (fls. 157/158)
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 5 Já o pedido da ação reivindicatória foi julgado procedente (fls. 153/161 e 216/219). Ou seja, não foi reconhecido o domínio em favor dos ora agravados, Pedro Harry Hoffmann e Maria Adelaide Hoffmann, estando essa decisão acobertada pela coisa julgada. E igualmente ocorre em relação à usucapião. Isso, porque os agravados, ao formularem pedido de oposição na ação reivindicatória, tornaram-se parte daquela ação, daí porque se sujeitam aos efeitos da coisa julgada formada naquele processo. Sobre o conceito de parte leciona Fredie Didier Jr.: O conceito de parte deve restringir-se àquele que participa (ao menos potencialmente) do processo com parcialidade, tendo interesse em determinado resultado do julgamento. Saber se esta participação se dá em relação à demanda, principal ou incidental, ou em relação à discussão de determinada questão, não é algo essencial para o conceito puramente processual da parte. Parte é quem postula ou contra quem se postula ao longo do processo, e que age, assim, passionalmente. De três maneiras distintas pode alguém assumir a posição de parte num processo: a) tomando a iniciativa de instaurá-lo; b) sendo chamado a Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 6 juízo para ver-se processar; c) intervindo em processo já existente entre outras pessoas. (...) Terceiro é conceito que se determina por exclusão em confronto com o de parte. Afirma Barbosa Moreira: "é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer haja deixado de sê-lo em momento anterior àquele que se profira a decisão". (...) A intervenção de terceiro é fato jurídico processual que implica modificação de relação jurídica processual já existente. Trata-se de ato jurídico processual pelo qual um terceiro, autorizado por lei, ingressa em processo pendente, transformando-se em parte. São duas as premissas fundamentais da teoria geral da intervenção de terceiro: a) terceiros são todos os sujeitos estranhos a dada relação processual, que se tornam partes a partir do momento em que intervenham; b) o acréscimo de sujeitos à relação processual, em qualquer hipótese de intervenção, não importa criação de processo novo ou nova relação processual a presença de um sujeito a mais torna a relação mais complexa, mas ela é sempre a mesma" (In Curso de Direito Processual Civil, teoria geral do processo de conhecimento, V I, 9 ed., Juspodivm, 2008, p. 322/323).
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 7 Também são escorreitas as lições de Humberto Theodoro Jr. sobre o conceito de parte: Por outro lado, uma vez que não apenas autor e réu intervêm no contraditório, que constitui a essência da atividade processual em busca do provimento jurisdicional, é preciso buscar um conceito de parte processual de tal dimensão que possa abranger também os terceiros intervenientes, os quais, sem dúvida, exercem direitos processuais e se sujeitam a ônus e deveres no âmbito da relação dialética do processo. Melhor, por ser mais abrangente, é, nessa ordem de ideias, o conceito de parte que o identifica com o de litigante, ou seja, com todo aquele que integra a disputa travada no processo, levando a controvérsia à apreciação judicial. Assim, para Liebman, "são partes do processo os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz (os sujeitos do processo diversos do juiz, para os quais este deve proferir o seu provimento)". Parte, portanto, em sentido processual, é o sujeito que intervém no contraditório ou que se expõe às suas consequências dentro da relação processual." (In Curso de Direito Processual Civil, VI, 55 ed., 2014, p. 175).
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 8 Partindo dessa premissa, de que Pedro Harry Hoffmann e Maria Adelaide Hoffmann foram partes daquele processo reivindicatório por terem apresentado oposição, se sujeitam aos efeitos e eficácia preclusiva da coisa julgada, não podendo, agora, ajuizar ação de usucapião. De fato, por força do art. 474 do CPC, cabia a eles, naquele momento da oposição, alegar toda a matéria de defesa sobre o imóvel, inclusive a usucapião com base na posse própria e de seus antecessores, que datava de 24.03.1960. Tanto é assim que sustentam, na presente demanda, que seriam proprietários imóvel, por força da usucapião, desde 28 de novembro de 1.977. Atente-se que em nenhum momento amparam sua pretensão em data posterior ao ajuizamento da ação reinvindicatória. Nesse sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE USUCAPIÃO. EXISTÊNCIA DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO QUE JULGOU PROCEDENTE REIVINDICATÓRIA MOVIDA PELOS RECORRIDOS CONTRA OS RECORRENTES. EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA COM BASE NO ART. 474 DO CPC. 1. O Art. 474 do CPC sujeita aos efeitos da coisa julgada todas as alegações que poderiam ser argüidas como matéria de defesa. 2. A sentença de procedência do pedido Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 9 reivindicatório faz coisa julgada material e impede que em futura ação se declare usucapião, em favor do réu, assentado em posse anterior à ação reivindicatória. (REsp 332.880/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 27/11/2006, p. 272)
Do voto condutor são pertinentes os seguintes fundamentos: "O Art. 474 do CPC tem redação clara: `Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações de defesa, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.' Tal dispositivo tem como única finalidade dar ainda mais força ao instituto da coisa julgada. Torna o comando da sentença imune a quaisquer futuras alegações das partes, tenham elas sido ou não expostas e discutidas no processo. A usucapião poderia ter sido argüida pelos recorrentes como defesa na ação reivindicatória. Era alegação `que a parte poderia opor (...) à rejeição do pedido'. Logo, cobriu-se pela coisa julgada formada naquele processo. Admitir o seguimento desta ação declaratória de usucapião seria o mesmo Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 10 que permitir a prolação de sentença que rescindiria outro pronunciamento jurisdicional, já passado em julgado."
Este precedente está em consonância com a doutrina sobre o instituto da eficácia preclusiva da coisa julgada, sendo oportuno se valer, mais uma vez, dos ensinamentos de Humberto Theodoro Jr.: "Os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos de direito que constituem a causa petendi e que são adotados pela sentença para fundamentar seu dispositivo (conclusão) não integram a coisa julgada, embora sirvam de importante meio para interpretar seu alcance. Por isso, podem ser objeto de discussão e julgamento em outros processos, sem, pois, contaminar-se da intangibilidade prevista no art. 467. Em outros termos, a preclusão inerente à coisa julgada não atinge os motivos da sentença que, em razão disso, poderão voltar ao debate judicial em novos processos, acerca de outros litígios entre as mesmas partes. Qualquer novo debate judicial a seu respeito, contudo, só será viável se não afetar a situação jurídica substancial recoberta pela coisa julgada formada no processo anterior. Se a lide for outra, se o pedido a resolver for diverso, novo objeto Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 11 litigioso terá sido deduzido em juízo, e livre será o reexame dos fatos jurídicos sobre que versou a causa cuja sentença já se acha revestida da anterioridade de res iudicata. O que essa autoridade impõe, em sua essência, é a impossibilidade de futuro processo vir a desconhecer ou diminuir o bem ou a situação jurídica material reconhecida à parte no julgamento anterior. O resultado do segundo processo, nessa perspectiva, nunca poderá ser questionar o resultado do anterior. Ou, como diz Proto Pisani, não se podem repropor questões para obter resposta judicial que importe "diminuir ou desconhecer o bem reconhecido no precedente julgado". Assentadas essas premissas, cumpre ressaltar que da passagem da sentença em julgado decorre uma consequência jurídica imediata, que se manifesta paralelamente à composição da lide posta em juízo e que vem a ser o seu efeito preclusivo. Dois dispositivos do Código tornam evidente tal efeito: a) o art. 471, que proíbe qualquer juiz de voltar a decidir "as questões já decididas relativas à mesma lide"; e b) o art. 474, que reputa deduzidas e repetidas "todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido" solucionado na sentença de mérito passada em julgado. Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 12 Assim, o que o sistema do Código deixa bem evidenciado é que, mesmo não incidindo a coisa julgada sobre os motivos da sentença, não poderão eles ser invocados para, em novas demandas, ou em decisões supervenientes no mesmo processo, provocar a modificação ou frustração daquilo que se acha sob a autoridade da res iudicata. Nem mesmo alegações e defesas que, se usadas a seu tempo, modificariam o julgamento da causa podem ulteriormente fundamentar decisões em detrimento daquilo que logrou alcançar o status de coisa julgada." (In Curso de Direito Processual Civil, VI, 55 ed., 2014, p. 744/745).
Destarte, deve ser reconhecida a coisa julgada, o que leva à extinção do processo de usucapião sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, V do Código de Processo Civil. Por oportuno, deve ser oficiado à Corregedoria-Geral de Justiça com cópia da matrícula nº 310 (fls. 358/359) e da matrícula nº 9111 (fls. 401/404), tendo em vista que a segunda matrícula corresponde exatamente ao mesmo imóvel da primeira (mesma metragem, apesar de na primeira estar em hectares e na segunda em metros, tem as mesmas confrontações e nº de cadastro junto do INCRA, alterando-se somente os proprietários e com a informação "imóvel havido em maior porção, conforme matrícula nº 310).
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Nessas condições voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso para, com amparo no art. 474 do CPC, reconhecer a eficácia preclusiva em face da pretendida aquisição do domínio do imóvel pela usucapião. Em consequência, voto para ser extinta a ação de usucapião, sem resolução do mérito, com base no art. 267, V, do CPC. Diante do decidido, os autores da ação da ação de usucapião, ora agravados, arcarão com as custas e despesas processuais da ação de usucapião, bem como com os honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), levando-se em consideração o trabalho exigido dos advogados, o zelo profissional e a complexidade da causa (art. 20, § 3º do CPC). Ainda, proponho a expedição de ofício à Corregedoria-Geral de Justiça na forma antes explicitada. Nessa conformidade: ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luis Espíndola, sem voto, e acompanharam o voto do Relator o Excelentíssimo Senhor Desembargador Espedito Reis Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento nº 1264908-0 fl. 14 do Amaral e a Excelentíssima Senhora Juíza Substituta em 2º Grau Denise Antunes.
Curitiba, 20 de maio de 2015.
Des. VITOR ROBERTO SILVA = Relator = Assinado Digitalmente
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