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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL N.º 1301520-8, DE PONTA GROSSA 1ª VARA CÍVEL APELANTE I: ESTADO DO PARANÁ APELANTE II: DÉBORA CARLA COMPASSO DE OLIVEIRA RELATOR: DES. VITOR ROBERTO SILVA USUCAPIÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. NECESSIDADE DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA REFERIDA. POSSÍVEL DESDOBRAMENTO DE POSSE. NULIDADE DA SENTENÇA RECONHECIDA DE OFÍCIO A FIM SER COMPLEMENTADA A PROVA ORAL. RECURSOS PREJUDICADOS. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1301520-8, em que são apelantes o Estado do Paraná e Débora Carla Compasso de Oliveira. Trata-se de apelações interpostas em face da sentença proferida nos autos de ação de usucapião (NPU 16435- 88.2011.8.16.0019), pela qual foi julgado improcedente o pedido, com a condenação da autora ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência em favor do Curador no valor de R$
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 2 1.000,00 e a determinação ao Estado do Paraná em custear os honorários profissionais do curador no valor de R$ 1.500,00 (fls. 153/157). O Estado do Paraná apresentou apelação, alegando, em síntese, que: a) não foi parte no processo, não podendo sofrer os efeitos da coisa julgada; b) não pode ser condenado ao pagamento dos honorários ao curador especial; c) não podem ser confundidos os institutos da curadoria especial e da advocacia dativa; d) não prevalece o argumento de que o Estado seria responsável pelo pagamento dos honorários arbitrados, por força da responsabilidade que lhe gera a omissão em implantar a Defensoria própria, pois a atuação como o curador não se equipara à do defensor dativo, que patrocina causa de juridicamente necessitados; e) a sua condenação ao pagamento dos honorários do curador especial implica violação ao princípio da legalidade; e f) é impossível a cumulação de honorários de sucumbência com honorários de curador especial. Requereu a reforma da decisão para ser afastado o dever do apelante de arcar com o pagamento dos honorários ao curador especial (fls. 162/170). A autora, Débora Carla Compasso de Oliveira, também apresentou apelação, suscitando, em suma, que: a) não é necessária a comprovação documental, por título ou qualquer outro documento de transmissão, da propriedade ou da posse dos proprietários anteriores aos possuidores atuais ou que antecederam a requerente; b) os documentos que foram juntados aos autos, relativos aos proprietários e possuidores anteriores, tem o condão de comprovar, TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 3 tão-somente, o direcionamento das citações para manifestação nos autos de eventuais interessados; c) a posse não restou contestada por nenhum dos citados; d) tem posse comprovada desde setembro de 2006, ou seja, há 8 (oito) anos e o possuidor anterior, Sr. Poran, detinha a posse há mais de 20 anos; e) comprovadamente, detêm a posse indireta do imóvel, onde construiu cerca, casa de lazer e de caseiro; f) porém, por trabalhar nos EUA, deixou seu irmão Pedro cuidando do imóvel e este fato não lhe retira o poder possessório e o animus dominis: e g) a usucapião extraordinária não prevê entre seus requisitos a existência de justo título para a aquisição da propriedade. Requereu a reforma da decisão e julgamento de procedência do pedido. (fls. 172/177) Os recursos não foram respondidos. O Ministério Público se manifestou pela desnecessidade de sua intervenção (fls. 189/193). É o relatório. Há questão a ser apreciada de ofício, ou seja, a necessidade de inquirição de testemunha referida, cujo depoimento pode se revelar essencial para a solução da lide, o que leva à invalidade da sentença. Com efeito, surgiu relevante questão por ocasião da produção da prova oral, de modo a ser necessária a TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 4 complementação da instrução, com a oitiva de testemunha referida, por determinação do juízo, na forma dos art. 130 e 418, I do CPC1. A propósito, esses dispositivos também se aplicam ao tribunal, pois "...o art. 130 do CPC também possibilita aos Tribunais a prerrogativa de determinarem a produção de provas, que consideram necessárias" (STJ-3ª T, REsp 985.077, rel. Min. Gomes de Barros, DJU 06.11.07). No caso, malgrado a autora sustente ser a possuidora do imóvel por conta de ter adquirido os direitos do bem por meio de instrumento particular, várias testemunhas ouvidas em juízo se referiram ao seu irmão - Pedro, como o possuidor direto do imóvel, não sabendo especificar, todavia, a que título detém esta posse. Em verdade, depois de reforço da inquirição, afirmaram que viam mais Pedro, irmão da autora, como o proprietário do imóvel, apesar de saberem que o bem foi adquirido por esta. Ademais, a própria requerente, nas razões do seu apelo, confirmou residir no exterior e que deixou seu irmão cuidando do imóvel. Logo, tendo em vista a possibilidade de desdobramento da posse e que somente o primeiro possuidor da cadeia tem animus domini para aquisição da propriedade por usucapião, é
1 Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Art. 418. O juiz pode ordenar, de ofício ou a requerimento da parte: I - a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das testemunhas; TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 5 fundamental para o julgamento da causa a oitiva do irmão da requerente, com o fim de esclarecer a qualidade de sua posse, ou seja, se é própria ou por desdobramento da posse da autora, como, por exemplo, comodato ou locação. Sobre o tema são escorreitas as lições de Francisco Eduardo Loureiro: "... o possuidor é aquele que se comporta como proprietário, de modo consciente, mantendo de fato o exercício de alguns dos poderes inerentes à propriedade. Para obter seu aproveitamento econômico, é possível tanto a utilização direta como a cessão a terceiros da coisa, vale dizer, mediante utilização indireta. Se assim age o proprietário, que usa e frui o que é seu, assim pode agir o possuidor, que tem a aparência de proprietário. (...) Como acentua Moreira Alves, o possuidor indireto em grau mais elevado tem posição peculiar em relação aos demais, porque não reconhece e existência de posse superior à sua. Isso lhe confere o animus domini necessário ao usucapião, requisitos que falta aos demais integrantes da cadeia, em grau inferior, ou ao possuidor direto, que reconhecem a supremacia de direito de terceiro quanto à coisa." (In Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência, coordenador Cezar Peluso, 8ª ed. rev. E atual., Barueri, SP, Manole, 2014, p. 1063) TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 6
Desse modo, impõe-se solução já adotada por esta Câmara em situação análoga, no qual atuei como Revisor, conforme ementa transcrita a seguir: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA JULGADA IMPROCEDENTE EM 1º GRAU POR FALTA DE PROVA DE POSSE HÁBIL - CONJUNTO PROBATÓRIO ESTRITAMENTE DOCUMENTAL E LIMITADO AO TÍTULO DE AQUISIÇÃO DA POSSE, SEM DEMONSTRAÇÃO DA CONTINUAÇÃO POR DOCUMENTO COMPLEMENTAR OU OUTRO MEIO DE PROVA - NEGLIGÊNCIA DOS PRESCRIBENTES EM PRODUZIR PROVA TESTEMUNHAL, EIS QUE NÃO ARROLARAM TESTEMUNHAS NEM COMPARECERAM À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO - POSSIBILIDADE, NO ENTANTO, NÃO CONSIDERADA PELO JUÍZO "A QUO", DE APRESENTAÇÃO DE MAIS DOCUMENTOS, PROVA PERICIAL OU MESMO REDESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA, DE OFÍCIO, EIS QUE NÃO HOUVE CONTESTAÇÃO AO PEDIDO, REGULARMENTE PROCESSADO, E OS APELANTES SÃO PESSOAS IDOSAS (AMBOS COM MAIS DE 80 ANOS), QUE PODERÃO NÃO VIVER O BASTANTE PARA VER O DESFECHO DE NOVO PEDIDO DE USUCAPIÃO - APELANTES QUE MANIFESTARAM CONTRARIEDADE AO JULGAMENTO ANTECIPADO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 7 ANTES DA SENTENÇA - NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO MAIS ABRANGENTE PARA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA AO CASO, INCONGRUENTE AO JULGAMENTO CONFORME - SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO - RECURSO PREJUDICADO. (AC 1156487-9, Rel. Des. Luis Espíndola, unânime, e-DJ nº 1459, de 20/11/14)
Extrai-se, do corpo do voto acima citado, da lavra do Des. Luis Espíndola, os seguintes excertos: "(...) Nestas circunstâncias, é necessária a produção de outras provas para a outorga de prestação jurisdicional compatível à espécie. (...) Portanto, a solução mais adequada como prestação jurisdicional, na espécie, é, antes de ser proferida sentença definitiva, que a instrução seja complementada por outros meios de prova ou outros documentos. Não se exclui a possibilidade de nova data para realização de audiência de instrução."
Nessas condições, voto no sentido de decretar de ofício a nulidade da sentença, nos termos acima explicitados, a fim de que seja complementada a instrução, com a oitiva do irmão da autora, Pedro, sobretudo com o fim de ser esclarecida a TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1301520-8 fl. 8 natureza de sua posse sobre o imóvel, restando prejudicados os recursos.
Nessa conformidade:
ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em anular, de ofício, a sentença, restando prejudicadas as apelações, nos termos do voto do relator.
Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador Relator e acompanharam o seu voto os Senhores Desembargadores Marcelo Gobbo Dalla Dea e Péricles Bellusci de Batista Pereira.
Curitiba, 10 de junho de 2015.
DES. VITOR ROBERTO SILVA
= Relator =
Assinado digitalmente
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