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Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.292.381-0, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVANTE: BECKER, PIZZATTO & ADVOGADOS ASSOCIADOS. AGRAVADA: PIERGO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE AÇO LTDA. RELATOR : DES. LUIS SÉRGIO SWIECH
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. QUITAÇÃO INTEGRAL DO DÉBITO. OCORRÊNCIA. INOPERABILIDADE DA CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA EM FACE DO ADVENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA DEVEDORA. PREPONDERÂNCIA DO BEM COMUM E DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. NULIDADE DA CLÁUSULA. RECONHECIMENTO. REGULARIDADE DOS PAGAMENTOS E DAS PARCELAS ADIMPLIDAS NESTE ÍNTERIM. FALTA DE INTERESSE NA INTERPOSIÇÃO DA HABILITAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 1.292.381-0, da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é agravante BECKER, PIZZATTO & ADVOGADOS ASSOCIADOS e agravada PIERGO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE AÇO LTDA.
I- RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento em Habilitação de Crédito (nº 0026471-11.2013.8.16.0185), contra a r. decisão de fls. 22/26-TJ, que a julgou extinta, sem resolução de mérito, sob o fundamento de ausência de interesse de agir (art. 267, VI, CPC). Em suas razões, sustenta a agravante a necessidade de reforma da decisão recorrida, pois não houve apreciação do mérito do incidente, ou seja, a respeito do valor do seu crédito, devendo-se realizar a instrução probatória para tal fim. Não se atentou para o que está expresso em cláusula contratual, de que o desconto pontualidade era uma possibilidade e não uma obrigatoriedade, sendo irrelevante para a habilitação de crédito pretendida, a condição de vencimento antecipado da dívida, diante da sujeição de todos os créditos à recuperação judicial, nos termos do art. 49, da Lei n. 11.101/2005.
2 tipo de previsão contratual, principalmente porque a confissão de dívida apresentada foi firmada anos antes ao pedido recuperacional, cujo montante a ser habilitado corresponde fielmente ao valor efetivamente devido. Por fim, que inexiste quitação, sobretudo por se ter avençado na cláusula nº 21, de que qualquer ato de tolerância praticado pela ora agravante, não implicaria em supressão ou renúncia de direitos, subsistindo a cobrança da dívida. Requereu, liminarmente, a concessão do efeito ativo e, ao final, o conhecimento e provimento do recurso para que haja a reforma da decisão agravada. Admitido o recurso às fls. 312/314TJ, não houve concessão de efeito recursal, determinando-se o seu regular processamento. Em informações, o douto juízo originário manteve a decisão recorrida em seus próprios e jurídicos termos, comunicando o cumprimento do art. 526 do CPC. A agravada apresentou contrarrazões (fls. 198/203-TJ), pugnando pelo desprovimento do recurso. Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu r. parecer (fls. 206/213-TJ), manifestando-se pelo improvimento do recurso. Vieram-me os autos conclusos para julgamento. É o relatório, em apertada síntese.
2. II- FUNDAMENTAÇÃO E VOTO
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Impõe-se o conhecimento do recurso por encontrarem-se presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos (tempestividade, preparo, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer) e intrínsecos (legitimidade para recorrer, interesse de recorrer, cabimento).
2. Do Mérito: O recurso interposto não merece provimento. Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de estar ou não quitado o crédito apresentado para habilitação em recuperação judicial. A decisão recorrida entendeu que se operou a quitação. Essa conclusão é decorrente do afastamento da aplicação da Cláusula n° 10, do instrumento particular de confissão de dívida (fls. TJ), que prevê o seu vencimento antecipado em caso de recuperação judicial da empresa devedora. Todavia, essa antecipação é ilegal frente à sistemática dada pela Lei nº 11.101/2005, bem como, por ter ocorrido o pagamento das parcelas pactuadas entre as partes, ao ter a credora/agravante aceitado a forma realizada pela devedora/agravada, sem qualquer oposição à época. O instrumento particular de confissão de dívida foi firmado entre as partes em 24/03/2009, nos seguintes termos, in verbis:
4 adimplido corretamente (dentro dos valores e vencimentos pactuados) até a parcela 80 do DÉBITO AMG e parcela 40 do DÉBITO CREDORA ANUENTE, a AMG e CREDORA ANUENTE concederão um abatimento (desconto) à DEVEDORA e FIADORES correspondente ao valor da parcela 81 indicada na Cláusula 2ª e parcela 41 indicada na Cláusula 3ª., respectivamente; ... CLÁUSULA 10ª: Considerar-se-á ainda vencido e desde logo exigível o saldo devedor em aberto, independentemente de interpelação judicial ou extrajudicial, podendo a DEVEDORA e/ou FIADORES demandados judicialmente para o cumprimento das obrigações pactuadas, com todos os seus acréscimos, caso;
a) Ocorra a falência, recuperação judicial ou extrajudicial, insolvência, liquidação e/ou dissolução da DEVEDORA e/ou FIADORES, bem como a ocorrência de futuros cheques sem fundos e protestos, e desde que a somatória deles seja superior a R$ 200.000,00; b) Ocorra o atraso superior a 60 dias no pagamento de qualquer valor devido à AMG oriundo de transações comerciais ou outra avença firmada entre as partes, passada, presente ou futura, mesmo outras não contempladas neste instrumento; ... ." (fls. 57/63-TJ).
5 previsão de abatimento do valor especificado na cláusula terceira, ou seja, a inexigibilidade da parcela de nº 41, correspondente a R$ 430.743,19, caso o acordo tivesse sido adimplido corretamente até a parcela 40, dentro dos valores e vencimentos pactuados. Em complementação, dentro da cláusula terceira há um parágrafo único que dispõe: "os pagamentos das parcelas mensais poderão ser feitos em até (quatro) sub-parcelas semanais, dentro do vencimento da respectiva parcela mensal." Entretanto, em contrapartida, a cláusula 9ª estabeleceu: "o atraso superior a 60 dias no pagamento de qualquer parcela, a falta de pagamento de duas parcelas consecutivas ou não, conforme os vencimentos previstos nas cláusulas 4ª e 6ª, a ocorrência das situações previstas na cláusula 10ª ou ainda o não cumprimento das obrigações assumidas pela DEVEDORA e FIADORES no presente instrumento, caracterizará de pleno direito a mora da DEVEDORA e dos FIADORES, independentemente de aviso, notificação ou interpelação judicial ou extrajudicial, acarretando o vencimento antecipado imediato da dívida total, sobre o qual incidirá multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do saldo devedor, correção monetária pela taxa SELIC, além dos juros de mora de 12% (doze por cento) ao ano, honorários advocatícios de 20% (vinte por cento), despesas judiciais e demais cominações de direito." Pela interpretação conjunta das cláusulas contratuais, significa afirmar que o valor de uma parcela mensal poderia ser pago em subvalores dentro do respectivo mês de vencimento, sem a cobrança de acréscimos moratórios (juros e correção monetária), cuja incidência só se daria a partir do atraso acima de 60 dias, em virtude da mora. E, ainda, se daria o vencimento
6 inadimplemento, pela ocorrência de situações previstas, dentre elas, a recuperação judicial da empresa devedora. Contudo, em análise da prova documental existente no processo originário, verifica-se que a agravante deixou de se valer da faculdade prevista na cláusula nona, qual seja, dar início à promoção das medidas correlatas à satisfação de seu alegado crédito. Conforme a planilha que apresentou às fls. 55/56-TJ, recebeu 40 parcelas, algumas em datas diversas dos vencimentos, outras em valores pouco inferiores do que seriam devidos, aquiescendo que a devedora agravada assim fizesse. E isso ocorreu pelo período compreendido de julho de 2009 a outubro de 2012. Não há nenhuma prova documental que demonstre que não anuiu com a ideia de quitação dos sucessivos quarenta pagamentos parcelados. Não há qualquer manifestação de vontade por escrito nesse sentido, seja alertando a devedora na incompletude dos valores, tampouco cobrando-a pela diferença. Alias, não há como se olvidar que o próprio contrato previa a possibilidade de pagamento de subvalores dentro da parcela mensal. O que se conclui é que a credora aceitou a continuidade dos depósitos dessa maneira, sem nunca manifestar qualquer discordância ou ressalva. Tal conclusão é facilmente apreendida dos autos originários. Ademais, veja-se que na inicial do pedido de habilitação de crédito, apresentada pela agravante em 28/03/2013, chegou a afirmar que alguns atrasos e incorreções no pagamento das parcelas foram suportados por `mera liberalidade'. Todavia, não
7 parcelas até outubro de 2012. E isso aconteceu independentemente do deferimento do pedido de recuperação judicial da agravada. Neste aspecto, ressalte-se que o pedido recuperatório foi protocolado pela agravada, e o processamento do seu deferimento ocorreu em data de 24/10/2012, sendo que a quadragésima parcela, segundo a própria planilha que juntou a agravante (fls. 56-TJ), apesar de ter vencimento em data de 01/10/2012, foi paga em 05/11/2012. Entendo que a invocada "mera liberalidade", revelou-se mais do que isso no processo originário e demonstrou manifestação de vontade inequívoca da credora em receber o pagamento das parcelas pela devedora de forma diferente do pactuado, aquiescendo com essa alteração. Apesar de sua irresignação, a conclusão é de que aceitando o pagamento da forma como ocorreu, anuiu e deu plena quitação da dívida. Estranha-se o fato de que se todas as demais parcelas anteriores à quadragésima, pagas em datas diversas dos vencimentos, não mereceram qualquer medida por parte da agravante visando a antecipação do vencimento da dívida, somente esta parcela mereceu atenção, passando a não ser mais tratada como `aceitação por liberalidade'. Com isso, a cláusula resolutiva expressa do instrumento particular, atrelando o vencimento antecipado pelo simples advento da noticiada recuperação judicial da devedora, mostra-se nula, por confrontar diretamente a principiologia legal de se
8 11.101/2005). A visão contemporânea do Direito, neste aspecto em que se busca empreender todos os meios jurídicos e esforços para que haja a preservação da empresa em dificuldade econômica, em prol do bem comum, deve preponderar sobre o propósito de rescisão de um único contrato, motivado pelo alegado descumprimento da `obrigação' de se manter solvente. Há clara incompatibilidade de institutos. Deve-se buscar atender ao interesse comum e não a interesses particulares, de forma que a vontade contratual revelada na cláusula resolutiva expressa não pode se sobrepor à lei especial que rege a recuperação judicial de empresas. Neste diapasão Farias e Rosenvald expõem:
[...] há uma composição que confere merecimento ao contrato. Os contratantes delimitam a função econômica do negócio jurídico, acrescentando-se a isto o interesse prático que esteja em consonância com os interesses social e geral. A força normativa do contrato é conferida pelo ordenamento, sendo a vontade o seu suporte fático. Quer dizer, a utilidade deverá se conformar com as aspirações éticas do ordenamento. [...] Tem-se o contrato como instrumento de realização das finalidades traçadas pelo ordenamento jurídico e não mais dos interesses dos contratentes isoladamente considerados. O poder jurígeno da vontade não é originário e autônomo, mas derivado e funcionalizado em prol de finalidades heterônomas.
9 clássicos e os contemporâneos de contrato, como modelos que convivem interagem em uma linha de ponderação de interesses." (in Direito dos contratos, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2011, p. 135).
Importante frisar, por fim, que as disposições contidas na Lei nº 11.101/2005, por terem características especiais, criam uma estrutura ímpar no sistema jurídico. É o que descreve o doutrinador Fernando Netto Boiteux:
"A lei da Recuperação e da Falência apresenta alterações ao direito das obrigações em geral e mesmo em relação ao direito empresarial, porque o Código Civil, ao unificar parcialmente o direito das obrigações, não criou um conjunto de regras para a empresa insolvente, tarefa cumprida pela lei especial. Todavia, da mesma forma que o direito comercial não regulou, nunca, todo o comércio pois sempre se valeu do direito civil para as normas mais gerais sobre obrigações e contratos, ainda que alteradas , a legislação falimentar apenas altera alguns efeitos do direito das obrigações, especialmente as empresariais. O direito falimentar apenas adapta os direitos das obrigações, nos casos que menciona, para os fins a que se destina: a recuperação da empresa insolvente e o pagamento dos credores." ( in A nova lei de falências e de recuperação judicial: Lei
10 287).
Outra não pode ser a interpretação ao caso, qual seja, a relevância da recuperação judicial em detrimento da operabilidade da cláusula resolutiva expressa, sobretudo diante da intelecção da Lei especial que prevê a novação das dívidas anteriores, ainda que não vencidas (art. 59, Lei n. 11.101/2005), sujeitando-as à recuperação. Assim, tendo a empresa agravada ingressado no regime da recuperação judicial, a simples cláusula resolutiva expressa condicionando o vencimento antecipado de dívida por isso, deve ser considerada nula por confrontar aos princípios de preservação da empresa postos na lei especial. Não há que se falar em exigibilidade de eventual saldo remanescente, somente decorrente desse alegado vencimento antecipado, e portanto, a regularidade dos pagamentos feitos pela agravada a partir da 39ª parcela, quando houve a notícia de sua recuperação judicial, é medida que se impõe. Inegável reconhecer que, com a quitação total, inexistiria a exigibilidade da 41ª parcela, além da ausência de interesse de agir da agravante em habilitar o pretenso crédito. Assim, não merece reforma a decisão agravada que bem equacionou os fatos e deu adequada solução jurídica ao caso.
11 provimento ao recurso interposto por BECKER, PIZZATTO & ADVOGADOS ASSOCIADOS, mantendo a decisão agravada por seus próprios e jurídicos termos.
III- DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por UNANIMIDADE de votos, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento os Desembargadores Lauri Caetano da Silva e Tito Campos de Paula e o Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Francisco Jorge, tendo o primeiro como presidente, sem voto.
Curitiba, 22 de Julho de 2015.
[assinado digitalmente] DES. LUIS SÉRGIO SWIECH Relator
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