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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1044187-1 DE SÃO MATEUS DO SUL VARA CÍVEL E ANEXOS APELANTES (1): ANTONIO BONOLI E OUTROS APELANTE (2): PÚBLIO BONIN APELADO: AUGUSTO DRABECKI RELATORA CONV.: JUÍZA DE DIREITO SUBST. EM SEGUNDO GRAU DENISE ANTUNES1 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. USUCAPIÃO. RIOS IGUAÇU E NEGRO. TERRENOS MARGINAIS. BENS DA UNIÃO. INFORMAÇÕES SOBRE A DISTÂNCIA DOS RIOS DA ÁREA USUCAPIENDA, NÃO REPASSADAS À UNIÃO. PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. A área usucapienda não se trata de terreno às margens de tais rios e, assim, não sendo bens públicos federais, não se configura qualquer prejuízo à União pela irregularidade processual havida. USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS ATUAIS CONFRONTANTES DO IMÓVEL USUCAPIENDO. CITAÇÃO OBRIGATÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 942 DO CPC. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, COGNOSCÍVEL DE OFÍCIO. NULIDADE ABSOLUTA. CASSAÇÃO DA SENTENÇA. MEDIDA QUE SE IMPÕE. Na ação de usucapião de bem imóvel é obrigatória a citação de todos os confrontantes do bem, nos termos do artigo 942 do CPC, sob pena de invalidade da sentença. "O confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião" (Súmula 391, STF), e "a sua citação é necessária, sob pena de nulidade (RF 255/313)." SENTENÇA ANULADA E RECURSOS PREJUDICADOS. VISTOS, RELATADOS e DISCUTIDOS estes autos de Apelação Cível n° 1044187-1, da Vara Cível e Anexos da Comarca de São Mateus do Sul, em que são apelantes: Públio Bonin, Antonio Bonoli e Outros e apelado: Augusto Drabecki. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto em face da decisão de primeiro grau que julgou procedente o pedido contido na inicial e formulado por Augusto Drabecki, reconhecendo o domínio do autor sobre a área descrita na exordial e constante do laudo pericial de fls. 120/122. Ainda, condenou os contestantes ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios ao procurador do requerente, os quais fixou em R$ 3.000,00 (três mil reais). Irresignados, Antonio Bonoli, e outros interpuseram recurso de apelação (1), sustentado em síntese que: a) o imóvel usucapiendo, que não foi registrado em nome do autor, é parte do imóvel adquirido por Públio Bonin em arrematação perante a Justiça do Trabalho; b) resta incontroverso nos autos o fato de que as áreas possuídas pelas partes
recorrentes e recorrida não coincidem, de modo que a sentença merece reforma para o fim de julgar improcedente a pretensão inicial no que tange à localização da área em litígio, reconhecendo, dessa forma, que a área dos apelantes é a mesma da matrícula 7.907; c) deve ser reformada a sentença também no que diz respeito ao ônus da sucumbência (fls. 368/375). Públio Boni também recorreu da sentença apelação 2 (fls. 377/383), alegando em síntese: a) a nulidade da sentença, uma vez que não constaram no mandato os requisitos da matrícula do bem objeto da ação de usucapião; b) não há que se falar em boa-fé, uma vez que o autor adquiriu o imóvel sabendo que sobre o mesmo restava um ônus que não poderia ser transferido e que, ainda, poderia, posteriormente, ser arrematado em hasta pública devido aos ônus que possuía; c) devem ser invertidos os ônus de sucumbência. Contrarrazões às fls. 395/405. A Procuradoria Geral de Justiça se manifestou às fls. 423/427 pelo não conhecimento do recurso de apelação de fls. 377/383 (Públio Bonin), e opinou sobre a questão envolvendo a União e não nulidade do feito, em face da não ocorrência de prejuízo. Ainda, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação de fls. 368/376 (Antonio Bonoli e outros). Por ocasião da sessão de julgamento, em sustentação oral, o advogado do réu Públio Bonin, trouxe à tona matérias de ordem públicas, argumentando a ocorrência de nulidade processual por falta de citação de confrontantes e não a regularização da capacidade processual do autor. É O RELATÓRIO. PASSA-SE AO VOTO. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DAS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA Estando para julgar o presente feito em Colegiado, além da matéria que será analisada no tópico 2.2 referente à nulidade processual em face da manifestação da União as fls. 387/388, esta relatora foi alertada acerca da ocorrência de outros vícios contidos no processo e que não foram alegados durante o trâmite do processo e nem mesmo nas razões dos recursos, sendo que somente por ocasião da sustentação oral em sessão pelo advogado do réu Públio Bonin, vieram às tona ditas irregularidades passíveis de serem analisadas de ofício, e em qualquer grau de jurisdição, pois questões de ordem pública. Então, em que pese notar que o recurso manejado por Públio Bonin não deve ser conhecido, em virtude de sua deserção2, por curial, esta relatora passará a analisar as referidas questões, após o item 2.2.
2.2 DA FALTA DE INFORMAÇÕES À UNIÃO SOBRE A ÁREA
USUCAPIENDA CONSTITUIR TERRENOS MARGINAIS AOS RIOS DE DOMÍNIO FEDERAL
De início, antes da análise dos recursos de apelação interpostos, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito da manifestação da União de fls. 387/388, sobre o bem a ser usucapido ser ou não bem público federal na hipótese de ser constituído de terreno marginal aos Rios Iguaçu e Negro, ambos de domínio federal. Não se olvide que quando um rio é de domínio federal, seus terrenos marginais também pertencem à União, ex vi do inciso III do art. 20 da Constituição da República, que prevê serem bens da União, entre outros, os rios que banhem mais de um Estado e seus terrenos marginais. Conforme exposto no breve relato acima, observa-se que a União foi devidamente intimada, na forma pessoal (fls. 40 e 43), tendo se manifestado às fls. 83/84, requerendo informações acerca da distância da área usucapienda dos Rios Iguaçu e Negro, a fim de verificar eventual interesse no feito, ou seja, se o imóvel em apreço é constituído ou não por terreno marginal. Vislumbra-se que as informações solicitadas, em que pese não tenham sido repassadas a União3, foram trazidas ao processo pelo
autor às fls. 97/98, de modo que se observou que o imóvel objeto da lide encontra-se distante 6.045,20 m do Rio Iguaçu e 13.328,84 m do Rio Negro. Portanto, como bem ponderou a Procuradoria Geral de Justiça às fls. 425: "(...) a área usucapienda não se trata de terreno às margens de tais rios e, assim, não sendo bens públicos federais, não se configura qualquer prejuízo à União pela irregularidade processual havida". Ora, eventual nulidade exige a respectiva comprovação do prejuízo, o que não ocorreu no presente caso. Assim, aplicável à espécie o princípio do pas de nullité sans grief. E, conforme jurisprudência pacífica do STJ, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC, a declaração da nulidade dos atos processuais depende da demonstração da existência de efetivo prejuízo à parte interessada, em decorrência do princípio supra referido. Dessa forma, não há que se falar em nulidade processual. 2.3. DA REGULARIZAÇÃO DO POLO ATIVO DA LIDE E DA FALTA DE CITAÇÃO DOS CONFRONTANTES
2.3.1. Primeiro se alerte que o autor regularizou a questão do polo ativo quando comprovou o seu estado civil, com a juntada de suas certidões atuais de nascimento e casamento, dando conta que ele é separado judicialmente. As certidões datam de 30/7/2010 e estão juntadas as fls. 274/275.
2.3.2. Da análise da exordial, observa-se que o autor indicou como confrontantes as pessoas de: Zito de Paula e Matias Ferreira, Omar Orestes Oliveira e Sergio Meira; tudo de acordo com o mapa e memorial descritivo do imóvel, objeto da ação, datado de novembro de 1988. Já com data de outubro de 1985, as fls. 20, juntou mapa da área total ao lado do Arrroio Lageadinho, constando como confrontantes: Antonio Cordeiro e José Delfino da Silveira e Olimpio Ferreira Bueno. Também acostou aos autos memorial descritivo mas daí só da área a ser usucapida (fls. 21), datado de novembro de 1988, constando como confrontantes as mesmas pessoas referidas no primeiro mapa juntado com a petição inicial: Omar Orestes Oliveira, Sergio Meira, Zito de Paula e Matias Ferreira. Nota-se que trouxe ainda matrícula nº 7.907 (fls. 29), por meio da qual se extrai que os confrontantes da área usucapienda seriam Olimpio Ferreira Bueno, José Delfino da Silveira e Antonio Cordeiro. Em sua contestação, verifica-se que Públio Bonin juntou aos autos alguns documentos, entre eles: matrícula nº 7.908 (fls. 54), constando como confrontantes: Osmar Aparecida de Oliveira, Olimpio Ferreira Bueno, Joaquim Ferreira Maciel e Altino dos Santos, e, por fim, a firma Ruthkewiski Ltda. Juntou também memorial descritivo (fls. 58), realizado em 10/01/2002, por meio do qual se extraiu os seguintes confrontantes: Graucilei Graciano Meira e Tiago Baumann, Jenifer Cristina da Silva, Roberto Bonoli e Patrícia Bonoli, mesmas pessoas que constam no mapa de fls. 59, de janeiro de 2002.
Contudo, restou daí determinada a citação dos confrontantes indicados pelo autor, e como se observa de fls. 90-verso, foram citados: Omar Orestes Oliveira e esposa Denize Oliveira, Enzir F. de Paula (Zito) e esposa Silvia Aparecida Silva de Paula. Em razão do falecimento de Sergio Meira e Matias Ferreira, foram citadas suas esposas Apelonia Cordeiro Meira e Odete Maciel Ferreira, respectivamente. Observa-se ainda das fls. 80/81 que houve a citação por edital, constando do edital os nomes de Sergio, Ezir, Matias e Omar, no ano de 2004. Já se alerte que não foram regularizadas as citações dos confrontantes falecidos. Não há como se considerar válida a citação na pessoa da viúva do falecido, porque não há prova de que ela represente o espólio ou que ainda nessa condição, que dito espólio existia à época da citação, sendo recomendável sua intimação para que informe sobre a existência de eventuais herdeiros e seus endereços, bem como se existe (ou existiu) inventário ou arrolamento, para daí se providenciar a citação regular4. Não obstante, a irregularidade não se encontra nesse ponto em face do que foi alertado pelo laudo pericial e depois pelos novos documentos sobre a área usucapienda.
A perícia de fls. 120/122, realizada em 2005, concluiu que os confrontantes seriam aqueles do croqui elucidativo de fls. 122. Contudo, nota-se que referido laudo indicou a área total, ou seja, considerando tanto a área usucapienda, quanto a de da matrícula nº 7.908 e ainda o local que restou vendido para Jenifer C. da Silva, Antonio e Patricia R,. Bonoli; todas as áreas, aliás, vendidas pelo mesmo vendedor que vendeu o lote para o autor, ou seja, o Sr. Omar Orestes Oliveira. Omar era proprietário de toda aquela localidade ao lado do Arroio Lageadinho. Assim, a dita lista de confrontantes do laudo pericial conta com aproximadamente doze pessoas, todos os proprietários daquela região do Lageadinho ora em apreço. Em razão disso, delimitando a área vendida ao autor e pois especificando o lote usucapiendo, houve juntada de novo memorial descritivo e novo mapa, produzidos em março de 2007, constando como confrontantes atuais: Públio Bonin, Tiago Baumann e Graucilei Graciano Meira, sendo que esses últimos que adquiriram seus imóveis após a citação, conforme constou no esclarecimento do perito (fls. 176), e mais, a esposa de Públio também não restou citada. Infelizmente, verifica-se que a única providência tomada nos autos após a juntada dos novos memorial descritivo e mapa, foi a citação dos proprietários registrados na matrícula nº 7.907, porque a perícia deu conta que a área usucapienda esta dentro da área da matrícula 7.907 (que tem 6,5 alq.). Ou seja, dentro da área da matrícula 7.907 se encontra a área usucapida de 5 alq. 20 lts. 410 m2, comprada em 1º de junho de 1989. Daí em razão da cota do Ministério Público (fls. 210) ocorreu a citação dos proprietários mencionados na matrícula imobiliária
referida. Veja-se, contudo, que não houve o pedido por parte do órgão ministerial de citação também dos confrontantes Tiago Baumann, Graucilei Graciano Meira, e da esposa de Públio, e o d. Juízo não percebeu a falta dessa providência obrigatória. 2.3.3. Com efeito, constatada a falta de citação de um dos confinantes identificados no curso do processo, a sentença deve ser anulada para que o ato seja realizado, nos termos do artigo 942 do CPC. Dito artigo exige, para as ações de usucapião, que haja a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel objeto da ação de usucapião, bem como dos confinantes. A ausência de citação de litisconsorte necessário nos autos da ação de usucapião, impõe a nulidade da sentença proferida. Aliás, a Súmula 391 do C. Supremo Tribunal Federal trata do assunto quando narra que "o confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião", e ainda que "a sua citação é necessária, sob pena de nulidade (RF 255/313)" (THEOTÔNIO NEGRÃO, na sua obra CPC e Legislação Processual em Vigor - 45ª ed., nota 7 ao artigo 942, pág. 1015). E mais: Nessa ordem de ideias, o confrontante não citado para a ação de usucapião tem legitimidade para pleitear a nulidade da sentença proferida nesta (RT 609/59), porque: "A sentença na ação de usucapião vale contra todos, como ato de comando estatal, mas não faz coisa julgada contra aquele que deveria ter sido pessoalmente citado, e não o foi" (RBDP 48/153)". (nota de nº 6 ao mesmo artigo supra referido e na mesma obra). Além disso, é cediço que a identificação dos atuais confrontantes do imóvel usucapiendo enseja a obrigatoriedade da citação deles e respectivos cônjuges, posto que por outro enfoque é dispensável a citação dos ex-proprietários da área confrontante daquela que se pretende usucapir. Notadamente, nas ações de usucapião, os atuais confrontantes, juntamente com o titular do domínio e os terceiros interessados incertos e desconhecidos, são os réus da relação processual. Logo, não poderão prosperar sem a citação de todos; e somente em relação aos que foram regularmente citados é que a sentença produzirá efeito. Considerando então que na ação de usucapião de bem imóvel é obrigatória a citação de todos os confrontantes do bem (nos termos do artigo 942 do CPC, sob pena de invalidade da sentença), o voto é no sentido de conhecer de ofício a nulidade da sentença, aproveitando-se os atos processuais já praticados e não maculados, e determinar a baixa dos autos para ser regularizado o feito, com a citação da esposa de Públio Bonin e os confrontantes Tiago Baumann e Graucilei Graciano Meira e seus respectivos cônjuges/companheiros (ou se falecidos, espólios ou seus herdeiros e sucessores), ou ainda realização de diligência para identificar outros confrontantes tidos como os atuais do imóvel usucapiendo, para a complementação da citação deles. CONCLUSÃO: vota-se no sentido de anular a sentença, determinando a remessa dos autos à origem, restando prejudicada a análise dos recursos de apelação cível.
ACORDAM OS INTEGRANTES DA DÉCIMA OITIVA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM ANULAR
A SENTENÇA E DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM, JULGANDO PREJUDICADO OS
RECURSOS, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
O JULGAMENTO FOI PRESIDIDO PELO SENHOR DESEMBARGADOR VITOR ROBERTO SILVA, COM VOTO, E DELE PARTICIPOU O SENHOR JUIZ SUBSTITUTO EM
SEGUNDO GRAU LUCIANO CAMPOS DE ALBUQUERQUE. Curitiba, 12 de agosto de 2015. DENISE ANTUNES, RELATORA CONV. JUÍZA DE DIREITO SUBST. 2° GRAU
-- 1 Substituindo o Des. Luiz Cezar Nicolau.
-- 2 Artigo 511, CPC - o apelante juntou às fls. 389/391 as guias de recolhimento, mas tal pagamento somente foi realizado no dia 11/09/2012, ou seja, um dia após o protocolo do presente recurso de apelação dado em 10/09/2012, fora do prazo recursal, sem haver qualquer justificativa para tanto. -- 3 No curso da ação, a União apresentou manifestação (fls. 266/267), informando que não havia notícias nos autos de cumprimento do pronunciamento judicial que havia apresentado anteriormente, ou mesmo análise pelo juízo singular, requerendo a oitiva do Ministério Público sobre a questão. -- 4 Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO - USUCAPIÃO - CONFRONTANTE FALECIDO - Desconhecimento da existência de herdeiros do confrontante falecido - Prematura a citação por edital,uma vez que não foram esgotados os meios de tentativa de localização - Incerteza quanto à existência de inventário em andamento ou concluído - Não há como se considerar válida a citação na pessoa da viúva do falecido, porque não há prova de que ela represente o espólio ou que este existia à época da citação, sendo recomendável sua intimação, por carta precatória, para que informe sobre a existência de eventuais herdeiros e seus endereços, bem como se existe (ou existiu) inventário ou arrolamento - RECURSO PROVIDO. (TJ-SP - AI: 1953070920118260000, Relator: Gilberto de Souza Moreira, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/05/2012)
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