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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.370.479-3, DE PARANACITY - JUÍZO ÚNICO Nº UNIFICADO: 0000595-94.2014.8.16.0128 APELANTE : ORGANOPAR COMÉRCIO DE FERTILIZANTES E MÁQUINAS LTDA. APELADO : MUNICÍPIO DE CRUZEIRO DO SUL RELATOR : JUIZ SUBST. 2º G. ROGÉRIO RIBAS (em substituição ao Des. LEONEL CUNHA) APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXIGÊNCIA PELO MUNICÍPIO DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL/ RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA/RIMA) PARA EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO À EMPRESA QUE EXPLORA A ATIVIDADE DE COMPOSTAGEM. ABUSIVIDADE NA ESPÉCIE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA COMUM DOS ENTES FEDERADOS RELATIVAMENTE AO MEIO AMBIENTE (ART. 225, § 1º DA CF, LC 140/2011 E ESTATUTO DAS CIDADES) QUE PERMITE AOS MUNICÍPIOS E ESTADOS ADOTAR NORMAS MAIS RESTRITIVAS DO QUE AS EXIGIDAS POR LEIS FEDERAIS. POSSIBILIDADE DO MUNICÍPIO EXIGIR O EIA/RIMA PARA VERIFICAR A VIABILIDADE AMBIENTAL DE UMA ATIVIDADE, DESDE QUE DE FORMA MOTIVADA, O QUE NÃO SE VERIFICOU NO CASO CONCRETO. ÓRGÃO ESTADUAL COMPETENTE (INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ IAP), QUE DISPENSOU AQUELE RELATÓRIO, MAS DETERMINOU COMO CONDICIONANTE ÀS LICENÇAS PRÉVIA E DE INSTALAÇÃO O CUMPRIMENTO DE UMA SÉRIE DE MEDIDAS COM VISTAS À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPOSTAGEM QUE PROMOVE "DESTINAÇÃO FINAL AMBIENTALMENTE ADEQUADA", EM ATENDIMENTO AOS PRECEITOS DA LEI 12.305/2010, QUE INSTITUIU A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS. ATIVIDADE QUE VISA JUSTAMENTE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ATRAVÉS DA RECICLAGEM DO LIXO ORGÂNICO, NÃO POSSUINDO POTENCIAL PARA DEGRADAR O MEIO AMBIENTE. ATO COATOR DESARRAZOADO. SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.370.479-3, de Paranacity - Juízo Único, em que é Apelante ORGANOPAR COMÉRCIO DE FERTILIZANTES E MÁQUINAS LTDA. e Apelado MUNICÍPIO DE CRUZEIRO DO SUL. Trata-se de Apelação Cível interposta pelo impetrante em face da r. sentença proferida no mov. 28.1 dos autos de Mandado de Segurança nº 0000595-94.2014.8.16.0128, através da qual o MM. Juiz de primeiro grau negou a segurança pretendida pelo impetrante e o condenou ao pagamento das despesas processuais.
Em síntese, na inicial do Mandado de Segurança a impetrante, ora apelante, informou que, com vistas à adequação de sua atividade de comercialização de fertilizantes e máquinas agrícolas, para atender as exigências do Instituto Ambiental do Paraná IAP, adquiriu o lote de terreno 327-A (às margens da Rodovia PR463, Km 22), com a pretensão de para lá transferir a atividade de compostagem. Obteve a Licença Prévia e Licença de Instalação daquele órgão, bem como Certidão de Uso e Ocupação do Solo expedida pela municipalidade, sendo reconhecido que o imóvel é adequado ao fim pretendido. Entretanto, o município lhe negou o Alvará de Construção sob o argumento de que não foi apresentado o Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental EIA/RIMA. Sustentou a ilegalidade dessa exigência, eis que, a seu ver, o município não teria competência para tanto (a competência seria do IAP).
Após os trâmites de praxe, sobreveio a r. sentença de mov. 28.1, através da qual o MM. Juiz, em síntese, denegou a segurança pretendida, pautando-se, precipuamente, em duas premissas: (a) "mesmo que o IAP tenha expedido a Licença Prévia e Licença de Instalação, o Município no âmbito de seu poder de polícia, conferido pelo art. 225, § 1º, IV da Constituição, possui legitimidade para exigir do empreendedor a elaboração do estudo de impacto ambiental em relação às atividades passíveis de causar impacto ambiental" (pág. 03, mov. 28.1) e; (b) não seria possível a concessão da ordem pleiteada, pois, ainda que se considerasse que a exigência do EIA/RIMA pelo Município fosse ilegal, "dentre os documentos exigidos administrativamente e necessários para expedição do alvará de construção está o estudo de impacto à vizinhança" e "compulsando os autos é possível observar que a impetrante se limitou a juntar o recibo de entrega do relatório de impacto de vizinhança e não o documento em si", de modo que "(...) não tendo sido acostado aos autos com sua exordial, em consideração ao rito célere e específico do writ constitucional, não há como conceder a ordem pleiteada" (págs. 03 e 04, mov. 28.1).
Inconformada, a empresa impetrante interpôs o presente apelo (mov. 34.1). Em suas razões recursais, inicialmente (A) relata que: (a.1) atua no comércio de fertilizantes e máquinas desde 1985, com sede no mesmo local até a data da interposição do recurso (24/10/2014), com acompanhamento do IAP que sempre lhe concedeu as licenças necessárias; (a.2) aproveita 100% dos resíduos provenientes do abate de frangos, para produção de fertilizante orgânico; (a.3) ao contrário de degradar o meio ambiente, sua atividade conclui a cadeia produtiva do frango e de inúmeros outros resíduos, dando uma destinação ambientalmente correta, transformando o que seria gravemente poluente em fertilizante orgânico; (a.4) em meados de abril de 2012 foi aberta uma solicitação de acompanhamento dos processos da empresa (protocolo nº 07.936.992-6), através do qual foi elaborado acordo entre a apelante e o órgão ambiental, para transferência da atividade de compostagem para novo local, permanecendo ali as demais atividades já praticadas; (a.5) para cumprimento do acordo adquiriu o lote 327-A às margens da rodovia PR463, km 22 em Cruzeiro do Sul/PR e iniciou as obras necessárias à adequação da área às suas atividades; (a.6) solicitou o
alvará de construção, porém o MUNICÍPIO o negou, sob argumento de que não foi apresentado o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) da obra; (B) sustenta que: (b.1) a exigência é ilegal e descabida, visto que o município não possui competência para tal, conforme discorre a Lei Estadual nº 10.066/92, alterada pela Lei Estadual nº 11.352/96 e Resolução nº 065/2008 do Conselho Estadual do Meio Ambiente CEMA e, que o CONAMA atribui ao IAP a incumbência de definir os estudos pertinentes ao processo de licenciamento, não o Município; (b.2) isto vem lhe causando prejuízos, pois está impedida de construir suas novas instalações e, consequentemente, impedida de atuar; (b.3) o lote está localizado dentro do Eixo de Produção Agroindustrial delineado pelo Plano Diretor Municipal (arts. 10; 11, IV e; 35; (b.4) o legislador (art. 3º da Resolução CONAMA nº 237) limita a exigência do EIA/RIMA apenas a empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente, o que não seria o caso da compostagem; eis que não inserta no taxativo rol do Conselho Estadual de Meio Ambiente CEMA (art. 58 da Resolução nº 65/2008-CEMA), tampouco no Cadastro Técnico Federal do IBAMA; (b.5) o IAP concedeu à apelante a Licença de Operação nº 31728 emitida em 06/08/2014, com validade até 06/08/2018; (b.6) com base em tais argumentos asseverou que se encontra em conformidade com todas as determinações daquele órgão, de modo que não causou danos ao meio ambiente, sendo flagrante a ilegalidade do MUNICÍPIO; (b.7) quanto ao Estudo de Impacto de Vizinhança EIV, aduz que já foi analisado pelo apelado, o qual emitiu parecer técnico nº 01/2014, que confirma estar o EIV adequado, faltando apenas o EIA/RIMA para que o alvará de construção seja expedido; (b.8) há risco de danos irreparáveis eis que mantém contrato com diversas empresas para recebimento de resíduos, que não terão onde destiná-los; (b.9) a motivação do ato é eleitoreira, atendendo a interesses de uma minoria (vizinhos) que ignoram a importância ambiental do trabalho desenvolvido e que querem viver em zona industrial sem os inconvenientes dos processos industriais; (b.10) somente municípios conveniados com o IAP podem exigir a licença ambiental, e isso somente ocorre com o Município de Curitiba e; (b.11) a decisão do município apelado fere o princípio da livre iniciativa (art. 170 da CF); (C) ao final postulou: o conhecimento do recurso e seu provimento, para, com a reforma da r. sentença, seja determinada a
paralisação da restrição administrativa e declarada a incompetência do apelado em exigir o EIA/RIMA para concessão do alvará de construção pleiteado pela apelante.
O recurso foi recebido em seu duplo efeito (mov. 38.1) e contrarrazoado no mov. 41.1, oportunidade em que o município postulou o desprovimento do apelo.
Subiram os autos.
A d. Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer às fls. 12-15vº pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Vieram-me conclusos tendo ficado vinculado para a relatoria no período de substituição ao Des. Leonel Cunha.
É a breve exposição.
VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Estão presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, razão pela qual o apelo deve ser conhecido.
Em primeiro lugar, anoto que não há conexão ou prejudicialidade com os autos de Mandado de Segurança nº 000597- 64.2014.8.16.0128, pois naqueles autos discute-se o alvará de funcionamento das atividades da impetrante negado pelo Município, na Unidade I, enquanto que neste remédio a pretensão volta-se contra a negativa de expedição de alvará de construção junto ao (novo) lote por ela adquirido Unidade II para exploração da ATIVIDADE DE COMPOSTAGEM, cuja expedição foi condicionada pela municipalidade à apresentação do EIA/RIMA.
Pois bem.
Como visto, a insurgência do impetrante, ora apelante, diz respeito à exigência pelo MUNICÍPIO do Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental EIA/RIMA, como pressuposto para expedição do alvará de construção, no lote 327-A da
BR463.
Primeiramente, não há dúvidas de que referido Estudo/Relatório é um instrumento posto à disposição dos Entes Federados e Órgãos de proteção ao meio ambiente, sendo, inclusive, consagrado na Constituição Federal. Vejamos:
"CF, art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
CF, art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade".
Note que a redação constitucional é imperativa, de forma que, na realidade, constitui dever/obrigação do Poder Público (latu sensu, incluindo-se, portanto, os Municípios) promover atos que, à luz dos princípios ambientais, proporcionem a exploração de atividades e ocupação do solo de modo a causar o menor dano ambiental possível. Certo é que a exigência do EIA/RIMA insere-se neste contexto.
ANDERSON FURLAN e WILLIAN FRACALOSSI conceituam o EIA/RIMA como "avaliação realizada por uma equipe técnica multidisciplinar da área onde o postulante pretende instalar a
indústria ou exercer a atividade causadora de significativa degradação ambiental, procurando ressaltar os aspectos positivos e/ou negativos dessa intervenção humana", e esclarecem que: "por intermédio do [EIA/RIMA] será efetuada profunda e meticulosa análise sobre a adequação ambiental referente à instalação de obra ou qualquer atividade que tenha potencialidade para degradar o meio ambiente"1.
GUILHERME JOSÉ PURVIN DE FIGUEIREDO, relativamente ao rol de atividades previsto no art. 1º da Resolução 01/86 do CONAMA adverte que2:
"Não há no texto constitucional, qualquer redução no âmbito de incidência do EIA. Estamos diante de exigência constitucional imposta ao Poder Público que tem uma finalidade bastante clara: `a promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado'.
Por outro lado, tampouco destina o art. 225 da Constituição Federal a conferir suposta garantia aos agentes da ordem econômica para que `somente' sejam submetidos ao estudo prévio de impacto ambiental nos casos em que se verifique significativo impacto ambiental.
(...)
O dispositivo constitucional em nenhum momento apresenta a locução denotativa de limitação (`somente'), restando claro que estamos diante de um `dever constitucionalmente imposto ao Poder Público e voltado à defesa de um direito humano fundamental' descrito no `caput' do art. 225".
Nesta linha de raciocínio, temos que, de um lado, o
rol de atividades previsto na Resolução 01/86 do CONAMA expressa aquelas que obrigatoriamente devem ser precedidas da elaboração do EIA/RIMA. Entretanto, o citado rol não é taxativo. Cabe ao Poder Público (entes federados) atribuir a exigência a outras atividades que possuam potencialidade para degradar o meio ambiente, desde que não inviabilize a iniciativa privada.
Nesse sentido, a Lei Complementar nº 140/2011 que "fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do `caput' e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora (...)", em seu art. 9º estabelece que:
"LC 140/2011, art. 9º. São ações administrativas dos Municípios:
XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade".
Nesta linha, como observou o MM. Juiz sentenciante: "(...) o propósito do licenciamento é o exercício do controle de atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente, operacionalizando os princípios da precaução, da prevenção e do poluidor- pagador, ao identificar os riscos inerentes a determinadas atividades empresariais e decidir pela implementação ou não da atividade e aplicação das
medidas preventivas mais adequadas para mitigar o dano" (pág. 02. Mov. 28.1).
Assim, não tenho dúvidas de que a exigência municipal de apresentação do EIA/RIMA, além de inserir-se naquele dever constitucionalmente consagrado de proteção ao meio ambiente (de competência comum entre os entes federados), também está expressamente prevista na legislação infraconstitucional como um instrumento a ser utilizado pelos municípios para efetivação do controle ambiental (Lei 10.257/2001 Estatuto das Cidades art. 2º c/c 4º, VI).
Neste passo, com razão a d. Procuradoria Geral de Justiça ao observar que ao contrário do afirmado pelo IAP, de que o município não possui competência para condicionar a expedição do alvará de construção à apresentação do EIA/RIMA (mov. 1.8) as resoluções 065/2008 do CEMA ou a Resolução 01/2008 do CONAMA não excluem (e nem poderiam excluir) a competência municipal para tratar de assuntos de seu interesse em matéria de meio ambiente (fls. 13/TJ), pois, como visto, há previsão constitucional nesse sentido.
Aliás, ANDERSON FURLAN e WILLIAN FRACALOSSI anotam, ao discorrer sobre o critério da "prevalência da norma mais restritiva" no âmbito do Direito Ambiental, que:
"(...) os Estados e Municípios devem respeitar o piso mínimo de proteção ambiental fixados pelas normas gerais federais. No entanto, deverão as normas regionais e locais ser aplicadas no âmbito do respectivo Estado e Município, em detrimento da norma federal, quando forem mais restritivas, embora seja vedado a tais entes federativos inviabilizar a iniciativa privada (REsp 29.299- 6/RS)".
Com isso em mente, passamos à análise do caso concreto.
A atividade exercida pela empresa apelante e aqui
questionada é a "industrialização e comercialização de fertilizantes", fertilizante este orgânico, produzido através do método COMPOSTAGEM.
De maneira didática, esse método pode ser assim 3 definido :
"A compostagem é o processo biológico de valorização da matéria orgânica, seja ela de origem urbana, doméstica, industrial, agrícola ou florestal, e pode ser considerada como um tipo de reciclagem do lixo orgânico. Trata-se de um processo natural em que os micro-organismos, como fungos e bactérias, são responsáveis pela degradação de matéria orgânica. A técnica de compostar ajuda na redução das sobras de alimentos [...], tornando-se uma solução fácil para reciclar os resíduos gerados (...).
(...)
O uso da compostagem traz muitas vantagens para o meio ambiente e para a saúde pública, seja aplicada no ambiente urbano (domésticos ou industriais) ou rural. A maior vantagem que pode ser citada é que, no processo de decomposição da compostagem, ocorre somente a formação de dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2), água (H2O) e biomassa (húmus). Por se tratar de um processo de fermentação que ocorre na presença de oxigênio (aeróbico), permite que não ocorra a formação de gás metano (CH4), gerado nos aterros por ocasião da decomposição destes resíduos, que é altamente nocivo ao meio
ambiente e muito mais agressivo, pois é um gás de efeito estufa cerca de 25 vezes mais potente que o gás carbônico - e mesmo que alguns aterros utilizem o metano como energia, essas emissões contribuem para o desequilíbrio do efeito estufa, influência humana potencialmente determinante das mudanças climáticas.
Adicionalmente, ao diminuirmos a quantidade de lixo destinado aos aterros, haverá, por consequência, uma economia nos custos de transporte e de uso do próprio aterro, ocasionando o aumento de sua vida útil [...]. Outra vantagem é a redução do passivo ambiental, que é o conjunto de obrigações que as empresas têm com o meio ambiente e sociedade, ou seja, quando as empresas ou indústrias geram algum tipo de passivo ambiental, também têm que gerar investimentos para compensar os impactos causados à natureza. Assim, com a compostagem, reduzem o lixo produzido, pois ele faz parte do passivo ambiental das empresas e indústrias.
Além de tudo que percorremos até aqui, a compostagem promove a valorização de um insumo natural e ambientalmente seguro, adubo orgânico, atuante sobre a reciclagem dos nutrientes do solo e no reaproveitamento agrícola da matéria orgânica, assim evitando o uso de fertilizantes inorgânicos, formados por compostos químicos não naturais, [...], cujos efeitos, sobretudo os fertilizantes nitrogenados, se apresentam igualmente nocivos ao desequilíbrio do efeito estufa. Também é possível mencionar os riscos que esses fertilizantes podem trazer devido à presença de metais pesados em sua composição (...)."
A Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em seu artigo 3º, VII, incentiva o uso da compostagem, classificando-a, inclusive, como um método para
"destinação final ambientalmente adequada", confira-se:
"Lei 12.305/2010, art. 3o. Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;"
Referido ato instituiu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, com todos aqueles que fazem parte da cadeia produtiva, mediante a participação do Poder Público (titular dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos) com os seguintes objetivos: (incisos do parágrafo único do artigo 30):
"I - compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis;
II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias produtivas;
III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais;
IV - incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de
maior sustentabilidade;
V - estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis;
VI - propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade;
VII - incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental."
Logo, nota-se, que a COMPOSTAGEM está longe de ser uma atividade com potencial para degradar o meio ambiente. Ao revés, constitui um instrumento para o desenvolvimento sustentável, sendo obrigação municipal o incentivo de sua prática.
No ato coator (movs. 1.6 e 1.11) temos que a municipalidade justificou a exigência do EIA/RIMA com base no art. 15 e 65 da Lei Municipal 039/2009 Plano Diretor Municipal (pág. 06-07, mov. 34.5 e pág. 01 do mov. 34.9):
"Art. 15. A política de proteção e preservação ambiental será pautada pelas seguintes diretrizes:
IV - Capacitar funcionários para o exercício do licenciamento ambiental dos empreendimentos a serem implantados no Município, especialmente nas áreas de maior vulnerabilidade, onde a ocupação será controlada por meio de diretrizes do poder público, através da exigência de anuência prévia, EIA/Rima - Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente ou através do EIVI/RIV - Estudo de Impacto de Vizinhança/Relatório de Impacto de Vizinhança a ser criado.
Art. 65. A elaboração do EIV não substitui a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental
(EIA) requerido, nos termos da legislação ambiental".
E assim referiu no Parecer Técnico referente ao pedido de prorrogação de prazo para apresentação dos documentos solicitados:
"(...) a Lei Municipal nº 38/2009 [...] é clara no sentido de que tais documentos devam ser apresentados pelos interessados, quando suas atividades interferirem no meio ambiente do Município. (...) Portanto, de acordo com a legislação municipal vigente, as empresas que pretendem instalar empreendimentos que causem impacto no meio ambiente, ficam expressamente obrigadas a apresentar os documentos determinados na Notificação expedida pelo município".
Da leitura do parecer, verificamos que ao contrário do que sustenta a autoridade coatora o ato é imotivado. As razões lá delineadas são genéricas ou, por assim dizer, inespecíficas.
Ora, qualquer intervenção humana até mesmo a construção de uma residência ou uma praça causa impacto no meio ambiente. A intervenção, ou a atividade, como demonstrado acima deve possuir o condão de potencialmente causar dano ao meio ambiente, o que, à luz do exposto acima, não é o caso da compostagem, que visa, justamente, recompor o equilíbrio do meio ambiente, através de uma prática sustentável, reciclando o lixo orgânico.
Ademais, embora o IAP tenha sido infeliz na sua declaração a respeito da competência do município em exigir o EIA/RIMA, certo é que aquele é um órgão técnico que atua no âmbito Estadual possui, com a devida vênia, melhores condições que o Município de estabelecer para quais atividades aquele estudo deve ser exigido.
Porém, mesmo que aquele órgão tenha concluído pela dispensa do EIA/RIMA em relação à impetrante, imperioso ressaltar que para a concessão da Licença Prévia e Licença de Instalação (mov. 1.5) foram feitas diversas outras exigências, que, por certo, suplantam aquele estudo e são suficientes ao exercício sustentável e adequado da compostagem. Vale lembrar que tais licenças permitem apenas que a empresa inicie a construção do empreendimento naquela área e, o funcionamento somente estará autorizado após a conclusão da obra, quando incumbirá ao IAP emitir a Licença de Operação, desde que todos os requisitos ambientais exigidos estejam satisfeitos.
Quanto aos documentos encartados com a contestação (movs. 18.2 a 18.5), embora deles constem "denúncias" de "supostas" irregularidades na atividade desenvolvida pela impetrante (inclusive em outros municípios), certo é que não constituem, por si só, justificativa plausível para a não expedição do alvará de construção. Ora, nenhum dos argumentos ali referidos consta do ato coator como impedimento objetivo à instalação da atividade da impetrante naquele lote.
Finalmente, cumpre rechaçar o argumento do município de que a Licença Prévia e de Instalação estejam vencidas. Ora, tais licenças podem ser renovadas e venceram justamente porque a municipalidade obstou a implementação do Projeto ao não expedir o alvará de construção, como visto, de maneira desarrazoada.
Assim, VOTO no sentido de: CONHECER e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao apelo, para reformar a sentença e determinar que o município conceda o alvará de construção solicitado pela impetrante no lote 327-A, do Km 28 da PR463, independentemente da apresentação do EIA/RIMA, desde que haja renovação (ou ato equivalente) da Licença Prévia (nº 33235) e de Instalação (nº 16742) junto ao IAP.
O provimento é parcial porque se reconhece aqui que o município tem sim competência para exigir o EIA-RIMA em casos nos quais se constata possibilidade de causação de significativa degradação
ambiental.
Inverte-se a sucumbência, de conseguinte, cabendo ao Município arcar com as custas processuais (sem honorários).
DECISÃO
Diante do exposto, acordam os Desembargadores da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em CONHECER e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao apelo, para reformar a sentença e determinar que o município conceda o alvará de construção solicitado pela impetrante no lote 327-A, do Km 28 da PR463, independentemente da apresentação do EIA/RIMA, desde que haja renovação (ou ato equivalente) da Licença Prévia (nº 33235) e de Instalação (nº 16742) junto ao IAP.
Presidiu o julgamento o Desembargador LEONEL CUNHA. Votaram com o relator os Desembargadores NILSON MIZUTA e ADALBERTO JORGE XISTO PEREIRA.
Curitiba, 15 de setembro de 2015.
Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau Relator
-- -- 1 In Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense: 2010. Pág. 168. 2 FIGUEIREDO, Guilherme J. P. de. Curso de Direito Ambiental. 6ª Edição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. Pág. 221
-- -- 3 Fonte: http://www.ecycle.com.br/component/content/article/67/2368-o-que-e-como-fazer- compostagem-compostar-composteira-tecnica-processo-reciclagem-decomposicao-destino-util- solucao-materia-organica-residuos-solidos-lixo-organico-urbano-domestico-industrial-rural- transformacao-adubo-natural.html
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