Decisão
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DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO O FORNECIMENTO GRATUITO DE PRÓTESE TOTAL DE QUADRIL. NEGATIVA AO PLEITO ADMINISTRATIVO.ATO ARBITRÁRIO E ILEGAL. OFENSA AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE, CONSAGRADO NO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEVER DO ESTADO. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADA. PRECEDENTES. DECISÃO ESCORREITA. SENTENÇA CONFIRMADA.REMESSA OFICIAL EM CONFRONTO COM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA EGRÉGIA CORTE, À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, COM BASE NO ARTIGO 557, CAPUT DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E NA SÚMULA N.º 253 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.1. Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ em face do ESTADO DO PARANÁ e do MUNICÍPIO DE MARINGÁ objetivando o fornecimento de prótese de quadril não cimentada com cabeça de cerâmica à DEVANIR JOSE GERALDO, portador de Artrose do quadril esquerdo por necrose avascular (FICAT IV). 2. A liminar pleiteada foi deferida (Ref. mov. 6). 3. O MUNICÍPIO DE MARINGÁ apresentou contestação (mov. 42), na qual defendeu a incompetência do juízo da Comarca de Santa-Fé, a sua ilegitimidade passiva e a ilegitimidade ativa do Ministério Público, bem como a impossibilidade jurídica do pedido ante a afronta ao princípio da separação de poderes. 4. Requereu, ainda, em petição de mov. 81, o chamamento ao processo do Município de Flórida, tendo seu pedido indeferido pelo Magistrado em mov. 89. 5. O MUNICÍPIO interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão que concedeu a tutela antecipada, o qual foi desprovido (mov. 71). 6. O ESTADO DO PARANÁ também apresentou contestação no mov. 56, pugnando pelo julgamento de improcedência dos pedidos formulados, observando-se os princípios constitucionais da reserva do possível e do acesso universal e igualitário ao serviço público. 7. O MM. Juiz a quo prolatou sentença, julgando procedente o pedido inicial, confirmando a liminar concedida e condenando solidariamente os réus MUNICÍPIO DE MARINGÁ e ESTADO DO PARANÁ ao fornecimento de prótese total de quadril não cimentada com cabeça de cerâmica, prestação de atendimento médico-cirúrgico e custeio de implantação da prótese. Pela sucumbência, condenou o ente ao pagamento das custas processuais, deixando, entretanto, de condená-lo aos honorários advocatícios. 8. Decorreu o prazo legal sem interposição de recurso voluntário. 9. Os autos foram remetidos à esta egrégia Corte de Justiça por determinação do JUIZ DE DIREITO, para análise do reexame necessário. É o relatório. DECIDO. 1. A redação dada ao artigo 557, caput do Código de Processo Civil, cujo objetivo maior é a desobstrução da pauta dos Tribunais, bem como a celeridade da prestação jurisdicional, permite que o Relator negue seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com Súmula ou jurisprudência dominante no próprio Tribunal ou de Tribunais Superiores, o que também é aplicável ao reexame necessário, por força da Súmula n.º 253 do Superior Tribunal de Justiça. É o caso dos autos, vez que a análise do caderno processual revela que a sentença deve ser confirmada, pois se coaduna com o entendimento assente neste colendo Sodalício. 2. No caso em comento, examinando-se os elementos probatórios colacionados aos autos, tenho que restou demonstrada a violação ao direito líquido e certo do interessado, em virtude da ilegalidade do ato de recusa à solicitação por ele postulada. Assim é, pois, consoante se infere da documentação trazida aos autos, principalmente os receituários e prontuários médicos nos movimentos 1.2 e 1.3, constatou-se que o paciente DEVANIR JOSE GERALDO é portador de Artrose do quadril esquerdo por necrose avascular. É inegável, portanto, a gravidade e a agressividade da doença, com sérios riscos à saúde e qualidade de vida do enfermo. Todavia, o ente municipal negou-se a fornecer a medicação necessária ao seu tratamento, conforme a negativa apresentada em seq. 1.2. A saúde, por ser uma prerrogativa fundamental, é um direito de todos e dever do Estado, cuja acepção engloba todos os entes da federação, o qual deve possibilitar seu acesso à população, ex vi do artigo 196 da Carta Magna. O direito à saúde deve informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua condição econômica, sob pena de não ter muito valor a sua consignação em normas constitucionais. O direito à vida é norma constitucional de primeira grandeza, previsto no caput do artigo 5°, que prescinde de lei ou qualquer outro tipo de norma para obrigar os agentes a cumpri-la. Por ser a saúde constitucionalmente prevista como um direito social, cabe aos entes da federação zelar por ela em toda a sua amplitude, resguardando o acesso universal a todos os que dela necessitam, para que os direitos postos à disposição dos economicamente superiores sejam iguais aos colocados à disposição dos economicamente necessitados. Desta forma, sendo a saúde um direito social assegurado através de uma contraprestação dos entes públicos, tem o substituído processual amparo jurídico ao tratamento de que necessita, como parcela mínima para a sua condição existencial digna, razão pela qual não pode o Estado do Paraná ou o Município de Maringá deixar de cumprir preceito fundamental que garante o acesso à saúde em sua plenitude, como o está fazendo. Anote-se, apenas, que por mais relevantes que sejam as dificuldades orçamentárias dos órgãos públicos ou por mais necessária que seja a regulamentação dos procedimentos atinentes ao Sistema Único de Saúde, não é possível desrespeitar a Constituição Federal, sob pena de completo desrespeito à ordem jurídica, privilegiando-se meros regulamentos, e, mais ainda, dando poderes ao administrador para, sob os mais variados pretextos, descumprir a Lei Maior. Em decorrência disso, não devem ser aceitos como válidos procedimentos administrativos que tenham por fim criar entraves burocráticos no atendimento ao direito fundamental à saúde e a vida. Tais procedimentos somente serão legítimos se estiverem em consonância com as disposições da Magna Carta, e desde que: a) não pretendam por via oblíqua afastar o dever e a responsabilidade dos entes federativos em assegurar os direitos fundamentais à população; e b) não atentem contra o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida digna. Por todos esses motivos, tenho que deve ser mantida a sentença prolatada. A fim de corroborar com a tese esposada, oportuno citar os seguintes precedentes emanados do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: "SAÚDE - PROMOÇÃO - MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos menos afortunados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde." (AI 506302 AgR/RS, 1ª. Turma, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJe 23/05/13). "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico- hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. (...)." (RE 607381 AgR/SC, 1ª. Turma, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe 16/06/11). E desta egrégia Corte, transcrevo recentes julgados, verbis: "DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDICAMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. NECESSIDADE DA MEDICAÇÃO COMPROVADA POR DECLARAÇÃO MÉDICA. INOBSERVÂNCIA DOS PROTOCOLOS CLÍNICOS. IRRELEVÂNCIA. a) O direito à saúde, de aplicação imediata e eficácia plena, deve ser implementado pelo Estado (União, Estados e Municípios), desde que comprovada a doença e a necessidade de tratamento específico, mediante atestado subscrito por profissional médico especialista na área. b) A prescrição específica do tratamento postulado foi feita por profissional habilitado, responsável pelo tratamento do paciente, e, portanto, por quem tem as melhores condições de averiguar as reais necessidades dele. c) É irrelevante que os medicamentos prescritos não constem no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, ante a máxima constitucional do direito à saúde a qualquer cidadão. 3) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO." (Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 1.020.829-2, 5ª. Câmara Cível, Relator Desembargador LEONEL CUNHA, DJ 14/05/13). "DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.MEDICAMENTO. VIA ELEITA ADEQUADA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.a) A Ação Civil Pública que tem por objeto o fornecimento de prótese para pessoa determinada é via adequada, pois visa resguardar direito individual indisponível.b) O MINISTÉRIO PÚBLICO possui legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (STJ-EREsp 819010/SP); 2) DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.MEDICAMENTO. FRATURA DE FÊMUR. PRÓTESE TOTAL HÍBRIDA DE QUADRIL. GARANTIA E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. NECESSIDADE DA PRÓTESE COMPROVADA POR DECLARAÇÃO MÉDICA.INOBSERVÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E DE MEDICAMENTOS. IRRELEVÂNCIA.a) O direito à saúde, de aplicação imediata e eficácia plena, deve ser implementado pelo Estado (União, Estados e Municípios), desde que comprovada a doença e a necessidade de tratamento específico, mediante atestado subscrito por profissional médico especialista na área.b) A prescrição específica da prótese total híbrida de quadril postulada foi feita por profissional habilitado, responsável pelo tratamento do paciente, e, portanto, por quem tem as melhores condições de averiguar as reais necessidades dele.c) Os "Protocolos Clínicos de Tratamentos" e "questões burocráticas" não podem ser invocados como razão para a recusa de entrega de tratamento ao paciente que dele necessita, pois não prevalecem sobre o direito fundamental à vida e à saúde, consagrados constitucionalmente.d) O direito à vida, à saúde e a dignidade da pessoa humana são consagrados pela Constituição Federal, impondo-se ao Poder Judiciário intervir quando provocado, para torná-lo realidade, ainda que para isso resulte em impor obrigação de fazer, com inafastável repercussão na esfera orçamentaria, o que, por si só, não ofende o princípio da separação dos poderes.e) O princípio da reserva do possível não pode prevalecer sobre a plena eficácia do mínimo existencial previsto na Constituição Federal.4) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO." (Apelação Cível nº. 1362689-4, 5ª. Câmara Cível, Relator Desembargador: LEONEL CUNHA, DJ 15/05/15). 3. Ex positis, fazendo uso dos poderes facultados ao Relator do recurso, que lhes são conferidos pelo artigo 557, caput do Código de Processo Civil, e pela Súmula n.º 253 do Superior Tribunal de Justiça, NEGO SEGUIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO. 4. Diligências necessárias. 5. Publique-se e intimem-se. 6. Autorizo o Chefe da Divisão Cível a subscrever os expedientes necessários para o cumprimento desta decisão. Curitiba, 17 de setembro de 2015. Juíza CRISTIANE SANTOS LEITE Relatora
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