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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.276.897-3 DA 4ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA AGRAVANTE : PROSPERTY HOLDING LTDA E OUTROS EMBARGADA : G & D MACE INVESTIMENTOS LTDA. RELATORA : DES.ª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR DE ARROLAMENTO DE BENS. REQUISITOS DOS ARTS. 855 E 856, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, PREENCHIDOS. LEGITIMIDADE PARA A CAUTELAR DE ARROLAMENTO QUE NÃO SE RESTRINGE A CASOS DE INVENTÁRIO. UTILIDADE DO PROCEDIMENTO EVIDENCIADA. RISCO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. ATOS REITERADOS DE MODIFICAÇÃO DE PATRIMÔNIO POR MEIO DE PESSOAS JURÍDICAS DIVERSAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS SÓCIOS NA AÇÃO CAUTELAR, POIS TITULARES DOS BENS CONSTRITOS E INTIMAMENTE LIGADOS À PESSOA JURÍDICA QUE É A REQUERIDA NA DEMANDA PRINCIPAL. FORTES INDÍCIOS, LASTREADOS EM PROVA DOCUMENTAL, QUANTO À CONFUSÃO PATRIMONIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. A medida cautelar de arrolamento de bens é cabível para assegurar resultado útil de demanda indenizatória. 2. Requisitos delineados a contento, face a demonstração de conduta reiterada de modificação e transferência do patrimônio, com integralização de capital em empresa diversa. 3. Prova documental de indícios de abuso da personalidade jurídica, com confusão patrimonial e lesão a terceiros. Suficiência dos requisitos para a medida cautelar, que não carece de cognição exauriente nesta fase processual. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em que contendem, como Agravantes, PROSPERTY HOLDING LTDA E OUTROS e, como Agravada, G & D MACE INVESTIMENTOS LTDA..
I RELATÓRIO PROSPERTY HOLDING LTDA., ORIVALDO FERRARI DE OLIVEIRA JUNIOR, ORIVALDO FERRARI DE OLIVEIRA, SORAYA ROSANE NEMER PINHEIRO E WILLIAM RAPHAEL FERRARI DE OLIVEIRA interpuseram o presente Agravo de Instrumento em face da decisão de fls. 28/30-TJ (mov. 16.1), proferida na Ação Cautelar de Arrolamento de Bens sob nº 25234- 72.2014.8.16.0001, contra si ajuizada por G & D MACE INVESTIMENTOS LTDA. Irresignados com a medida cautelar deferida na origem, aduziram, em síntese, a inadequação da via por falta de interesse processual, pois não há mínima possibilidade de se reconhecer posteriormente a propriedade da Agravada sobre os bens arrolados, já que a ação principal é uma demanda de rescisão contratual cumulada com indenização. Que não estão presentes os requisitos do art. 857 do CPC, e a Agravada não é legitimada para o arrolamento, medida que visa salvaguardar universalidade a ser repartida. Que os Agravantes Orivaldo Junior, Orivaldo, Willian e Soraya são ilegítimos para figurar no polo passivo da demanda de origem, de acordo com limites subjetivos, sendo a relação
apenas entre Autora/Agravada e a Requerida/Agravante Prosperity. Neste sentido, que a mera possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, do art. 50, CC, não os torna legítimos a compor o polo passivo na cautelar. Requereram a antecipação da tutela recursal para revogar imediatamente a decisão agravada, eventualmente seja concedida parcialmente a antecipação de tutela para revogar o arresto dos bens daqueles que não compõem o polo passivo da demanda indenizatória e; por fim, o provimento do recurso. Inicialmente processado o recurso com concessão parcial da tutela antecipada (fls. 893/896-TJ). A Agravada apresentou suas contrarrazões pelo não provimento do recurso. Alegou que é cabível a medida, destacando outros casos envolvendo o grupo Ferrari de Oliveira (fls. 901/931-TJ). Juntou documentos (fls. 933/1.088). Os Agravantes opuseram Embargos de Declaração, pugnando pela total concessão da tutela antecipada recursal (fls. 1.090/1.094-TJ). Instada, a Embargada/Agravada pugnou pela rejeição dos Embargos e pela reconsideração do despacho inicial (fls. 1.11/1.105-TJ). Esta Relatora reviu o posicionamento e revogou o parcial efeito inicialmente concedido, julgando prejudicados os Aclaratórios (fls. 1.107/1.112-TJ). Decorrido o prazo desta decisão, e certificado o término do processamento regular do recurso, voltaram os autos de Agravo de Instrumento para julgamento.
É o relatório. II FUNDAMENTAÇÃO O recurso preencheu adequadamente os requisitos da espécie. Se insurgem os agravantes em face das medidas acautelatórias deferidas na origem, de arrolamento de bens e averbação da demanda principal nas matrículas imobiliárias, registro veicular (DETRAN) e Registro das Sociedades arroladas. Aduziram ainda a ilegitimidade passiva de alguns dos Agravantes. - Da ilegitimidade passiva Os Agravantes aduziram a ilegitimidade passiva de Orivaldo Junior, Orivaldo, Willian e Soraya nestes autos de cautelar, porquanto não compõem o polo passivo na demanda principal. Não assiste razão aos Agravantes. Inobstante de fato na demanda principal o polo passivo ser composto pela empresa Prosperity Holding Ltda., infere-se que os ditos ilegítimos para figurar no polo passivo da cautelar são justamente os sócios dessa empresa e a esposa de um deles, casada no regime da comunhão universal de bens. Assim que a Agravada concatenou adequadamente os fatos na inicial da cautelar, demonstrando o cabimento destes réus no polo passivo da demanda, com espeque nos arts. 50, 1.052 e 1.667, todos do Código Civil:
"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
"Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social."
"Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte." Assim, há coerência entre o pedido da cautelar e os sujeitos que figuram no polo passivo da demanda, especialmente ante a farta documentação que instruiu as demandas, principal e cautelar na origem, esta que inclusive fora proposta depois daquela ante o quadro delineado de dilapidação patrimonial e possibilidade que deixou de ser remota quanto ao art. 50 do Código Civil. Desta forma que, ante a narrativa e concatenação dos fatos, bem como ante o objeto da cautelar, é que mostra-se congruente que figurem no polo passivo não somente a pessoa jurídica ré na demanda principal, como seus sócios e a esposa de um deles, pois o patrimônio que assegurará o resultado útil da demanda está intrinsecamente ligado a estas pessoas físicas. Assim, afastada a ilegitimidade passiva arguida.
- Do cabimento da medida de arrolamento Como é de conhecimento já desta Corte, as partes que ora litigam o fazem em diversas demandas societárias e de empreendimentos imobiliários, o que fora desencadeado por desentendimentos entre os sócios. No caso dos autos, ante a gravidade dos fatos narrados pela Agravada na origem, e o reconhecimento paulatino, ainda que não em definitivo, em mais de uma oportunidade no Judiciário Paranaense, quanto à promoção de atos temerários pelos agravantes enquanto na gestão de vultosos empreendimentos, incluindo compromisso de construção de diversos conjuntos habitacionais relacionados ao programa "Minha Casa Minha Vida" e, considerando que a rigor, sequer seria o caso do §2º do art. 856 do CPC, mas sim do §1º: Art. 855. "Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens".
Art. 856. "Pode requerer o arrolamento todo aquele que tem interesse na conservação dos bens. §1. O interesse do requerente pode resultar de direito já constituído ou que deva ser declarado em ação própria. §2. Aos credores só é permitido requerer arrolamento nos casos em que tenha lugar a arrecadação de herança." Tendo tudo isto em vista, realmente o caput dos arts. 855 e 856, estaria satisfatoriamente delineado pela agravada. Ou seja, há realmente interesse na manutenção dos bens dos agravantes, dado que suficientemente evidenciada a prática reiterada de modificação do patrimônio, a exemplo, em promoções de
integralização de capital em empresa diversa, a ponto de tornar justo o receio da Agravada em garantir a eficácia da demanda indenizatória. Existe nos autos demonstração de ser prática da família Ferrari de Oliveira constituir pessoas jurídicas de modo reiterado na consecução de seus objetivos comerciais, com transferências de bens de umas às outras, havendo fortes indícios mesmo de confusão patrimonial Ademais, vale a pena citar precedentes jurisprudenciais nos quais evidencia-se que não há esse caráter de legitimidade restrita ao direito sucessório para as ações de arrolamento, como pretendem fazer crer os agravantes: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - AÇÃO CAUTELAR DE ARROLAMENTO DE BENS - LIMINAR DEFERIDA - REQUISITOS PRESENTES. A concessão de medida cautelar de arrolamento de bens pressupõe fundado receio de extravio e dissipação de bens. É cabível o arrolamento toda vez que alguém tiver interesse na conservação de bens indeterminados que acompanham uma universalidade (art.856, do CPC), sendo certo que tal interesse pode, nos termos do §1º do próprio art. 856, resultar de direito já constituído ou que deva ser declarado em ação própria." (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0701.13.035335- 5/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/05/2014, publicação da súmula em 16/05/2014)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDISPONIBILIDADE DE BENS - RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VERIFICAÇÃO DO `FUMUS BONIS IURIS' E DO `PERICULUM IN MORA'. DEPREENDE-SE DA DECISÃO QUE DETERMINOU A INDISPONIBILIDADE DE BENS DO AGRAVANTE, QUE ESTA RESTRINGIU-SE, TÃO SOMENTE, AOS BENS SUFICIENTES PARA GARANTIR EVENTUAL RESSARCIMENTO DOS COFRES PÚBLICOS. POSSIBILIDADE DA MEDIDA RESTRITIVA EM COMENTO SER DEFERIDA TANTO MEDIANTE AÇÃO CAUTELAR, QUANTO ATRAVÉS DE LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, INEXISTINDO VIOLAÇÃO AO DIREITO DE
PROPRIEDADE E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. POR DERRADEIRO, IMPÕE-SE QUE A INDISPONIBILIDADE DE BENS SUFICIENTES PARA GARANTIR A FUTURA E EVENTUAL CONDENAÇÃO DEVERÁ SER ESPECIFICADA MEDIANTE ARROLAMENTO, NA FORMA LEGAL." (TJMG - Agravo de Instrumento 1.0000.00.257513-2/000, Relator(a): Des.(a) Brandão Teixeira , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/08/2002, publicação da súmula em 20/09/2002)
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - PROVA DOCUMENTAL - DECLARAÇÃO DE TERCEIROS - PERMUTA - BENS MÓVEIS - TRADIÇÃO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - GARANTIA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO - ARROLAMENTO DE BENS - ANULAÇÃO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA- CONSECTÁRIOS DA AÇÃO PRINCIPAL - PROCEDÊNCIA. Não há que se falar em cerceamento de defesa se o magistrado encontra nos autos todos os elementos de seu convencimento, sendo suficiente a prova documental produzida, razão pela qual é seu dever o julgamento antecipado da lide, nos moldes do art. 330, I, do CPC. Os bens móveis se transferem pela simples tradição, sendo o registro no DETRAN mera formalidade administrativa, que não leva à conclusão da propriedade. A denunciação da lide com fulcro no art. 70, III, do CPC, somente é cabível quando exista previsão legal ou contratual de garantia, havendo de ser excluído do pólo passivo da demanda o denunciado se estas hipóteses não se efetivaram. A ação cautelar de arrolamento de bens e a ação anulatória de compra e venda ajuizadas no curso da indenizatória devem ser julgadas procedentes se a primeira o é, a fim de garantir-lhe a eficácia, já que o devedor buscava alienar bens no curso da demanda, a fim de se furtar a futura execução de sentença." (TJMG - Apelação Cível 2.0000.00.304234-8/000, Relator(a): Des.(a) Kildare Carvalho , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) , julgamento em 14/06/2000, publicação da súmula em 27/06/2000) Entender de forma restrita a legitimidade para o arrolamento mitigaria o caput do art. 856 do CPC.
Não se olvida que esse interesse, a teor do art. 857, I, do CPC, deve restar de forma especialmente revestido, porém, no caso em apreço, absolutamente desrecomendada a reforma da decisão agravada, sob o risco de inutilidade da demanda principal, cuja plausibilidade fora demonstrada pela outra parte. Neste sentido, consoante os fundamentos que embasaram a decisão ora combatida, houve prova nos autos quanto ao descumprimento de plano traçado pelas partes, com destinação diversa do patrimônio que seria integralizado na sociedade. E isto além das reiteradas condutas temerárias praticadas por meio de diversas pessoas jurídicas envolvendo os familiares. Por oportuno colaciono os seguintes excertos da decisão atacada: "Da análise as argumentações expostas na peça inaugural, bem como da documentação anexada ao petitório (mov. 1.6 a 1.42), vislumbra-se presente os requisitos autorizadores ao deferimento da liminar pretendida.
Com efeito, o periculum in mora está claro e evidenciado, eis que o próprio desenvolvimento regular da ação principal, até que se obtenha uma sentença definitiva, poderá transformar-se, com o tempo decorrido, num instrumento de pouca valia, mormente ante o evidenciado comportamento indevido dos requeridos quanto a transferência patrimonial conforme abaixo melhor delineado.
Quanto ao fumus boni iuris, observo que decorre da atual dificuldade financeira da ré PROSPERITY demonstrada a partir das penhoras gravadas em seu patrimônio, bem como, dos sérios indicativos de confusão patrimonial e comportamento indevido por parte dos réus que tem reiteradamente deixado de transferir para a sociedade (PROSPERITY) o patrimônio utilizado para a integralização do capital social, como se observa das matrículas nºs 38917, 6693, 18483, 25769, 29377 do RI de Campo Largo,
parte deste inclusive já repassada para terceiros e gravada com usufruto.
Acrescente-se, outrossim, já ter sido reconhecido judicialmente em outras demandas (autos nº 0058109- 06.2012.8.16.0001 da 13ª Vara Cível desta Capital; autos nº 33913-95.2013.8.16.0001 da 16ª Vara Cível desta Capital) os artifícios praticados pelos requeridos no intuito de disposição patrimonial indevida para furtar-se ao cumprimento das obrigações assumidas, com manifesto esvaziamento patrimonial.
Desse modo, restam evidenciados os indicativos de extravio e dissipação de bens com o intuito de prejudicar terceiros." Assim, devidamente delineados os requisitos da medida cautelar e, sendo consequência lógica a averbação nas matrículas imobiliárias; registros do DETRAN e registros das sociedades, há que ser mantida a decisão de origem, mesmo porque fundamentada com coerência e atenta aos elementos do caso em apreço. Por fim, destaque-se que a convicção e demonstração de cabimento da medida liminar de arrolamento não exige nível de cognição exauriente e, satisfeitos os requisitos legais, o deferimento se impõe. III VOTO Diante do exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso. IV DISPOSITIVO ACORDAM, os integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de
votos, em conhecer e negar provimento ao Recurso de Agravo de Instrumento, nos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Desembargador Mário Helton Jorge, e dele participaram as Excelentíssimas Desembargadora Denise Kruger Pereira e Juíza Subst. 2.º G. Suzana Massako Hirama Loreto de Oliveira (em substituição ao Des. Luiz Cezar Nicolau). Curitiba, 14 de outubro de 2015.
Desª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS Relatora
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