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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N.º 1.410.824-2 DA 1.ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE TOLEDO. REMETENTE : Juízo de Direito. APELANTE : Estado do Paraná. APELADO : Valter Carlos Moscardi. RELATOR : Des. Xisto Pereira. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS A PESSOA PORTADORA DE DOENÇAS GRAVES E CARENTE DE RECURSOS FINANCEIROS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE À POPULAÇÃO. ENUNCIADO N.º 16 DAS CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTE TRIBUNAL. PRELIMINAR REJEITADA. PRESCRIÇÃO FORMALIZADA POR MÉDICO ESPECIALISTA. IRRELEVÂNCIA DE OS FÁRMACOS NÃO SE ENCONTRAREM INSERIDOS NOS PROTOCOLOS CLÍNICOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. DESCUMPRIMENTO DE DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA OU À SAÚDE (CF, ARTS. 6.º E 196) QUE PERMITE A CHAMADA "JUDICIABILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS". VALOR DA MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. CUSTAS PROCESSUAIS DEVIDAS PELO ESTADO DO PARANÁ DE ACORDO COM O ENUNCIADO N.º 37 DAS CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTE TRIBUNAL. APELAÇÃO, PELO MÉRITO, NÃO PROVIDA, COM A CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (1) A prestação de assistência à saúde é direito de todos e dever do Estado, assim entendido em sentido amplo, coobrigando União, Estados e Municípios, podendo a ação ser dirigida em face de qualquer um desses entes federados, em conjunto ou separadamente (Enunciado n.º 16 das Câmaras de Direito Público desta Corte). É certo, além disso, que, se um ente federado por força de decisão judicial executar ação ou serviço de saúde, que pela legislação infraconstitucional não seja de sua alçada, poderá se compensar financeiramente com aquele outro legalmente responsável, pois o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é realizado por todos eles (§ 1.º do art. 198 da CF e inciso XI do art. 7.º da Lei Federal n.º 8.080/1990). (2) "Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento" (STJ, 2.ª Turma, RMS n.º 11.129/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. em 02.10.2001). (3) A medicina é ciência que não trabalha com soluções únicas ou absolutas. Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, como fundamento para indeferir o fornecimento de medicamentos, são genéricos e podem não representar a melhor alternativa, sendo digno de maior confiança o diagnóstico e a prescrição realizados pelo médico que atende o paciente, de modo que "Comprovado por atestado médico que o impetrante deve fazer uso do medicamento solicitado, certo é que tem ele direito líquido e certo a que este lhe seja fornecido pelo Estado" (TJPR, 5.ª CCv., MandSeg. n.º 662.652-2, Rel. Juiz Eduardo Sarrão, j. em 27.07.2010). (4) A inexistência de previsão orçamentária não justifica a recusa ao fornecimento de remédio a pessoa portadora de doença grave e carente de recursos econômicos, visto tratar-se de dever do Estado, em sentido amplo, e direito fundamental do cidadão. Nessa perspectiva mais abrangente, do enfoque constitucional dos direitos e deveres envolvidos no caso concreto, afasta-se a discricionariedade dos atos administrativos, permitindo-se a chamada "judiciabilidade das políticas públicas", impondo-se ao Poder Público a superação de eventuais obstáculos através de mecanismos próprios disponíveis em nosso ordenamento jurídico, pois, no plano das políticas públicas, onde e quando a Constituição Federal estabelece um fazer, ou uma abstenção, automaticamente fica assegurada a possibilidade de cobrança dessas condutas comissiva ou omissiva em face da autoridade e/ou do órgão competente. (5) A multa cominatória é simples meio de coerção porque por ela não se visa uma punição, mas o cumprimento da obrigação imposta, isto é, não interessa à Justiça sua aplicação em proveito da parte, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional, notadamente porque no caso em exame o bem jurídico constitucionalmente tutelado é a "saúde", que constitui direito fundamental do cidadão (CF, arts. 6.º e 196). (6) "O fato de o Estado do Paraná deter a competência tributária para instituir tributos, tais como as taxas judiciárias (custas processuais), não o exime da obrigação de pagá-las, em eventual condenação judicial" (Enunciado n.º 37 das Câmaras de Direito Público deste Tribunal 4.ª e 5.ª), mormente porque não configurada a confusão patrimonial, porquanto a arrecadação oriunda das custas processuais destina-se especificamente ao FUNJUS, cujo orçamento não se confunde com o do Estado do Paraná nem com o do Poder Judiciário. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N.º 1.410.824-2, da 1.ª Vara Cível e da Fazenda Pública da Comarca de Toledo, em que figuram como remetente JUÍZO DE DIREITO, apelante ESTADO DO PARANÁ e apelado VALTER CARLOS MOSCARDI. I RELATÓRIO Valter Carlos Moscardi, ora "apelado", ajuizou ação ordinária em face do Estado do Paraná, ora "apelante". Disse ser portador de "diabetes mellitus" e "doença cardíaca hipertensiva", necessitando, para o tratamento dessas doenças, dos medicamentos "Levemir, Actos, Crestor, Venocur Triplex, Buspar, Dexaprost e Cloridrato de Diltiazem", bem como "um Glicosímetro e fitas para controle da taxa de glicose", não possuindo condições financeiras para adquiri-los (fls. 02/10). Pelos receituários de fls. 93, 168 e 187, a prescrição do tratamento do apelado foi atualizada, tendo sido solicitadas substituições e inclusões de fármacos. Pela sentença recorrida, também submetida ao reexame necessário deste Tribunal, da lavra do Juiz de Direito Marcelo Marcos Cardoso, foi afastada a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do apelante e, no mérito, julgada procedente a ação para, confirmando-se a liminar deferida às fls. 35/37, determinar que o apelante forneça ao interessado os "medicamentos ESEMEPRAZOL MAGNÉSIO TRI-HIDRATADO (60 cáp./mês); FUROATO DE MOMETASONA `Spray Nasal Aquoso' (60 cáp./mês); BROMETO DE TIOTRÓPIO (60 cáp./mês); FUROATO DE MOMETASONA (30 cáp./mês); INDACATEROL (30 cáp./mês), CRESTOR (30 cáp./mês); CLORIDRATO DE DIATILZEM (60 cáp./mês); UNOPROST (30 cáp./mês); RIVOTRIL (30 cáp./mês); DIOSMIN (30 cáp./mês); ACTOS (30 cáp./mês);
PRADAXA (30 cáp./mês); AVODART (30 cáp./mês); BUSPAR (60 cáp./mês); INSULINA LEVEMIR (1.680U/ml/mês); aparelho `Glicosímetro' e tiras para o controle diário", sob pena de multa diária de R$ 1.000,00. Em razão da sucumbência, o apelante foi condenado ao pagamento das custas processuais (fls. 199/205). Em suas razões recursais o apelante argui, em preliminar, a ilegitimidade passiva ad causam porque cabe à União Federal (Ministério da Saúde) o fornecimento de fármacos não contemplados nas listagens do SUS, já que a ela compete a incorporação de novos medicamentos, bem como a constituição ou a alteração de Protocolos Clínicos. No mérito, sustenta que o acesso aos serviços públicos de saúde deve observar o estabelecido pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, tendo em vista o princípio da reserva do possível; que existe tratamento padronizado para as patologias que acometem o apelado, não tendo sido comprovada a sua ineficácia; e que, no caso de ser mantida a sentença recorrida, deve ser excluída ou, ao menos, minorada a multa cominatória diária, bem como afastada a condenação ao pagamento das custas processuais porque, tendo em vista a sua natureza de taxa, não pode o Estado ser o sujeito passivo da referida obrigação, sob pena de confusão patrimonial (fls. 208/219). Sem contrarrazões pelo apelado (fl. 220-verso). A Procuradoria-Geral de Justiça opina no sentido de ser negado provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida em sede de reexame necessário (fls. 229/238). É o relatório. II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO II.a) Da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do apelante
É pacífico o entendimento das Cortes Superiores no sentido de que há responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios no fornecimento gratuito de medicamentos às pessoas desprovidas de recursos financeiros, podendo se exigir de qualquer deles, em conjunto ou separadamente, o cumprimento dessa obrigação. Nesse sentido, os seguintes julgados: (a) "DIREITO CONSTITUCIONAL. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 13.8.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da responsabilidade solidária dos entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um deles União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. (...)" (STF, 1.ª Turma, ARE 738.729 AgR., Rel.ª Min.ª Rosa Weber, j. em 25.06.2013). (b) "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE ENTRE UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. REPERCUSSÃO GERAL. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESNECESSIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles ostenta legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a medicamentos. (...)" (STJ, 1.ª Turma, AgRg. no AREsp. n.º 550.808/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 02.09.2014). (c) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES POLÍTICOS. 1. Esta Corte adota entendimento segundo o qual a responsabilidade dos entes políticos é solidária quanto ao cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população, haja vista o conteúdo do art. 198, § 1.º da Constituição Federal, que determina o financiamento do Sistema Único de Saúde pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. (...)" (STJ, 2.ª Turma, AgRg. no AREsp. n.º 306.524/CE, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, j. em 13.08.2013).
De tão debatida essa questão, as Câmaras de Direito Público desta Corte (4.ª e 5.ª) editaram o Enunciado n.º 16 com o seguinte verbete: "As medidas judiciais visando a obtenção de medicamentos e afins podem ser propostas em face de qualquer ente federado diante da responsabilidade solidária entre a União, Estados e Municípios na prestação de serviços de saúde à população" (Precedentes: TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 762.907-4, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, j. em 26.04.2011; TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 760.480-0, Rel. Des. Leonel Cunha, j. em 26.04.2011; TJPR, 4.ª CCv., ApCível n.º 643.791-2, Rel. Des. Abraham Lincoln Calixto, j. em 29.06.2010). É certo, além disso, que se um ente federado, por força de decisão judicial, executar ação ou serviço de saúde, que pela legislação infraconstitucional não seja de sua alçada, poderá se compensar financeiramente com aquele outro legalmente responsável, pois o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é realizado por todos eles (§ 1.º do art. 198 da CF e inciso XI do art. 7.º da Lei Federal n.º 8.080/1990). Daí dispor o art. 35, inciso VII, da referida Lei Federal n.º 8.080/1990 o seguinte: "Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e projetos: (...) VII ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo". Rejeita-se a preliminar. II.b) Do mérito Os documentos acostados aos autos (fls. 11/13, 30/32, 92/93, 168 e 187/189), firmados por médico especialista, demonstram que o apelado é portador de "diabetes mellitus", "doença cardíaca hipertensiva", "bronquite" e
"asma", necessitando, para o tratamento dessas doenças, dos medicamentos "Esemeprazol magnésio tri-hidratado, Furoato de mometasona `spray nasal aquoso', Brometo de tiotrópio, Furoato de mometasona, Indacaterol, Crestor, Cloridrato de diatilzem, Unoprost, Rivotril, Diosmin, Actos, Pradaxa, Avodart, Buspar, insulina Levemir", bem como "um Glicosímetro e fitas para controle da taxa de glicose" não possuindo condições financeiras para adquiri-los. E, consoante parecer técnico emitido pelo Núcleo de Apoio Técnico do Comitê Executivo da Saúde do Paraná, "Como o médico prescritor declara que usou os medicamentos fornecidos pelo SUS por tempo e posologias não especificados, consideramos que os medicamentos postulados são adequados e convenientes para o tratamento, desse que não redundantes ou simultâneos, quando tiverem a mesma finalidade terapêutica, salvo em situações de comprovada sinergia". Além disso, "Quanto aos materiais solicitados, como glicosímetreo e fitas para medida de glicemia, são materiais efetivamente necessários, devendo esclarecer-se a frequência com que o paciente faz tais controles para determinar o número de fitas necessárias para as respectivas medições" (fl. 177). Isso basta para se aferir a necessidade e a eficácia desses medicamentos, pois o fato de não se encontrarem inseridos nos Programas do Sistema Único de Saúde (SUS), seus Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, não impede o direito à sua obtenção e não significa, por si só, que não são garantia de cura ou de melhor qualidade de vida. Daí porque inócua a asserção de que se faz necessária a comprovação acerca da necessidade e eficácia dos fármacos solicitados, uma vez que os mais adequados para o tratamento do apelado já foram prescritos pelo médico que o assiste. Além disso, não cabe ao Poder Judiciário subestimar o conhecimento técnico desse profissional, sobrepondo-se a ele para substituir o tratamento prescrito. Predominando em casos que tais o direito fundamental à vida e à saúde (CF, arts. 6.º e 196), este Tribunal vem reiteradamente decidindo
que a medicina é ciência que não trabalha com soluções únicas ou absolutas. Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, como fundamento para indeferir o fornecimento de medicamentos, são genéricos e podem não representar a melhor alternativa, sendo digno de maior confiança o diagnóstico e a prescrição realizados pelo médico que atende o paciente, seja ele do SUS ou particular. Nesse sentido, dentre vários outros, os seguintes precedentes desta Corte: 5.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.192.974-3, Rel. Des. Coimbra de Moura, j. em 19.08.2014; 5.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.245.643-2, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, j. em 26.08.2014; 4.ª CCv., ApCível n.º 1.175.241-5, Rel.ª Des.ª Regina Afonso Portes, j. em 12.08.2014; 5.ª CCv., ApCível n.º 1.198.945-6, Rel. Juiz Rogério Ribas, j. em 19.08.2014. O Superior Tribunal de Justiça, no mesmo rumo, já proclamou que "Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento" (2.ª Turma, RMS n.º 11.129/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. em 02.10.2001). Esta Câmara, aliás, também já decidiu que "Comprovado por atestado médico que o impetrante deve fazer uso do medicamento solicitado, certo é que tem ele direito líquido e certo a que este lhe seja fornecido pelo Estado" (TJPR, 5.ª CCv., MandSeg. n.º 662.652-2, Rel. Juiz Eduardo Sarrão, j. em 27.07.2010). E não há ofensa ao princípio constitucional da separação dos Poderes pela falta de dotação orçamentária, isto é, indevida ingerência do Poder Judiciário nos negócios da Administração Pública. Segundo José Afonso da Silva, "a saúde, como direito público subjetivo, representa uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas e é decorrência indissociável do direito fundamental à vida, que constitui a fonte primária de todos os demais bens jurídicos, devendo ser resguardada de modo concreto e efetivo, na forma prevista pela Carta Constitucional,
regendo-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam" (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 808). E essa perspectiva mais abrangente, do enfoque constitucional dos direitos e deveres envolvidos no caso concreto, afasta a discricionariedade dos atos administrativos, permitindo a chamada "judiciabilidade das políticas públicas". Rodolfo de Camargo Mancuso, a propósito do tema, leciona que "no plano das políticas públicas, onde e quando a Constituição Federal estabelece um fazer, ou uma abstenção, automaticamente fica assegurada a possibilidade de cobrança dessas condutas comissiva ou omissiva, em face da autoridade e/ou órgão competente, como, por exemplo, se dá em caso de descumprimento das normas tuteladoras do meio ambiente (...)" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas, in Ação civil pública, obra conjunta, coordenação de Édis Milaré. Ed. São Paulo: RT, 2001, p. 726). Por isso, a 4.ª Câmara Cível deste Tribunal já decidiu que "Não há dúvidas de que a Administração deve se acautelar no fornecimento de remédios, porém, isso não pode servir de amparo para a prestação deficiente do serviço que lhe compete, em razão da suposta inviabilização do sistema. O direito à vida e, de forma indissociável, o direito à saúde, são direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, nos arts. 5.º e 6.º, caput, da Constituição Federal. Trata-se do direito primordial dos cidadãos, sem o qual de nada servem as demais garantias constitucionais. Assim, não pode ser admitida, sob qualquer justificativa, a negativa de fornecimento de medicamento necessário a preservá-la. A sua realização não se refere a um poder discricionário, e sim atuação administrativa vinculada. Ausência de violação ao princípio da separação de poderes. A inexistência de previsão orçamentária também não justifica a recusa ao fornecimento do remédio, posto que uma vez que existe o dever do Estado, impõe-se a superação deste obstáculo através dos mecanismos próprios disponíveis em nosso ordenamento jurídico" (ApCvReex. n.º 311.119-7, Rel. Juiz Conv. Luís Espíndola, j. em 30.05.2006).
A propósito do tema, as Câmaras de Direito Público desta Corte (4.ª e 5.ª) editaram o Enunciado n.º 29 com o seguinte verbete: "A teoria da reserva do possível não prevalece em relação ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial, não constituindo óbice para que o Poder Judiciário determine ao ente político o fornecimento gratuito de medicamentos" (Precedentes: STF, 2.ª Turma, ARE. n.º 639.337-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Melo, j. em 23.08.2011; STF, 2.ª Turma, RE n.º 393.175-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 12.12.2006; STJ, 2.ª Turma, AgRg. no Resp. n.º 1.136.549/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 08.06.2010; STJ, 2.ª Turma, REsp. n.º 1.068.731/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 17.02.2011; STJ, 2.ª Turma, REsp. n.º 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 25.08.2009; STJ, 2.ª Turma, REsp. n.º 784.241/RS, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, j. em 08.04.2008; STJ, 2.ª Turma, REsp. n.º 835.687/RS, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, j. em 04.12.2007;STJ, 1.ª Turma; REsp. n.º 811.608/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 15.05.2007; TJPR, 4.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.043.318-2, Rel.ª Des.ª Maria Aparecida Blanco de Lima, j. em 09.07.2013; TJPR, 5.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.046.258-3, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, j. em 18.06.2013; TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 1.005.031-6, Rel. Des. Paulo Roberto Hapner, j. em 21.05.2013; TJPR, 5.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.019.288-4, Rel. Des. Leonel Cunha, j. em 05.05.2013; TJPR, 4.ª CCv., ApCvReex. n.º 917.305-9, Rel. Des. Guido Döbeli, j. em 14.03.2013). E ao contrário do que pretende fazer crer o apelante, é possível a imposição de multa cominatória (astreintes) com o objetivo de assegurar o adimplemento da obrigação de fazer a cargo da Administração Pública, consistente no fornecimento de medicamento a pessoa portadora de doença grave e carente de recursos econômicos (STJ, 2.ª Turma, REsp. n.º 1.183.180/ES, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 15.04.2010). É que a multa cominatória é simples meio de coerção porque por ela não se visa uma punição, mas o cumprimento da obrigação imposta, isto é, não interessa à Justiça sua aplicação em proveito da parte, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional, notadamente porque no caso em exame o bem jurídico
constitucionalmente tutelado é a "saúde", que constitui direito fundamental do cidadão (CF, arts. 6.º e 196) (TJPR, 5.ª CCv., Agr. n.º 604.737-0/01, Rel. Des. Xisto Pereira, j. em 15.12.2009). E o valor arbitrado a esse título, qual seja, R$ 1.000,00 por dia (fl. 102), se mostra proporcional e razoável. No que diz respeito às custas processuais, as Câmaras de Direito Público desta Corte (4.ª e 5.ª) editaram o Enunciado n.º 37 com o seguinte verbete: "O fato de o Estado do Paraná deter a competência tributária para instituir tributos, tais como as taxas judiciárias (custas processuais), não o exime da obrigação de pagá-las, em eventual condenação judicial" (Precedentes: TJPR, 5.ª CCv., ApCvReex. n.º 491.753-5, Rel. Des. Leonel Cunha, j. em 19.08.2008; TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 800.368-3, Rel. Juiz Subst. Rogério Ribas, j. em 13.12.2011; TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 969.288-6, Rel. Des. Xisto Pereira, j. em 04.06.2013; TJPR, 4.ª CCv., ApCível n.º 1.071.672-2, Rel. Des. Abraham Lincoln Calixto, j. em 13.09.2013; TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 989.117-8, Rel. Des. Paulo Roberto Hapner, j. em 14.05.2013). Esse enunciado tem aplicação ainda que se trate de vara estatizada, consoante se vê dos seguintes julgados: (a) "No Estado do Paraná, as Secretarias estatizadas têm no recolhimento das custas processuais uma das fontes para pagamento de toda sua estrutura material e pessoal (FUNJUS). Convém frisar que as custas ou emolumentos são devidas pelo Estado do Paraná pela autonomia do FUNJUS, que não é órgão vinculado ao Poder Executivo Estadual, devendo ser preservado o interesse público relativo ao próprio funcionamento das Varas estatizadas" (4.ª CCv., EmbDecCv n.º 1.113.607-7/01, Rel. Des. Coimbra de Moura, j. em 15.07.2014). (b) "É devido o pagamento das custas judiciais pelo Estado do Paraná porque, além da inexistência de lei isentando-o do pagamento, a arrecadação delas constitui fonte de renda para o custeio de Cartórios (privados), do mesmo modo que integra a receita para pagamento dos servidores das Secretarias (estatizadas), (FUNJUS). c) Se tais valores não ingressam nos cofres públicos do Estado do Paraná (Poder Executivo), não se pode falar em confusão entre credor e devedor apesar de sua
natureza jurídica de `taxa'" (5.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.189.180-6, Redator para o Acórdão Des. Leonel Cunha, j. em 13.05.2014). (c) "É cabível a condenação às custas processuais pelo Estado do Paraná vez que se destina a assegurar as condições da prestação jurisdicional, valores, estes, que são destinados ao Poder Judiciário e que não se confundem com o orçamento do Poder Executivo, não havendo, portanto, falar em confusão entre credor e devedor" (5.ª CCv., ApCvReex. n.º 1.224.397-5, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, j. em 15.07.2014). Inexiste, portanto, confusão patrimonial, porquanto a arrecadação oriunda das custas processuais não compõe a receita geral do Estado, pois se destina especificamente ao Fundo da Justiça (FUNJUS), instituído justamente com a finalidade de custear as despesas das serventias estatizadas. Eis, no ponto, o que dispõem os arts. 1.º e 2.º da lei que o criou, qual seja, a Lei Estadual n.º 15.942/2008: Art. 1.º Fica criado o Fundo da Justiça, do Poder Judiciário do Estado do Paraná, com a finalidade de dar cumprimento ao processo de estatização das serventias do foro judicial, em observância ao estabelecido no artigo 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal e no artigo 1.º, parágrafos 5.º e 6.º, da Lei Estadual n.º 14.277, de 30 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná. Art. 2.º O Fundo da Justiça FUNJUS tem por objetivo prover os recursos orçamentários e financeiros necessários à execução das despesas decorrentes do processo de estatização, neste compreendida a recomposição dos servidores do Quadro de Pessoal das unidades estatais do 1.º Grau de Jurisdição do Estado do Paraná". Além disso, o FUNJUS, a teor do que dispõe o art. 10 da referida lei, é "dotado de personalidade jurídico-contábil, com escrituração contábil própria", o que importa dizer, em outras palavras, que seu orçamento não se confunde com o do Estado do Paraná nem com o do Poder Judiciário. Nessas condições, impõe-se rejeitar a preliminar e, no
mérito, negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida em sede de reexame necessário. Determina-se, por fim, com fundamento no princípio da cooperação (CPC, art. 14), que o apelado apresente, a cada cento e vinte dias, relatório médico atualizado ao Órgão estatal fornecedor dos fármacos para o fim de verificar a necessidade de continuar a utilizá-los e também para melhor controle do gasto público. É como voto. III DISPOSITIVO ACORDAM os magistrados integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida em sede de reexame necessário. Acompanharam o voto do Relator os Desembargadores Nilson Mizuta e Carlos Mansur Arida. Presidiu o julgamento o Desembargador Nilson Mizuta, com voto. Curitiba, 17.11.2015.
Des. Xisto Pereira, Relator.
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