Ementa
DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso e julgar prejudicado o reexame necessário. EMENTA: EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.CLÍNICAS PSIQUIÁTRICAS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FIRMADO COM O PODER PÚBLICO MUNICIPAL. IRREGULARIDADES APURADAS EM PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA LIMINARMENTE. CUMPRIMENTO PELAS RÉS NO TOCANTE AO APERFEIÇOAMENTO DA HIGIENE DOS PACIENTES, ROUPAS E AMBIENTES DAS CLÍNICAS, MELHORIA NOS REGISTROS, IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETO TERAPÊUTICO INDIVIDUALIZADO E GARANTIA DE PERÍODO MÍNIMO DEDICADO A ATIVIDADES TERAPÊUTICAS E RECREATIVAS. FISCALIZAÇÃO E CONTROLE PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL.CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR.REGULARIZAÇÃO SOMENTE APÓS O INÍCIO DA AÇÃO E DETERMINAÇÃO JUDICIAL.INEXISTÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE, INVIABILIZANDO A APLICAÇÃO DO ARTIGO 462 DO CPC. AÇÃO PROCEDENTE. CUMPRIMENTO DA PORTARIA 251/2002 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - PNASH NO TOCANTE AOS RECURSOS HUMANOS. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE COGÊNCIA. AVALIAÇÃO CUJOS FINS SÃO MERAMENTE CLASSIFICATÓRIOS. PERCENTUAL MÍNIMO DEVIDAMENTE ATINGIDO.INCAPACIDADE FINANCEIRA DEMONSTRADA.PREVISÃO CONTRATUAL QUE CONDICIONA CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS AO DEVIDO REPASSE FINANCEIRO. DESCABIMENTO DO AFASTAMENTO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL RESPEITADO.ATENDIMENTO DE QUALIDADE COMPROVADO POR DIVERSOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS.CONFORMIDADE ÀS DISPOSIÇÕES LEGAIS E CONSTITUICIONAIS. PEDIDOS RELATIVOS À SEGURANÇA E ARMAZENAMENTO DE PERTENCES PESSOAIS SATISFATORIAMENTE ADEQUADOS ANTES MESMO DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. MELHORIA DA ALIMENTAÇÃO, INTERNAÇÃO DE USUÁRIAS DE DROGAS GESTANTES, IMPEDIMENTO DE ALTAS ADMINISTRATIVAS, DETERMINAÇÃO DE QUE PACIENTES DURMAM NA MESMA CAMA TODOS OS DIAS, POSSIBILIDADE DE ENVIO E RECEBIMENTO DE CORRESPONDÊNCIAS, LIMITAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE CONTENÇÃO FÍSICA E ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE. INEXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO QUE AMPARE ESSES PEDIDOS.IMPLANTAÇÃO DE ALA EXCLUSIVA PARA ADOLESCENTES. DESCABIMENTO.INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO LEGAL OU CONTRATUAL. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL.PRECLUSÃO TEMPORAL. AUSÊNCIA DE RECURSO EM FACE DA DECISÃO QUE REJEITOU A IMPUGNAÇÃO. CARÁTER NÃO VINCULATIVO DA PROVA PERICIAL. ART. 436 DO CPC.NECESSIDADE DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO EM HOSPITAIS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE.INSUFICIÊNCIA DA ESTRUTURA FÍSICA HOSPITALAR MUNICIPAL. RESCISÃO CONTRATUAL DEVE SOPESAR O IMPACTO NEGATIVO À POPULAÇÃO LOCAL. MEDIDA DESNECESSÁRIA E DESPROPORCIONAL.VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DISTRIBUIÇÃO DOS LEITOS PSIQUIÁTRICOS SE INSERE NA MARGEM DISCRICIONÁRIA DO PODER EXECUTIVO.REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.RELATÓRIO:O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública em face da Clínica Psiquiátrica de Londrina (CPL), da Villa Normanda Clínica Psiquiátrica Comunitária (VN), do Município de Londrina e da Autarquia Municipal de Saúde (AMS), com base em procedimento preparatório instaurado para apurar diversas irregularidades existentes nas clínicas rés, dentre as quais: (i) insuficiência de pessoal, notadamente enfermeiros do sexo masculino; (ii) violência entre os pacientes, inclusive resultando em mortes; (iii) documentação irregular; (iv) ausência de aplicação das atividades terapêuticas descritas no Projeto Terapêutico do Serviço; (v) irregularidades sanitárias; (vi) descumprimento da carga horária pelos funcionários; (vi) ausência de integração entre os setores e equipe multidisciplinar e falta de autonomia dos profissionais.Aduziu o autor que solicitou providências da Autarquia Municipal de Saúde, a qual informou que o repasse financeiro às clínicas se vincula ao cumprimento de metas qualitativas e quantitativas estabelecidas no Plano Operacional Anula (POA), notamente a adequação do número de profissionais às balizas da Portaria 251/2002 do Ministério da Saúde, que regulamenta o Programa Nacional de Avaliação dos Hospitais Psiquiátricos (PNASH).Também afirmou que funcionários das clínicas, por meio de ofício do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (COREN - PR), comprovaram as irregularidades destacadas e relataram outras, como a agressão de pacientes às enfermeiras, higienização precária dos pacientes, ausência de local para armazenamento dos pertences, falta de toalhas, roupas e cobertores inadequados, ausência de unidade para adolescentes, falta de qualidade das refeições, relações sexuais entre os pacientes, falta de local para descanso da equipe de enfermagem, bem como de carrinho de emergência, treinamento para os funcionários e medicamentos psiquiátricos.Posteriormente, a Autarquia Municipal de Saúde apresentou dados dos profissionais em atividade nas clínicas, indicando defasagem de pessoal em várias áreas. Diante disso, o autor reiterou pedidos de providências à própria autarquia e à direção da Clínica Psiquiátrica de Londrina, além de solicitar visita à Comissão de Humanização do Conselho de Municipal de Saúde de Londrina.O Ministério Público aduziu ainda que recebeu Ata de Assembleia dos Usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, corroborando as irregularidades no serviço já frisadas, além de outras: fugas, concessão de altas administrativas, excesso de medicação, relações sexuais inclusive com enfermeiros, venda de tabaco e drogas. Essas situações também foram descritas pelos pacientes e familiares em denúncias feitas diretamente ao órgão ministerial.A Comissão de Humanização apresentou relatório confirmando a existência dos problemas apontados e sugerindo algumas medidas, como a reavaliação da suficiência das atividades ocupacionais, avaliação das condições de higiene e sanitárias, incremento da segurança interna e externa e avaliação de dimensionamento de pessoal pelas autoridades competentes.Diante de todas essas questões, o Ministério Público encaminhou proposta de Termo de Ajustamento de Conduta às direções das clínicas, o qual, todavia, não foi acordado. Por isso, foram expedidas as Recomendações Administrativas nº 01/2010 e 02/2010, a fim de que fossem supridos os problemas discutidos, sob pena de diminuição do número de leitos pelo gestor municipal.Por entender serem insatisfatórias as providências tomadas pelos réus, o Ministério Público ajuizou a presente ação, destacando o descumprimento dos contratos firmados entre as clínicas rés e o poder público e pleiteando, ao final, a condenação das partes na obrigação de fazer consistente na solução de todas as irregularidades apontadas na petição inicial. Em relação ao Munícipio de Londrina e respectiva Autarquia de Saúde, postulou a obrigação de fiscalizarem o cumprimento das medidas, sob pena de redução do número de leitos ou rescisão contratual.Pugnou, ainda, pela concessão da antecipação da tutela, sob pena de multa.A medida liminar foi deferida (páginas 708- 714) para que as clínicas, no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 para cada uma: (i) contratassem pessoal em número mínimo para atender a Portaria 251/2002; (ii) contratassem pessoal para prestar segurança pessoal e patrimonial 24 horas por dia, impedindo o ingresso e comercialização de drogas, bebidas alcoolicas e tabaco, bem como a prática de relações sexuais no interior das clínicas; (iii) apresentassem cronograma escrito indicando a compatibilidade da rotina diária de limpeza com as diretrizes do PNASH, POA e contratos; (iv) garantissem higiene dos pacientes 24 horas por dia; (v) apresentassem e implementassem programa alimentar que atenda o item 9 do PNASH; (vi) não recusassem a internação de gestantes usuárias de drogas; (vii) somente promovessem alta de pacientes mediante autorização médica, vedando, assim, a "alta administrativa"; (viii) apresentassem/implementassem projeto terapêutico específico para cada paciente que atenda as diretrizes da Portaria 251/02 e POA, bem como registro em prontuário individual dos pacientes; (ix) promovessem registro adequado das ocorrências internas em livro ATA; (x) oferecessem atividades terapêuticas recreativas em período integral; (xi) realizassem contenções físicas dos pacientes somente quando necessário, na forma do POA e PNASH. O juiz ainda determinou que para fins de cumprimento da liminar as requeridas deveriam adotar condutas compatíveis com os conceitos "bom" e "excelente" previstas no PNASH. Em relação ao Município e à Autarquia Municipal de Saúde, restou determinado a necessidade de fiscalização das clínicas com apresentação de relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento da liminar a cada 15 dias.As clínicas rés interpuseram agravo de instrumento em face dessa decisão (Agravo de Instrumento nº 737.191-7), ao qual foi dado, ao final, parcial provimento apenas para o fim de reduzir a multa fixada para R$ 300,00 diários.A Autarquia Municipal da Saúde e o Município de Londrina contestaram a ação (páginas 770-774), aduzindo, em síntese, que já realizam a fiscalização do objeto do contrato desde que foram firmados o e que a rescisão unilateral dos contratos somente agravaria o problema. Postularam, ao fim, a improcedência da ação em relação a eles.Às páginas 818-830, a Autarquia Municipal de Saúde juntou aos autos os primeiros relatórios de fiscalização.As clínicas apresentaram contestação (páginas 833 e seguintes), argumentando que: (i) o próprio autor reconhece os esforços que estão sendo empregados para contínua melhora da qualidade do atendimento prestado; (ii) o cumprimento das exigências atinentes à contratação de pessoal é impossível, considerando o defasado valor repassado pelo SUS; (iii) essa impossibilidade já foi reconhecida pela Prefeitura de Londrina e também em ações judiciais nas quais o tema foi discutido; (iv) os contratos firmados com o Município - que inclusive aceitam tacitamente a impossibilidade acima descrita - são rigorosamente cumpridos; (v) o descredenciamento das rés terá impacto social negativo muito profundo; (vi) é preciso observar o princípio da proporcionalidade e o da vedação do retrocesso social; (vii) a Portaria 251/2002 é cumprida em 82,24% e o POA é cumprido em sua integralidade; (viii) o descredenciamento com base em Portaria é inconstitucional, pois não se trata de lei em sentido formal; (ix) a pretensão do Ministério Público é amparada em relatórios do COREN e do DACA, enquanto o único órgão ao qual se subordinam os hospitais é o CRM; (x) os depoimentos trazidos na petição inicial não foram submetidos ao contraditório, além de serem quase todos idênticos; (xi) foi ajuizada ação na Vara Federal de Londrina para que o cumprimento da Portaria seja condicionado à correção da tabela do SUS; (xii) no âmbito nacional, foi impetrado o Mandado de Segurança nº 11.539, por meio do qual a defasagem foi reconhecida; (xiii) em ação julgada pelo TRF da 1ª Região, perícia indicou que o valor mínimo necessário por paciente internado para dar cumprimento à Portaria discutida é R$ 93,51; (xiv) se propõem a apresentar um Plano de Recuperação com o fim de aprimorar as medidas já tomadas e permitir uma composição entre as partes; (xv) os profissionais existentes nas clínicas são suficientes para dar conta do serviço exigido; (xvi) agressões e mortes não fazem parte da rotina das clínicas, ocorrendo somente situações excepcionais em que o controle é impossível; (xvii) nesse ponto, os depoimentos juntados à petição inicial não foram comprovados; (xviii) a morte de uma paciente decorreu das suas próprias condições de saúde e não de agressão; (xviii) também não há qualquer prova a respeito das relações sexuais alegadas; (xix) o livro ata já foi adotado; (xx) a afirmação a respeito da falta de atividades terapêuticas e de lazer é inverídica; (xxi) os trabalhos realizados pelos pacientes possuem intuito terapêutico; (xxii) inexistem as irregularidades sanitárias descritas, o que se comprova pelos Laudos de Vistoria do Serviço Municipal de Saúde e Corpo de Bombeiros; (xxiii) a situação do vestuário se justifica pelo fato de que as roupas são fornecidas pela família ou são fruto de doações, além do que muitas vezes são exigências dos próprios pacientes; (xxiv) a higiene pessoal dos pacientes é rigorosamente controlada, bem como a rotina alimentar; (xxv) não existem fugas, tampouco consumo de drogas nas dependências das clínicas; (xxvi) a falta de enfermeiros masculinos decorre da própria ausência de interesse desse profissionais nas vagas, que são regularmente ofertadas; (xxvii) há efetiva integração entre os setores e a equipe multidisciplinar, bem como atendimento individualizado dos pacientes; (xxviii) não existem altas administrativas; (xxix) os depoimentos e declarações prestados não condizem com a realidade; (xxx) a pontuação obtida pelas clínicas no PNASH demonstra que o atendimento prestado é regular, adequado e satisfatório. Pleitearam a revogação da liminar e, ao final, a improcedência dos pedidos iniciais. Sucessivamente, pugnaram pela redução da multa e dilação do prazo objeto da decisão liminar.A Autarquia Municipal de Saúde e o Município de Londrina pleitearam a suspensão da liminar a fim de que sejam realizados estudos sobre o aumento do valor do repasse (páginas 2211-2212). Na sequência, foi apresentado o relatório de janeiro de 2011.O Ministério Público se manifestou às páginas 2227-2231 informando concordar com o pedido de suspensão.Pleiteou, nessa ocasião, informações à Autarquia Municipal de Saúde no sentido da possibilidade de redução de leitos, requerendo também melhor fundamentação dos relatórios quinzenais. Na sequência, impugnou às contestações (páginas 2233-2245), reiterando os argumentos defendidos na petição inicial.O juiz, na página 2247, concedeu mais noventa dias para o cumprimento da medida liminar, período ao final do qual a Comissão do Conselho Municipal de Saúde (CMS) produzir relatório sobre a situação das clínicas.Às páginas 2263-2301 foram apresentados relatórios referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março. Já às páginas 2311-2323 foram juntados os relatórios de abril e maio. A AMS também apresentou relatório de providências adotadas pela Diretoria de Auditoria, Controle e Avaliação (DACA) e determinação da comissão intergestores bipartite do Paraná aprovando remanejamento de recurso para os hospitais psiquiátricos de Londrina.Na página 2339 o autor juntou aos autos denúncia feita em relação ao falecimento da paciente Deisi Maria Maistrovicz.Foram apresentados às páginas 2352-2372 os relatórios de fiscalização de junho; às páginas 23878-2391, os de julho e agosto.Sobreveio despacho à página 2397, por meio do qual o juiz de origem determinou que o Conselho Municipal de Saúde relatasse a situação das requeridas. Na mesma ocasião, intimou a AMS e o Município de Londrina para produzirem relatório final e as clínicas rés para se manifestarem quanto ao cumprimento das medidas determinadas no despacho liminar.Às páginas 2410-2416, a AMS juntou relatório de fiscalização quinzenal referente a setembro. O relatório de outubro foi juntado às páginas 2496-2494. O Ministério Público trouxe aos autos, às páginas 2420-2472, relatórios de auditorias realizadas pelo SUS, nos quais afirma estarem comprovadas as irregularidades discutidas.As clínicas se manifestaram por meio da petição de página 2496 e seguintes indicando o cumprimento das determinações liminares.A Autarquia Municipal de Saúde e o Município de Londrina apresentaram relatório final completo sobre a fiscalização realizada (páginas 2514-2525).Por meio da petição de página 2535 e laudo de página 2544, as clínicas informaram que a morte da paciente Deisi decorreu do seu quadro de saúde, não havendo qualquer conduta inadequada que lhes possa ser imputada.À página 2619 o Conselho Municipal de Saúde encaminhou ofício contendo relatório de visita surpresa às clínicas rés.O autor se manifestou no sentido de requerer o julgamento antecipado do feito (páginas 2624-2629). Juntou ainda, às páginas 2633-2643, relatório técnico de inspeção em serviço de média complexidade elaborado pelo Serviço Municipal de Saúde, o qual aponta a persistência das irregularidades discutidas, e também relatório de auditoria operativa da DACA. As clínicas arrolaram as provas que pretendiam produzir: documental, testemunhal, pericial e inspeção judicial (páginas 2648-2654).Às páginas 2659-2681 foi proferido o despacho saneador, através do qual o magistrado a quo fixou os pontos controvertidos e deferiu somente a prova pericial.A parte autora apresentou seus quesitos às páginas 2688-2692.As clínicas interpuseram agravo retido em face do despacho saneador (páginas 2707-2716), pleiteando o deferimento da produção de prova testemunhal.Em seguida, destacaram questão prejudicial (páginas 2718-2727), aduzindo a ilegitimidade ativa do Ministério Público, tendo em vista que somente o CRM e o CFM possuem capacidade técnica para averiguar o cumprimento os requisitos impostos pela Portaria 251/2002. Juntaram nessa oportunidade relatórios de duas sindicâncias submetidas à apreciação do CRM.As clínicas rés ainda se manifestaram rebatendo os argumentos do autor quanto às visitas técnicas realizadas pelo SUS e esclarecendo alguns dos pontos controvertidos (páginas 2743 e seguintes). O perito apresentou o laudo pericial (páginas 3219-4191, complementado pelos documentos de páginas 4263- 4327), o qual foi impugnado pelo autor (páginas 4193-4221).Destacou o Ministério Público a existência de nulidade da prova diante da subjetividade das respostas, pleiteando a nomeação de novo perito judicial.Os entes públicos municipais réus se manifestaram em concordância com o laudo (páginas 4329-4331), pleiteando a improcedência da ação civil pública.Às páginas 4340-4350, o assistente técnico das clínicas apresentou parecer técnico, referendando o laudo pericial.Tal parecer foi impugnado pelo autor às fls. 4383-4389.As clínicas se manifestaram sobre o laudo (páginas 4352-4372), pleiteando sua homologação e a intimação do perito para se manifestar quanto aos quesitos 61 e 62 das clínicas.O perito se manifestou às páginas 4490-4499, rechaçando a impugnação do Ministério Público e esclarecendo as questões feitas pelas rés.Por meio da decisão de página 5125-5130 o juiz de origem indeferiu a impugnação ao laudo pericial. As partes manifestaram suas alegações finais (Ministério Público às páginas 5143-5154; clínicas às páginas 5157- 5205; AMS e Município de Londrina às páginas 5205-5210).Sobreveio a sentença (páginas 5213-5258), por meio da qual os pedidos iniciais foram julgados improcedentes.Irresignado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, sustentando, em síntese, que: (i) a despeito das determinações feitas na decisão liminar, as clínicas não sanaram as irregularidades pontuadas, notadamente no tocante ao déficit de recursos humanos - até o momento não existem 80 auxiliares/técnicos de enfermagem na Clínica Psiquiátrica de Londrina e 16 na Villa Normanda; (ii) os relatórios da visita técnica realizada pelo SUS confirmaram os fatos narrados na ação civil pública, especialmente em relação à insuficiência de profissionais; (iii) a carência de recursos humanos é confirmada pelo relatório final da Autarquia Municipal de Saúde; (iv) o laudo pericial não traduz a realidade das clínicas rés, pois elaborado de forma parcial, contendo opiniões e informações não técnicas; (v) as conclusões da perícia contrariam os depoimentos prestados ao longo do curso processual; (vi) a necessidade de melhoria em diversos setores das clínicas foi confirmada no agravo de instrumento nº 737.191-7, no qual restou asseverado que a falta de recursos financeiros não constitui óbice ao cumprimento da Portaria; (vii) ao não oferecer condições mínimas para atendimento digno e saudável, os prestadores de serviço estão violando os direitos constitucionais dos pacientes; (viii) o relatório final da DACA constatou que somente cerca de 50% do pessoal previsto na PNASH é cumprido; (ix) relatório emitido pela Diretoria de Saúde Ambiental apontou diversas irregularidades sanitárias; (x) se existiram melhorias nas clínicas foi devido à determinação da liminar; (xi) embora tenha caráter programático, com objetivos a serem cumpridos paulatinamente, o PNASH foi instituído em 2002, ou seja, oito anos antes da propositura da ação; (xii) não se pretende o cumprimento total das exigências do PNASH, mas do máximo possível, a fim de garantir a dignidade dos pacientes; (xiii) não é razoável utilizar o princípio da reserva do possível para justificar o descumprimento do PNASH, situação que já foi enfrentada nos dois agravos de instrumentos relativos à presente ação; (xiv) a insuficiência de recursos deve ensejar a busca da revisão judicial dos valores em ação própria, mas jamais fundamentar o descumprimento das regras legais existentes; (xv) ademais, a falta de dinheiro nada tem a ver com a humanização das clínicas; (xvi) ao contrário do que entendeu o juiz de origem, os hospitais em geral possuem estrutura para o tratamento de pacientes psiquiátricos; (xvii) tendo em vista o reconhecimento da importância da medida liminar para o ajuste das situações de irregularidade narradas na inicial, é preciso confirma-la por meio da procedência da ação.Postula, ao final, o provimento do recurso, a fim de que a ação civil pública ajuizada seja julgada integralmente procedente. Os entes públicos réus apresentaram contrarrazões às páginas 5358-5364; as clínicas, a seu turno, responderam o recurso às páginas 5366-5416.A douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer às fls. 11-24 dos autos físicos, por meio do qual defendeu o provimento do recurso. Para tanto, argumentou que as conclusões do laudo pericial não são verossímeis, destoam das constatações feitas por órgãos ligados ao próprio poder público municipal e se revestem de subjetividade. O ilustre Procurador de Justiça destacou, ainda, a inexistência de dados sobre a frequência, duração e horário das visitas à clínica e a impertinência das fotografias juntadas para a solução da demanda. Frisou que as agressões entre pacientes constatadas nos autos devem ser evitadas pelas clínicas, mesmo que decorrentes do quadro de saúde mental dos envolvidos.Observou também que o laudo pericial não contraria as provas anexas à petição inicial, mas somente constata que no período de análise não aconteceram alguns dos fatos descritos pelo autor. Além disso, o parecer ressalta que a ação deve ser julgada tomando como parâmetro a situação dos fatos à época do ajuizamento, e não a descrita no laudo pericial, quatro anos depois.Em relação ao PNASH, a douta PGJ asseverou que, ao contrário do defendido na sentença, não se trata de norma programática, mas comando de natureza cogente. Já em relação aos entraves burocráticos e orçamentários, ponderou que não constituem fundamentos capazes de isentar os apelados dos seus deveres constitucionais e de justificar as falhas no atendimento.Salientou que cabia às rés exigir judicialmente o reequilíbrio do contrato e também que a melhoria do atendimento verificada ao longo do processo ocorreu sem qualquer alteração nos repasses financeiros. De outro lado, pontuou que houve omissão do poder público no dever de fiscalizar as clínicas, uma vez que somente após a intervenção judicial é que foram tomadas algumas iniciativas para melhoria nas condições das clínicas rés. Por fim, o parecer destaca que, uma vez constatado na decisão liminar a necessidade de aprimoramento nas condições de internamento pelas clínicas rés, a sentença deveria ter julgado procedentes os pedidos.É o relatório.VOTO E SEUS FUNDAMENTOS:Admissibilidade:Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisá-lo.Mérito:1. Dos aspectos legislativos que regem a presente ação civil pública: 1.1. O Ministério Público do Estado do Paraná, ora apelante, ajuizou ação civil pública em face da Clínica Psiquiátrica de Londrina, Clínica Villa Normanda, Município de Londrina e Autarquia Municipal de Londrina a fim de que, em síntese, sejam sanadas diversas irregularidades apuradas em procedimento preparatório no que tange ao serviço prestado pelas duas primeiras rés, clínicas psiquiátricas privadas vinculadas ao Município.Para justificar o cabimento da presente ação, assim destacou o autor na página 24: "versa o presente feito, em síntese, sobre o descumprimento, por parte dos requeridos, aos preceitos constitucionais e legais que devem nortear as internações psiquiátricas".A análise desses fundamentos legislativos, inclusive constitucionais, é fundamental, pois a ação civil pública não pode ser ajuizada sem esse suporte. Nesse sentido é a lição de Hely Lopes:"Concluímos, pois, que a regulamentação processual da ação civil pública não é autoalimentável. Trata-se de criação e consagração de um instrumento processual da ordem jurídica, na qual o adjetivo, por mais importante que seja, não pode prescindir do substantivo.Neste sentido o pronunciamento do Min.Sepúlveda Pertence, do STF, no CA 35, quando afirma: Não basta o equipamento processual para viabilizar a proteção daqueles interesses sociais que, sem lei, que os converta em direitos coletivos, o juiz entenda merecedores da proteção, ou, o que é pior, contra a lei que os proteja em determinada medida. (...)Conclui-se, enfim, que somente em virtude de norma expressa de direito substantivo é que pode ser proposta a ação civil pública, não cabendo extravasar desses limites, sob pena de deturpação do instituto. " (MEIRELLES, Hely Lopes. WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira.Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 35ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. Fls. 304-305)Os preceitos que balizam a pretensão veiculada nessa ação civil pública estão inseridos na Constituição Federal - art. 196 e seguintes -, Lei do SUS (Lei nº 8080/90), Lei 10.216/2001 e Portaria nº 251/2002 do Ministério da Saúde. É, portanto, com base em tais normas que a discussão dos autos deve ser enfrentada.O ponto de partida é o artigo 196 da Constituição, que assim dispõe:Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Acerca da compreensão desse dispositivo no âmbito da presente discussão, podemos nos valer da lição do atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso:"O artigo 196 da Constituição Federal deixa claro que a garantia do direito à saúde se dará por meio de políticas públicas sociais e econômicas, não através de decisões judiciais.A possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos executores de políticas públicas." (BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. P. 22.Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e- conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/Saude_- _judicializacao_-_Luis_Roberto_Barroso.pdf.Acesso em 02/10/2015).Tanto é assim que os artigos constitucionais subsequentes reforçam esse papel atribuído ao próprio poder público, cuja execução, todavia, pode ser estendida a terceiros:Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.Esses dispositivos revelam, assim, que compete ao poder público estabelecer por meio de lei as normas relativas ao direito à saúde; sua execução, todavia, pode ser relegada a terceiros - inclusive particulares -, os quais devem seguir as diretrizes do SUS e demais obrigações previstas em contrato de direito público firmado para esse fim.A lei que disciplina o Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/90) traz mais detalhes sobre essa relação:Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.Assim, a participação dos particulares no sistema de saúde está atrelada ao cumprimento dos princípios e diretrizes do SUS sem, todavia, olvidar o equilíbrio financeiro do contrato, capaz de garantir "a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados".1.2. A específica questão da saúde mental, a seu turno, está tratada na Lei nº 10.216/2001.Os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais estão elencados no art. 2º, parágrafo único, dentre os quais podem ser destacados: o acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, tratamento com humanidade, proteção contra qualquer forma de abuso e exploração, direito à presença médica em qualquer tempo e livre acesso aos meios de comunicações disponíveis.A internação, por sua vez, é qualificada como modalidade a ser adotada em ultima ratio (art. 4º, caput), estruturada de forma a oferecer assistência integral aos pacientes (§2º do mesmo artigo), visando a reinserção social do paciente em seu meio (§1º).Aprofundando as diretrizes dessa lei, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº 251/2002, cuja finalidade é regular a assistência hospitalar psiquiátrica no SUS, a partir de uma classificação qualitativa. Referida classificação é baseada em avaliação feita conforme indicadores do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH).Desde já é oportuno destacar que a Portaria em discussão em nenhum momento prevê a obrigatoriedade de atendimento integral das diversas diretrizes e normas contidas em seu anexo. Em verdade, estabelece parâmetros para a avaliação da qualidade do atendimento prestado pelas unidades psiquiátricas, de acordo com o número de leitos que oferece.Dentro dessa relação, a Portaria fixa patamares de qualidade conforme o percentual de atendimento às diretrizes verificado em avaliação de comissão técnica. Em um primeiro momento, conforme dispõe o artigo 4º, caput e parágrafo único, as clínicas avaliadas que não alcançarem índice de 40% são desclassificadas e as que ficarem entre 40 e 60% devem ser submetidas a uma reavaliação; num segundo momento, as clínicas reavaliadas que não alcançaram o índice mínimo de 61% também não são classificadas como hospital psiquiátrico.Vejamos a expressa dicção da referida norma:Art 4º- Estabelecer o prazo de 90 (noventa) dias, a contar do resultado da avaliação realizada, conforme determinado no Artigo 3° desta Portaria, para a reavaliação dos hospitais que obtiverem pontuação equivalente a 40- 60% do PNASH, para verificação da adequação ao índice mínimo de 61%, necessário à sua classificação como hospital psiquiátrico no SUS; Parágrafo único - Os hospitais que obtiverem índice inferior a 40% do PNASH, assim como os hospitais que não alcançarem o índice mínimo de 61% do PNASH, após o processo de reavaliação, não serão classificados conforme o estabelecido nesta Portaria.Essas são, portanto, as determinações básicas da Portaria 251: i) os hospitais avaliados devem obter o índice mínimo de 61% de atendimento das diretrizes previstas em seu anexo, em primeira avaliação ou após a reavaliação; ii) as clínicas que não alcançarem esse patamar de avaliação não são classificadas como hospital psiquiátricos ligados ao Sistema Único de Saúde. A consequência prevista para os hospitais de avaliação insuficiente, a ser adotada pelo gestor local, está contida no artigo seguinte:Art. 5º. Determinar que, após a reavaliação, de que trata o Artigo 4°, desta Portaria, o gestor local deverá adotar as providências necessárias para a suspensão de novas internações e a substituição planificada do atendimento aos pacientes dos hospitais que não obtiveram pontuação suficiente para a sua classificação.Parágrafo único - O gestor local, em conjunto com a Secretaria de Estado da Saúde, elaborará um projeto técnico para a substituição do atendimento aos pacientes dos hospitais não classificados, preferencialmente em serviços extra-hospitalares, determinando o seu descredenciamento do Sistema.Assim, não atingido o patamar previsto, compete ao gestor local suspender as internações naquele hospital e substituir o atendimento dos pacientes em tratamento. Reitera-se: essa é a única medida prevista na Portaria, que somente se direciona para os hospitais de avaliação abaixo dos 61%; para as clínicas que tiveram avaliação superior, não se vislumbra qualquer determinação exigivel - sobretudo no tocante ao atingimento de 100% da avaliação.É incontroverso nos autos que ambas as clínicas rés superaram - com certa folga, convém dizer - a meta percentual estabelecida na Portaria 251/2002. Consoante relação constante do anexo I da Portaria nº 1.001/2002 (página 1459 dos autos), verifica-se que a Villa Normanda obteve 81,74% e a Clínica Psiquiátrica de Londrina 82,24%.A Portaria 1.001/2002, que trata da homologação dos resultados do PNASH, inclusive, reforça o escopo da Portaria 251/2002:"Art. 3º - Definir o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação deste ato, para os hospitais constante do ANEXO II desta Portaria, que não obtiveram pontuação suficiente no PNASH (hospitais com pontuação entre 40-1%), tomarem as medidas de correção necessárias, a serem aferidas por nova avaliação do PNASH/Psiquiatria.Parágrafo Único - Os hospitais psiquiátricos deverão atingir a pontuação mínima de 61% para que sejam classificados como hospital psiquiátrico do SUS.Art. 4º - Estabelecer que os hospitais psiquiátricos integrantes do SUS deverão ser reavaliados anualmente pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/Psiquiatria."Dessa forma, constata-se que a Portaria 251/2002 não exige a satisfação plena dos indicadores de qualidade previstos em seu anexo. Não existe, portanto, qualquer exigência legal para o cumprimento de 100% das metas ali previstas, mas tão somente a superação do percentual de 61% para qualificação dos hospitais psiquiátricos - o que foi satisfatoriamente cumprimento pelas clínicas rés.Aliás, o próprio Ministério Público, ora apelante, concorda com isso em suas razões recursais (página 5305):"Assim, não procede a afirmação do Douto Magistrado de que é impossível exigir o atendimento absoluto das exigências constantes do PNASH, já que o que se almeja com a presente ação civil pública não é que todas estas exigências sejam cumpridas, mas que sejam cumpridas na sua quase totalidade, a fim de se garantir a dignidade dos pacientes psiquiátricos".2. Dos contratos de prestação de serviços firmados entre as clínicas e o poder público e respectivo Plano Operativo Anual (POA):2.1. De outro lado, se já restou definido que as diretrizes do anexo à Portaria 251/2002 não exigem absoluto atendimento, é preciso verificar que a relação entre as clínicas rés e o Município de Londrina é formalizada por meio de um contrato de prestação de serviços de saúde regido pelo direito público. Essa, como já apontado, é exigência prevista tanto na Constituição quanto na Lei do SUS para a descentralização da execução dos serviços de saúde. Dessa forma, ao lado de todo o aparato legislativo já apresentado, também deve nortear a análise da presente discussão os contratos firmados entre as clínicas e o poder público, cujos pontos mais relevantes destacaremos a seguir.A cláusula oitava (página 945 e 916) dispõe sobre os instrumentos de controle da execução do contrato. Está prevista a criação de uma Comissão Interinstitucional de Acompanhamento e Fiscalização do Contrato, composta por representantes das clínicas, do Estado, Município e Usuários, cujo objetivo é zelar pela correta execução do contrato, notadamente no tocante ao cumprimento das metas estabelecidas no Plano Operativo anual (POA) e à avaliação da qualidade da atenção à saúde dos usuários.As cláusulas subsequentes tratam das obrigações de cada uma das partes do contrato, isoladamente e em conjunto. Em relação às obrigações das clínicas (Cláusula Décima), destacam-se, "além das naturalmente decorrentes deste instrumento": comunicar à fiscalização de imediato a ocorrência de anormalidades e acidentes (§1º, VII, página 947), manter registro atualizado (§2º. VII, página 947) e manter sempre atualizado o prontuário médico dos pacientes e o arquivo médico (§2º, XI, página 948).Já em relação à Autarquia Municipal de Saúde, o contrato estabelece (Cláusula Décima Primeira, página 948-949), dentre outros, o dever de acompanhar e fiscalizar o objeto em todas as suas etapas (§1º, II), controlar, fiscalizar e avaliar as ações e os serviços contratados, identificando insuficiências eventualmente existentes na execução das ações e serviços contratados e promovendo intervenções que objetivem assegurar sua correção (§2º, IV) e analisar os relatórios de produção mensal elaborados pelo hospital, comparando-se as metas do POA com os resultados alcançados e os recursos financeiros repassados.Também relativo aos deveres de informação, a Cláusula Décima Terceira (página 949 e 919) prevê que as clínicas devem informar mensal e anualmente a autarquia a respeito das atividades desenvolvidas e cumprimento do POA.Mais adiante, na Cláusula Décima Quarta (página 950), estão previstas as sanções a que estão sujeitas as clínicas contratadas. Dentre elas, constata-se a presença da advertência e a rescisão do contrato; consoante destaca o parágrafo segundo dessa cláusula, "a imposição das penalidades previstas nesta cláusula, dependerá da gravidade do fato que as motivar, considerada a situação e circunstância objetiva em que ele ocorreu".A rescisão, medida mais drástica, está melhor esclarecida na Cláusula Décima Oitava (página 920 e 950-951), que dispõe em seu parágrafo quarto: "§4º. O Conselho Municipal de Saúde deverá manifestar-se sobre a rescisão deste contrato, devendo avaliar os prejuízos que esse fato poderá acarretar à população."Verifica-se de tudo que foi exposto em relação às obrigações contratuais, que tanto as clínicas contratadas quanto o Município de Londrina e a Autarquia Municipal de Saúde possuem obrigações voltadas ao cumprimento das diretrizes previstas no Plano Operativo Anual. É relevante registrar, desde logo, que as irregularidades existentes ao longo da execução do objeto contratado devem ser, de um lado, comunicadas pelas clínicas ao poder público, e, de outro, regularmente supervisionadas e sanadas por este. Também se depreende dos dispositivos apresentados que o descumprimento do contrato pode ensejar a rescisão do contrato; todavia, essa medida pode ser substituída por medida menos gravosa diante da análise das circunstâncias concretas da falta e, sobretudo, deve ser sempre acompanhada da averiguação do impacto negativo que essa rescisão pode ter sobre a população atendida pelo serviço psiquiátrico por elas oferecido.2.2. Anexo ao instrumento do contrato está o Plano Operativo Anual (POA), que orienta a execução do serviço a partir de diversas metas qualitativas e físicas.As metas qualitativas (item B) dividem-se em "relacionadas à humanização no atendimento" (B.1), "relacionadas à gestão hospitalar" (B.2) e "relacionadas a políticas de recursos humanos" (B.3). No primeiro grupo, podemos destacar o item 1.6 "definir e implantar efetivamente projeto terapêutico este entendido como conjunto de objetivos e ações, estabelecidos e executados pela equipe multiprofissional, voltados para a recuperação do paciente desde admissão até a alta, sendo o mesmo registrado em prontuário" e o 1.13 "oferecer atividades terapêuticas em período integral".Relacionadas à gestão hospitalar, o item B.2 apresenta, dentre outras, a meta de: manter o hospital limpo em todas as áreas (2.2.), manter roupas hospitalares limpas e em bom estado de conservação (cama, banho e do paciente) em todo o hospital (2.3.), possuir enfermaria exclusiva para intercorrências clínicas (2.5.), manter banheiros limpos na proporção de um lavatório/vaso sanitário/chuveiro para cada seis leitos (2.9), manter salas para atividade de terapia ocupacional devidamente equipadas e com disponibilidade de materiais para execução das atividades propostas no projeto terapêutico (2.12), manter registro adequado de intercorrências, prescrições médicas, medicamentos e evolução do paciente nas mais diversas categorias profissionais (2.17 a 2.19) e manter serviço de nutrição regulamentado e oferecer dietas balanceadas e diversificadas e em número de cinco refeições ao dia (2.24).Ainda dentro das metas qualitativas, estão previstas em relação à política de recursos humanos a criação de mecanismo para manutenção de profissionais qualificados em quantidade suficiente para execução das metas pactuadas (3.1.) e adequar gradativamente o quadro de funcionários da área técnica e de nível médio, em compatibilidade com os recursos repassados mantendo a adequada situação financeira da instituição, no sentido de aproximar com o preconizado na Portaria GM 251/02 (3.4.).3. Dos fundamentos que justificaram a propositura da ação civil pública e dos pedidos iniciais do Ministério Público:3.1. Estabelecidas todas essas premissas teóricas, passa-se à efetiva análise da pretensão veiculada pelo Ministério Público na ação civil pública ajuizada e respectivo recurso de apelação, ora em apreciação.Conforme relatado na petição inicial, o autor instaurou o Procedimento Preparatório nº 16/2010, no início do ano de 2010, em virtude de documentação encaminhada pela Diretoria de Auditoria, Controle e Avaliação (DACA) da Autarquia Municipal de Saúde de Londrina (AMS) e declarações dando conta da existência de agressões físicas entre pacientes das clínicas, ocasionando inclusive a morte de um deles.Diante dessas informações, foram realizadas diversas diligências junto às clínicas, às autoridades públicas responsáveis e também aos usuários e prestadores de serviços envolvidos a fim de esclarecer a real situação encontrada nos estabelecimentos e tentar saná-las da melhor forma possível.Considerando não terem sido sanados os problemas encontrados e o desatendimento das recomendações administrativas expedidas, foi ajuizada a presente ação civil pública, em outubro de 2010.Pleiteou-se (pedidos de página 41 e seguintes, complementados pela emenda de página 661 e seguintes), inclusive em caráter liminar:1) A adequação das Clínicas à Portaria 251/GM de 2002 no tocante aos recursos humanos, sob pena de redução do número de leitos, a fim de que o tratamento seja adequado ao número de funcionários;2) Adoção de todas as medidas necessárias à garantia da segurança pessoal dos funcionários e pacientes, através da contratação de técnicos e profissionais de segurança (mínimo quatro para a CPL e dois para a VN);3) Adoção de medidas para garantia da correta higienização dos pacientes;4) Adoção de medidas para manutenção da limpeza plena dos cobertores, roupas de cama e roupas pessoais dos pacientes, o que deve ser acompanhado de apresentação de programa por escrito das rotinas pertinentes à manutenção dessas roupas e contratação de mais empregados - mínimo cinco para a CPL e três para a VN;5) Registro em livro próprio tipo ATA de todos os fatos importantes e relevantes ocorridos nas Clínicas, sobretudo em relação a eventuais agressões e fugas;6) Melhoria da qualidade das refeições;7) Adoção de medidas para impedir comercialização e uso de drogas/tabaco no interior das unidades;8) Adoção de medidas para impedir relações sexuais;9) Adoção de medidas de limpeza constante das instalações, sobretudo banheiros, a partir da contratação de mais seis funcionários específicos pela CPL e três pela VN;10) Internação de usuárias de droga gestantes;11) Garantia de que os pacientes possam dormir na mesma cama todas as noites, salvo condições excepcionais e justificadas;12) Realização de alta somente com autorização expressa do respectivo médico, não devendo ocorrer qualquer alta administrativa;13) Autorização do uso da piscina somente quando asseguradas as medidas que garantam sua incolumidade pessoal;14) Permitir armazenamento, acesso e uso de seus pertences pessoais de forma individualizada pelos pacientes; 15) Garantia de que cada um dos pacientes terá posse e uso de vestimentas próprias e adequadas, devidamente limpas;16) Instalação de infraestrutura e fornecimento de utilidades necessárias para a prática individualizada de higiene dos pacientes: cabines de banho individuais, fornecimento permanente de sabonete de uso individual, escovas de dente e dentifrício;17) Viabilização da redação, leitura, envio e recebimento de correspondência escrita;18) Permitir livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;19) Apresentação de projeto terapêutico individualizado por paciente, acompanhado de proposta de sua efetiva implementação;20) Garantia de período mínimo de doze horas diárias de acesso a atividades terapêuticas, através do fornecimento permanente de material esportivo e manutenção de mesas de jogo e equipamentos lúdicos;21) Assistência integral à saúde dos internos;22) Registro em prontuário individual do tratamento proposto, de modo detalhado;23) Comunicação formal e no prazo máximo de 24 horas às autoridades acerca de eventual agressão física de qualquer natureza, inclusive sexual;24) Manutenção e ordenação de recursos humanos e materiais necessários à realização de procedimentos idôneos de limpeza do ambiente hospitalar;25) Implantação de uma ala exclusiva para pacientes adolescentes, isolada das demais;26) Reduzir e aprimorar os procedimentos de contenção física.Foi concedida medida liminar às páginas 708 - decisão confirmada em grau de recurso de agravo de instrumento - determinando que as clínicas rés: (i) atendessem a Portaria 251/02 em relação ao número de funcionários; (ii) contratassem pessoal para segurança; (iii) apresentassem cronograma escrito com as rotinas diárias de limpeza; (iv) garantissem a higiene dos pacientes em tempo integral, inclusive fornecendo sabonete, escova de dentes e dentifrício; (v) apresentassem e implementassem programação alimentar elaborada por nutricionista; (vi) não recusassem a internação de usuárias de drogas gestantes; (vii) somente promovessem alta dos pacientes mediante autorização médica; (viii) apresentassem e efetivamente implementassem os projetos terapêuticos específicos; (ix) promovessem assistência integral à saúde; (x) adquirissem livros ATA para anotação de intercorrências; (x) oferecessem atividades recreativas em período integral; (xi) mantivessem registro em prontuário individual; (xii) reduzissem as contenções físicas aos casos estritamente necessários. Tudo isso, definiu o magistrado de origem, deveria ser feito a partir de condutas condizentes com os conceitos "bom" e "excelente" do PNASH. Já em relação ao Município e à Autarquia, restou determinado a necessidade de fiscalização in loco das clínicas, com relatórios quinzenais circunstanciados das medidas adotadas para cumprimento da liminar.Sobreveio sentença, por meio da qual o magistrado a quo, basicamente, julgou improcedentes os pedidos iniciais, considerando a situação fática mais recente apurada no laudo pericial e aplicando o art. 462 do Código de Processo Civil.No recurso de apelação, o autor afirma que a despeito da concessão da antecipação da tutela recursal, as irregularidades apontadas na ação continuam sendo observadas, notadamente na defasagem de profissionais em relação ao PNASH.Isso foi comprovado, segundo o apelante, a partir do relatório da Visita Técnica realizada pelo SUS e pelo próprio relatório final da AMS. Aduz ainda que a perícia técnica não condiz com a realidade das clínicas e que entraves financeiros não podem servir para justificar o descumprimento do número de profissionais exigidos pelo PNASH. Destaca também que o Município e Autarquia descumpriram seu dever de fiscalização e que se houve qualquer avanço no tratamento dado aos pacientes nas clínicas isso se deu exclusivamente em virtude do deferimento da antecipação de tutela - motivo pelo qual não cabe falar em improcedência da ação civil pública. A d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso, considerando que a própria sentença reconhece a importância da medida liminar concedida para a melhoria do serviço prestado pelas rés.Passemos, pois, à análise de cada um desses pedidos, tendo em vista a evolução temporal das medidas tomadas ao longo do processo. Isto é: é preciso ponderar as condições comprovadamente encontradas na ocasião da interposição da ação, em confronto com eventuais documentos contrários apresentados na defesa das rés, e aquelas que foram sendo efetivadas somente após o ajuizamento e, sobretudo, após a concessão da antecipação da tutela. A prova pericial, principal meio probatório produzido, tem bastante relevância para esclarecer qual a efetiva situação de clínica em 2014 (portanto, quatro anos após o ajuizamento da ação) e alguns pontos técnicos necessários à elucidação das questões abordadas no processo. Evidentemente, porém, que a situação encontrada pelo perito não pode ser adotada para desabonar as irregularidades efetivamente existentes no início de demanda, que justificaram o ajuizamento da ação civil pública.3.2. A primeira das alegações do recorrente se relaciona à antecipação de tutela concedida liminarmente - de um lado, o Ministério Público sustenta que as medidas naquele momento determinadas não foram cumpridas, e, de outro, que as eventuais melhorias observadas no serviço prestado só se deram por conta dessa decisão judicial. Assim, defende que a ação civil pública foi determinante para que o atendimento nas clínicas fosse aperfeiçoado, devendo a sentença ser reformada para que os pedidos sejam julgados procedentes, com a confirmação da medida liminar, fazendo-a perdurar no tempo.A questão do cumprimento ou não da liminar depende da analise pormenorizada dos itens determinados naquela ocasião sob dois aspectos: a) se havia necessidade da sua concessão; b) se, havendo, foi ou não dado cumprimento ao comando judicial.i) Cumprimento da Portaria 251/02 em relação aos recursos humanos:O principal e mais controvertido ponto da ação civil pública em discussão diz respeito à necessidade ou não de absoluto cumprimento da Portaria nº 251/2002 do Ministério da Saúde, que regula o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH), em relação ao número de profissionais exigidos nas clínicas psiquiátricas.Afirma o autor que para atendimento dessa norma seria necessário que a Clínica Psiquiátrica de Londrina tivesse 80 auxiliares/técnicos de enfermagem, enquanto na Villa Normanda seriam exigidos 16 desses profissionais. O não atendimento pelas clínicas do número de profissionais exigidos pela já destacada Portaria é incontroverso, seja pela prova pericial (resposta ao quesito 1 do Ministério Público - página 3252), seja pelo próprio reconhecimento das rés ao longo de todo o processo.Resta analisar, a partir do confronto da situação encontrada nas clínicas com a já apresentada legislação aplicável e contratos, se o número previsto no PNASH é possível/obrigatório e se o número efetivamente encontrado em atividade é capaz de cumprir as finalidades previstas nos mesmos instrumentos legislativos e contratuais.No que tange ao primeiro ponto, a pretensão do apelante não merece prosperar.Conforme já exposto, a Portaria que implementou o PNASH não possui observância obrigatória. Em nenhum momento referida Portaria determina o atingimento de 100% das metas nela previstas, mas tão somente o percentual de 61%, mínimo necessário ao credenciamento dos estabelecimentos como clínicas psiquiátricas pelo SUS.Considerando que as demais normas que orientam a pretensão do apelante não fixam qualquer número mínimo de profissionais a ser contratado, o pedido referente à contratação de profissionais para atingimento de 100% da meta de recursos humanos previsto na PNASH não encontra amparo.Isso também se justifica pelo fato de que, como bem apontou a perícia técnica (quesito b do juízo, página 3249), de forma taxativa, a contratação de quase setenta profissionais pelas rés é simplesmente impossível. E isso, conforme pormenorizaram os peritos, se deve ao amplo descompasso financeiro existente entre o custo mensal das clínicas e o repasse feito pelo poder público.Ao contrário do que argumenta o Ministério Público, não há como exigir que as clínicas se endividem ainda mais para contratar um número de profissionais que sequer possui cogência.O próprio Projeto Operativo Anual, anexo ao contrato firmado entre as clínicas e o Município de Londrina, consoante também já exposto, é claro ao determinar no item B.3, 3.3, que o número de profissionais deve ser aproximar, na medida do financeiramente possível, ao número previsto no PNASH:"Adequar gradativamente o quadro de funcionários da área técnica e de nível médio, em compatibilidade com os recursos repassados mantendo a adequada situação financeira da instituição, no sentido de aproximar com o preconizado na Portaria GM 251/02" Foi justamente isso que as clínicas rés buscaram fazer, consoante atestou o relatório final da DACA-AMS (novembro de 2011, página 2519):"A portaria 251/2002 não foi cumprida no que se refere a recursos humanos, porém houve um considerável incremento no número de funcionários (...)"Outra não foi a conclusão a que chegou o magistrado de origem na sentença recorrida:"Parece-me, portanto, que a causa deva ser apreciada tendo-se tal perspectiva em mente, não me parecendo possível se exigir o atendimento absoluto, pelos réus, de todas as recomendações constantes no PNASH. Do contrário, se estaria correndo o risco de uma decisão impraticável no mundo real, a exemplo do que ocorre com muitos direitos estabelecidos programaticamente em nossa Constituição os quais, como a experiência de quase trinta anos de sua promulgação bem demonstra, estão longe de existir" (páginas 5234-5235).
(TJPR - 5ª Câmara Cível - ACR - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR CARLOS MANSUR ARIDA - Un�nime - J. 01.12.2015)
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Acórdão
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1 APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N° 1.375.615-9. ORIGEM: 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - PR. APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. APELADO: AUTARQUIA MUNICIPAL DE SAÚDE E OUTROS. RELATOR: DES. CARLOS MANSUR ARIDA. REVISOR: DES. LEONEL CUNHA.
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.CLÍNICAS PSIQUIÁTRICAS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FIRMADO COM O PODER PÚBLICO MUNICIPAL. IRREGULARIDADES APURADAS EM PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA LIMINARMENTE. CUMPRIMENTO PELAS RÉS NO TOCANTE AO APERFEIÇOAMENTO DA HIGIENE DOS PACIENTES, ROUPAS E AMBIENTES DAS CLÍNICAS, MELHORIA NOS REGISTROS, IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETO TERAPÊUTICO INDIVIDUALIZADO E GARANTIA DE PERÍODO MÍNIMO DEDICADO A ATIVIDADES TERAPÊUTICAS E RECREATIVAS. FISCALIZAÇÃO E CONTROLE PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL.CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR.REGULARIZAÇÃO SOMENTE APÓS O INÍCIO DA AÇÃO E DETERMINAÇÃO JUDICIAL.INEXISTÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE, INVIABILIZANDO A APLICAÇÃO DO ARTIGO 462 DO CPC. AÇÃO PROCEDENTE. CUMPRIMENTO DA PORTARIA 251/2002 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - PNASH NO TOCANTE AOS RECURSOS HUMANOS. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE COGÊNCIA. AVALIAÇÃO CUJOS FINS SÃO MERAMENTE CLASSIFICATÓRIOS. PERCENTUAL MÍNIMO DEVIDAMENTE ATINGIDO.INCAPACIDADE FINANCEIRA DEMONSTRADA.PREVISÃO CONTRATUAL QUE CONDICIONA CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS AO DEVIDO REPASSE FINANCEIRO. DESCABIMENTO DO AFASTAMENTO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL RESPEITADO.ATENDIMENTO DE QUALIDADE COMPROVADO POR DIVERSOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS.CONFORMIDADE ÀS DISPOSIÇÕES LEGAIS E CONSTITUICIONAIS. PEDIDOS RELATIVOS À SEGURANÇA E ARMAZENAMENTO DE PERTENCES PESSOAIS SATISFATORIAMENTE ADEQUADOS ANTES MESMO DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. MELHORIA DA ALIMENTAÇÃO, INTERNAÇÃO DE USUÁRIAS DE DROGAS GESTANTES, IMPEDIMENTO DE ALTAS ADMINISTRATIVAS, DETERMINAÇÃO DE QUE PACIENTES DURMAM NA MESMA CAMA TODOS OS DIAS, POSSIBILIDADE DE ENVIO E RECEBIMENTO DE CORRESPONDÊNCIAS, LIMITAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE CONTENÇÃO FÍSICA E ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE. INEXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO QUE AMPARE ESSES PEDIDOS.IMPLANTAÇÃO DE ALA EXCLUSIVA PARA ADOLESCENTES. DESCABIMENTO.INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO LEGAL OU CONTRATUAL. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL.PRECLUSÃO TEMPORAL. AUSÊNCIA DE RECURSO EM FACE DA DECISÃO QUE REJEITOU A IMPUGNAÇÃO. CARÁTER NÃO VINCULATIVO DA PROVA PERICIAL. ART. 436 DO CPC.NECESSIDADE DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO EM HOSPITAIS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE.INSUFICIÊNCIA DA ESTRUTURA FÍSICA HOSPITALAR MUNICIPAL. RESCISÃO CONTRATUAL DEVE SOPESAR O IMPACTO NEGATIVO À POPULAÇÃO LOCAL. MEDIDA DESNECESSÁRIA E DESPROPORCIONAL.VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DISTRIBUIÇÃO DOS LEITOS PSIQUIÁTRICOS SE INSERE NA MARGEM DISCRICIONÁRIA DO PODER EXECUTIVO.REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.RELATÓRIO:O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública em face da Clínica Psiquiátrica de Londrina (CPL), da Villa Normanda Clínica Psiquiátrica Comunitária (VN), do Município de Londrina e da Autarquia Municipal de Saúde (AMS), com base em procedimento preparatório instaurado para apurar diversas irregularidades existentes nas clínicas rés, dentre as quais: (i) insuficiência de pessoal, notadamente enfermeiros do sexo masculino; (ii) violência entre os pacientes, inclusive resultando em mortes; (iii) documentação irregular; (iv) ausência de aplicação das atividades terapêuticas descritas no Projeto Terapêutico do Serviço; (v) irregularidades sanitárias; (vi) descumprimento da carga horária pelos funcionários; (vi) ausência de integração entre os setores e equipe multidisciplinar e falta de autonomia dos profissionais.Aduziu o autor que solicitou providências da Autarquia Municipal de Saúde, a qual informou que o repasse financeiro às clínicas se vincula ao cumprimento de metas qualitativas e quantitativas estabelecidas no Plano Operacional Anula (POA), notamente a adequação do número de profissionais às balizas da Portaria 251/2002 do Ministério da Saúde, que regulamenta o Programa Nacional de Avaliação dos Hospitais Psiquiátricos (PNASH).Também afirmou que funcionários das clínicas, por meio de ofício do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (COREN - PR), comprovaram as irregularidades destacadas e relataram outras, como a agressão de pacientes às enfermeiras, higienização precária dos pacientes, ausência de local para armazenamento dos pertences, falta de toalhas, roupas e cobertores inadequados, ausência de unidade para adolescentes, falta de qualidade das refeições, relações sexuais entre os pacientes, falta de local para descanso da equipe de enfermagem, bem como de carrinho de emergência, treinamento para os funcionários e medicamentos psiquiátricos.Posteriormente, a Autarquia Municipal de Saúde apresentou dados dos profissionais em atividade nas clínicas, indicando defasagem de pessoal em várias áreas. Diante disso, o autor reiterou pedidos de providências à própria autarquia e à direção da Clínica Psiquiátrica de Londrina, além de solicitar visita à Comissão de Humanização do Conselho de Municipal de Saúde de Londrina.O Ministério Público aduziu ainda que recebeu Ata de Assembleia dos Usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, corroborando as irregularidades no serviço já frisadas, além de outras: fugas, concessão de altas administrativas, excesso de medicação, relações sexuais inclusive com enfermeiros, venda de tabaco e drogas. Essas situações também foram descritas pelos pacientes e familiares em denúncias feitas diretamente ao órgão ministerial.A Comissão de Humanização apresentou relatório confirmando a existência dos problemas apontados e sugerindo algumas medidas, como a reavaliação da suficiência das atividades ocupacionais, avaliação das condições de higiene e sanitárias, incremento da segurança interna e externa e avaliação de dimensionamento de pessoal pelas autoridades competentes.Diante de todas essas questões, o Ministério Público encaminhou proposta de Termo de Ajustamento de Conduta às direções das clínicas, o qual, todavia, não foi acordado. Por isso, foram expedidas as Recomendações Administrativas nº 01/2010 e 02/2010, a fim de que fossem supridos os problemas discutidos, sob pena de diminuição do número de leitos pelo gestor municipal.Por entender serem insatisfatórias as providências tomadas pelos réus, o Ministério Público ajuizou a presente ação, destacando o descumprimento dos contratos firmados entre as clínicas rés e o poder público e pleiteando, ao final, a condenação das partes na obrigação de fazer consistente na solução de todas as irregularidades apontadas na petição inicial. Em relação ao Munícipio de Londrina e respectiva Autarquia de Saúde, postulou a obrigação de fiscalizarem o cumprimento das medidas, sob pena de redução do número de leitos ou rescisão contratual.Pugnou, ainda, pela concessão da antecipação da tutela, sob pena de multa.A medida liminar foi deferida (páginas 708- 714) para que as clínicas, no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 para cada uma: (i) contratassem pessoal em número mínimo para atender a Portaria 251/2002; (ii) contratassem pessoal para prestar segurança pessoal e patrimonial 24 horas por dia, impedindo o ingresso e comercialização de drogas, bebidas alcoolicas e tabaco, bem como a prática de relações sexuais no interior das clínicas; (iii) apresentassem cronograma escrito indicando a compatibilidade da rotina diária de limpeza com as diretrizes do PNASH, POA e contratos; (iv) garantissem higiene dos pacientes 24 horas por dia; (v) apresentassem e implementassem programa alimentar que atenda o item 9 do PNASH; (vi) não recusassem a internação de gestantes usuárias de drogas; (vii) somente promovessem alta de pacientes mediante autorização médica, vedando, assim, a "alta administrativa"; (viii) apresentassem/implementassem projeto terapêutico específico para cada paciente que atenda as diretrizes da Portaria 251/02 e POA, bem como registro em prontuário individual dos pacientes; (ix) promovessem registro adequado das ocorrências internas em livro ATA; (x) oferecessem atividades terapêuticas recreativas em período integral; (xi) realizassem contenções físicas dos pacientes somente quando necessário, na forma do POA e PNASH. O juiz ainda determinou que para fins de cumprimento da liminar as requeridas deveriam adotar condutas compatíveis com os conceitos "bom" e "excelente" previstas no PNASH. Em relação ao Município e à Autarquia Municipal de Saúde, restou determinado a necessidade de fiscalização das clínicas com apresentação de relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento da liminar a cada 15 dias.As clínicas rés interpuseram agravo de instrumento em face dessa decisão (Agravo de Instrumento nº 737.191-7), ao qual foi dado, ao final, parcial provimento apenas para o fim de reduzir a multa fixada para R$ 300,00 diários.A Autarquia Municipal da Saúde e o Município de Londrina contestaram a ação (páginas 770-774), aduzindo, em síntese, que já realizam a fiscalização do objeto do contrato desde que foram firmados o e que a rescisão unilateral dos contratos somente agravaria o problema. Postularam, ao fim, a improcedência da ação em relação a eles.Às páginas 818-830, a Autarquia Municipal de Saúde juntou aos autos os primeiros relatórios de fiscalização.As clínicas apresentaram contestação (páginas 833 e seguintes), argumentando que: (i) o próprio autor reconhece os esforços que estão sendo empregados para contínua melhora da qualidade do atendimento prestado; (ii) o cumprimento das exigências atinentes à contratação de pessoal é impossível, considerando o defasado valor repassado pelo SUS; (iii) essa impossibilidade já foi reconhecida pela Prefeitura de Londrina e também em ações judiciais nas quais o tema foi discutido; (iv) os contratos firmados com o Município - que inclusive aceitam tacitamente a impossibilidade acima descrita - são rigorosamente cumpridos; (v) o descredenciamento das rés terá impacto social negativo muito profundo; (vi) é preciso observar o princípio da proporcionalidade e o da vedação do retrocesso social; (vii) a Portaria 251/2002 é cumprida em 82,24% e o POA é cumprido em sua integralidade; (viii) o descredenciamento com base em Portaria é inconstitucional, pois não se trata de lei em sentido formal; (ix) a pretensão do Ministério Público é amparada em relatórios do COREN e do DACA, enquanto o único órgão ao qual se subordinam os hospitais é o CRM; (x) os depoimentos trazidos na petição inicial não foram submetidos ao contraditório, além de serem quase todos idênticos; (xi) foi ajuizada ação na Vara Federal de Londrina para que o cumprimento da Portaria seja condicionado à correção da tabela do SUS; (xii) no âmbito nacional, foi impetrado o Mandado de Segurança nº 11.539, por meio do qual a defasagem foi reconhecida; (xiii) em ação julgada pelo TRF da 1ª Região, perícia indicou que o valor mínimo necessário por paciente internado para dar cumprimento à Portaria discutida é R$ 93,51; (xiv) se propõem a apresentar um Plano de Recuperação com o fim de aprimorar as medidas já tomadas e permitir uma composição entre as partes; (xv) os profissionais existentes nas clínicas são suficientes para dar conta do serviço exigido; (xvi) agressões e mortes não fazem parte da rotina das clínicas, ocorrendo somente situações excepcionais em que o controle é impossível; (xvii) nesse ponto, os depoimentos juntados à petição inicial não foram comprovados; (xviii) a morte de uma paciente decorreu das suas próprias condições de saúde e não de agressão; (xviii) também não há qualquer prova a respeito das relações sexuais alegadas; (xix) o livro ata já foi adotado; (xx) a afirmação a respeito da falta de atividades terapêuticas e de lazer é inverídica; (xxi) os trabalhos realizados pelos pacientes possuem intuito terapêutico; (xxii) inexistem as irregularidades sanitárias descritas, o que se comprova pelos Laudos de Vistoria do Serviço Municipal de Saúde e Corpo de Bombeiros; (xxiii) a situação do vestuário se justifica pelo fato de que as roupas são fornecidas pela família ou são fruto de doações, além do que muitas vezes são exigências dos próprios pacientes; (xxiv) a higiene pessoal dos pacientes é rigorosamente controlada, bem como a rotina alimentar; (xxv) não existem fugas, tampouco consumo de drogas nas dependências das clínicas; (xxvi) a falta de enfermeiros masculinos decorre da própria ausência de interesse desse profissionais nas vagas, que são regularmente ofertadas; (xxvii) há efetiva integração entre os setores e a equipe multidisciplinar, bem como atendimento individualizado dos pacientes; (xxviii) não existem altas administrativas; (xxix) os depoimentos e declarações prestados não condizem com a realidade; (xxx) a pontuação obtida pelas clínicas no PNASH demonstra que o atendimento prestado é regular, adequado e satisfatório. Pleitearam a revogação da liminar e, ao final, a improcedência dos pedidos iniciais. Sucessivamente, pugnaram pela redução da multa e dilação do prazo objeto da decisão liminar.A Autarquia Municipal de Saúde e o Município de Londrina pleitearam a suspensão da liminar a fim de que sejam realizados estudos sobre o aumento do valor do repasse (páginas 2211-2212). Na sequência, foi apresentado o relatório de janeiro de 2011.O Ministério Público se manifestou às páginas 2227-2231 informando concordar com o pedido de suspensão.Pleiteou, nessa ocasião, informações à Autarquia Municipal de Saúde no sentido da possibilidade de redução de leitos, requerendo também melhor fundamentação dos relatórios quinzenais. Na sequência, impugnou às contestações (páginas 2233-2245), reiterando os argumentos defendidos na petição inicial.O juiz, na página 2247, concedeu mais noventa dias para o cumprimento da medida liminar, período ao final do qual a Comissão do Conselho Municipal de Saúde (CMS) produzir relatório sobre a situação das clínicas.Às páginas 2263-2301 foram apresentados relatórios referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março. Já às páginas 2311-2323 foram juntados os relatórios de abril e maio. A AMS também apresentou relatório de providências adotadas pela Diretoria de Auditoria, Controle e Avaliação (DACA) e determinação da comissão intergestores bipartite do Paraná aprovando remanejamento de recurso para os hospitais psiquiátricos de Londrina.Na página 2339 o autor juntou aos autos denúncia feita em relação ao falecimento da paciente Deisi Maria Maistrovicz.Foram apresentados às páginas 2352-2372 os relatórios de fiscalização de junho; às páginas 23878-2391, os de julho e agosto.Sobreveio despacho à página 2397, por meio do qual o juiz de origem determinou que o Conselho Municipal de Saúde relatasse a situação das requeridas. Na mesma ocasião, intimou a AMS e o Município de Londrina para produzirem relatório final e as clínicas rés para se manifestarem quanto ao cumprimento das medidas determinadas no despacho liminar.Às páginas 2410-2416, a AMS juntou relatório de fiscalização quinzenal referente a setembro. O relatório de outubro foi juntado às páginas 2496-2494. O Ministério Público trouxe aos autos, às páginas 2420-2472, relatórios de auditorias realizadas pelo SUS, nos quais afirma estarem comprovadas as irregularidades discutidas.As clínicas se manifestaram por meio da petição de página 2496 e seguintes indicando o cumprimento das determinações liminares.A Autarquia Municipal de Saúde e o Município de Londrina apresentaram relatório final completo sobre a fiscalização realizada (páginas 2514-2525).Por meio da petição de página 2535 e laudo de página 2544, as clínicas informaram que a morte da paciente Deisi decorreu do seu quadro de saúde, não havendo qualquer conduta inadequada que lhes possa ser imputada.À página 2619 o Conselho Municipal de Saúde encaminhou ofício contendo relatório de visita surpresa às clínicas rés.O autor se manifestou no sentido de requerer o julgamento antecipado do feito (páginas 2624-2629). Juntou ainda, às páginas 2633-2643, relatório técnico de inspeção em serviço de média complexidade elaborado pelo Serviço Municipal de Saúde, o qual aponta a persistência das irregularidades discutidas, e também relatório de auditoria operativa da DACA. As clínicas arrolaram as provas que pretendiam produzir: documental, testemunhal, pericial e inspeção judicial (páginas 2648-2654).Às páginas 2659-2681 foi proferido o despacho saneador, através do qual o magistrado a quo fixou os pontos controvertidos e deferiu somente a prova pericial.A parte autora apresentou seus quesitos às páginas 2688-2692.As clínicas interpuseram agravo retido em face do despacho saneador (páginas 2707-2716), pleiteando o deferimento da produção de prova testemunhal.Em seguida, destacaram questão prejudicial (páginas 2718-2727), aduzindo a ilegitimidade ativa do Ministério Público, tendo em vista que somente o CRM e o CFM possuem capacidade técnica para averiguar o cumprimento os requisitos impostos pela Portaria 251/2002. Juntaram nessa oportunidade relatórios de duas sindicâncias submetidas à apreciação do CRM.As clínicas rés ainda se manifestaram rebatendo os argumentos do autor quanto às visitas técnicas realizadas pelo SUS e esclarecendo alguns dos pontos controvertidos (páginas 2743 e seguintes). O perito apresentou o laudo pericial (páginas 3219-4191, complementado pelos documentos de páginas 4263- 4327), o qual foi impugnado pelo autor (páginas 4193-4221).Destacou o Ministério Público a existência de nulidade da prova diante da subjetividade das respostas, pleiteando a nomeação de novo perito judicial.Os entes públicos municipais réus se manifestaram em concordância com o laudo (páginas 4329-4331), pleiteando a improcedência da ação civil pública.Às páginas 4340-4350, o assistente técnico das clínicas apresentou parecer técnico, referendando o laudo pericial.Tal parecer foi impugnado pelo autor às fls. 4383-4389.As clínicas se manifestaram sobre o laudo (páginas 4352-4372), pleiteando sua homologação e a intimação do perito para se manifestar quanto aos quesitos 61 e 62 das clínicas.O perito se manifestou às páginas 4490-4499, rechaçando a impugnação do Ministério Público e esclarecendo as questões feitas pelas rés.Por meio da decisão de página 5125-5130 o juiz de origem indeferiu a impugnação ao laudo pericial. As partes manifestaram suas alegações finais (Ministério Público às páginas 5143-5154; clínicas às páginas 5157- 5205; AMS e Município de Londrina às páginas 5205-5210).Sobreveio a sentença (páginas 5213-5258), por meio da qual os pedidos iniciais foram julgados improcedentes.Irresignado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, sustentando, em síntese, que: (i) a despeito das determinações feitas na decisão liminar, as clínicas não sanaram as irregularidades pontuadas, notadamente no tocante ao déficit de recursos humanos - até o momento não existem 80 auxiliares/técnicos de enfermagem na Clínica Psiquiátrica de Londrina e 16 na Villa Normanda; (ii) os relatórios da visita técnica realizada pelo SUS confirmaram os fatos narrados na ação civil pública, especialmente em relação à insuficiência de profissionais; (iii) a carência de recursos humanos é confirmada pelo relatório final da Autarquia Municipal de Saúde; (iv) o laudo pericial não traduz a realidade das clínicas rés, pois elaborado de forma parcial, contendo opiniões e informações não técnicas; (v) as conclusões da perícia contrariam os depoimentos prestados ao longo do curso processual; (vi) a necessidade de melhoria em diversos setores das clínicas foi confirmada no agravo de instrumento nº 737.191-7, no qual restou asseverado que a falta de recursos financeiros não constitui óbice ao cumprimento da Portaria; (vii) ao não oferecer condições mínimas para atendimento digno e saudável, os prestadores de serviço estão violando os direitos constitucionais dos pacientes; (viii) o relatório final da DACA constatou que somente cerca de 50% do pessoal previsto na PNASH é cumprido; (ix) relatório emitido pela Diretoria de Saúde Ambiental apontou diversas irregularidades sanitárias; (x) se existiram melhorias nas clínicas foi devido à determinação da liminar; (xi) embora tenha caráter programático, com objetivos a serem cumpridos paulatinamente, o PNASH foi instituído em 2002, ou seja, oito anos antes da propositura da ação; (xii) não se pretende o cumprimento total das exigências do PNASH, mas do máximo possível, a fim de garantir a dignidade dos pacientes; (xiii) não é razoável utilizar o princípio da reserva do possível para justificar o descumprimento do PNASH, situação que já foi enfrentada nos dois agravos de instrumentos relativos à presente ação; (xiv) a insuficiência de recursos deve ensejar a busca da revisão judicial dos valores em ação própria, mas jamais fundamentar o descumprimento das regras legais existentes; (xv) ademais, a falta de dinheiro nada tem a ver com a humanização das clínicas; (xvi) ao contrário do que entendeu o juiz de origem, os hospitais em geral possuem estrutura para o tratamento de pacientes psiquiátricos; (xvii) tendo em vista o reconhecimento da importância da medida liminar para o ajuste das situações de irregularidade narradas na inicial, é preciso confirma-la por meio da procedência da ação.Postula, ao final, o provimento do recurso, a fim de que a ação civil pública ajuizada seja julgada integralmente procedente. Os entes públicos réus apresentaram contrarrazões às páginas 5358-5364; as clínicas, a seu turno, responderam o recurso às páginas 5366-5416.A douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer às fls. 11-24 dos autos físicos, por meio do qual defendeu o provimento do recurso. Para tanto, argumentou que as conclusões do laudo pericial não são verossímeis, destoam das constatações feitas por órgãos ligados ao próprio poder público municipal e se revestem de subjetividade. O ilustre Procurador de Justiça destacou, ainda, a inexistência de dados sobre a frequência, duração e horário das visitas à clínica e a impertinência das fotografias juntadas para a solução da demanda. Frisou que as agressões entre pacientes constatadas nos autos devem ser evitadas pelas clínicas, mesmo que decorrentes do quadro de saúde mental dos envolvidos.Observou também que o laudo pericial não contraria as provas anexas à petição inicial, mas somente constata que no período de análise não aconteceram alguns dos fatos descritos pelo autor. Além disso, o parecer ressalta que a ação deve ser julgada tomando como parâmetro a situação dos fatos à época do ajuizamento, e não a descrita no laudo pericial, quatro anos depois.Em relação ao PNASH, a douta PGJ asseverou que, ao contrário do defendido na sentença, não se trata de norma programática, mas comando de natureza cogente. Já em relação aos entraves burocráticos e orçamentários, ponderou que não constituem fundamentos capazes de isentar os apelados dos seus deveres constitucionais e de justificar as falhas no atendimento.Salientou que cabia às rés exigir judicialmente o reequilíbrio do contrato e também que a melhoria do atendimento verificada ao longo do processo ocorreu sem qualquer alteração nos repasses financeiros. De outro lado, pontuou que houve omissão do poder público no dever de fiscalizar as clínicas, uma vez que somente após a intervenção judicial é que foram tomadas algumas iniciativas para melhoria nas condições das clínicas rés. Por fim, o parecer destaca que, uma vez constatado na decisão liminar a necessidade de aprimoramento nas condições de internamento pelas clínicas rés, a sentença deveria ter julgado procedentes os pedidos.É o relatório.VOTO E SEUS FUNDAMENTOS:Admissibilidade:Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisá-lo.Mérito:1. Dos aspectos legislativos que regem a presente ação civil pública: 1.1. O Ministério Público do Estado do Paraná, ora apelante, ajuizou ação civil pública em face da Clínica Psiquiátrica de Londrina, Clínica Villa Normanda, Município de Londrina e Autarquia Municipal de Londrina a fim de que, em síntese, sejam sanadas diversas irregularidades apuradas em procedimento preparatório no que tange ao serviço prestado pelas duas primeiras rés, clínicas psiquiátricas privadas vinculadas ao Município.Para justificar o cabimento da presente ação, assim destacou o autor na página 24: "versa o presente feito, em síntese, sobre o descumprimento, por parte dos requeridos, aos preceitos constitucionais e legais que devem nortear as internações psiquiátricas".A análise desses fundamentos legislativos, inclusive constitucionais, é fundamental, pois a ação civil pública não pode ser ajuizada sem esse suporte. Nesse sentido é a lição de Hely Lopes:"Concluímos, pois, que a regulamentação processual da ação civil pública não é autoalimentável. Trata-se de criação e consagração de um instrumento processual da ordem jurídica, na qual o adjetivo, por mais importante que seja, não pode prescindir do substantivo.Neste sentido o pronunciamento do Min.Sepúlveda Pertence, do STF, no CA 35, quando afirma: Não basta o equipamento processual para viabilizar a proteção daqueles interesses sociais que, sem lei, que os converta em direitos coletivos, o juiz entenda merecedores da proteção, ou, o que é pior, contra a lei que os proteja em determinada medida. (...)Conclui-se, enfim, que somente em virtude de norma expressa de direito substantivo é que pode ser proposta a ação civil pública, não cabendo extravasar desses limites, sob pena de deturpação do instituto. " (MEIRELLES, Hely Lopes. WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira.Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 35ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. Fls. 304-305)Os preceitos que balizam a pretensão veiculada nessa ação civil pública estão inseridos na Constituição Federal - art. 196 e seguintes -, Lei do SUS (Lei nº 8080/90), Lei 10.216/2001 e Portaria nº 251/2002 do Ministério da Saúde. É, portanto, com base em tais normas que a discussão dos autos deve ser enfrentada.O ponto de partida é o artigo 196 da Constituição, que assim dispõe:Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Acerca da compreensão desse dispositivo no âmbito da presente discussão, podemos nos valer da lição do atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso:"O artigo 196 da Constituição Federal deixa claro que a garantia do direito à saúde se dará por meio de políticas públicas sociais e econômicas, não através de decisões judiciais.A possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos executores de políticas públicas." (BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. P. 22.Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e- conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/Saude_- _judicializacao_-_Luis_Roberto_Barroso.pdf.Acesso em 02/10/2015).Tanto é assim que os artigos constitucionais subsequentes reforçam esse papel atribuído ao próprio poder público, cuja execução, todavia, pode ser estendida a terceiros:Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.Esses dispositivos revelam, assim, que compete ao poder público estabelecer por meio de lei as normas relativas ao direito à saúde; sua execução, todavia, pode ser relegada a terceiros - inclusive particulares -, os quais devem seguir as diretrizes do SUS e demais obrigações previstas em contrato de direito público firmado para esse fim.A lei que disciplina o Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/90) traz mais detalhes sobre essa relação:Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.Assim, a participação dos particulares no sistema de saúde está atrelada ao cumprimento dos princípios e diretrizes do SUS sem, todavia, olvidar o equilíbrio financeiro do contrato, capaz de garantir "a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados".1.2. A específica questão da saúde mental, a seu turno, está tratada na Lei nº 10.216/2001.Os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais estão elencados no art. 2º, parágrafo único, dentre os quais podem ser destacados: o acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, tratamento com humanidade, proteção contra qualquer forma de abuso e exploração, direito à presença médica em qualquer tempo e livre acesso aos meios de comunicações disponíveis.A internação, por sua vez, é qualificada como modalidade a ser adotada em ultima ratio (art. 4º, caput), estruturada de forma a oferecer assistência integral aos pacientes (§2º do mesmo artigo), visando a reinserção social do paciente em seu meio (§1º).Aprofundando as diretrizes dessa lei, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº 251/2002, cuja finalidade é regular a assistência hospitalar psiquiátrica no SUS, a partir de uma classificação qualitativa. Referida classificação é baseada em avaliação feita conforme indicadores do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH).Desde já é oportuno destacar que a Portaria em discussão em nenhum momento prevê a obrigatoriedade de atendimento integral das diversas diretrizes e normas contidas em seu anexo. Em verdade, estabelece parâmetros para a avaliação da qualidade do atendimento prestado pelas unidades psiquiátricas, de acordo com o número de leitos que oferece.Dentro dessa relação, a Portaria fixa patamares de qualidade conforme o percentual de atendimento às diretrizes verificado em avaliação de comissão técnica. Em um primeiro momento, conforme dispõe o artigo 4º, caput e parágrafo único, as clínicas avaliadas que não alcançarem índice de 40% são desclassificadas e as que ficarem entre 40 e 60% devem ser submetidas a uma reavaliação; num segundo momento, as clínicas reavaliadas que não alcançaram o índice mínimo de 61% também não são classificadas como hospital psiquiátrico.Vejamos a expressa dicção da referida norma:Art 4º- Estabelecer o prazo de 90 (noventa) dias, a contar do resultado da avaliação realizada, conforme determinado no Artigo 3° desta Portaria, para a reavaliação dos hospitais que obtiverem pontuação equivalente a 40- 60% do PNASH, para verificação da adequação ao índice mínimo de 61%, necessário à sua classificação como hospital psiquiátrico no SUS; Parágrafo único - Os hospitais que obtiverem índice inferior a 40% do PNASH, assim como os hospitais que não alcançarem o índice mínimo de 61% do PNASH, após o processo de reavaliação, não serão classificados conforme o estabelecido nesta Portaria.Essas são, portanto, as determinações básicas da Portaria 251: i) os hospitais avaliados devem obter o índice mínimo de 61% de atendimento das diretrizes previstas em seu anexo, em primeira avaliação ou após a reavaliação; ii) as clínicas que não alcançarem esse patamar de avaliação não são classificadas como hospital psiquiátricos ligados ao Sistema Único de Saúde. A consequência prevista para os hospitais de avaliação insuficiente, a ser adotada pelo gestor local, está contida no artigo seguinte:Art. 5º. Determinar que, após a reavaliação, de que trata o Artigo 4°, desta Portaria, o gestor local deverá adotar as providências necessárias para a suspensão de novas internações e a substituição planificada do atendimento aos pacientes dos hospitais que não obtiveram pontuação suficiente para a sua classificação.Parágrafo único - O gestor local, em conjunto com a Secretaria de Estado da Saúde, elaborará um projeto técnico para a substituição do atendimento aos pacientes dos hospitais não classificados, preferencialmente em serviços extra-hospitalares, determinando o seu descredenciamento do Sistema.Assim, não atingido o patamar previsto, compete ao gestor local suspender as internações naquele hospital e substituir o atendimento dos pacientes em tratamento. Reitera-se: essa é a única medida prevista na Portaria, que somente se direciona para os hospitais de avaliação abaixo dos 61%; para as clínicas que tiveram avaliação superior, não se vislumbra qualquer determinação exigivel - sobretudo no tocante ao atingimento de 100% da avaliação.É incontroverso nos autos que ambas as clínicas rés superaram - com certa folga, convém dizer - a meta percentual estabelecida na Portaria 251/2002. Consoante relação constante do anexo I da Portaria nº 1.001/2002 (página 1459 dos autos), verifica-se que a Villa Normanda obteve 81,74% e a Clínica Psiquiátrica de Londrina 82,24%.A Portaria 1.001/2002, que trata da homologação dos resultados do PNASH, inclusive, reforça o escopo da Portaria 251/2002:"Art. 3º - Definir o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação deste ato, para os hospitais constante do ANEXO II desta Portaria, que não obtiveram pontuação suficiente no PNASH (hospitais com pontuação entre 40-1%), tomarem as medidas de correção necessárias, a serem aferidas por nova avaliação do PNASH/Psiquiatria.Parágrafo Único - Os hospitais psiquiátricos deverão atingir a pontuação mínima de 61% para que sejam classificados como hospital psiquiátrico do SUS.Art. 4º - Estabelecer que os hospitais psiquiátricos integrantes do SUS deverão ser reavaliados anualmente pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/Psiquiatria."Dessa forma, constata-se que a Portaria 251/2002 não exige a satisfação plena dos indicadores de qualidade previstos em seu anexo. Não existe, portanto, qualquer exigência legal para o cumprimento de 100% das metas ali previstas, mas tão somente a superação do percentual de 61% para qualificação dos hospitais psiquiátricos - o que foi satisfatoriamente cumprimento pelas clínicas rés.Aliás, o próprio Ministério Público, ora apelante, concorda com isso em suas razões recursais (página 5305):"Assim, não procede a afirmação do Douto Magistrado de que é impossível exigir o atendimento absoluto das exigências constantes do PNASH, já que o que se almeja com a presente ação civil pública não é que todas estas exigências sejam cumpridas, mas que sejam cumpridas na sua quase totalidade, a fim de se garantir a dignidade dos pacientes psiquiátricos".2. Dos contratos de prestação de serviços firmados entre as clínicas e o poder público e respectivo Plano Operativo Anual (POA):2.1. De outro lado, se já restou definido que as diretrizes do anexo à Portaria 251/2002 não exigem absoluto atendimento, é preciso verificar que a relação entre as clínicas rés e o Município de Londrina é formalizada por meio de um contrato de prestação de serviços de saúde regido pelo direito público. Essa, como já apontado, é exigência prevista tanto na Constituição quanto na Lei do SUS para a descentralização da execução dos serviços de saúde. Dessa forma, ao lado de todo o aparato legislativo já apresentado, também deve nortear a análise da presente discussão os contratos firmados entre as clínicas e o poder público, cujos pontos mais relevantes destacaremos a seguir.A cláusula oitava (página 945 e 916) dispõe sobre os instrumentos de controle da execução do contrato. Está prevista a criação de uma Comissão Interinstitucional de Acompanhamento e Fiscalização do Contrato, composta por representantes das clínicas, do Estado, Município e Usuários, cujo objetivo é zelar pela correta execução do contrato, notadamente no tocante ao cumprimento das metas estabelecidas no Plano Operativo anual (POA) e à avaliação da qualidade da atenção à saúde dos usuários.As cláusulas subsequentes tratam das obrigações de cada uma das partes do contrato, isoladamente e em conjunto. Em relação às obrigações das clínicas (Cláusula Décima), destacam-se, "além das naturalmente decorrentes deste instrumento": comunicar à fiscalização de imediato a ocorrência de anormalidades e acidentes (§1º, VII, página 947), manter registro atualizado (§2º. VII, página 947) e manter sempre atualizado o prontuário médico dos pacientes e o arquivo médico (§2º, XI, página 948).Já em relação à Autarquia Municipal de Saúde, o contrato estabelece (Cláusula Décima Primeira, página 948-949), dentre outros, o dever de acompanhar e fiscalizar o objeto em todas as suas etapas (§1º, II), controlar, fiscalizar e avaliar as ações e os serviços contratados, identificando insuficiências eventualmente existentes na execução das ações e serviços contratados e promovendo intervenções que objetivem assegurar sua correção (§2º, IV) e analisar os relatórios de produção mensal elaborados pelo hospital, comparando-se as metas do POA com os resultados alcançados e os recursos financeiros repassados.Também relativo aos deveres de informação, a Cláusula Décima Terceira (página 949 e 919) prevê que as clínicas devem informar mensal e anualmente a autarquia a respeito das atividades desenvolvidas e cumprimento do POA.Mais adiante, na Cláusula Décima Quarta (página 950), estão previstas as sanções a que estão sujeitas as clínicas contratadas. Dentre elas, constata-se a presença da advertência e a rescisão do contrato; consoante destaca o parágrafo segundo dessa cláusula, "a imposição das penalidades previstas nesta cláusula, dependerá da gravidade do fato que as motivar, considerada a situação e circunstância objetiva em que ele ocorreu".A rescisão, medida mais drástica, está melhor esclarecida na Cláusula Décima Oitava (página 920 e 950-951), que dispõe em seu parágrafo quarto: "§4º. O Conselho Municipal de Saúde deverá manifestar-se sobre a rescisão deste contrato, devendo avaliar os prejuízos que esse fato poderá acarretar à população."Verifica-se de tudo que foi exposto em relação às obrigações contratuais, que tanto as clínicas contratadas quanto o Município de Londrina e a Autarquia Municipal de Saúde possuem obrigações voltadas ao cumprimento das diretrizes previstas no Plano Operativo Anual. É relevante registrar, desde logo, que as irregularidades existentes ao longo da execução do objeto contratado devem ser, de um lado, comunicadas pelas clínicas ao poder público, e, de outro, regularmente supervisionadas e sanadas por este. Também se depreende dos dispositivos apresentados que o descumprimento do contrato pode ensejar a rescisão do contrato; todavia, essa medida pode ser substituída por medida menos gravosa diante da análise das circunstâncias concretas da falta e, sobretudo, deve ser sempre acompanhada da averiguação do impacto negativo que essa rescisão pode ter sobre a população atendida pelo serviço psiquiátrico por elas oferecido.2.2. Anexo ao instrumento do contrato está o Plano Operativo Anual (POA), que orienta a execução do serviço a partir de diversas metas qualitativas e físicas.As metas qualitativas (item B) dividem-se em "relacionadas à humanização no atendimento" (B.1), "relacionadas à gestão hospitalar" (B.2) e "relacionadas a políticas de recursos humanos" (B.3). No primeiro grupo, podemos destacar o item 1.6 "definir e implantar efetivamente projeto terapêutico este entendido como conjunto de objetivos e ações, estabelecidos e executados pela equipe multiprofissional, voltados para a recuperação do paciente desde admissão até a alta, sendo o mesmo registrado em prontuário" e o 1.13 "oferecer atividades terapêuticas em período integral".Relacionadas à gestão hospitalar, o item B.2 apresenta, dentre outras, a meta de: manter o hospital limpo em todas as áreas (2.2.), manter roupas hospitalares limpas e em bom estado de conservação (cama, banho e do paciente) em todo o hospital (2.3.), possuir enfermaria exclusiva para intercorrências clínicas (2.5.), manter banheiros limpos na proporção de um lavatório/vaso sanitário/chuveiro para cada seis leitos (2.9), manter salas para atividade de terapia ocupacional devidamente equipadas e com disponibilidade de materiais para execução das atividades propostas no projeto terapêutico (2.12), manter registro adequado de intercorrências, prescrições médicas, medicamentos e evolução do paciente nas mais diversas categorias profissionais (2.17 a 2.19) e manter serviço de nutrição regulamentado e oferecer dietas balanceadas e diversificadas e em número de cinco refeições ao dia (2.24).Ainda dentro das metas qualitativas, estão previstas em relação à política de recursos humanos a criação de mecanismo para manutenção de profissionais qualificados em quantidade suficiente para execução das metas pactuadas (3.1.) e adequar gradativamente o quadro de funcionários da área técnica e de nível médio, em compatibilidade com os recursos repassados mantendo a adequada situação financeira da instituição, no sentido de aproximar com o preconizado na Portaria GM 251/02 (3.4.).3. Dos fundamentos que justificaram a propositura da ação civil pública e dos pedidos iniciais do Ministério Público:3.1. Estabelecidas todas essas premissas teóricas, passa-se à efetiva análise da pretensão veiculada pelo Ministério Público na ação civil pública ajuizada e respectivo recurso de apelação, ora em apreciação.Conforme relatado na petição inicial, o autor instaurou o Procedimento Preparatório nº 16/2010, no início do ano de 2010, em virtude de documentação encaminhada pela Diretoria de Auditoria, Controle e Avaliação (DACA) da Autarquia Municipal de Saúde de Londrina (AMS) e declarações dando conta da existência de agressões físicas entre pacientes das clínicas, ocasionando inclusive a morte de um deles.Diante dessas informações, foram realizadas diversas diligências junto às clínicas, às autoridades públicas responsáveis e também aos usuários e prestadores de serviços envolvidos a fim de esclarecer a real situação encontrada nos estabelecimentos e tentar saná-las da melhor forma possível.Considerando não terem sido sanados os problemas encontrados e o desatendimento das recomendações administrativas expedidas, foi ajuizada a presente ação civil pública, em outubro de 2010.Pleiteou-se (pedidos de página 41 e seguintes, complementados pela emenda de página 661 e seguintes), inclusive em caráter liminar:1) A adequação das Clínicas à Portaria 251/GM de 2002 no tocante aos recursos humanos, sob pena de redução do número de leitos, a fim de que o tratamento seja adequado ao número de funcionários;2) Adoção de todas as medidas necessárias à garantia da segurança pessoal dos funcionários e pacientes, através da contratação de técnicos e profissionais de segurança (mínimo quatro para a CPL e dois para a VN);3) Adoção de medidas para garantia da correta higienização dos pacientes;4) Adoção de medidas para manutenção da limpeza plena dos cobertores, roupas de cama e roupas pessoais dos pacientes, o que deve ser acompanhado de apresentação de programa por escrito das rotinas pertinentes à manutenção dessas roupas e contratação de mais empregados - mínimo cinco para a CPL e três para a VN;5) Registro em livro próprio tipo ATA de todos os fatos importantes e relevantes ocorridos nas Clínicas, sobretudo em relação a eventuais agressões e fugas;6) Melhoria da qualidade das refeições;7) Adoção de medidas para impedir comercialização e uso de drogas/tabaco no interior das unidades;8) Adoção de medidas para impedir relações sexuais;9) Adoção de medidas de limpeza constante das instalações, sobretudo banheiros, a partir da contratação de mais seis funcionários específicos pela CPL e três pela VN;10) Internação de usuárias de droga gestantes;11) Garantia de que os pacientes possam dormir na mesma cama todas as noites, salvo condições excepcionais e justificadas;12) Realização de alta somente com autorização expressa do respectivo médico, não devendo ocorrer qualquer alta administrativa;13) Autorização do uso da piscina somente quando asseguradas as medidas que garantam sua incolumidade pessoal;14) Permitir armazenamento, acesso e uso de seus pertences pessoais de forma individualizada pelos pacientes; 15) Garantia de que cada um dos pacientes terá posse e uso de vestimentas próprias e adequadas, devidamente limpas;16) Instalação de infraestrutura e fornecimento de utilidades necessárias para a prática individualizada de higiene dos pacientes: cabines de banho individuais, fornecimento permanente de sabonete de uso individual, escovas de dente e dentifrício;17) Viabilização da redação, leitura, envio e recebimento de correspondência escrita;18) Permitir livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;19) Apresentação de projeto terapêutico individualizado por paciente, acompanhado de proposta de sua efetiva implementação;20) Garantia de período mínimo de doze horas diárias de acesso a atividades terapêuticas, através do fornecimento permanente de material esportivo e manutenção de mesas de jogo e equipamentos lúdicos;21) Assistência integral à saúde dos internos;22) Registro em prontuário individual do tratamento proposto, de modo detalhado;23) Comunicação formal e no prazo máximo de 24 horas às autoridades acerca de eventual agressão física de qualquer natureza, inclusive sexual;24) Manutenção e ordenação de recursos humanos e materiais necessários à realização de procedimentos idôneos de limpeza do ambiente hospitalar;25) Implantação de uma ala exclusiva para pacientes adolescentes, isolada das demais;26) Reduzir e aprimorar os procedimentos de contenção física.Foi concedida medida liminar às páginas 708 - decisão confirmada em grau de recurso de agravo de instrumento - determinando que as clínicas rés: (i) atendessem a Portaria 251/02 em relação ao número de funcionários; (ii) contratassem pessoal para segurança; (iii) apresentassem cronograma escrito com as rotinas diárias de limpeza; (iv) garantissem a higiene dos pacientes em tempo integral, inclusive fornecendo sabonete, escova de dentes e dentifrício; (v) apresentassem e implementassem programação alimentar elaborada por nutricionista; (vi) não recusassem a internação de usuárias de drogas gestantes; (vii) somente promovessem alta dos pacientes mediante autorização médica; (viii) apresentassem e efetivamente implementassem os projetos terapêuticos específicos; (ix) promovessem assistência integral à saúde; (x) adquirissem livros ATA para anotação de intercorrências; (x) oferecessem atividades recreativas em período integral; (xi) mantivessem registro em prontuário individual; (xii) reduzissem as contenções físicas aos casos estritamente necessários. Tudo isso, definiu o magistrado de origem, deveria ser feito a partir de condutas condizentes com os conceitos "bom" e "excelente" do PNASH. Já em relação ao Município e à Autarquia, restou determinado a necessidade de fiscalização in loco das clínicas, com relatórios quinzenais circunstanciados das medidas adotadas para cumprimento da liminar.Sobreveio sentença, por meio da qual o magistrado a quo, basicamente, julgou improcedentes os pedidos iniciais, considerando a situação fática mais recente apurada no laudo pericial e aplicando o art. 462 do Código de Processo Civil.No recurso de apelação, o autor afirma que a despeito da concessão da antecipação da tutela recursal, as irregularidades apontadas na ação continuam sendo observadas, notadamente na defasagem de profissionais em relação ao PNASH.Isso foi comprovado, segundo o apelante, a partir do relatório da Visita Técnica realizada pelo SUS e pelo próprio relatório final da AMS. Aduz ainda que a perícia técnica não condiz com a realidade das clínicas e que entraves financeiros não podem servir para justificar o descumprimento do número de profissionais exigidos pelo PNASH. Destaca também que o Município e Autarquia descumpriram seu dever de fiscalização e que se houve qualquer avanço no tratamento dado aos pacientes nas clínicas isso se deu exclusivamente em virtude do deferimento da antecipação de tutela - motivo pelo qual não cabe falar em improcedência da ação civil pública. A d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso, considerando que a própria sentença reconhece a importância da medida liminar concedida para a melhoria do serviço prestado pelas rés.Passemos, pois, à análise de cada um desses pedidos, tendo em vista a evolução temporal das medidas tomadas ao longo do processo. Isto é: é preciso ponderar as condições comprovadamente encontradas na ocasião da interposição da ação, em confronto com eventuais documentos contrários apresentados na defesa das rés, e aquelas que foram sendo efetivadas somente após o ajuizamento e, sobretudo, após a concessão da antecipação da tutela. A prova pericial, principal meio probatório produzido, tem bastante relevância para esclarecer qual a efetiva situação de clínica em 2014 (portanto, quatro anos após o ajuizamento da ação) e alguns pontos técnicos necessários à elucidação das questões abordadas no processo. Evidentemente, porém, que a situação encontrada pelo perito não pode ser adotada para desabonar as irregularidades efetivamente existentes no início de demanda, que justificaram o ajuizamento da ação civil pública.3.2. A primeira das alegações do recorrente se relaciona à antecipação de tutela concedida liminarmente - de um lado, o Ministério Público sustenta que as medidas naquele momento determinadas não foram cumpridas, e, de outro, que as eventuais melhorias observadas no serviço prestado só se deram por conta dessa decisão judicial. Assim, defende que a ação civil pública foi determinante para que o atendimento nas clínicas fosse aperfeiçoado, devendo a sentença ser reformada para que os pedidos sejam julgados procedentes, com a confirmação da medida liminar, fazendo-a perdurar no tempo.A questão do cumprimento ou não da liminar depende da analise pormenorizada dos itens determinados naquela ocasião sob dois aspectos: a) se havia necessidade da sua concessão; b) se, havendo, foi ou não dado cumprimento ao comando judicial.i) Cumprimento da Portaria 251/02 em relação aos recursos humanos:O principal e mais controvertido ponto da ação civil pública em discussão diz respeito à necessidade ou não de absoluto cumprimento da Portaria nº 251/2002 do Ministério da Saúde, que regula o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH), em relação ao número de profissionais exigidos nas clínicas psiquiátricas.Afirma o autor que para atendimento dessa norma seria necessário que a Clínica Psiquiátrica de Londrina tivesse 80 auxiliares/técnicos de enfermagem, enquanto na Villa Normanda seriam exigidos 16 desses profissionais. O não atendimento pelas clínicas do número de profissionais exigidos pela já destacada Portaria é incontroverso, seja pela prova pericial (resposta ao quesito 1 do Ministério Público - página 3252), seja pelo próprio reconhecimento das rés ao longo de todo o processo.Resta analisar, a partir do confronto da situação encontrada nas clínicas com a já apresentada legislação aplicável e contratos, se o número previsto no PNASH é possível/obrigatório e se o número efetivamente encontrado em atividade é capaz de cumprir as finalidades previstas nos mesmos instrumentos legislativos e contratuais.No que tange ao primeiro ponto, a pretensão do apelante não merece prosperar.Conforme já exposto, a Portaria que implementou o PNASH não possui observância obrigatória. Em nenhum momento referida Portaria determina o atingimento de 100% das metas nela previstas, mas tão somente o percentual de 61%, mínimo necessário ao credenciamento dos estabelecimentos como clínicas psiquiátricas pelo SUS.Considerando que as demais normas que orientam a pretensão do apelante não fixam qualquer número mínimo de profissionais a ser contratado, o pedido referente à contratação de profissionais para atingimento de 100% da meta de recursos humanos previsto na PNASH não encontra amparo.Isso também se justifica pelo fato de que, como bem apontou a perícia técnica (quesito b do juízo, página 3249), de forma taxativa, a contratação de quase setenta profissionais pelas rés é simplesmente impossível. E isso, conforme pormenorizaram os peritos, se deve ao amplo descompasso financeiro existente entre o custo mensal das clínicas e o repasse feito pelo poder público.Ao contrário do que argumenta o Ministério Público, não há como exigir que as clínicas se endividem ainda mais para contratar um número de profissionais que sequer possui cogência.O próprio Projeto Operativo Anual, anexo ao contrato firmado entre as clínicas e o Município de Londrina, consoante também já exposto, é claro ao determinar no item B.3, 3.3, que o número de profissionais deve ser aproximar, na medida do financeiramente possível, ao número previsto no PNASH:"Adequar gradativamente o quadro de funcionários da área técnica e de nível médio, em compatibilidade com os recursos repassados mantendo a adequada situação financeira da instituição, no sentido de aproximar com o preconizado na Portaria GM 251/02" Foi justamente isso que as clínicas rés buscaram fazer, consoante atestou o relatório final da DACA-AMS (novembro de 2011, página 2519):"A portaria 251/2002 não foi cumprida no que se refere a recursos humanos, porém houve um considerável incremento no número de funcionários (...)"Outra não foi a conclusão a que chegou o magistrado de origem na sentença recorrida:"Parece-me, portanto, que a causa deva ser apreciada tendo-se tal perspectiva em mente, não me parecendo possível se exigir o atendimento absoluto, pelos réus, de todas as recomendações constantes no PNASH. Do contrário, se estaria correndo o risco de uma decisão impraticável no mundo real, a exemplo do que ocorre com muitos direitos estabelecidos programaticamente em nossa Constituição os quais, como a experiência de quase trinta anos de sua promulgação bem demonstra, estão longe de existir" (páginas 5234-5235).
Trata-se, portanto, de uma necessária aplicação do princípio da reserva do possível, entendimento que se ajusta plenamente à previsão contratual já apresentada.
A jurisprudência vem entendendo que esse princípio não pode ser utilizado pelo Estado para se esquivar de suas obrigações constitucionais, salvo raras exceções. Assim é a posição do Supremo Tribunal Federal, ilustrada no julgamento da Medida Cautelar na ADPF nº 45/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello:
"Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentabilidade" (RTJ 200/194)
A doutrina nos ajuda a compreender o alcance e as limitações desse princípio:
"Nesse sentido, é coerente defende-se que antes mesmo de se utilizar o princípio da reserva do possível com o argumento da escassez de recurso para o inadimplemento de Direitos Fundamentais, se impõe averiguar de maneira minudente se o que foi estabelecido pelo Estado no plano orçamentário está em sintonia com os mandamentos constitucionais para cumprir os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.
Com efeito, a superação do dilema principiológico aludido no presente estudo deve partir da compreensão de que existe uma clara diferença entre a impossibilidade de se realizar determinada política pública para implementar Direitos Fundamentais, diante da comprovada ausência de recursos, mesmo atendidos os mandamentos constitucionais que determinam alocação de recursos para determinada área, daquilo que não é possível, decorrente do fato do parcos recursos públicos terem sido destinados para áreas nãos prioritárias, em detrimento do interesse público aferido num determinado momento, numa determinada coletividade.
De outra banda, como discorrido, o mínimo existencial, integrante do núcleo da dignidade da pessoa humana, atribui ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público, exigível nas hipóteses de redução ou inadimplemento dos Direitos Fundamentais, da prestação dos serviços sociais básicos realizada através de políticas públicas" (SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito Fundamental à Saúde: o dilema entre o mínimo existencial e a reserva do possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010. P. 203)
É justamente o que se verifica no presente caso: primeiro, porque não se trata de uma justificativa dada diretamente pelas autoridades públicas, e sim pelas próprias clínicas contratadas pelo Município, dependentes, portanto, de repasses financeiros que são incontroversamente insuficientes; segundo, porque ficou cabalmente demonstrada a incapacidade financeira das apeladas, não se tratando, portanto, de escolhas administrativas das clínicas; terceiro, porque o mínimo existencial (a vedação à "nulificação/aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentabilidade" descrita no precedente jurisprudencial mencionado) não está sendo prejudicado com o desatendimento do número de profissionais previsto no PNASH, conforme se verá adiante.
Evidentemente, as clínicas também não podem se afastar completamente da previsão do PNASH, uma vez que elaborada pelo Ministério de Saúde atendendo a critérios técnicos compatíveis com o objetivo do serviço psiquiátrico prestado, motivo pelo qual deve ser enfrentado o segundo aspecto relativo ao pedido relativo aos recursos humanos: se o número de profissionais das duas clínicas rés, reconhecidamente discrepantes do previsto da Portaria 251/02, é suficiente para a prestação de um serviço hospitalar de qualidade, adequado ao previsto na Constituição Federal e Lei 10.216/2001, além dos contratos firmados com o Município de Londrina e respectivo POA.
A resposta é afirmativa: ao final do processo, restou reconhecido que as clínicas prestam um serviço de qualidade, condizente com as determinações legais e contratuais. Isso já tinha sido constatado pelo Relatório 268/2012 do Conselho Regional de Medicina, setembro de 2010, segundo o qual as clínicas são "estabelecimentos onde a boa prática da Psiquiatria pode ser executada e os pacientes receber adequado tratamento" (página 2732).
Outra não foi a leitura feita pela Comissão Municipal de Saúde, em visita surpresa realizada em março de 2011 (página 2621), que relatou: "ótima impressão obtida durante a visita, pois as instalação do hospital estão muito boas e tanto o local quanto os pacientes são limpos".
Da mesma forma atestou a AMS em relatório relativo a março e maio de 2012 (página 2645):
"No geral, verificamos que o serviço é satisfatório dentro do modelo assistencial que se propõe e cumprindo seu papel na rede assistencial de Saúde Mental"
Também foi essa a conclusão a que chegaram os peritos, na resposta ao quesito 38 do juízo: "as clínicas realizam trabalho de boa qualidade evidenciando uma boa prática de medicina psiquiátrica" (pagina 3264).
A qualidade do atendimento prestado pelas clínicas que ao final do processo restou aferida se coaduna, inclusive, com o que pretende o Ministério Público, conforme argumento nas razões recursais:
"O que se pretende é que as Clinicas Apeladas disponham de um número suficiente, mesmo que não ideal, de recursos humanos, para garantir a segurança e a integridade física dos pacientes psiquiátricos nela internados". (pagina 5320).
Sendo assim, não cabe ao Poder Judiciário determinar a pretendida contratação, uma vez que a Constituição está sendo observada - através da prestação de um serviço de saúde satisfatório -, assim como a legislação referente ao tratamento psiquiátrico e contratos firmados entre clínicas privadas e o poder público de Londrina.
Não havendo manifesta violação a essas normas atribuível ao número de profissionais, a atividade judicial deve ser pautada pela autocontenção. Sobre o tema, Barroso esclarece:
"(...) a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção." (BARROSO, Luís Roberto. Obra citada. p.21)
A qualidade dos serviços prestados e a relevância do ajuizamento da presente ação para que isso fosse alcançado depende da análise dos demais pedidos iniciais, os quais serão a seguir enfrentados.
ii) Medidas necessárias à segurança; impedimento de comercialização e consumo de drogas e tabaco; impedimento de relações sexuais:
O segundo pedido formulado pelo Ministério Público diz respeito à "adoção de todas as medidas necessárias no sentido de garantir a segurança pessoal dos pacientes e trabalhadores" (página 41). Após determinação de emenda pelo juiz de origem, o autor esclareceu que isso deveria ser feito pela contratação de mais técnicos, conforme a Portaria do PNASH, e profissionais de segurança, em número de quatro pela CPL e dois pela VN.
Esse pedido pode ser enfrentado em conjunto com outros dois, quais sejam a questão acerca do consumo e comercialização de drogas e tabaco e a referente à ocorrência de relações sexuais no interior das clínicas.
De antemão, convém destacar que não há qualquer norma que determine a contratação do número de profissionais de segurança pleiteado na petição inicial e respectiva emenda. Trata-se de pedido cuja improcedência, portanto, deve ser mantida.
Por outro lado, verifica-se dos autos que antes mesmo da propositura da ação as clínicas já buscaram adotar medidas voltadas à garantia da segurança interna e externa dos pacientes, profissionais e visitantes. Isso pode ser comprovado pelas medidas informadas na página 560, dentre as quais se destaca a contratação de dez auxiliares de enfermagem, três técnicos de enfermagem e três enfermeiros na CPL, além de um enfermeiro na VN. Além disso, a despeito da inexistência de qualquer exigência legal nesse sentido, também foram contratados pelas clínicas dois vigilantes, ainda em agosto de 2010.
Na mesma ocasião, as clínicas informaram o estabelecimento de nova rotina de visitação, com intensificação do controle da entrada de drogas e tabaco e aumento da supervisão sobre a incolumidade pessoal dos envolvidos (página 561, item 3.4), circunstância que afasta o argumento do apelante no sentido de que "não há qualquer fiscalização nesse sentido" (página 665).
A própria Autarquia Municipal de Saúde, no mesmo mês de agosto de 2010, também observou mudanças em prol da segurança interna das instituições, como o remanejamento das alas e contratação de funcionários do sexo masculino (página 568).
Durante o tramite do processo isso foi corroborado pelos diversos relatórios da Diretoria de Auditoria, Controle e Avaliação (DACA) da AMS, os quais averiguaram a permanente presença de pessoal de segurança (página 2222 e 2519). Não se pode olvidar também que a agressividade dos pacientes, grande fundamento utilizado pelo Ministério Público para reclamar maior segurança nas clínicas, é situação inerente às características das doenças psiquiátricas. Sendo assim, as agressões físicas entre eles ou a funcionários é situação que, embora esporádica, é imprevisível e inevitável.
Assim asseverou a perícia, em resposta ao item "e" do juízo:
"Existem relatos e registros que já ocorreram agressões físicas de pequena gravidade entre pacientes e contra funcionários de ambos os sexos, em episódios esporádicos de agitação psicomotora. Trata-se de fato inevitável, de risco esperado e inerente à natureza da atividade médica psiquiátrica, em razão da gravidade dos transtornos mentais que acometem os pacientes em regime nosocomial" (página 3250)
Em seguida, respondendo ao quesito 2 do Ministério Público, os peritos reafirmaram essa condição:
"O hospital operado pelas rés apresenta infraestrutura adequada à segurança de seus pacientes e trabalhadores. Não se pode afirmar, todavia, que essa segurança é absoluta, até porque o nosocômio não é instituição prisional e podem ocorrer falhas em função da periculosidade de paciente psiquiátrico em episódios de agitação psicomotora ou crises psicóticas. O risco de agressão entre pacientes e a trabalhadores do hospital é inevitável e inerente à natureza da atividade hospitalar psiquiátrica, em razão da imprevisibilidade comportamental e da reação dos internos portadores de graves transtornos mentais" (pagina 3252)
Na resposta ao quesito 8 das clínicas isso foi reiterado: "o risco de acidente diante de um paciente psiquicamente descompensado e/ou em agitação psicomotora é um risco inerente à atividade hospitalar psiquiátrica, imprevisível e inevitável" (página 3259). Essa resposta, inclusive, feita por expert na área psiquiátrica, afasta a alegação da d. Procuradoria Geral de Justiça segundo a qual as agressões são evitáveis e exclusivamente atribuíveis à falta de/despreparo do pessoal (fls. 17-v dos autos físicos).
Não há como, portanto, afasta a conclusão a que chegou o juiz de origem na sentença em exame:
"A prova documental e pericial confirmou que houve agressões, segundo relatos e registros, porém teriam sido episódios esporádicos. Por outro lado, conforme concluíram os peritos os estabelecimentos psiquiátricos réus não são imunes a ocorrências de violência, e que por vez, até funcionários podem se machucar, devido a terem de lidar com pacientes muitas vezes em estado de agitação psicomotora" (página 5247)
Referida circunstância também contraria a relação estabelecida pelo Ministério Público entre o número de funcionários e as agressões existentes, pois os próprios funcionários estão sujeitos a esse contexto de agressividade e muitas vezes nada podem fazer para evita-la tempestivamente.
A perícia ainda constatou inexistir comércio e uso de drogas nas dependências das clínicas, que tomam todas as cautelas necessárias para inibir a possibilidade de ocorrência dessas práticas (resposta ao item 7 do autor, página 3253).
Ao contrário do que afirmou o Ministério Público, ora apelante, na página 664, não existem "provas robustas que demonstram que estão sendo comercializados, no interior das clínicas, tabaco e outras drogas", mas somente alguns relatos que acabaram não sendo confirmados ao longo da ação.
O mesmo restou apurado em relação à suposta existência de práticas sexuais entre pacientes e entre esses e funcionários:
"Não observamos qualquer indício destas práticas nas dependências do hospital. As alas masculinas e femininas não se comunicam, e dentro de uma mesma ala não existem locais isolados que permitam esta espécie de ocorrência, sem que seja imediatamente detectada e coibida pela equipe de profissionais em atividade" (página 3253-3254, resposta ao quesito 8 do autor).
Convém destacar que a separação das alas masculina e feminina foi efetiva antes mesmo do ajuizamento da ação, conforme se depreende das já mencionadas informações prestadas pelas clínicas às páginas 560-563:
"3.5. Mudança dos espaços físicos dos locais de internações masculinos e femininos da CPL, proporcionando melhor separação dos setores masculinos e femininos, com mudança do fluxo interno, dos pátios, com realização de atividades de terapia ocupacional em locais distintos, ou alternados, evitando qualquer contato entre os setores, com o devido acompanhamento da equipe de enfermagem e demais técnicos"
Portanto, no que tange às medidas de segurança - dentre as quais incluímos as questões de drogas, tabaco e relações sexuais -, conclui-se que o pedido inicial não merece acolhimento, pois antes mesmo do ajuizamento da ação já foram tomadas todas as cautelas necessárias a coibir/reduzir essas ocorrências. Tanto é assim que ao longo de toda instrução não foi apurado qualquer indício da ocorrência de qualquer problema desse porte.
iii) Higienização dos pacientes; roupas, roupas de cama e cobertores limpos; limpeza dos ambientes, sobretudo banheiros:
Na sequência, outros pedidos feitos pelo Ministério Público dizem respeito à higienização dos pacientes, bem como das vestes pessoais/roupas de cama/cobertores e dos ambientes das clínicas.
O documento que indica a existência de irregularidade nesse ponto e ampara a pretensão do autor, ora apelante, é basicamente o relatório de avaliação do PNASH de 2007 (página 71 e seguintes). Trata-se, no entanto, de avaliação que antecede em três anos o ajuizamento da ação, não se ajustando à situação efetivamente verificada em 2010.
Mais uma vez, nota-se que as clínicas, ainda em resposta às diligências administrativas do Ministério Público, já demonstraram aperfeiçoamento das medidas de higiene dos pacientes, limpeza das roupas e ambientes hospitalares.
Na página 560, itens 3.1.4 e 3.1.5, as clínicas rés informaram terem contratado mais profissionais para o setor de limpeza, destinando inclusive funcionários exclusivamente para a limpeza dos banheiros. Outros procedimentos destinados à melhoria da higiene e limpeza foram detalhados no item 3.2.
A melhoria nesse aspecto foi referida pela Autarquia de Saúde também antes da propositura da ação por meio do ofício de página 568, segundo o qual relatou a melhoria da higiene dos pacientes, roupas de cama e ambiente. Também foi verificada melhoria na aparência e vestimenta dos pacientes, assim como o fornecimento regular de materiais de higiene pessoal, escova de dentes e dentifrício. Nessa mesma ocasião a Autarquia ainda observou incremento na limpeza dos banheiros.
Após o ajuizamento da ação as irregularidades nesse ponto não foram mais observadas, de forma que esses pedidos também não prosperam.
Desde a primeira das visitas quinzenais determinadas pelo juízo a quo a DACA atestou que tanto a limpeza e organização do ambiente quanto a higiene e vestimenta dos pacientes foi considerada "satisfatória" (página 827-828), situação que foi reafirmada pelos diversos relatórios subsequentes.
Os relatórios do SUS (páginas 2425-2440 e 2450-2472) também sustentam essa situação, conforme respostas positivas ao itens 10.8 ("Os pacientes apresentam-se com roupas limpas?"), 10.10 ("Os pacientes apresentam-se calçados?"), 6.2.7 ("Os pisos, paredes e tetos dos banheiros estão em boas condições?"), 6.2.8 ("Os vasos sanitários estão em condições de uso?"), 6.2.9 ("Há papel higiênico de fácil acesso aos pacientes?"), 6.2.6 ("Há limpeza e conservação do mobiliário?").
Não foi outra a constatação final da DACA (relatório de página 2519), segundo a qual houve melhoria na higiene e vestimenta dos pacientes, contratação de mais pessoal de limpeza e melhoria da condição dos banheiros, pátios e quartos.
A seu turno, o relatório da auditoria operativa na CPL (pagina 2644) apontou que a higiene e vestes dos pacientes é satisfatória, assim como o ambiente, o qual sempre está limpo durante as visitas.
Ao fim de toda a instrução, o resultado da perícia não destoou desses diversos relatórios, conforme se verifica das respostas aos quesitos j do juízo, 3, 4, 9 e 15 do autor e 86 a 99 das clínicas rés. Desses quesitos podem ser destacados o fato de os pacientes entrarem em estado muito precário de higiene e de as clínicas disponibilizarem diversos itens que sequer possuem exigência legal.
Em contrapartida, mais uma vez verifica-se que a contratação de "mais empregados: no mínimo mais 5 para a CPL e mais 3 para a Villa Normanda" (página 664) não encontra qualquer respaldo legal, pelo que não pode ser exigida.
Exige-se, isso sim, um atendimento digno, dentro do qual está inserido a regular condição de higiene; todavia, esse requisito foi satisfatoriamente preenchido mesmo antes do ajuizamento da ação. A única prova trazida pelo autor (relatório PNASH de 2007) foi afastada pelas diversas outras já pontuadas, motivo pelo qual esse pedido também não merece ser acolhido.
iv) Registro próprio em livro ATA; registro em prontuário individual do tratamento proposto; comunicação às autoridades acerca das irregularidades ocorridas:
Nesse ponto serão abordados em conjunto os pedidos do autor relativos à melhoria dos registros das atividades desenvolvidas pelas clínicas rés, seja no tocante ao tratamento ou às intercorrências verificadas, bem como a necessidade de comunicação às autoridades competentes.
Esses pedidos comportam provimento.
Conforme se verifica dos autos, a inadequação dos registros é um dos aspectos mais insatisfatórios dentre os apurados ao longo da instrução. Embora a perícia tenha destacado um quadro de plena regularidade desses registros, observa-se que isso se deu somente quatro anos após o ajuizamento da ação, após a concessão da liminar. Antes dessa determinação, e até por um tempo depois, era manifesta a precariedade dos registros.
Ao contrário dos demais tópicos acima analisados, no tocante aos registros, a situação ruim inicialmente detectada (por exemplo, no relatório PNASH de página 71: "Verificado que os registros dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos são elaborados com informações insuficientes e precárias no prontuário") permaneceu por longo período.
O relatório da AMS de agosto de 2010 (anterior, portanto, ao ajuizamento da ação) destacou não ter sido adotado livro de registro de intercorrências no modelo livro ATA e possuírem os prontuários evolução superficial (páginas 568 e 570).
Mesmo após a concessão da liminar, alguns elementos probatórios destacaram a manutenção dessas irregularidades, como é o caso do relatório do SUS (página 2465), segundo o qual "os trabalhos desenvolvidos e relatados à equipe de visita técnica não se refletem nos registros em prontuário" e do relatório final da DACA/AMS (página 2519), por meio do qual foi relatado que os prontuários e livros de intercorrências "continuam com algumas falhas na evolução médica semanal, com relatos incompletos e superficiais".
Em visita surpresa realizada pelo CMS foi pontuado que "outro problema é quanto à evolução médica, que ainda precisa ser melhorado" (página 2621).
Também no relatório da auditoria operativa na CPL realizada em 2012 pela AMS isso foi destacado:
"As anotações em prontuários e livros de intercorrências eventualmente contem falhas, algumas graves como: espaços em branco para futuras anotações, evolução clínica do médico assistente com intervalo de mais de uma semana" (página 2644)
Lembre-se que esta medida, como muitas outras, não pode ser atribuída pelas rés ao desequilibro financeiro do contrato, pois basta que as clínicas rés aperfeiçoem as anotações já realizadas, nos ditames das obrigações contratuais previstas na Cláusula Décima, §1º, VII e §2º, VII e XI e no item 2.19 do POA.
Tanto a sentença quanto as próprias clínicas apeladas destacaram que a melhora ocorrida possui relação com a liminar deferida, de forma que esse pedido deve ser julgado procedente:
"Conforme constatado pela prova pericial, ao menos depois da medida liminar deferida nesta ação, as clínicas rés adotam livros atas nos quais registram as intercorrências clínicas." (página 5249).
"Desta forma, tal procedimento determinado em sede de liminar foi devidamente cumprido pelas Clínicas Rés" (página 2751)
v) Melhoria da alimentação:
O pedido referente à necessidade de melhoria da alimentação é um dos mais difíceis de ser objetivamente analisado. Por um lado, vários pacientes demonstram insatisfação com a alimentação; de outro, muitos também não fizeram críticas e inclusive elogiaram-na, o que também foi observado em relatos de profissionais.
É um elemento que, por possuir um componente subjetivo grande ("feijão aguado", "pouca quantidade de carne" - página 2519), torna a análise prejudicada em certo aspecto; em relação aos aspectos objetivos (número de refeições, variedade, acompanhamento nutricional), entretanto, esse item foi plenamente satisfeito pelas clínicas rés, como demonstrou a perícia:
"k. Conforme descrito no item 6, a alimentação fornecida aos pacientes internados é de boa qualidade e obedece a cardápios e dietas balanceadas previamente elaboradas, orientadas e fiscalizadas por nutricionistas" (página 3251)
Também foi essa a impressão relatada pela DACA às páginas 2519:
"Quanto à alimentação, o cardápio é variado, com controle de nutricionista, nas geladeiras e nas panelas sempre foi verificado grande quantidade e variedade de alimentos, quando questionamos os pacientes relatam que é boa no geral, um reclama do feijão "aguado", outro da pouca quantidade de carne, mas que no geral é boa"
Nesse ponto, portanto, o pedido também deve ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença, considerando que as reclamações nesse aspecto foram pontuais e subjetivas, não sendo observado ao longo da instrução desrespeito ao item 2.24 do POA, que prevê a meta de "manter serviço de nutrição regulamentado e oferecer dietas balanceadas e diversificadas e em número de 05 (cinco) refeições ao dia".
vi) Internação de usuárias de drogas gestantes; impedimento de altas administrativas; determinação de que os pacientes durmam na mesma cama todos os dias; possibilidade de envio e recebimento de correspondência; limitação dos procedimentos de contenção física:
Os pedidos relativos a internação de usuários de drogas gestantes, ocorrência de altas administrativas, garantia de que os pacientes durmam na mesma cama todos os dias, possibilidade de envio/recebimento de cartas e limitação dos procedimentos de contenção física podem ser reunidas sob um mesmo fundamento: nenhum deles, desde o início da ação, foi amparado em um substrato probatório relevante, não tendo sido verificada qualquer situação desse tipo ao longo de todo o processo.
Acerca das altas administrativas, o relatório final da DACA/AMS destacou que "As altas são sempre com assinatura de um médico, e não tem ocorrido alta administrativa" (página 2519), situação que foi corroborada pelo parecer técnico dos peritos (resposta ao quesito "m" do juízo, página 3251).
Trata-se de procedimento conforme o item 1.12 do POA (página 149), não tendo sido produzida qualquer prova em contrário. Em relação aos leitos fixos e internação de usuárias gestantes a situação é semelhante, consoante ofício da AMS (página 568), relatório final da DACA (página 2519) e perícia (quesitos 10 a 12 do autor, página 3254).
Já no tocante ao envio de cartas, o ofício da AMS acima mencionado pontua expressamente que "os pacientes podem receber e enviar correspondência".
Por fim, quanto à questão da contenção física, não há qualquer prova relevante, anterior ou posterior ao ajuizamento da ação, dando conta de que esse procedimento esteja feito em desconformidade com o POA e legislação aplicável (vide Ofício de página 568, relatório de página 2519 e resposta ao quesito 26 do laudo pericial).
vii) Garantia da possibilidade de armazenamento dos pertences pessoais:
Outro pedido formulado pelo Ministério Público diz respeito à possiblidade de os pacientes terem local apropriado para armazenar seus pertences pessoais.
Todavia, seja na petição inicial, seja na respectiva emenda, o autor não destacou o fundamento legal ou contratual que ampara esse pedido, situação que, por si só, conduz à improcedência. De qualquer modo, também essa irregularidade destacada pelo autor foi sanada pelas clínicas, conforme resposta ao Ofício 556/2010 do Ministério Público (página 562), da qual se extrai o item 3.10: "Aquisição de armários individuais, com chave, a fim de que os pacientes possam guardar os seus pertences particulares (objetos pessoais, roupas, pentes, escovas, dentre outros), desde que autorizado pelo médico responsável".
A existência desses espaços foi constatada pelo SUS (página 2428), em resposta afirmativa ao item 6.2.13. "Todos os pacientes têm espaço individual para guarda de objetos pessoais?". A mesma conclusão foi atestada no relatório final da DACA (página 2519), ressalvado apenas que os armários não são utilizados por todos os pacientes (dependem da condição clínica de cada um).
A perícia confirmou essa situação ao responder o quesito 14 do autor:
"Os pacientes têm acesso livre aos pertences de uso diário e constante (pente, escova de dentes, sabonete, pasta dental, etc). Os demais objetos de uso pessoal, inclusive roupas, são guardados em armários individualizados e identificados e permanecem à disposição dos pacientes para uso controlado. Não encontramos nenhuma situação, neste aspecto, de risco à incolumidade física aos internos" (página 3255).
Assim sendo, a sentença deve ser mantida também nesse tópico.
viii) Projeto terapêutico individualizado:
Por outro lado, a questão relativa à necessidade de estabelecimento de um projeto terapêutico individualizado para cada paciente merece provimento.
Trata-se de uma exigência totalmente de acordo com as diretrizes relacionadas à humanização do atendimento previstas na Lei 10.216/2001 e no contrato firmados entre as partes e respectivo Plano Operativo Anual, notadamente os itens 1.6 e 1.9 das metas do tópico B.1 (página 148).
O primeiro relato da insuficiência do projeto terapêutico adotado pelas instituições é veiculado pelo relatório PNASH de 2007 (página 71), segundo o qual "o projeto terapêutico existe no papel mas não existe na prática" e "não foi visto atendimento individual". Também antes do ajuizamento da ação a Autarquia apelada apresentou o ofício 1042/2010, por meio do qual relatou que "não foi verificada mudança significativa nos projetos terapêuticos".
Antes da ação, portanto, todos os elementos da prova apresentados indicam que não havia, de fato, a realização de projetos terapêuticos individualizados, justificando, portanto, a propositura da demanda e concessão da medida liminar de antecipação de tutela.
Tanto é que ainda depois de já em curso a ação foi constatado pelo SUS que "apesar do hospital, segundo relato da equipe, desenvolver as ações previstas no Projeto Terapêutico Institucional e anotar, no início da internação as ações para o Projeto Terapêutico Individual, as anotações referentes ao projeto individual e evolução diária, registradas pelos profissionais, são similares para todos os pacientes" (página 2434). As respostas negativas aos itens 8.2, 8.3 e 8.4 reforçam a insuficiência do projeto em um primeiro momento.
Somente após algum tempo é que passou a ser observada melhoria nesse sentido. É o que apontou o relatório final da DACA (página 2519), no qual destacou-se que "o projeto terapêutico individualizado consta no prontuário, a equipe se reúne diariamente para discutir os casos, todos passam por atendimento com assistência social, psicologia, além de médica e enfermagem".
Não se pode olvidar que a melhora nesse aspecto está diretamente ligada ao aperfeiçoamento dos registros nos prontuários e ao paulatino incremento do número de profissionais, circunstâncias que concorrem para a melhoria do atendimento individualizado aos pacientes das clínicas.
A perícia, por sua vez, confirmou que ao longo da ação os projetos terapêuticos foram implementados:
"19. Foram apresentados os projetos terapêuticos de cada paciente internado que se encontram disponíveis no prontuário individualizado para eventual fiscalização dos auditores da saúde do MP. (página 3256)
22. Cada paciente possui prontuário individualizado onde se encontram registrados a anamnese psiquiátrica, o plano terapêutico, as evoluções e prescrições médicas diárias, as evoluções e as prescrições diárias da enfermagem, assim como todo registro de interesse nosocomial de cada paciente (...). (página 3257)
78. Sim. Existe projeto terapêutico individualizado e específico para as diferentes patologias psiquiátricas e os resultados positivos são comprovados pelo grande percentual de reinserção social obtido (...). (página 3269)
Portanto, ainda que ao final da ação tenha sido constatada uma melhoria nesse quesito, não há como negar que a mudança está diretamente ligada ao ajuizamento da ação e concessão da medida liminar, motivo pelo qual esse pedido deve ser julgado procedente.
ix) Atividades terapêuticas/recreativas por 12h/dia:
A mesma situação verificada no item anterior se aplica ao pedido referente ao fornecimento de atividades terapêuticas e recreativas por período diário de 12 horas.
Essa é uma previsão taxativa do POA, que prevê como meta relacionada à humanização do atendimento (B.1) o oferecimento de atividades terapêuticas em período integral (1.13 - página 149).
Outra similaridade com o antecedente ponto analisado diz respeito ao fato de que é mais um elemento estritamente ligado a diversos outros enfrentados nessa ação, como a melhoria dos registros e a própria concretização efetiva de projeto terapêutico individualizado para cada paciente.
Mais uma vez, o Ofício da AMS que antecede a propositura da demanda é esclarecedor. Segundo ele, as atividades terapêuticas "continuam pouco satisfatórias, não abrangendo a maioria dos pacientes, com poucos materiais disponíveis" (página 569). Esse ofício corrobora situação já descrita no relatório da Auditoria 01/2009, que concluiu que "os usuários internos no serviço passam a maior parte do tempo sem atividades terapêuticas descritas no Projeto Terapêutico do serviço" (página 61).
As visitas quinzenais realizadas pela DACA/AMS comprovaram que esse quadro se manteve por longo período, vindo a se regularizar após o cumprimento da medida liminar deferida pelo juiz de origem.
O relatório final dessas visitas observou que "houve melhora na oferta de atividades de lazer e terapia ocupacional" (página 2519); por sua vez, o relatório da auditoria operativa apresentado em 2012 destacou que as "salas de T.O. estão sempre abertas ou sendo abertas nos momentos das visitas. (...) Apresenta quadro de atividades em período integral, tanto terapêuticas quanto de T.O (...)" (página 2644).
Essa melhoria se constata ainda pelas inúmeras fotografias juntadas aos autos (sobretudo às páginas 3066 e seguintes), nas quais podem ser observadas diversas atividades realizadas como festas de natal, gincanas esportivas, festas juninas, festa primavera, corais de dia dos pais/mães, missas de páscoa e natal, teatro e apresentações musicais.
Junto ao laudo outras imagens (páginas 3577 e seguintes) ainda ilustram a existência de atividades de artesanato, teatro, pintura, festas de aniversário, carnaval, palestras, cortes de cabelo, jogo de damas, futebol, tênis de mesa e cultivo de horta.
Em resposta ao quesito 19 do autor, os peritos também aferiram a existência de atividades terapêuticas e recreativas em período integral:
"Os internos têm inúmeras atividades terapêuticas intra e extra projeto desenvolvidas por inúmeros profissionais habilitados e devidamente orientadas para as necessidades individuais e compatíveis com a capacidade mental de cada paciente, sendo parte delas documentadas com fotografias que se encontram no presente laudo" (página 3256)
A sentença registrou essa mesma compreensão:
"A resposta também é positiva no laudo pericial, tendo os peritos constatado no local, inclusive em diligências sem prévio aviso, que tais atividades são rotineiras, conforme registro fotográfico anexo ao laudo" (página 5249).
Vale ressaltar, por fim, que para o cumprimento dessas atividades as clínicas contavam inclusive com corpo de profissionais específico, sem que exista qualquer exigência legal nesse sentido:
"Integram ainda o quadro de pessoal de nível superior, um fisioterapeuta, um educador físico e um educador artístico, com carga horária de 24h/semanais, cada profissional" (relatório SUS - página 2464)
Assim sendo, considerando que a melhoria na prestação de atividades terapêuticas somente foi feita após a concessão da antecipação da tutela, a sentença também deve ser reformada nesse ponto, a fim de que esse pedido seja julgado procedente.
x) Assistência integral à saúde:
Em relação ao pedido para "adoção de medidas tendentes a viabilizar a assistência integral à saúde dos internos", verifica-se que não houve a produção de qualquer prova no sentindo de ter sido descumprida essa obrigação.
Pelo contrário: as únicas provas produzidas nesse sentido apontam para o fato que desde a primeira visita quinzenal realizada pela Diretoria de Auditoria da AMS a assistência integral à saúde é prestada de acordo com a necessidade dos pacientes (páginas 825, 826, 829, 830, 833 e 834, dentre outras).
Não existem nos autos, portanto, indícios capazes de contrariar o que ao final foi assinalado pela perícia:
"21. Constatamos que os pacientes internados recebem assistência integral ofertada por numerosa equipe de profissionais de nível superior, constituída por médicos psiquiatras, médicos clínicos gerais, psicólogos, enfermeiras, assistentes sociais, terapeuta ocupacional, farmacêutico e nutricionistas. A assistência oferta é parte integrante do projeto terapêutico institucional e supre as atividades dos pacientes internados por período superior a seis horas diárias" (página 3256-3257)
Nesse ponto, pois, a sentença merece ser mantida.
xi) Implantação de ala de adolescentes:
No que tange ao pedido de implantação de ala de adolescentes, também não há qualquer fundamento normativo ou contratual que o embase.
Conforme bem destacou o juiz de origem na concessão da antecipação de tutela, por força do contrato firmado com o Município de Londrina a CPL está obrigada a disponibilizar somente seis leitos para tratamento de adolescentes, sendo inexigível a criação de ala exclusiva para esse fim (página 713).
De toda forma, o laudo pericial constatou que o atendimento prestado aos adolescentes é adequado, permanecendo acompanhados de um familiar 24 horas por dia, em quarto ou enfermaria exclusiva para esse fim (página 3257, resposta ao quesito 25 do autor).
Dessa feita, deve ser mantida a improcedência da ação nesse ponto, conforme acertadamente decidiu a sentença:
"Verifica-se, portanto, que os adolescentes ficam separados dos internados adultos, além de estarem acompanhados de pessoa da família. Não se vislumbra exigência legal ou normativa para que seja criada ala exclusiva, ainda que seja desejável" (página 5254)
3.3. Fiscalização pelo Poder Público:
Embora a grande maioria dos pedidos iniciais seja voltada às Clínicas rés, não se pode olvidar que parte deles, igualmente relevantes, diz respeito à postura das autoridades públicas envolvidas - Município de Londrina e Autarquia Municipal de Saúde.
Tanto é assim que esse foi o primeiro dos pontos controvertidos fixados pelo juízo de origem na página 2671:
"a) Se os réus Autarquia Municipal de Saúde e Município de Londrina, por meio de equipe multidisciplinar da AMS, já realizavam/realizam periodicamente a avaliação médico-psicológica e social dos pacientes internados nas clínicas (...) e que exerciam/exercem fiscalização com o intuito de verificar o saneamento de irregularidades contratuais"
Ao final da instrução, o juiz decidiu que esse ponto fora esclarecido pela perícia: "Erigido esse ponto controvertido como quesito do juízo, também elucidou a prova pericial que a Autarquia Municipal de Saúde e o Município de Londrina realizam periódicas avaliações dos pacientes internados, havendo efetiva fiscalização dos serviços hospitalares prestados, cobrando adequações necessárias, conforme exemplificam os procedimentos indicados no laudo pericial" (página 5243)
Entretanto, essa conclusão não merece prosperar, visto que contraria o que restou demonstrado nos autos.
Conforme já apresentado no tópico apropriado, a necessidade de fiscalização da execução das atividades objeto dos contratos firmados entre essas partes é incumbência é expressamente prevista no instrumento celebrado (cláusula décima primeira, §1º, II e §2º, IV, V, VI e IX, principalmente).
Inclusive preveem os contratos a criação de uma "Comissão Interinstitucional de Acompanhamento e Fiscalização do Contrato", com reuniões mensais "para zelar pela sua correta execução" (cláusula oitava - página 916).
No entanto, não há qualquer elemento nos autos que demonstre a concretização desse instrumento de controle da execução do contrato.
Ao mesmo tempo, os parcos elementos referentes à atuação do Município e Autarquia trazidos aos autos antes do ajuizamento são esparsos e não demonstram empenho da administração pública no sentido de reduzir ou solucionar os problemas detectados.
Pelo contrário, a resposta dada na perícia ao quesito 125 destaca que a inércia dos gestores municipais em regularizar determinada documentação enseja prejuízo aos repasses financeiros de Secretaria da Saúde.
Somente após as diversas diligências do Ministério Público na seara administrativa e acionamento da jurisdição é que a fiscalização das clínicas passou a ser exercida, caracterizando, assim, como bem ponderou a d. Procuradoria Geral de Justiça, omissão das autoridades rés:
"Notório, então, que houve omissão do Município de Londrina e da Autarquia Municipal de Saúde, tanto em relação à fiscalização na execução dos contratos quanto na imposição pela adequação dos serviços às normas de regência" (folhas 23 dos autos físicos)
Ao contrário do que entendeu o juiz de origem, a perícia não conseguiu contrariar essa conclusão. Em resposta ao quesito "a" do juízo, os peritos afirmaram (página 3249) que a AMS e o Município de Londrina realizam periodicamente avaliações e fiscalização dos serviços, citando diversos procedimentos que, supostamente, confirmariam essa tese. Todavia, confrontando os exemplos citados com os elementos dos autos, observa que somente um deles não é uma resposta a solicitação do Ministério Público.
A título de ilustração, cite-se o relatório de página 483, no qual se constata no topo "Visita realizada em virtude de solicitação do Ministério Público do Estado do Paraná".
A mesma situação é identificada na resposta ao quesito "12" das clínicas (página 3260).
Ou seja: a própria prova pericial, único elemento que embasou a sentença de improcedência nesse ponto, se revela falha em confirmar o cumprimento das obrigações contratuais de fiscalização atribuídas ao Município e Autarquia, uma vez que só apresentou situações de manifestação não espontânea dos entes públicos quanto aos problemas verificados nas clínicas rés. Caso os deveres fiscalizatórios tivessem sido cumpridos o próprio ajuizamento dessa ação seria inoportuno, uma vez que o contrato prevê expressa e detalhadamente a forma de correção dos problemas verificados ao longo da execução do objeto contratado.
Sendo assim, é preciso reformar a sentença quanto a esse ponto, a fim de que reste determinado de forma definitiva o cumprimento das disposições contratuais relativas à fiscalização do contrato por parte dos réus públicos. Essa também é a opinião da douta PGJ:
"Com efeito, é imperioso que seja imposto ao Município de Londrina e à Autarquia de Saúde, agora por sentença, a adoção de medidas efetivas de fiscalização e ação, voltadas à prestação satisfatória dos serviços ofertados pelas clínicas apeladas. A saúde é uma obrigação constitucional do Estado que, quando permitida ao particular, o é em caráter complementar. E isso implica rígida fiscalização como garantia do atendimento do interesse público" (folhas 23 dos autos físicos)
4. Do laudo pericial:
O apelante ainda se insurge em face do laudo pericial, ponderando que a prova, de um lado, está marcada pela imparcialidade e, de outro, não expressa a realidade das clínicas rés.
Ambos argumentos não comportam acolhimento.
Primeiro, porque a discussão está preclusa. O laudo pericial foi apresentado ao juízo às páginas 3219-4191 e nessa ocasião as partes foram intimadas a se manifestar. O autor, ora apelante, apresentou impugnação (páginas 4193-4221) requerendo anulação do laudo produzido e realização de nova perícia, pedidos indeferidos pelo juiz a quo na decisão de página 5130.
Essa decisão, que gerou o prejuízo ora reclamado pelo apelante, não foi objeto de recurso, motivo pelo qual não cabe agora discutir a suposta nulidade da prova produzida.
Nesse sentido decidiu recentemente esse E. Tribunal:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA.LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. LAUDO PERICIAL.DECORRÊNCIA DE PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO. LAUDO HOMOLOGADO. IMPUGNAÇÃO POR AGRAVO.IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO NÃO SUSCITADA NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.1. A preclusão temporal ocorre quando a perda da faculdade de praticar ato processual se dá em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tenha praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular.2. Se a parte deixa transcorrer o prazo para se manifestar nos autos, preclusa está a questão, especialmente quaisquer irregularidades que entenda presentes no laudo pericial. (TJPR - 16ª C.Cível - AI - 1341452-7 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - - J. 06.05.2015)
Por outro lado, sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial; como qualquer outra prova produzida no processo, deve ser sopesada com o restante do conjunto probatório, consoante dicção expressa do art. 436 do Código de Processo Civil: Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.
O entendimento jurisprudencial é unânime nesse sentido, podendo ser representado pelo seguinte julgado, integrante do informativo nº 519 de 2013 do STJ:
ADIREITO PROCESSUAL CIVIL. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ ÀS CONCLUSÕES DO LAUDO PERICIAL. É possível ao magistrado, na apreciação do conjunto probatório dos autos, desconsiderar as conclusões de laudo pericial, desde que o faça motivadamente. Conforme o art. 131 do CPC, "o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento". Por sua vez, o art. 436 do CPC dispõe que "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo afirmar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos". Nesse contexto, pode-se concluir que, no sistema processual brasileiro, a norma resultante da interpretação conjunta dos referidos dispositivos legais permite ao juiz apreciar livremente a prova, mas não lhe confere a prerrogativa de trazer aos autos impressões pessoais e conhecimentos extraprocessuais que não possam ser objeto do contraditório e da ampla defesa pelas partes litigantes, nem lhe outorga a faculdade de afastar injustificadamente a prova pericial, porquanto a fundamentação regular é condição de legitimidade da sua decisão. REsp 1.095.668-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/3/2013.
Sendo assim, verifica-se que não há qualquer óbice à utilização de elementos destacados da prova pericial, desde sua utilização seja feita a partir do confronto com os demais elementos probatórios produzidos nos autos.
5. Necessidade de tratamento psiquiátrico em hospitais em geral:
O Ministério Público ainda defende ser recomendável o tratamento psiquiátrico em hospitais em geral, conforme autorizado pela legislação pertinente, o que não admite provimento.
Primeiramente, porque foi amplamente demonstrado que ambas as clínicas rés, embora não possuam condições de atingir o número de funcionários idealmente previsto pela Portaria 251/2002 do Ministério da Saúde, melhoraram significativamente o atendimento prestado após as diligencias administrativas realizadas pelo Ministério Público e intervenção judicial, obtendo resultados satisfatórios em todas as mais recentes avaliações procedidas.
E mesmo que assim não fosse, isto é, ainda que se comprovasse nos autos que o atendimento prestado pelas clínicas não é satisfatório, o Município de Londrina e a AMS destacaram em mais de uma ocasião a inexistência de estrutura adequada para atendimento dos pacientes psiquiátricos em geral:
"(...) a simples e unilateral rescisão dos contratos, na forma pedida pelo Ministério Público somente poderia causar problemas maiores, como a falta de leitos que não poderia ser suprido de imediato por outros hospitais que atendem em convênio com o Sistema Único de Saúde. Diga-se ainda que o Município de Londrina não tem como obrigar outras instituições a realizar o tipo de atendimento realizados pelas clínicas rés" (página 4330)
"(...) eventual fechamento das clínicas seria catastrófica, porque a cidade de Londrina e Região não possuem estruturas físicas para atender os doentes psiquiátricos" (página 5360)
Ou seja, mesmo que hoje ainda estivessem presentes os elementos que justificaram a propositura da ação - o que, conforme pormenorizadamente analisado nos itens acima, não se verificou -, o descredenciamento das clínicas ou redução do número de leitos não seria medida mais adequada, situação esta que é prevista pelo próprio contrato:
Cláusula décima oitava, §4º. "O Conselho Municipal de Saúde deverá manifestar-se sobre a rescisão deste contrato devendo avaliar os prejuízos que esse fato poderá acarretar à população" (página 920)
Mais uma vez a questão depende da aplicação do princípio da reserva do possível: a norma citada pelo apelante não pode ser aplicada desconsiderando as circunstâncias fáticas do Município de Londrina no tocante à disponibilidade de leitos hospitalares, que não só restaram amplamente demonstradas nos autos como são de conhecimento público.
A medida pleiteada - descredenciamento/redução de leitos - é consequência que só encontra amparo na portaria para aquelas clínicas que não alcançaram o patamar mínimo exigido, o que não se aplica à Clínica Psiquiátrica de Londrina e à Villa Normanda, conforme já apresentado.
A seu turno, os contratos de prestação de serviços firmados entre as partes indicam algumas penalidades, na esteira da Lei 8666/1993, a serem aplicadas no caso de descumprimento das obrigações presentes no POA. Todavia, a cláusula décima quarta determina que a imposição das penalidades deve ser feita conforme a gravidade do fato, existindo previsão para aplicação, se for o caso, de pena de advertência, que deve ser priorizada em detrimento da rescisão, sobretudo pelos nefastos prejuízos à população já sublinhados.
Verifica-se, pois, que a medida de rescisão, com a transferência dos pacientes psiquiátricos das clínicas rés para hospitais gerais, é desnecessária - uma vez que o atendimento atualmente oferecido é satisfatório - e desproporcional.
Como se não bastasse, esse pedido ainda encontra óbice no próprio princípio da separação de poderes, conforme bem observou o magistrado de origem (página 5237), pois a opção da forma de distribuição de leitos psiquiátricos no Município de Londrina depende da discricionariedade do administrador público local, não cabendo a intervenção judicial nesse ponto.
Por fim, a sentença ainda salientou com acerto que o pleito de redução dos leitos para que o número de profissionais fique adequado à melhor oferta de tratamento possível, não soluciona os problemas levantados pelo Ministério Público, uma vez que o número de leitos é levado em conta para cálculo do repasse de verbas pela Administração Pública.
"Quanto à redução dos leitos para melhor atendimento, parece-me que em pouco mudaria a situação, visto que os repasses de verbas públicas do SUS para as clínicas psiquiátricas rés e faz proporcionalmente à quantidade de pacientes/leitos; assim, a redução de leitos, proporcionalmente haveria também redução de repasses, em nada melhoraria financeiramente os recursos de que dispõem as clínicas rés" (página 5243)
6. Procedência da ação:
Ao final, o apelante defendeu a necessidade de procedência da ação, considerando que a própria sentença expressamente destacou a relevância do ajuizamento da demanda e concessão da medida liminar de antecipação de tutela para que as clínicas corrigissem as irregularidades contratuais e normativas observadas e, assim, aperfeiçoassem o atendimento psiquiátrico prestado.
Assiste-lhe razão, conforme já abordado brevemente em tópicos anteriores.
O magistrado de origem julgou improcedentes todos os pedidos iniciais com base no artigo 462 do Código de Processo Civil, entendendo que a situação mais recente das clínicas - representada pelo panorama descrito no laudo pericial - é que deve fundamentar a procedência ou não da ação civil pública ajuizada.
Ocorre que o mencionado artigo não tem aplicação no presente caso, pois não se trata aqui da existência de um fato impeditivo, extintivo ou modificativo superveniente, mas de simples cumprimento da determinação judicial contida na decisão liminar.
Nesse caso, os pedidos iniciais que dependeram da existência dessa medida judicial para cumprimento pelas clínicas apeladas devem ser julgados procedentes, ainda que ao final da instrução processual tenham sido consideradas sanadas a maioria das irregularidades destacadas na petição inicial.
Essa é a posição da d. Procuradoria Geral de justiça em vários trechos do parecer juntado aos autos:
"De todo o modo, é incontroverso que muitas das melhorias verificadas pelos peritos resultaram do cumprimento da ordem liminar, ainda que parcialmente, a evidenciar que a realidade das clínicas, antes da medida antecipatória, era bem diferente da que foi apresentada na perícia, de maneira a confirmar a procedência da pretensão inicial" (folhas 17)
"Nesse viés, eventuais modificações na situação fática das clínicas não alteraram as razões do pedido. Em primeiro lugar, porque ditas mudanças percorreram exclusivamente da decisão que deferiu a medida liminar. Em segundo, porque a ordem judicial não foi integralmente cumprida. Ainda restam muitas pendencias administrativas para implementação das normas de atendimentos psiquiátricos." (folhas 19)
"Em suma, a qualidade de satisfatórios atribuída aos serviços das clínicas apeladas pelo laudo pericial é consequência direta do comando judicial deferido inicialmente, e não da atividade espontânea dos apelados" (folhas 23-v) "A sentença não afasta a imprescindibilidade das medidas sanitárias e administrativas requeridas pelo apelante. Sequer as afirma impróprias, ilegais ou supérfluas. Ao revés, confirma-as, porém, com a justificativa de que decorrem da defasagem orçamentária do SUS ou na razoabilidade do cumprimento das obrigações contratuais. Contudo, os fundamentos não conduzem ao julgamento de improcedência do pedido. A improcedência estaria na ausência de razão da parte quanto ao direito postulado na petição inicial, o que, como dito, não é o caso." (folhas 24-v)
Nesse sentido, os pontos em que restou constada a necessidade do ajuizamento da ação para a melhoria do serviço devem ser julgados procedentes, confirmando-se, assim, a liminar anteriormente concedida.
Vale destacar que essa circunstância não autoriza a imposição aos réus do ônus da sucumbência, pois estes decaíram em parte mínima dos pedidos realizados pelo autor.
Reexame necessário:
Uma vez que todos os aspectos da sentença foram objeto de recurso, o reexame necessário fica prejudicado.
Conclusão:
Por tais fundamentos, voto no sentido de:
a) Dar parcial provimento ao recurso de apelação, para o fim de confirmar a liminar anteriormente concedida e julgar procedentes os pedidos referentes à necessidade de aperfeiçoamento da higiene dos pacientes, roupas e ambientes da clínica (item 3.2. "iii" dessa decisão), melhora dos registros e comunicação de irregularidades (item "iv"), implementação de projeto terapêutico individual ("viii"), desenvolvimento de atividades de terapia ocupacional e recreação ("ix") e fiscalização da execução dos contratos pelo Poder Público (item 3.3.), providências essas a serem executadas dentro do prazo de 30 dias, contados da data de publicação deste acórdão, sob pena de não o fazendo responder pela multa diária de R$ 1.000,00, limitado ao prazo de 30 dias findo o qual caberá ao Juiz tomar outras medidas cabíveis.
b) Julgar prejudicado o reexame necessário.
DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso e julgar prejudicado o reexame necessário.
A Sessão foi presidida pelo Des. Leonel Cunha, que compôs o quórum de julgamento, acompanhado pelo Desembargador Luiz Mateus de Lima.
Curitiba, 01 de dezembro de 2015.
DES. CARLOS MANSUR ARIDA Relator
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