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Acórdão
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL Nº 1.283.842-9/01 DA COMARCA DE ANDIRÁ EMBARGANTE: ALL AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S/A EMBARGADO: MARIA DAS GLÓRIAS SANTOS RELATOR: DESEMBARGADOR LUIZ LOPES RELATOR SUBST.: JUIZ SUBST. 2º GRAU CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS. MATÉRIA VENTILADA DEVIDAMENTE DISCUTIDA E DECIDIDA. RAZÕES CLARAMENTE DECLINADAS, EM DESCONFORMIDADE COM O INTERESSE DO EMBARGANTE. NÍTIDO INTERESSE EM REDISCUTIR A MATÉRIA. PREQUESTIONAMENTO INVIÁVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E REJEITADOS. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração Cível nº 1.283.842-9/01, em que é Embargante ALL AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S/A e Embargado MARIA DAS GLÓRIAS SANTOS.
I RELATÓRIO
Tratam-se de Embargos de Declaração opostos em face de v. Acórdão de fls.192-215/TJ, que proveu parcialmente o recurso de apelação manejado pela ora embargada.
Em suas razões, assevera a embargante que o acórdão é contraditório e omisso, eis que: a) houve contradição em relação à comprovação nos autos de culpa exclusiva da vítima, pois há nos autos prova do seu estado de embriaguez mediante a apresentação do exame do IML, o qual indica o grau de concentração alcóolica de 29,2 dg/l; b) não pode ser considerado como fator de culpabilidade da embargante a transposição pela linha férrea em local inapropriado para o trânsito de pedestres; c) houve, ademais, omissão no que concerne ao art. 944 do Código Civil, uma vez que o valor fixado a título de danos
morais é desproporcional, configurando enriquecimento ilícito, além de tê-lo sido arbitrado sem a observância de qualquer sustentáculo probatório.
Ao final, pugna pelo conhecimento e acolhimento dos presentes aclaratórios, os quais possuem finalidade de prequestionamento.
Vieram-me conclusos.
É o que de relevante tinha a relatar.
II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Os embargos são tempestivos, razão pela qual os conheço para discussão.
No mérito, todavia, não merecem prosperar.
Deve-se lembrar que os Embargos de Declaração servem para sanar vícios eventualmente existentes na decisão, caracterizados pela omissão, obscuridade ou contradição.
No caso em comento, contudo, a embargante não aponta qualquer vício no julgamento. Observa-se que a matéria questionada foi devidamente analisada por meio de razões claras e suficientes, cuja decisão mostrou-se destoante de seus interesses.
Vejamos trecho do acórdão que versa sobre o tema:
"Apesar de não constar dos autos fotos que demonstrem as características do local onde ocorreu o acidente, restou incontroverso que o atropelamento ocorreu em trecho urbano da via, em local habitado, nas proximidades da estação.
Inclusive, a apelada, em sua contestação (fl. 44, segundo parágrafo) assevera "que em todo o trecho ferroviário urbano da cidade de Andirá/PR há fiscais da empresa de segurança GERSEPA, que tem a função de analisar acidentes ocorridos na malha ferroviária cuja responsabilidade é da requerida. "
Ainda, além da empresa ferroviária não contestar expressamente o fato, em suas contrarrazões recursais (fl. 158) afirma que "o
autor era conhecedor da região, pois morava nos arredores da linha, sabendo da existência dela, (...). "
Inconteste, portanto, que o acidente ocorreu em trecho urbano.
Ainda, com relação à inexistência da adoção de medidas de segurança pela empresa concessionária a não ser a suposta presença do fiscal de segurança GERSEPA -, o fato também é incontroverso, já que a apelada nada disse sobre o ponto em sua contestação, além de consignar em suas alegações finais que "não sendo o local do acidente área de cruzamento em via pública, a sinalização adequadamente usada é a buzina da máquina (trem), o que é suficiente para o alerta de transeuntes ou animais próximos aos trilhos."
Isto estabelecido e tomando em consideração que a responsabilidade da requerida é objetiva, com a devida vênia do entendimento do douto magistrado, era ônus da requerida demonstrar, com evidências sérias e seguras, que adotou todas as medidas tendentes a evitar e/ou atenuar o risco causado pela via para os transeuntes e moradores locais que, a todo momento, se veem obrigados a cruzar a via.
Era da requerida o ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, de início demonstrando/identificando claramente o local do acidente, bem assim quais as medidas usuais de segurança empregadas, além de apontar e demonstrar a suficiência destas.
Era seu dever identificar a máquina, o maquinista, os horários, a velocidade e iluminação, enfim, todos os detalhes que pudessem demonstrar que nenhuma responsabilidade lhe pode ser atribuída.
Uma vez estabelecido o horário provável do acidente, era seu dever identificar o maquinista ou maquinistas, ouvi-los em sindicância interna, trazendo estes elementos aos autos.
Em suma, não se sabe se foram tomadas todas as medidas de segurança necessárias para possibilitar a transposição da linha férrea sem risco à vida dos transeuntes, a teor do art. 333, II, do CPC.
No entanto, a preposta da empresa, ouvida em juízo, informou que não conhecia o local do acidente, nada esclarecendo sobre os fatos, e, portanto, não desconstituiu as alegações da apelante.
Aliás, é bom que se diga, a apresentação de preposto que desconhece os fatos é desrespeito ao juízo e ao Poder Judiciário, merecendo a reprimenda da confissão ficta, conforme o seguinte julgado:
"O depoimento pessoal de pessoa jurídica deve ser prestado por mandatário com poderes especiais e com os necessários conhecimentos técnicos da causa. A simples preposição, aliada à vacuidade do depoimento do preposto, caracteriza verdadeira confissão quanto à matéria de fato. " RT 672/123 [...] Oportuno reportar que o despacho de fls. 105/verso, no item 08, expressamente consigna a pena de confissão, mas, de rigor, ainda que não se considere a confissão ficta, o quadro não se altera, na medida em que era ônus da requerida fazer prova de que adotou as cautelas necessárias, o que não fez.
Convém repetir que o acidente ocorreu em trecho urbano e a própria concessionária não informa a existência de cercas, muros, cancelas, etc.; ao contrário, admite que a única medida de cautela é a presença de fiscais (?) e a utilização de sinal sonoro.
A responsabilidade da concessionária de transporte ferroviário, em regra objetiva, por ser delegatária de serviço público, nos termos do art. 37, §6º, da CF, somente será subjetiva nos casos de conduta omissiva, ou seja, quando há um não fazer que acarreta o resultado danoso, mas, no caso, em face das circunstâncias do caso concreto, seu era o ônus de provar.
Partindo dessa premissa e estudando a jurisprudência, em especial nos trechos urbanos, penso que a responsabilidade da empresa ferroviária somente pode ser excluída quando ela demonstrar que tomou todas as providências possíveis e imagináveis para afastar qualquer risco, em especial aquelas já referidas na legislação que tratava do assunto.
É caso de aplicação do REsp nº 1172421-SP, julgado sob o regime do art. 543-C, do CPC, onde restou pacificado, que ocorrendo atropelamento de pedestre em via férrea, configura a concorrência causas quando: (I) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, principalmente em locais urbanos e populosos como no caso em comento; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado hipótese dos autos em que o autor cruzou a linha férrea, em estado de embriaguez.
E a jurisprudência mais recente do STJ sobre o tema, pacificado o entendimento sob a égide do art. 543-C, do CPC, entende que a culpa da transportadora ferroviária "resulta, nesse caso, da omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização das medidas garantidoras de segurança na circulação da população". [...] E, restando incontroverso nos autos que o local do acidente era totalmente desprovido de qualquer cancela, muros, cercas ou passarelas, de forma a minimizar os riscos de acidentes, caracterizada está a culpa concorrente da empresa de transporte (ALL).
Importante frisar que a jurisprudência entende como situações em que o fato danoso é fruto de culpa exclusiva da vítima, com exclusão de toda e qualquer responsabilidade civil, quando há, por exemplo: (i) o estado de embriaguez da vítima como causa única e adequada do acidente (EDcl no Ag 1.320.610/SP, DJe 13/04/2012; AgRg no REsp 1.260.436/SP, DJe 12/12/2011); (ii) caracterização do suicídio.
No caso, o laudo de IML, colacionado aos autos às fls. 106, "acusou resultado POSITIVO para álcool etílico, com concentração de 29,2 dg/l (vinte e nove decigramas e dois décimos de decigrama por litro) de sangue analisado".
Mas, apesar da elevada dosagem alcoólica no sangue da vítima, nem por isso restou comprovado que foi a embriaguez a causa única e adequada do acidente, já que a requerida não cuidou de identificar o local do acidente, as prováveis circunstâncias do ocorrido, ou fez prova de que no local havia cercas ou locais apropriados para a travessias, de maneira que fosse possível ao pedestre transpor a via de forma segura. ]...] O dano moral da apelante é evidente, porque decorrente do grande abalo psicológico suportado com o falecimento de seu filho, sendo desnecessário mesmo tecer maiores considerações a respeito. [...] Para determinar o valor indenizatório, devem ser observadas a gravidade do fato e a situação econômico-financeira das partes. Com a reparação não se busca apenas compensar a aflição e a intranquilidade causadas pelo ato ilícito praticado, mas esta também apresenta um caráter pedagógico e inibitório, vez que visa precipuamente coibir a continuidade ou repetição da prática pela parte requerida.
Há de se observar, portanto, a proporcionalidade e a razoabilidade. [...] Atenta-se, ainda, à conduta culposa da vítima que concorreu para o evento danoso.
Ademais, cumpre salientar que a autora é beneficiária da assistência judiciária gratuita, presumindo-se dos elementos dos autos que possui precárias condições financeiras.
Já a ré é concessionária que presta serviço público de transporte ferroviário, sendo notória sua excelente capacidade econômica.
Assim, fixo o valor do dano moral em R$ 80.000,00, o qual deverá ser pago à metade (R$ 40.000,00), em virtude da culpa concorrente da vítima.
Importa dizer aqui que a responsabilidade da requerida, ora apelada, é grave, na medida em que, ao longo dos anos, não revela preocupação efetiva de melhorar as condições de segurança em trechos urbanos, obrigação primeira de quem recebe do poder público concessão que é ou pode ser imensamente lucrativa. " Segundo a embargante, os aclaratórios opostos visam o prequestionamento da matéria questionada, mas, para viabilizar esse exame é imprescindível a existência de algum vício previsto no artigo 535 do Código de Processo Civil, situação não configurada no presente caso.
Nesse sentido o entendimento desta Câmara Cível:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO - INOCORRÊNCIA - REDISCUSSÃO DA MATÉRIA - IMPROPRIEDADE DA VIA RECURSAL - MERO INCONFORMISMO - PROPÓSITO DE PREQUESTIONAR ARTIGOS DE LEI - IMPOSSIBILIDADE.EMBARGOS REJEITADOS. Inexistindo no acórdão qualquer omissão, contradição ou obscuridade, inviável se torna o acolhimento dos Embargos de Declaração, ainda que para fins de prequestionamento. (TJPR - 10ª C.Cível - EDC - 1310673-3/01 - Paraíso do Norte - Rel.: Luiz Lopes - Unânime - - J. 05.11.2015)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACÓRDÃO. PROLAÇÃO DE SENTENÇA.FATO NOTICIADO SOMENTE APÓS O JULGAMENTO DO RECURSO PELA CÂMARA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA PELO COLEGIADO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AVENTADA OCORRÊNCIA DE OMISSÃO. EFEITOS INFRINGENTES. MERO INCONFORMISMO DA PARTE EMBARGANTE. Inexistindo na decisão contradições, omissões, obscuridades ou dúvidas, inviável se torna o acolhimento dos Embargos de Declaração, máxime quando se mostra visível que a intenção da Embargante é a rediscussão dos temas, não constituindo, todavia, a hipótese, a via processual adequada. Ademais, o acolhimento dos Embargos de Declaração com efeitos infringentes e modificativos do julgado, somente pode ocorrer em casos especialíssimos, quando de fato constatada omissão ou contradição cujo reparo conduza à outra convicção, diversa daquela esposada pela decisão embargada. O c. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que "mesmo nos embargos de declaração com o fim de prequestionamento, devem-se observar os lindes traçados no art. 535 do CPC. (...)"1. EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS. (TJPR - 10ª C.Cível - EDC - 1171947-6/01 - Curitiba - Rel.: Elizabeth de F N C de Passos - Unânime - - J. 18.12.2014)
Assim, o que se revela é o inconformismo com o que foi decidido e o intento de rediscutir a matéria, o que não se tolera em sede de Embargos de Declaração.
Assim sendo VOTO no sentido de CONHECER e REJEITAR os Embargos de Declaração.
É como voto.
III DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e rejeitar os Embargos de Declaração, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora ÂNGELA KHURY, com voto, participou da sessão de julgamento e acompanhou o voto do Relator o Exmo. Sr. Des ALBINO JACOMEL GUERIOS. Curitiba, 10 de dezembro de 2015. CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN Juiz de Direito Subst. em 2º Grau Relator (ls).
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