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Acórdão
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Certificado digitalmente por: LUIZ OSORIO MORAES PANZA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.215.303-4, DA 9ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA. APELANTE (1): ACE SEGURADORA S/A APELANTE (2): JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA E OUTROS APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: DES. LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO CIVIL PÚBLICA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS EM RAZÃO DA DESORDEM E DA AUSÊNCIA DE SEGURANÇA AOS CONSUMIDORES SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA AGRAVO RETIDO CUMPRIDA A EXIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 523, §1º, DO CPC CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL NÃO ACOLHIMENTO PROVA IMPERTINENTE JUIZ É O DESTINATÁRIO DAS PROVAS INTELIGÊNCIA AOS ARTIGOS 130 E 131 DO CPC AGRAVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA SEGURADORA (1) JULGAMENTO EXTRA PETITA VÍCIO NÃO CONSTATADO DECISÃO NOS LIMITES DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR LEGITIMIDADE DA LITISDENUNCIADA VERIFICADA APÓLICE SECURITÁRIA QUE PREVÊ A COBERTURA DE DANOS MORAIS AUSÊNCIA DE EXPRESSA EXCLUSÃO PARA O DANO EM ESPECÍFICO RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELOS RÉUS (2) JULGAMENTO CITRA PETITA NÃO VERIFICADO LEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU EMÍLIO, EM RAZÃO DA SUA ATUAÇÃO ATIVA NA ORGANIZAÇÃO DO EVENTO EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE NÃO VERIFICADOS ORGANIZADORES DO EVENTO QUE TINHAM O DEVER DE ORIENTAR OS SEUS PRESTADORES DE SERVIÇO A IMPEDIR O ACESSO AO SHOW DE PESSOAS QUE PORTAVAM INGRESSO FALSO CONDUTA OMISSA E INCAUTA RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONSTATADA OFENSA AOS ARTIGOS 14, "CAPUT" E PARÁGRAFO PRIMEIRO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CULPA E NEXO CAUSAL DANO MORAL COLETIVO QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE SE MOSTRA ADEQUADO AO CASO EM COMENTO, CONSIDERANDO A MAGNITUDE DO EVENTO, A GRAVIDADE DO DANO E A CAPACIDADE ECONÔMICA DA EMPRESA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO SENTENÇA MANTIDA. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.215.303-4, da 9ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, em que figura como apelante (1) Ace Seguradora S/A e como apelante (2) Júlio César de Oliveira, Liliane Franciele Zajackoski e Emílio Loureto Zajacoski, sendo apelado o Ministério Público do Estado do Paraná. Trata-se de Apelações Cíveis interpostas contra a sentença proferida nos autos de "Ação Civil Pública" que, às fls. 2637/2641,
julgou procedente o pedido formulado na inicial, condenando os réus, de forma solidária, ao pagamento da quantia de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), a título de danos morais, que deverão ser revertidos em proveito do Fundo Municipal de Defesa do Consumidor de Londrina. Ante a sucumbência, os réus foram condenados ao pagamento das custas e despesas processuais, sem a condenação de honorários advocatícios. No tocante à lide secundária, o magistrado condenou a seguradora ao pagamento de R$ 90.000,00 (noventa mil reais), em favor da ré, "que, como corolário da economia processual e da efetividade das decisões jurisdicionais, poderá ser executada diretamente pelo Ministério Público do Estado do Paraná" (fl. 2461), bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da ré, os quais foram arbitrados em 10% do valor da condenação, nos termos do artigo 20, §§3º e 4º, do CPC. Foram opostos embargos de declaração às fls. 2644/2648 pelos réus Júlio César de Oliveira, Liliane Franciele Zajackoski e Emílio Loureto Zajacoski. O magistrado conheceu e rejeitou os embargos opostos, em razão da inexistência de vícios na decisão (fl. 2649). Irresignada, a litisdenunciada, Ace Seguradora S/A, interpôs recurso de apelação (fls. 2653/2668). Nas razões de apelação sustenta a apelante (1), em síntese, que: a) a sentença deve ser declarada nula por ser extra petita, em razão de conceder cobertura não pleiteada, em clara exclusão aos ditamos do que foi contratado; b) é parte ilegítima para ocupar o polo passivo da lide, visto que a apólice de seguros foi contratada pela pessoa jurídica Liliane Francieli Zajarkoski F.I. e não diretamente pela ré; c) a ré não contratou cobertura para o ressarcimento de danos morais puro; d) houve contratação, tão somente, da cobertura para os danos morais decorrentes de danos materiais e/ou pessoais causados a terceiros e efetivamente indenizados; e) "a responsabilidade da seguradora fica adstrita à nomenclatura das coberturas que figuram no frontispício da apólice, sem qualquer observância de seus
critérios, extensão" (fl. 2665); f) a não correta adoção dos critérios de segurança (número mínimo exigido para o local, de acordo com a cláusula contratual n.º 3, acarreta na perda da cobertura securitária; g) os organizadores do evento não podem ser responsabilizados pela ausência de policiamento na área externa do recinto, tendo em vista que no dia dos fatos ocorreu uma rebelião na cadeia pública da cidade, o qual demandou o deslocamento de grande parte do efetivo da polícia; h) não há como atribuir aos envolvidos qualquer responsabilidade pela falsificação dos ingressos colocados à venda. Por fim, pugna a apelante pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido na ação civil pública, em razão da ausência de provas acerca da responsabilidade dos réus. Recebido o recurso em ambos os efeitos, as partes foram intimadas para apresentar contrarrazões no prazo legal (fl. 2673). Na sequência, os réus, Júlio César de Oliveira, Liliane Franciele Zajackoski e Emílio Loureto Zajacoski interpuseram recurso de apelação (fls. 2674/2697). Preliminarmente, os apelantes (2) reiteraram as razões do agravo retido, alegando a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Arguiram também a nulidade da sentença, argumentando se tratar de decisão citra petita porque deixou de apreciar diversos pontos controvertidos levantados em sede de contestação, tal como a ilegitimidade passiva de Emílio Loureto. No mérito, sustentam, em suma, que: a) o réu Emílio Loureto não é parte legítima para ocupar o polo passivo da lide, em razão de ser apenas um funcionário eventual, que atuava sob as ordens e orientações dos organizadores do evento, de modo que não pode ser responsabilizado por eventual condenação; b) o magistrado partiu de premissa equivocada ao imputar aos apelantes a responsabilidade pela falsificação dos ingressos, escassez de policiamento e segurança e pela violação dos automóveis; c) os reais responsáveis pela confecção dos ingressos, de acordo, com o
determinado no contrato de locação de exibição de serviços musicais, eram os produtores da artista; d) não tiveram qualquer ingerência no processo de manufatura dos ingressos, não podendo sequer influenciar na questão, tendo em vista que os modelos eram impostos pela própria produtora; e) restou comprovado que foram contratados 120 seguranças para o evento e que tal número era mais do que o suficiente para a expectativa de pessoas estimadas para o show; f) "a suposta insuficiência da empresa de segurança se deu não pelo número de seguranças, mas sim em razão da presença massiva de pessoas no local, diante da falsificação de ingressos" (fl. 2686); g) não há, nos autos, comprovação de que os carros foram violados no estacionamento; h) em resposta ao ofício a Polícia Militar informou que os furtos não ocorreram no estacionamento, mas, sim, nas adjacências; i) "os apelantes não podem ser responsabilizados pelo que eventualmente ocorreu nos estacionamentos, já que por estrita disposição contratual, a área locada não contemplava a sua exploração" (fl. 2688). Na mesma senda, asseveram que: a) o evento danoso noticiado na inicial decorreu de caso fortuito e de força maior, mais especificamente, por conta da falsificação dos ingressos e a ausência de policiamento no local, situações em que não há o dever de indenizar em razão da ausência de nexo de causalidade entre a conduta e o dano; b) "não obstante a responsabilidade pela confecção, não há como transferir a culpa pela falsificação dos ingressos aos apelantes, vez que se trata de atos de terceiros também causa de excludente de responsabilidade civil já que foram meliantes que realizaram tal ilícito e os apelantes, enquanto organizadores do evento, também foram severamente prejudicados com a falsificação" (fl. 2688); c) a ausência de policiamento, devido a rebelião no Centro de Sócio Educação de Londrina, aliada a superlotação de pessoas, em virtude da massiva falsificação de ingressos, foram predeterminantes para a ocorrência dos danoso; d) os portões do Centro de Convenções e dos camarotes foram abertos em estrito estado de necessidade, "já que não havia mais como conter o elevado número de pessoas que ameaçavam invadir o local sem policiamento, e evitar que ocorresse o pisoteamento de pessoas" (fl.
2691); f) "tais fatos (abertura dos portões e da área vip) ocorreram com vistas a evitar com que um tumulto maior se instalasse no local e prejudicasse mais ainda o regular transcurso do evento, estando presente causa excludente de responsabilidade por estado de necessidade" (fl. 2692). Caso assim não se entenda, requerem a redução do valor da indenização por danos morais, sugerindo como patamar o montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). O magistrado recebeu o recurso no duplo efeito e intimou as partes para apresentarem contrarrazões (fl. 2701). Contrarrazões apresentadas pelos réus às fls. 2703/2712. Subidos os autos a esta Corte, sobreveio manifestação da Douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 2831/2833), que requereu que os autos fossem encaminhados à origem para regularizar a intimação do Ministério Público para apresentar de contrarrazões. O pedido foi deferido e os autos foram baixados em diligência (fl. 2835). Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (fls. 2837/2846), em que se pugnou pelo não provimento dos recursos interpostos. Em ato subsequente, a Douta Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer, manifestando-se pelo não provimento dos apelos. Após exame de competência realizado pela Primeira Vice-Presidência, vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Decido. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos. Do Agravo Retido
Primeiramente, cumpre destacar que houve interposição de Agravo Retido (fls. 2613/2617) pelos réus contra a decisão interlocutória que considerou desnecessária a instrução processual por meio de prova testemunhal, julgando antecipadamente a lide (fl. 2611). Asseveram os agravantes que a negativa da referida prova enseja cerceamento de defesa, posto que com a tal pretendia-se comprovar que o incidente relatado na inicial somente aconteceu em razão de caso fortuito e força maior, consubstanciado na falsificação massiva de ingressos e na ocorrência de rebelião no centro de sócio educação de Londrina. Cumprida a exigência prevista no artigo 523 do Código de Processo Civil, conheço do recurso interposto. Da leitura da decisão que deu ensejo à interposição deste recurso, verifica-se que o magistrado indeferiu a prova testemunhal pleiteada por entender que as alegações produzidas pelas partes e a farta prova documental acostada seriam suficientes para o deslinde da causa. Ora, é de todo sabido que o juiz é o destinatário final das provas produzidas, e se este entende que suas razões de decidir independem da produção de outras provas (como no caso, a testemunhal), o indeferimento de uma delas, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa. A propósito, dispõe o artigo 130 do Código de Processo Civil que: "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias". Interessante também é a redação do artigo 131 do CPC, que diz que: "O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento". Depreende-se dos dispositivos acima transcritos, que o legislador concedeu ao magistrado uma parcela de liberalidade quando da análise probatória, possibilitando-lhe indeferir as diligências inúteis ou
meramente protelatórias e autorizar as necessárias à formação do seu convencimento. Sobre o tema já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRESCRIÇÃO DECENAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 130 do CPC. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que, nos casos de seguro de vida em grupo, o prazo prescricional aplicável ao beneficiário é de dez anos, enquadrando-se no art. 205 do CC/2002. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 567.505/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 16/09/2015). ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGENTE DE SAÚDE. FUNASA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO. LIVRE CONVENCIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. 1. Cumpre ao magistrado, destinatário da prova, valorar sua necessidade, conforme o princípio do livre convencimento motivado. Assim, não há violação ao art. 130 do CPC quando o juiz analisa as provas testemunhais e documentais e forma seu convencimento em decisão adequadamente fundamentada. 2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, a respeito do alegado cerceamento de defesa, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AgRg no REsp 1497190/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 21/08/2015).
Portanto, entendendo o Juiz que a colação da prova documental era suficiente para a constituição do seu convencimento, o indeferimento da prova testemunhal, por sua impertinência, não constitui cerceamento de defesa. Ademais, devido ao farto conjunto probatório colacionado aos autos, mostra-se desnecessária a oitiva de testemunhas. Nesse sentido, a propósito, foi o parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça (fl. 2857): "As provas utilizadas pelo Magistrado para o julgamento do feito foram suficientes para o seu convencimento, não sendo necessários depoimentos de testemunhas, como pugnam os requeridos, pois as provas carreadas aos autos demonstram como ocorreram os fatos. Assim, em análise aos autos, verifica-se que as provas que dele constam há informações suficientes dos aspectos fáticos e jurídicos para que sejam devidamente analisados, os quais independem da realização de novas provas".
Diante disso, nego provimento ao recurso. Do Recurso de Apelação Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face de Júlio César de Oliveira, Liliane Franciele Zajackoski e Emílio Loureto Zajacoski, visando a tutela dos interesses individuais e homogêneos em razão da ofensa ao direito à vida e a segurança dos consumidores que foram lesados pela conduta omissiva dos organizadores do evento. Consta na inicial que, em 04.05.2007, os réus realizaram no Centro de Eventos de Londrina um show com a cantora Ivete Sangalo, no qual os expectadores foram alvo de extrema desorganização, tumultos e insegurança devido a problemas decorrentes da grande aglomeração de pessoas dentro e nos arredores do local, por conta da
falsificação em massa de ingresso e da falta de segurança para conter a passagem daqueles que tinham ingressos falsos. Segundo relata o Ministério Público, os camarotes, área privativa destinada ao uso de consumidores que compraram os ingressos a preços diferenciados, se tornaram um amontoado de pessoas devido ao fato dos seguranças possibilitarem a invasão à área restrita, impedido, muitas vezes, a passagem daqueles que, de fato, detinham o ingresso Vip. Por esses motivos foi instaurado Procedimento Investigatório Preliminar (PIP 05/07), a fim de apurar a ocorrência de violação ao disposto no Código Consumerista, em especial, a previsão ao artigo 14, §1º, "uma vez que, os réus, ao produzirem e organizarem o referido show tinham o dever de prevenir todos os problemas que um evento daquele porte poderia acarretar, principalmente no que tange à segurança e a integridade física do público, ora consumidores na presente ação" (fls. 03/04). Como dito alhures, após regular processamento do feito, o Magistrado julgou procedente o pedido formulado na inicial, condenando os réus ao pagamento de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), a título de danos morais. Contra essa decisão recorreram os réus e a litisdenunciada. Cumpre informar que, por uma questão lógica e para um melhor entendimento, não tratarei pontualmente de cada uma das alegações apresentadas individualmente nos apelos, mas analisarei conjuntamente o conteúdo que abrange os argumentos, cingindo-me ao cerne da questão. Pois bem. Da Lide Primaria - Da Nulidade da Sentença - Citra Petita Asseveram os apelantes que a sentença é citra petita, pois o magistrado se silenciou acerca da ilegitimidade passiva de Emílio Loureto Zajaczkoski, mesmo após a oposição de embargos declaratórios.
Sem razão. Primeiramente, há que se consignar que a petição inicial fornece os limites da atuação jurisdicional, de modo que o magistrado não pode analisar questões que estão além do exposto na exordial, ficando, portanto, adstrito ao pedido, juntamente com a causa de pedir, sendo-lhe vedado decidir aquém (citra ou infra petita), fora (extra petita) ou além (ultra petita) do que foi descrito, a não ser em casos permitidos pela legislação, a exemplo as causas que admitem reexame necessário. Nesse sentido, dispõem os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil que: Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Porém, ao contrário do alegado, não se verifica a ocorrência de omissão no tocante a legitimidade passiva de um dos réus, tendo em vista que o sentenciante apreciou a questão juntamente com o mérito da demanda, decidindo pela responsabilização dos organizadores pelo evento danoso relatado na inicial. Assim, o fato de o magistrado ter adotado solução diferente a da pretendida pelos apelantes não constitui o vício da omissão, previsto no artigo 535 do Código de Processo Civil. Destarte, decisão dos embargos declaratório consignou o seguinte: "A questão acerca da ilegitimidade do réu Emílio Loureto Zajacoski, na realidade, confunde-se com o próprio mérito da demanda (ser ou não responsabilizado pelos danos alegados na inicial). Ocorre que o fato de ser formalmente um funcionário "eventual"
da empresa promotora de eventos não elide as outras alegações fáticas contidas na inicial, e incontroversas, no sentido de que ele foi um dos organizadores do evento, e, por isso, deve ser responsabilizado pelos danos daí decorrentes, razão pela qual inexistiu omissão da sentença neste aspecto. No mais, os embargantes discorram dos fundamentos da sentença alusivos à responsabilidade dos réus organizadores do evento pelos danos causados, imputando ao seu teor, portanto, error in judicando (má aplicação do direito), hipótese que não configura contradição, omissão ou obscuridade" (fl. 2649).
Tem-se, portanto, que a nulidade apontada deve ser afastada. - Da Ilegitimidade do Réu Emílio Loureto Zajaczkoski No tocante à preliminar de ilegitimidade passiva, razão não assiste os apelantes. Isso porque da análise dos autos é possível constatar, sem muito esforço, que o Sr. Emílio não era apenas um funcionário terceirizado, mas alguém que detinha poderes para representar os interesses da empresa, tendo em vista a contratação dos serviços de vistoria (cf. fl.185) e de segurança (cf. fl. 187/189). Nota-se, ademais, que tanto a autorização conferida pela Prefeitura Municipal de Londrina, para a realização do evento (show da Ivete Sangalo), quanto o alvará judicial, com a autorização da entrada e permanência de adolescentes, e a licença da Polícia Civil de Londrina foram concedidos expressamente em nome do Sr. Emílio Loureto Zajaczkoski (fls. 182/184). Não há dúvidas, portanto, de que o réu foi um dos organizadores do show, devendo, por conta de sua ativa e importante atuação, ser responsabilizado juntamente com os demais apelantes. Diante disso, não há o que se falar em ilegitimidade passiva. - Do Meritum Causae No que tange ao mérito recursal, sustentam os apelantes que o magistrado partiu de premissa equivocada ao lhes imputar a
responsabilidade pela falsificação de ingressos, pelo escasso número de policiais e seguranças no local, bem como pela violação nos automóveis que estavam estacionados, ao argumento de que tais fatos decorreram de caso fortuito ou de força maior, bem como por ato de terceiro. Novamente, sem razão. Em que pese seja verdade que os ingressos do evento foram confeccionados pelos próprios produtores da artista, conforme previsão da cláusula 3.4 do contrato de prestação de serviço (fl. 195), é certo que o dever de fiscalizar a autenticidade dos tickets apresentadas no portão de entrada do show incumbia aos réus. A meu ver, os apelantes, como organizadores de um evento de grande repercussão, deveriam ter se cercado de todos os meios de segurança possíveis para garantir a lisura do evento, impedido a entrada de pessoas que portavam ingressos fraudulentos. Desse modo, poderiam os apelantes ter obtido junto aos produtores um ingresso original e, com ele, instruírem os seguranças que trabalhavam no evento a identificar com rapidez e agilidade a fidedignidade de cada ticket. Tal medida, sem sombra de dúvidas, seria muito eficaz para impedir o sucesso da atuação dos falsários, visto que aqueles que tivessem adquirido ingressos piratas seriam impedidos de assistir ao show. Portanto, no tocante à falsificação massiva de ingresso, considerando o dever de fiscalização que recaia sobre os organizadores do evento, não há o que se falar em excludente de responsabilidade. Apenas a título argumentativo, por amor ao debate, ressalto que em momento algum, esta decisão ou a decisão a quo imputou aos réus a responsabilidade pela fraude havida nos ingressos ou pela atuação dos cambistas, mas, sim, pelo dever de vigilância inerente a boa execução da atividade lucrativa (evento). No que diz respeito a atuação dos seguranças contratados, melhor sorte não socorrem os apelantes.
De acordo com o farto conjunto probatório é possível verificar, com facilidade, que todo o tumulto ocorrido pela superlotação do evento não se deu apenas por conta do limitado número de seguranças, mas, principalmente, pelo despreparo de tais prestadores de serviço, que, repito, não foram orientados corretamente a impedir o acesso daqueles que portavam ingressos falsos. Ora, muito embora tenha sido terceirizado o serviço de segurança, mediante a contratação da empresa B.S. Vigilância e Segurança Patrimonial Ltda., a responsabilidade dos organizadores permanece objetiva, consoante a previsão do artigo 932, III, do Código Civil. In verbis: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Isso porque os apelantes ao terceirizarem o serviço de segurança passam a qualificar a empresa terceirizada como sua "longa manus", ou seja, como uma extensão de sua própria empresa (terceirizadora), decorrendo daí a responsabilidade. Muito embora tentem argumentar que o serviço de segurança foi totalmente transferido a empresa terceirizada, é certo que se realizava em nome e interesse da empresa Multi Eventos, até porque a efetiva prestação de serviço dependia da orientação e da designação de tarefas pelos organizadores. Assim, respondem os apelantes, de forma objetiva, independentemente da ocorrência de culpa, pela contratação da empresa de segurança, bem como pelos serviços prestados, tendo em vista que a eles competiam o dever de exigir uma atuação eficiente e adequada à magnitude do evento ou mesmo contratar um número maior de prestadores de serviços para evitar o tumulto e a desorganização.
Nesse sentido, a propósito, manifestou-se o sentenciante (fls. 2638/2639): "A segurança do evento tampouco pareceu adequada para conter a multidão, registrando-se cenas de "empurra-empurra", brigas, discussões e, reitero, invasão de áreas reservadas. Muito embora o "déficit" no controle da multidão pelos seguranças tenha decorrido de omissão da empresa contratada para este fim, os organizadores devem ser objetivamente responsabilizados. Afinal, não há dúvida de que, no fornecimento dos serviços de entretenimento, a segurança do consumidor integra a própria prestação principal oferecida"
Na mesma esteira segue a responsabilidade pela prestação de serviço do estacionamento, visto que, como dito alhures, responde o tomador pelos serviços terceirizados. Destarte, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor não destoam do entendimento ora aplicado. É o que se extrai do artigo 14, §1º: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
Em matéria de relação de consumo, a Lei nº 8.078/90 abandonou o conceito clássico da responsabilidade civil subjetiva, adotando a teoria do risco do empreendimento, fundada na responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços pelos riscos decorrentes de sua atividade lucrativa. Sobre o tema leciona Sérgio Cavalieri Filho, em abalizada doutrina:
"Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorrente do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos. " (Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 514).
Atento à esta espécie de responsabilidade (objetiva), afasto a excludente de "fato de terceiro". Por fim, há que se frisar não ser possível atribuir o evento danoso à escassez de policiamento devido a Rebelião no Centro de Sócio Educação de Londrina. Digo isso porque em que pese seja verdade que em razão da rebelião um grande número de policiais precisou ser deslocado para atender esta ocorrência, é certo que todo o tumulto e transtorno causado pela superlotação no show teve como fato desencadeador o ingresso massivo de pessoas com ticket falso, situação que só ocorreu devido à ausência de cautela dos apelantes com a organização do evento. Não obstante seja dever da Polícia Militar zelar pela segurança dos cidadãos, não lhe recai a responsabilidade de garantir a segurança interna de eventos particulares. Quanto ao tema, compartilho do posicionamento do sentenciante no sentido de que: "é inegável que a fiscalização ostensiva do tráfego e da segurança externa ao evento são atribuições do Poder Público.
Todavia, o comportamento omissivo dos réus na fiscalização da qualidade dos ingressos colocados no mercado foi, reitero, determinante para a aglomeração de espectadores, fator que potencializou os riscos de engarrafamento nos arredores do Centro de Eventos e de violação de automóveis estacionados, o que também deve ser levado em consideração no arbitramento do dano moral coletivo" (fl. 2639). Outrossim, mostra-se descabida a tese de estado de necessidade, dado que havia meios de se impedir a ocorrência dos danos causados sem que fosse necessário abrir os portos e o acesso das áreas Vip's e camarotes, como a exemplo: intensificando a fiscalização na hora da entrada, impedido a entradas dos portadores de ingressos piratas, e melhorando a organização geral do evento. De acordo com o conceito extraído do artigo 24 do Código Penal, "considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se". Logo, por todos os ângulos que se analise a questão, sobressai nítida a responsabilidade dos apelantes pelos danos causados aos consumidores, não havendo o que se fazer em excludente de responsabilidade. Avulta, por conseguinte, evidente a falha na prestação do serviço de entretenimento ofertado pelos réus, seja pela falta de organização e pela falsa expectativa criada nos consumidores, de que aproveitariam um show de maneira tranquila, seja pelos diversos defeitos na segurança do evento. Assim, tendo em vista a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços (artigo 14, CDC), bem como considerando a presença dos elementos de ato ilícito, dano e nexo de causalidade, não há outra medida senão reconhecer o dever de indenizar dos apelantes.
Analisando atentamente o recurso de apelação, verifica-se a ausência de tese relativa a inexistência de dano moral, limitando- se o apelo a impugnar, tão somente, o valor fixado em primeiro grau. Tendo isso em mente, vale salientar que a fixação do quantum indenizatório a título de dano moral é um tanto trabalhosa, ante o elevado grau de subjetividade que detém o julgador. É certo, pois, que a referida indenização deve observar sua dupla função, ou seja, além da ideia de compensação, assume também caráter punitivo e pedagógico. Com efeito, o parâmetro adequado para mensuração da indenização por danos morais deve atender às peculiaridades do caso concreto, isto é, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, bem como os prejuízos morais sofridos. Assim, o quantum do dano moral necessita ser arbitrado segundo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em consideração as condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor e a extensão ou repercussão do dano, não podendo ser irrisório, nem mesmo fonte de enriquecimento sem causa. A propósito na lição de Arnaldo Marmitt: "A tendência atual da doutrina e jurisprudência é a efetiva consideração do estado social e econômico dos contendores. Na fixação da importância a título de ressarcimento por ato ilícito, os haveres e as necessidades dos interessados são sopesados e levados em conta frequentemente nas sentenças judiciais, numa ânsia incontida de fazer-se a melhor justiça na espécie fática e jurídica sub judice (...). Os magistrados costumam ponderar e sopesar todos os aspectos e detalhes de cada caso, inclusive o que atine o status econômico-social de réu e vítima" (Perdas e Danos, Rio de Janeiro, Aide, p.411).
Nesse sentido dispõe a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ESPERA EM FILA PARA ATENDIMENTO NO INTERIOR DE AGÊNCIA
BANCÁRIA, POR UMA HORA E TRINTA E TRÊS MINUTOS - LIMITE DE TEMPO QUE EXTRAPOLA O RAZOÁVEL E INFRINGE O DISPOSTO EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL - DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADO - REPARAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DEVIDA - SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (omissis) 3 - A fixação do montante devido a título de dano moral fica ao prudente arbítrio do Julgador, devendo pesar nestas circunstâncias, a gravidade e duração da lesão, a possibilidade de quem deve reparar o dano, e as condições do ofendido, cumprindo levar em conta que a reparação não deve gerar o enriquecimento ilícito, constituindo, ainda, sanção apta a coibir atos da mesma espécie. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1391931-8 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Luiz Lopes - Por maioria - - J. 20.08.2015). APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA/SCPC - VALOR DA INDENIZAÇÃO ABAIXO DOS PARÂMETROS DESTA CORTE PARA CASOS SEMELHANTES - MAJORAÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA - TERMO INICIAL - ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO - SÚMULA 362 DO STJ - JUROS MORATÓRIOS - EVENTO DANOSO - SÚMULA 54 DO STJ - APELAÇÃO -PROVIMENTO PARCIAL.1.- "O valor arbitrado a título de indenização por danos morais deve representar uma compensação à vítima e também uma punição ao ofensor, guardando-se proporcionalidade entre o ato lesivo e o dano moral sofrido; 2.- O termo inicial da correção monetária sobre valores fixados como indenização por dano moral é a data do arbitramento, a teor da Súmula 362 do STJ. Já os juros moratórios, em caso de responsabilidade extracontratual, incidem a partir do evento lesivo, que, no caso, é a data da inscrição indevida. Entendimento da Súmula 54 da mesma Corte Superior. (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1408421-0 - Paranavaí - Rel.: Sérgio Luiz Patitucci - Unânime - - J. 08.10.2015).
No caso em testilha, conforme bem consignado na sentença a quo "é evidente que a coletividade que compareceu ao "show" suportou violação de interesses jurídicos ligados à segurança, ao lazer, ao
conforto, à tranquilidade e à paz, que superaram os dissabores de caráter ordinário, ínsitos à vida em sociedade" (fl. 2639). Isso porque, na condição de organizadores, deveriam os apelantes terem se cercado de todos os meios cabíveis para garantir a segurança e o livre acesso dos consumidores (entrada e saída) ao evento sem que sua integridade física e moral fosse violada, o que não ocorreu no caso em tela. Foram inúmeros os relatos de consumidores fls. 45/48, 58, que se sentiram lesados, seja por terem adquirido ingresso para a área do camarote, mas não conseguiram usufruir confortavelmente do local, dado que os portões da área Vip precisaram ser abertos, seja pelos consumidores que tiveram seus bens furtados no centro de convenções ou nas imediações do Show, conforme mostram os registros de Boletins de Ocorrência fls. 74/75. Logo, considerando esses aspectos e a ocorrência incontestável de dano moral coletivo, a meu ver, mostra-se adequado o quantum indenizatório fixado em primeiro grau (R$300.000,00), tendo em vista, principalmente, a gravidade do fato e a magnitude do evento e pelo fato do sentenciante já ter considerando nesse montante o acréscimo de juros e correção monetária. Vale registrar também que se trata de uma empresa de eventos e promoções com grande renome nacional e capacidade econômica, conforme comprovam os documentos de fls. 310/350, os quais demonstram a realização de shows de artistas nacionais e internacionais, bem como festivais de música por todo o estado. Passadas as coisas dessa maneira, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso de apelação (2) interposto por Júlio César de Oliveira e Outros. Da Lide Secundária - Da Nulidade da Sentença Extra Petita
Sustenta a seguradora ré que a sentença proferida é extra petita porque concedeu à apólice da ré Liliane Francielle Zajackoski cobertura não contratada, relativa ao dano moral puro. A análise do princípio da correlação entre o pedido e a sentença é de grande valia para a elucidação do caso em tela, portanto, imperioso se atentar as lições do Professor José Miguel Garcia Medina1, que assim dispõem:
"Deve o juiz, ao proferir a sentença, "decidir a lide nos limites em que foi proposta" (art. 128), não podendo "proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado" (art. 460). (...) Está-se, no caso de sentença infra, ultra ou extra petita, diante de uma sentença juridicamente inexistente. Nas sentenças ultra e extra petita, o juiz terá julgado pedido não formulado pela parte (na sentença ultra petita, o magistrado julga o pedido formulado pela parte e, além disso, outro pedido não formulado; na sentença extra petita, o juiz não aprecia o pedido realizado pela parte, mas apenas outro "pedido", não feito pelo autor). Faltando, portanto, tal pressuposto processual de existência, estar-se-á diante de sentença juridicamente inexistente, que, como tal, não terá transitado em julgado" GRIFO NOSSO. No entanto, se mostra toda descabia a arguição da nulidade da sentença, considerando-se que ao requer a denunciação à lide, por obvio, que a segurada pretendia a ampla cobertura contratual, especialmente no que tange a indenização por danos morais, visto que o pedido inicial diz respeito apenas à essa espécie de dano. Mais uma vez não assiste razão a seguradora apelante, quando assevera que a ré Liliane sequer defendeu a existência de cobertura para o caso em específico, haja vista as declarações contidas na peça de impugnação que dispõem o seguinte (fl. 2600):
"Ao contrário do alegado em diversas passagens, o evento estava devidamente segurado contra danos morais, a teor da "cláusula particular danos morais" acostada na folha 2487 dos autos, a qual estendeu a cobertura securitária para abranger, também, questões relativas a danos morais. Com relação aos danos morais, a seguradora denunciada pretende excluir a cobertura securitária por compreender, na hipótese dos autos, que o que chamou de dano moral puro pretensamente não estaria coberto pela apólice, contudo, suas alegações não merecem acolhida, pois não há qualquer restrição expressa nesse sentido em toda apólice e tampouco nas normas gerais do contrato. Com efeito, a apólice de folha 2477, no campo denominado como Objeto, expressamente estabelece que a cobertura securitária abrangeria "reparações por danos involuntário pessoais e/ou materiais causados a terceiros" e, dentro do conceito de terceiros está abrangido, por obvio, a coletividade".
Ademais, a alegação recursal de que os réus, por contarem com um corpo jurídico, tinham plena ciência das coberturas garantidas pelo contrato de seguro, não é o suficiente para eximir sua responsabilidade frente a apólice contratada. Logo, considerando que a sentença foi proferida nos exatos limites do pedido, rejeito a preliminar de nulidade. - Da Ilegitimidade Passiva da Seguradora Alega a seguradora não ser parte legítima para ocupar o polo passivo da lide secundária, em razão da apólice de seguros ter sido celebrada pela firma individual da ré Lilian e não pela pessoa física. Sem razão, novamente. De acordo com as lições do doutrinador Fábio Ulhoa 2 Coelho : "No Brasil, vigora o princípio da unicidade do patrimônio. Cada sujeito de direito titula, em regra, um único patrimônio, composto pelos bens de sua titularidade, incluindo créditos e direitos (ativos), e pelas dívidas contraídas (passivo). Assim,
embora vulgarmente se utilize a expressão "patrimônio" apenas como referência aos elementos da propriedade ou titularidade de uma pessoa, em termos técnicos, deve-se alargar o conceito para que abarque, igualmente, as obrigações passivas (dívidas). O patrimônio é o conjunto de ativos e passivos relacionados a um determinado sujeito de direito. Pois bem, no patrimônio da pessoa natural que se dedica à exploração de uma atividade empresarial individualmente, encontram-se indistinguíveis tanto os ativos e passivos relacionados à empresa como os não relacionados. Quer dizer, o imóvel de propriedade do empresário individual situado na praia, para recreio da família, integra o patrimônio dele, assim como aquele (também de sua propriedade) que abriga o estabelecimento empresarial: da mesma forma, estão nesse único patrimônio a obrigação de pagar a escola particular em que matriculou os filhos e a dívida contraída junto ao banco para obter capital de giro para seu negócio. Como se trata de um só patrimônio, sem a distinção, de um lado, de sativos e passivos relacionados à empresa, e, de outro, dos não relacionados, o credor pode pleitear a satisfação de seu crédito mediante a expropriação de quaisquer bens do empresário individual, sendo indiferente se estão ativo e passivo ligados ou não à exploração da atividade empresarial".
Ademais, de acordo com a previsão do artigo 966 do Código Civil, em se tratando de empresário individual não há distinção entre uma pessoa e outra jurídica, posto que existe apenas uma pessoa física que exerce atividade empresarial. In verbis: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Com relação a indivisibilidade do patrimônio da pessoa natural e do empresário individual já se manifestou esta Corte. Acompanha-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISCUSSÃO INOPORTUNA EM SE TRATANDO DE EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. PATRIMÔNIO DA PESSOA JURÍDICA QUE SE CONFUNDE COM O DA PESSOA FÍSICA. RESPONSABILIDADE ILIMITADA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE PARA QUE A PERSECUÇÃO DE BENS ALCANCE O PATRIMÔNIO DA PESSOA FÍSICA. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - AI - 1268231-0 - Nova Londrina - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - - J. 04.03.2015). APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - AUTOR - MICROEMPRESÁRIO INDIVIDUAL - INEXISTÊNCIA DE DUAS PESSOAS DISTINTAS: UMA FÍSICA E UMA JURÍDICA - PERSONALIDADE NATURAL DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL - LEGITIMIDADE ATIVA ESCORREITA - DUPLICATA - TÍTULO CAUSAL - AUSÊNCIA DE LASTRO SUBJACENTE À EMISSÃO DO TÍTULO - COBRANÇA E PROTESTOS INDEVIDOS - DANO MORAL QUE DISPENSA COMPROVAÇÃO - REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES - DEVER DE INDENIZAR -VALOR DA INDENIZAÇÃO - MANUTENÇÃO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1321274-7 - Curitiba - Rel.: Domingos José Perfetto - Unânime - - J. 30.04.2015) AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE DOCUMENTO OBRIGATÓRIO - AFASTADA. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL - PATRIMÔNIO DE PESSOA NATURAL QUE SE CONFUNDE COM O DA PESSOA JURÍDICA - APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS EXIGIDOS PARA PESSOA NATURAL - DECLARAÇÃO DE POBREZA - PRESUNÇÃO IURIS TANTUM - AUSÊNCIA DE PROVAS APTAS A DEMONSTRAR A CAPACIDADE ECONÔMICA DA REQUERENTE - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível - AI - 1098938-9 - Curitiba - Rel.: Ruy Muggiati - Unânime - - J. 23.10.2013).
Deste modo, tendo em mente que a firma individual nada mais é do que a pessoa física exercendo pessoalmente uma atividade econômica, não há como afastar a cobertura securitária ou reconhecer a
ilegitimidade da seguradora quando considerando que o empresário individual tem a mesma natureza jurídica da pessoa natural, já que o patrimônio (passivo e ativos) se comunicam. Por conseguinte, constatando-se que a pessoa natural responde de forma direta e ilimitada pelas obrigações assumidas pela firma individual, não há outra medida senão reconhecer a legitimidade da seguradora, pois uma vez obrigada a garantir a cobertura dos danos causados no show contratado pelo empresário, também garantirá a cobertura da mesma espécie de dano para o mesmo evento a qual se vinculou a pessoa física. Dito isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade. - Do Meritum Causae Por derradeiro, alega a seguradora ser indevido o pagamento do seguro em razão da ausência de cobertura contratual para o evento danoso indicado na inicial. Mais uma vez, sem razão. Nota-se que a apólice securitária prevê expressamente a cobertura para danos morais, sendo certo, ademais, que os réus contrataram um aditivo com o acréscimo de danos morais decorrente de danos materiais e/ou pessoais causados a terceiros (fl. 309). Assim, ainda que as conste nas Condições Gerais do Seguro, como risco excluído, a cobertura de danos morais, tal disposição não deve ser aplicada, tendo em vista que ofende/contrária o previsto na apólice, documento confeccionado especificamente para atender o que foi celebrado pelas partes. Cabe salientar, ademais, que no "objeto do seguro" constou que a cobertura securitária diz respeito "as reparações por danos involuntários pessoais e/ou materiais causados a terceiros, ocorridos durante a vigência deste contrato e que decorram de riscos cobertos nele previstos" (fl. 296). Destarte, não há especificado na apólice de contrato que qualquer restrição à espécie do dano moral contratado, no entanto, apenas a título de exemplo, há expressa exclusão da cobertura de danos
pessoais e materiais decorrentes da queima de fogos de artifício. É o que se verifica:
Não há, outrossim, como aplicar a cláusula contratual n.º 3, que dispõe acerca das medidas de segurança, para o fim de afastar a cobertura do seguro. Isso porque, do apanhado dos autos, é possível constatar que a falha na prestação do serviço não decorreu apenas pela entrada de um número excessivo de pessoas, mas também pela insuficiência do número de seguranças, pela falsificação massiva de ingressos e, principalmente, pela má organização e má administração dos responsáveis pela realização do evento. No tocante às insurgências relativas à lide primária, faço referência a fundamentação utilizada quando da apreciação do recurso de apelação (1). Tudo considerando, voto no sentido de conhecer o recurso interposto pela seguradora e negar provimento. Passadas as coisas dessa maneira, voto no sentido
de conhecer do agravo retido e negar provimento, bem como conhecer e negar provimento ao recurso de apelação (1) e (2). Posto isto, ACORDAM os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo retido e negar provimento, bem como conhecer e negar provimento aos recursos de apelação (1) e (2), nos termos do voto do Relator. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador José Augusto Gomes Aniceto, com voto, e dele participou, votando com o relator, o Senhor Juiz Substituto em Segundo Grau Sérgio Luiz Patitucci. Curitiba, 04 de fevereiro de 2016. LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA RELATOR
-- 1 MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2011 - Pg. 398. -- 2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. Direito de Empresa. 18 Ed. São Paulo. Saraiva. 2014. Pág. 159/160.
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