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Acórdão
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Certificado digitalmente por: FRANCISCO CARLOS JORGE Poder Judiciário Tribunal de Justiça Estado do Paraná APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.409.386-0 (N.P.U.: 0042401-98.2011.8.16.0004) 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FC DA CRM DE CURITIBA Apelantes: JOÃO BERNANDO BIENERT e OUTRA Apelados: MUNICÍPIO DE CURITIBA e OUTROS Relator1: Juiz Subst. 2º G. FRANCISCO JORGE EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. "ANIMUS DOMINI". "LOTEAMENTO IRREGULAR BELLA ITÁLIA". PARCELAMENTO DO SOLO. MÓDULO URBANO. LEI MUNICIPAL N. 9.800/00. ARTIGO 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. POSSE "AD USUCAPIONEM" DEMONSTRADA. ACOLHIMENTO. 1. A aquisição da propriedade pela usucapião não se sujeita a limitação administrativa estabelecida por legislação local, impondo módulo urbano, devendo ser declarada quando preenchidos os requisitos legais previstos no Código Civil (STF. RE 422.349/RS, Repercussão Geral, j. em 29/4/15, Relator, Ministro DIAS TOFFOLI). 2. Comprovado o exercício da posse ostensiva pelos autores, exercida de forma mansa, pacífica, ininterrupta, e com ânimo de donos, por lapso temporal, que por si e seus sucessores, extrapola o prazo previsto no art. 550/CCv/16 (art. 1.238/CCv/02), deve ser declarado o domínio por usucapião, independentemente do imóvel situar-se em área urbana considerada de loteamento irregular (Jardim "Bella Itália") e de ser a área inferior ao módulo urbano definido em lei local. 3. Apelação Cível à que se dá provimento. ACÓRDÃO Vistos, examinados, relatados e discutidos os autos supra identificados, acordam os magistrados integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Juiz Relator, com a participação do Sr. Desembargador FERNANDO PAULINO DA SILVA WOLFF FILHO, Revisor e da Srª. Desembargadora ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN, sob a presidência do Sr. Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA.
Curitiba, 24 de fevereiro de 2016. Juiz Francisco Jorge Relator
Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 2 de 9 Voto
I. Relatório
Insurgem-se os autores em face de sentença proferida nos autos da ação declaratória de domínio por usucapião, sob nº 0042401-98.2011.8.16.0004, proposta perante o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que julgou improcedente o pedido de declaração de domínio sobre o imóvel de 516,80m² localizado no prolongamento da Rua Ângelo Stival, no bairro de Santa Felicidade, sob fundamento de restar "incontroverso nos autos que o terreno usucapiendo é encravado em área maior onde foi implantado o loteamento clandestino denominado "Bella Itália", do que decorre diretamente o parcelamento irregular do solo e a regularização indireta do loteamento" (fls. 521- 526). Após uma breve síntese dos fatos, dissertando sobre o cabimento e os requisitos de admissibilidade do recurso, sustentam restar equivocada a sentença, primeiramente, pelo fato de tratar o feito de modalidade de usucapião extraordinária como se fosse de usucapião especial coletivo urbano, deixando de observar as leis que regularizam as ocupações irregulares, bem como afirmando que para que a área pleiteada atenda a exigência do vigente plano diretor do Município de Curitiba restariam apenas 23,20m², muito embora pela legislação pertinente a modalidade de usucapião extraordinária não faz qualquer especificação de tamanho.
Aduzem que, não obstante haja separação dos Poderes Judiciário e Executivo, àquele não pode deixar de decidir pendência calcada em fato concreto, deixando de observar a prova da posse que se perfez no tempo estando absolutamente consolidada a mais de 20 anos. Afirma ainda, que muito embora o Município de Curitiba tenha impugnado o pedido de usucapião o mesmo é corresponsável pela não aprovação do loteamento, uma vez que examinou o projeto apresentado e aprovou as plantas referente aos serviços de infraestrutura básica, descumprindo o disposto no artigo 40 da Lei 6.766/79 ao deixar de fiscalizar a venda de lotes e a edificação das casas, transferindo-lhes a responsabilidade de acertar o que era necessário para tornar o empreendimento, negando a declaração de domínio do lote que desejam regularizar.
Por fim, aduzem terem realizado todos os meios
Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 3 de 9 possíveis de regularizar o terreno, sendo a ação de usucapião extraordinária a via adequada para tal regularização, defendendo que o fato de pretenderem usucapir parte ideal da área maior não lhes tira o direito de buscar por essa via processual sua declaração de domínio, pugnando pelo conhecimento e provimento do presente recurso, requerendo a reforma da sentença, com a condenação do Município apelado em honorários compatíveis com o desgaste de mais de 6 anos pelo término do processo, bem como com a declaração de domínio seja expedido mandado ao Registro Imobiliário competente para o registro da sentença e ao apelado determinando a abertura de indicação fiscal individual em seus nomes (fls. 529/552).
O Ministério Público em primeiro grau se pronunciou pela desnecessidade de sua intervenção (fls. 353; 419 e 465).
Recebido o recurso em seu duplo efeito (fls. 555), o apelado, intimado, apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença (fls. 557-567), vindo os autos a esta Corte, manifestando-se a d. Procuradoria Geral de Justiça, pelo Procurador WALDIR FRANCO FÉLIX, pela desnecessidade de sua intervenção no recurso (fls.583-585).
Eis, em síntese, o relatório.
II. Fundamentos
Trata-se de apelação interposta em face de sentença -- proferida pela magistrada FABIANE KRUETZMANN SCHAPINSKY -- pela qual julgou-se improcedente o pedido de declaração de domínio sobre imóvel situado em loteamento clandestino, conhecido por "Bella Itália" no bairro de Santa Felicidade, do Município de Curitiba.
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade -- tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo --, e intrínsecos -- legitimidade, interesse e cabimento --, merece ser conhecido o presente recurso.
Primeiramente, faz-se necessário proceder a uma breve retrospectiva processual, para melhor compreensão do caso.
Alegam os autores, na inicial, exercer a posse mansa, pacífica e ininterrupta de uma área de 516,80m² dentro do terreno dos requeridos desde 1978, tendo ocorrido diversas sobrepartilhas da área, motivo
Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 4 de 9 pelo qual não houve sua regularização total, sendo transformada em loteamento tendo justo título para o exercício da posse. Afirmam que a partir de 1977 passaram a ser negociados os direitos hereditários adquiridos conforme realizado através da escritura pública de cessão de direitos hereditários e de compromisso de compra e venda, lavrada em 27 de setembro de 1978, em que FLÁVIO VICENTE ROSSI e sua esposa GENI ROSSI transferiram seus direitos para AMILCAR RAFAEL GRECA e sua esposa REGINA CARMEN ELIAS GRECA, os quais em 22 de fevereiro de 1992 cederam estes mesmos direitos aos autores através da escritura pública juntada (fls. 24/25), juntando também memorial descritivo da área (fls.16-18); comprovantes de materiais para edificação da casa sobre a área usucapienda (fls. 26-36); fotografias demonstrando a residência (fls. 37-41); recibos de pagamento de IPTU (fls. 50-54); declarações de terceiros confrontantes (fls. 59-61), requerendo a declaração do domínio sobre o imóvel (fls. 02-11).
Inconformado, o Município de Curitiba, ora apelado, manifestou-se no sentido de ser a área encravada, sendo também o parcelamento pretendido irregular, porquanto a área usucapienda é inferior ao estabelecido pela Lei Municipal nº 9.800/2000, afrontando também a Lei 6.766/1979 que regulamenta o parcelamento do solo urbano (fls. 410/417), seguido da apresentação de impugnação pelos autores (fls. 423/447)
Aberta a audiência de instrução e julgamento, as testemunhas LÍDIA GABOARDI PAOLUCCI e NEORI FRANCISCO MORANDI ouvidas foram unânimes no que diz respeito ao fato de conhecerem as apelantes há mais de 20 (vinte) anos, reconhecendo o imóvel usucapiendo como sua moradia, assim consignando:
"Que mora no bairro Santa Felicidade há 27 anos; que conhece o local objeto do processo; que os autores moram há mais de 20 anos, que o local era uma chácara e depois foi subdividido por volta do ano de 1975; que a depoente mora no mesmo loteamento, que o lote dos autores tem mais ou menos 500 metros quadrados; que o lote da depoente tem aproximadamente 500 metros quadrados; que os autores construíram uma casa de alvenaria com mais ou menos 200 metros quadrados; que sempre tiveram a posse mansa e pacífica sem serem perturbados [...] Que o Município de Curitiba não se opôs ao pedido de Usucapião da depoente. " (sem grifos no original) (fls. 489) "Que mora no mesmo loteamento há 27 anos, que os autores moram há mais de 20 anos, que construíram uma residência, que o terreno tem por volta de 500 metros quadrados e a casa 200 metros quadrados, que os autores tem posse pacífica e mansa, que o depoente regularizou o terreno a mais de dez anos. [...]" (sem grifos no original) (fls. 490) Após sobreveio a sentença de improcedência ora combatida (fls. 521-526), e inconformados os autores interpuseram o presente recurso de apelação, remetendo-se os autos a esta Corte. Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 5 de 9 Pois bem!
Primeiramente, cabe ressaltar que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei.
A posse dos autores, mansa e pacífica, é inconteste. A prova documental produzida nos autos, assim como a prova oral colhida em audiência corroboram a afirmação dos autores de que, por si, exercem posse exclusiva sobre a coisa desde em 22 de fevereiro de 1992, e por seus antecessores, desde ao menos desde 1978, estendendo-se, portanto, por mais de 30 (trinta) anos, quando da propositura da ação, e sempre exercida com exteriorização do domínio, ou seja, com ânimo de donos.
Como se sabe "... o fundamento da usucapião está assentado no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-se de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número pleitos, planta a paz e a tranqüilidade na vida social: tem a aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigo..."2.
Ademais, como cediço em nosso ordenamento civil, a posse, associada ao tempo de exercício, é requisito fundamental para a declaração de domínio por usucapião. Imperativa, porém, é a sua caracterização posse como ad usucapionem, exigindo a lei, para tanto, em primeiro lugar, a comprovação do ânimo de dono, ou seja, a atitude ativa no sentido do exercício dos poderes inerentes à propriedade, comportando-se o autor ostensivamente -- perante terceiros -- como se comportaria o proprietário, ou mesmo pela atitude passiva deste, ou de quem figura como tal, exigindo-se, também, o exercício manso e pacífico da posse, sem oposição ou interrupções.
Postas estas ponderações, de tudo que se pode inferir das declarações, depoimentos e documentos constantes dos autos, é de se considerar procedentes as insurgências ora em exame, porquanto restou suficientemente demonstrado que a posse exercida pelos apelantes se qualifica
2 GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil Brasileiro, 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237. Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 6 de 9 como ad usucapionem.
Também têm razão os apelantes, quando afirmam não ser possível indeferir o pleito inicial, em virtude do não cumprimento de requisito não previsto na lei, posto que, realmente, o art. 1.238 do Código Civil, estabelece como requisito para o reconhecimento da usucapião extraordinária o exercício da posse, sem interrupção nem oposição, independentemente de título e boa-fé, pelo prazo ali estabelecido, tal como no Código anterior (art. 550).
A doutrina se posiciona firmemente no sentido de não estar a usucapião sujeita às limitações administrativas, a exemplo do escólio de BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO, segundo o qual:
Por mais que se combata o minifúndio, afigura-se injusto obstar aos possuidores de imóveis rurais que adquiram por usucapião rural área inferior ao módulo, de vez que estariam frustrados aqueles ocupantes de nesgas de terras fisicamente menores. Há porções encravadas e de menor dimensão do que o módulo vigente para o local, constituídas de terras férteis, boa aguada e localização privilegiada, nas quais é possível morar, produzir e subsistir, talvez de melhor forma do que em latifúndio de terra árida, montanhosa ou arredia a qualquer atividade laboral. [...]. Entende CELSO RIBEIRO BASTOS que a conclusão mais correta é considerar como usucapível mesmo as áreas inferiores, até porque a Constituição fala em área de terra `não superior' a cinquenta hectares. Não é de se aplicar aqui a legislação referente a módulos. Estes têm em mira o desdobramento comum de propriedade, mas no nosso entender não podem funcionar como obstáculo para que um instituto constitucional atinja o seu desiderato. São, portanto, usucapíveis mesmo as áreas de proporções inferiores às do módulo rural da região. (Tratado de Usucapião, V. 2, 4ª edição, Editora Saraiva: 2006, p. 1.058) (sem destaques no original) O reconhecimento da aquisição da propriedade por possuidor, de área de terras menor que o módulo rural ou módulo urbano, não implica em determinar-se ou permitir-se o parcelamento do solo de forma contrária à Lei, mas sim, apenas a regularizar de uma situação de fato há muito consolidada. Não se pode confundir a aquisição originária de uma determinada área de terras, com o seu desmembramento, onde então, incide a limitação.
Como bem ponderou o Des. ESPEDITO REIS DO AMARAL, "... não é obstáculo à aquisição de propriedade de gleba de terra menor do que o módulo rural, através de Usucapião Extraordinária, a prescrição limitativa do Estatuto da Terra, uma vez que a legislação citada impede tão somente a transferência, com desmembramento de área rural, sendo esta menor do que o módulo legal, mas não cria novo requisito para a usucapião, devendo-se relembrar que, como dito, nem o Código Civil e nem a Constituição Federal mencionam a área do imóvel usucapiendo como um dos requisitos dessa forma Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 7 de 9 de aquisição da propriedade" (TJPR - 18ª C.Cível - AC 1244007-6 - São José dos Pinhais, J. 07.10.2015). A jurisprudência deste Tribunal é firme em não admitir a limitação para aquisição por usucapião, nos termos dos acórdãos lançados em inúmeras apelações, como v.g.: AC 1.224.007-6 (18ª C.Cv.; São José dos Pinhais - Rel.: Espedito Reis do Amaral - Unânime - J. 07.10.2015); AC 1.286.997-1 (18ª C.Cv - São José dos Pinhais - Rel.: Athos Pereira Jorge Junior - Unânime - J. 16.04.2015); AC 1.129.831-0 (18ªCCv, Juíza Conv. Denise Antunes, 14.08.2014), AC 0799281-2 (17ª C.Cv. Rel.: Des. Vicente Del Prete Misurelli J. 28.03.2012) e AC 0534090-9 (17ª C.Cv. Rel.: Des. Fernando Vidal de Oliveira - J. 29.07.2009). Essa questão inclusive já foi apreciada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como tema de repercussão geral, em sessão plenária, sob a presidência do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao julgar o RE 422.349/RS, em 29 de abril de 2015, quando, por maioria de votos e nos termos do voto Relator, Ministro DIAS TOFFOLI, firmou a tese de que "para o acolhimento de uma pretensão como essa, basta o preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, não podendo ser erigido obstáculo outro, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoe, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade ... preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote)", cuja ementa assim dispõe:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido. 1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse. 2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal. 3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso extraordinário provido. (STF. RE 422.349/RS, Repercussão Geral, j. em 29 de abril de 2015, Relator, Ministro DIAS TOFFOLI) Com efeito, não há que se falar em impossibilidade de procedência do pedido de declaração do domínio por usucapião, por mero
Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 8 de 9 obstáculo administrativo. O só fato, da área usucapienda ser inferior ao módulo urbano ou rural não obsta o reconhecimento da propriedade, se nem o Código Civil, nem a Carta Magna, como visto, impõem essa limitação para sua aquisição por usucapião, exigindo-se, apenas, a comprovação da posse mansa, pacífica e ininterrupta, com animus domini, pelo período superior a 15 anos, não sendo possível rejeitar a pretensão declaratória de domínio, pela mera interpretação de normas hierarquicamente inferiores à Constituição.
Diga-se, ainda, que as exigências administrativas se aplicam para os adquirentes de propriedades já existentes, em caso eventual de desmembramento, mas não para o reconhecimento da aquisição pelo fato da posse somado com demais requisitos legais.
Por derradeiro, também não se pode dizer, como pretende o município apelante, que a pretensão da autora fere o interesse coletivo. A uma, porque não restou demonstrado objetivamente qualquer lesão, e, a duas, porque não fora apontada qual seria a importância fática do imóvel em questão sobre a região para os cidadãos do município de São José dos Pinhais. Assim, se não houve qualquer impugnação ao direito da apelada, não há que se falar em prejuízo coletivo pelo simples argumento de que o reconhecimento da possibilidade de usucapir área com fração menor do que a exigida pelo Plano Diretor do Município, pelo Estatuto da Terra ou pelo INCRA desrespeitaria a legislação pertinente no que tange aos parâmetros de uso e ocupação do solo rural.
Enfim, na situação dos autos a posse ad usucapionem da parte autora restou suficientemente comprovada, não sendo produzida nenhuma prova em sentido contrário, capaz de implicar na descaracterização da posse da autora. A única oposição se deu por parte do município ora recorrente, o qual não questiona a posse em si da demandante, mas apenas a irregularidade da metragem do lote que se pretende usucapir.
Em caso idêntico, referente a este dito "loteamento clandestino Bella Itália", verifica-se recente julgado desta Corte, externando deste mesmo entendimento:
REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. POSSUIDOR DE PARTE IDEAL DE ÁREA MAIOR. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE. POSSE EXCLUSIVA SOBRE ÁREA CERTA E DELIMITADA. ÁREA LOCALIZADA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. IRRELEVÂNCIA. MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE QUE PASSA A INTEGRAR O PATRIMÔNIO DO ADQUIRENTE SEM QUALQUER VÍCIO OU LIMITAÇÃO.
Tribunal de Justiça Estado do Paraná Apelação Cível nº 1.409.386-0 17ª CCiv. fls. 9 de 9
REQUISITOS PREENCHIDOS (ART. 550 DO CC/1916). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. 1. "Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel" (STJ, AgRg no Ag 731971/MS, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 23.09.08). 2. O fato de o imóvel usucapiendo integrar loteamento irregular, não impede a regularização da titularidade da sua propriedade pela usucapião. A pretensão da autora não é a regularização do loteamento, mas somente a declaração de domínio do imóvel onde exerce posse. (TJPR - 17ª C.Cível - RN - 1289025-2 - Curitiba - Rel.: Lauri Caetano da Silva - Unânime - - J. 01.04.2015) Deste modo, restando preenchidos os requisitos para declaração de domínio por usucapião extraordinário deve ser reformada a sentença impugnada, tal como pretendem os apelantes.
III. Conclusão
ANTE AO EXPOSTO, dou provimento ao presente recurso, pelo que reformo a sentença apelada e declaro o domínio dos autores sobre o imóvel descrito na inicial e caracterizado pelo mapa e memorial descritivo que a acompanham, para efeitos de ser inscrito no Registro Imobiliário, por mandado a ser expedido pelo d. Juízo de origem, observando-se os requisitos legais, em razão do que condeno o apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono dos autores, no valore de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
É o voto.
Curitiba, 24 de fevereiro de 2016. Juiz Francisco Jorge Relator FCJ/acsp
-- 1 Subst. Des. Rui Portugal Bacellar Filho (Revisor Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho)
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