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Certificado digitalmente por: DENISE HAMMERSCHMIDT APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO Nº 1130586-7, DA COMARCA DE CORBÉLIA, VARA CÍVEL E ANEXOS. APELANTE: CLÓVIS JOÃO BOMBARDA. APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. INTERESSADO 1: VOLNEI VANIN, JANETE T. CITON E CIA LTDA (FARMÁCIA SANTA TEREZINHA) E TEREZINHA M. MACHADO E CIA LTDA (FARMÁCIA SANTA INÊS) INTERESSADO 2: DAMOFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA (FARMÁCIA BRASIL) E FARMÁCIA BELIAFARMA LTDA (FARMÁCIA PARANÁ MANIPULAÇÃO) INTERESSADO 3: IVO J. CITON E CIA LTDA. FARMÁCIA BIOFARMA. RELATOR: DES. NILSON MIZUTA RELATORA CONVOCADA: DENISE HAMMERSCHMIDT APELAÇÃO CÍVEL DIREITO ADMINISTRATIVO AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA ART. 37 §5º DA CF E ART. 23, I, DA LEI 8429/92 AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS À POPULAÇÂO SEM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL CONDENAÇÃO DO EX-PREFEITO INEXISTÊNCIA DE ATO DE DISPENSA DE LICITAÇÃO DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO QUE NÃO ERA POSSÍVEL DIREITO AO GOVERNO HONESTO SENTENÇA QUE CONDENA O APELANTE A A RESSARCIR O ERÁRIO COM FULCRO NOS ARTS. 10, VIII E 12, II DA LEI 8429/92 CONDENAÇÃO AFASTADA POR IMPOSSIBILIDADE DE PRECISAR O DANO OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PRESENÇA DE TODOS OS REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CARACTERIZAÇÃO DO DOLO CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA PREVISTA NO ART. 11, I, DA LEI 8429/92 CONDENAÇÃO DO APELANTE AO PAGAMENTO DE MULTA CIVIL INTELIGÊNCIA DO ART. 12, III, DA LEI 8429/92 REFORMA DA SENTENÇA DE OFÍCIO AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO DO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ATENDIMENTO AO ENUNCIADO Nº 02, DA 4ª E 5ª CÂMARAS CÍVEIS DO TJPR DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO REFORMA DA SENTENÇA DE OFÍCIO. 1. É imprescritível a ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário (art. 37, §5º, da CF). 2. Prescreve em 5 anos o direito de pretensão para aplicação das demais penalidades previstas na lei 8429/92, nos termos do art. 23, I, da lei 8.429/92. No caso, o mandato do Prefeito, ora Apelante, encerrou em 31/12/2004 e a demanda foi proposta em 18/02/2008, ou seja, dentro do prazo prescricional de 05 anos. 3. Segundo a defesa, deixava-se de realizar licitação para que a aquisição de medicamentos fosse feita pelo seguinte procedimento: o munícipe fazia a consulta médica e recebia a receita, solicitando o medicamento no posto de saúde do Município, caso não houvesse medicamento, o munícipe era orientado a fazer a pesquisa de preços pelas farmácias da cidade, sendo que, com o menor orçamento, o Município, por intermédio do Secretário de Saúde ou do Prefeito liberavam uma requisição (acompanhada de dados do paciente e da receita médica) para o munícipe adquirir o medicamento na farmácia de menor preço. 4. Caracterização de todos os requisitos exigíveis para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, I, da Lei 8429/92. 5. Procedimento ilegal por inobservância à regra geral, que consiste na compra por intermédio de licitações, inexistindo hipótese cabível de dispensa ou inexigibilidade de licitações (arts. 24 e 25, da Lei 8666/93) 6. Agente público que deixou de realizar procedimento licitatório ou de realizar o ato de dispensa de licitações e que autorizou compras de medicamentos por procedimento ilegal. 7. Comprovação de conduta dolosa, o qual restou configurado pela não realização de licitação de forma voluntária pelo Apelante, bem como pela ausência de procedimento de dispensa de licitação. 8. Multa civil arbitrada com base no princípio da razoabilidade, nos termos do art. 12, III, da Lei 8.429/92. 9. Sentença corrigida de ofício para afastar a condenação em pagamento de honorários advocatícios, nos termos do enunciado nº 02, da 4ª e 5ª Câmara Cível do TJPR. 10. Sentença corrigida, de ofício, para aplicar correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora a partir da data do trânsito em julgado. 11. Dado parcial provimento ao Recurso de Apelação, para afastar a condenação aplicada de ressarcimento integral do dano ao erário e aplicar somente a penalidade de multa. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível nº 1130586-7, da Comarca de Corbélia Vara Cível e Anexos, em que é Apelante CLÓVIS JOÃO BOMBARDA, é Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, e são interessados 1 Volnei Vanin, Janete T. Citon e Cia Ltda (Farmácia Santa Terezinha) e Terezinha M. Machado e Cia Ltda (Farmácia Santa Inês); interessados 2 Damofarma Comércio de Medicamentos Ltda (Farmácia Brasil) e Farmácia Beliafarma Ltda (Farmácia Paraná Manipulação); e interessados 3 Ivo J. Citon e Cia Ltda (Farmácia Biofarma). I RELATÓRIO O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou a Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa contra Clóvis João Bombarda (ex-prefeito de Corbélia), Volnei Vanin (Secretário Municipal de Saúde à época); Janete T. Citon e Cia. Ltda. (Farmácia Santa Terezinha), Teresinha M. Machado & Cia. Ltda. (Farmácia Santa Inês), Damofarma Comércio de Medicamentos Ltda. (Farmácia Brasil), Farmácia Beliafarma Ltda. (Farmácia Paraná Manipulação) e Ivo J. Citon & Cia. Ltda (Farmácia Biofarma). Alegou que entre 2001 e 2004 a Prefeitura Municipal de Corbélia procedeu a aquisição fracionada e contínua de medicamentos para atender a população, sem a realização de licitação. Afirmou que o Sr. Clóvis João Bombarda, ex-Prefeito Municipal de Corbélia autorizou diversas aquisições requisitadas pelo segundo requerido, o Sr. Volnei Vanin que, na qualidade de Secretário Municipal da Saúde, formulou para fins de compra de medicamentos junto aos demais interessados, os quais, além de terem concorrido diretamente para a prática de atos, foram beneficiados pelos mesmos. Narrou que em Procedimento Investigatório Preliminar nº 006/2007 restou apurado que que tais aquisições, realizadas entre 2001 a 2004, cujo montante total perfez R$ 1.670.539,00, foram realizadas em desacordo com as regras atinentes às compras estatais, em ofensa aos princípios da Administração Pública, repercutindo em prejuízo ao erário, destacando não se tratar de hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Salientou que o Município de Corbélia, além do valor citado realizou dois procedimentos licitatórios, um no ano de 2002 e outro no ano de 2003, além de 3 procedimentos de dispensa de licitação, para aquisição de medicamentos, sendo que foram gastos R$ 68.602,23. Destacou que o procedimento adotado pelos Requeridos colocou em dúvida se tais medicamentos foram entregues ao consumidor final, quais sejam, os munícipes de Corbélia, uma vez que não havia qualquer controle de entrada e saída de medicamentos, sendo que a entrega do medicamento aos munícipes era feita, supostamente pela própria farmácia, que posteriormente apresentava nota fiscal do medicamento. Por tais motivos, busca a declaração de indisponibilidade dos bens, com a quebra do sigilo fiscal dos réus, e a condenação dos mesmos nas sanções previstas no art. 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92. Alternativamente, pugna pela condenação dos réus nas sanções previstas no inciso III. Notificados os réus, com exceção de Clóvis João Bombarda, apresentaram a defesa preliminar. O MM Juiz recebeu a inicial, negando a indisponibilidade de bens e a quebra de sigilo fiscal e bancário dos réus, ademais, indeferiu as preliminares de ilegitimidade passiva e inépcia da inicial e a prejudicial de prescrição (fls. 130/136). Contra essa decisão foi interposto o recurso de agravo de instrumento, que negou provimento (fls. 287/290). Em contestação, Ivo J. Citon & Cia. Ltda (Farmácia Biofarma) arguiu, em preliminar, a ilegitimidade passiva ad causam. Defendeu a dispensa de licitação no presente caso. Sustentou a ausência de dolo ou culpa na conduta do réu, em razão da licitude da conduta. Destacou a inexistência de prejuízo ao erário. Ao oferecer contestação, Damofarma Comércio de Medicamentos Ltda. (Farmácia Brasil) arguiu, em prejudicial de mérito, a prescrição. Em preliminar, alegou a inépcia da inicial por falta de pedido ou causa de pedir. No mérito, alegou que vendeu ao Município medicamentos de pequeno valor e com urgência, caso em que é dispensável a licitação. Defende a ausência de prática de ilícito, a boa-fé na conduta das rés, sem lesão ao erário. Teresinha M. Machado & Cia. Ltda. (Farmácia Santa Inês), em contestação, pugnou pela extinção do feito sem resolução do mérito, em razão do pedido genérico, bem como pela ilegitimidade ativa. Arguiu a ocorrência de prescrição. No mérito, alegou a inexistência de ato de improbidade administrativa pela ré, além da inexistência de lesão ao erário. Sustentou a ausência de dolo na conduta da ré, além da inexistência de vantagem patrimonial. Impugnou os pedidos realizados pelo autor, com a condenação ao pagamento das custas e honorários. Em sede de contestação, Volnei Vanin preliminarmente alegou que deve ser reconhecida a inépcia da inicial porque foram levantadas meras suposições na petição inicial, havendo dúvida com relação à causa de pedir. Aduziu ter ocorrido a prescrição. Adentrando ao mérito, sustentou que nas compras por requisições muitos custos indiretos ficavam com as farmácias, como estoque, controle e distribuição, salientando que a pesquisa de preços ficava por conta do paciente, já que somente parte do remédio lhe era custeado, salientando, ainda que a compra de remédios por "requisições" é mais eficaz que a "lista de atenção básica", porque mais pacientes são atendidos, de acordo com a receita médica de cada um. Clóvis João Bombarda contestou os pedidos alegando, inicialmente, a inconstitucionalidade formal da Lei nº 8.429/92, bem como, que o inquérito é nulo por incompetência do agente ministerial. No mérito, arguiu a prescrição à pretensão do Ministério Público. Defendeu que se tratavam de medicamentos de necessidade imediata e urgente, e que não há como saber com antecedência quais medicamentos serão necessários, nem a quantidade para atender a demanda, de tal forma que o sistema adotado não visa burlar a licitação, mas sim atender a um modo de gestão. Apontou que não houve enriquecimento ilícito, nem lesão ao erário, e nem sequer dolo para delinquir, tirar proveito ou locupletar-se indevidamente. Assim pugna pela aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade na extensão do dano e no proveito patrimonial, não devendo ser admitida a culpa presumida. O Ministério Público formulou impugnação à contestação. Foram produzidas provas orais e documentais. Sobreveio a r. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar o ora Apelante Clóvis João Bombarda a restituir aos cofres públicos do Município de Corbélia o valor de R$ 167.053,00, corrigido pela média do INPC/IGP-DI e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários fixados em R$ 3.000,00, recolhidos em favor do Fundo Especial do Ministério Público (fls. 423/444).
Contra a r. sentença foram opostos embargos de declaração, que foram acolhidos para reconhecer a ausência de responsabilidade das Farmácias Requeridas, quais sejam, as rés Janete T. Citon e Cia. Ltda. (Farmácia Santa Terezinha), Teresinha M. Machado & Cia. Ltda. (Farmácia Santa Inês), Damofarma Comércio de Medicamentos Ltda. (Farmácia Brasil), Farmácia Beliafarma Ltda. (Farmácia Paraná Manipulação) e Ivo J. Citon & Cia. Ltda (Farmácia Biofarma), restringindo-se a condenação dos honorários sucumbenciais ao Réu Clóvis João Bombarda (fls. 482/483). Clóvis João Bombarda interpôs Recurso de Apelação visando a reforma da r. sentença arguindo, em prejudicial de mérito, a prescrição, nos termos do art. 23, I, da Lei 8429/92. Sustentou que os pedidos formulados na inicial devem ser julgados improcedentes porque não há provas que demonstrem a existência de prejuízo ao Município de Corbélia. Nesta linha argumentativa, alegou que o sistema "por requisições" já era utilizado pela gestão anterior, e os preços dos medicamentos estavam compatíveis com o preço de mercado, inexistindo qualquer tipo de lesão ao patrimônio público. Ademais, a sentença baseou-se somente em presunções e conjecturas, tanto que afirma que não pode ser precisado o valor do prejuízo, de tal forma que o valor da condenação foi fixado sem qualquer critério, de modo presumido. Afirmou que não há nenhum indício de irregularidade em benefício próprio ou de terceiros foi comprovado, o que descaracteriza o a existência de dolo ou má-fé, requisitos essenciais para a configuração da improbidade administrativa, nos termos do art. 10, da Lei 8429/92 c/c arts. 5º, II, XXIX e LIX; e 37, caput e §4º, ambos da CF. Por fim, aduziu que a inexistência de licitação para medicamentos não pode ser analisada, isoladamente, como ato ímprobo, mas tão somente como mera irregularidade procedimental. O Ministério Público apresentou as contrarrazões. A pedido da douta Procuradoria Geral de Justiça, foram realizadas diligências para incluir os volumes faltantes do procedimento investigatório 006/2007, bem como do CD com o depoimento das testemunhas, uma vez que o CD veio danificado para segunda instância (fls. 510/513, fls. 520/525 e fls. 535/539). Juntados os elementos probatórios faltantes, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso, e opinou pela alteração da sentença, de ofício, para o fim de adequar a condenação do Apelante a uma das penas do art. 12, II da Lei 8429/92 bem como para afastar a condenação da verba honorária. II VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Presentes os pressupostos recursais de cabimento, legitimação e interesse (intrínsecos), da tempestividade, regularidade formal e preparo (extrínsecos), conheço do recurso. Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença que condenou o réu Clóvis João Bombarda a restituir aos cofres públicos do Município de Corbélia o valor de R$ 167.053,00, devidamente atualizado e acrescidos de juros de mora, por ato de improbidade administrativa, consubstanciado na ausência de licitação na aquisição de medicamentos.
1. Da Inocorrência de Prescrição Inicialmente, o Apelante alega que, tendo em vista a data do fato gerador a data do término do mandato ou a data do fato - a prescrição quinquenal se operou, devendo o processo ser extinto, nos termos do art. 23, I, da Lei 8429/92. Não procede. Primeiramente, deve-se destacar que a matéria já restou apreciada, e já foi decidida pelo juízo a quo no despacho de fls. 130/135. Ademais, como se sabe, a prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser analisada a qualquer tempo ou grau de jurisdição. É pertinente esclarecer que a existência de prescrição, ou imprescritibilidade depende da matéria a ser analisada. Tratando-se de ação que visa o ressarcimento ao erário, dos prejuízos sofridos, deve ser reconhecida a existência de imprescritibilidade, nos termos da segunda parte, do §5º, art. 37, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Neste sentido, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. Da leitura do art. 37, § 5º, da Constituição da República e do art. 23 da Lei 8.429/1992, infere-se que a prescrição quinquenal atinge os ilícitos administrativos e a punição contra os agentes públicos que lhe deram causa, deixando fora de sua incidência temporal as ações com vistas ao ressarcimento ao Erário, que, nos termos da jurisprudência desta Corte, são imprescritíveis. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 388.589/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 17/02/2014) grifou-se
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992 AOS AGENTES POLÍTICOS. COMPATIBILIDADE COM O DECRETO-LEI 201/1967. RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. IMPRESCRITIBILIDADE. DEMAIS SANÇÕES. ART. 23 DA LIA. TERMOS INICIAIS DISTINTOS CONFORME O VÍNCULO DO AGENTE COM A ADMINISTRAÇÃO. 1. Não há qualquer antinomia entre o Decreto-Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992, pois a primeira impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato. Precedentes. 2. A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível, mesmo se cumulada com a ação de improbidade administrativa (art. 37, § 5º, da CF). 3. Não fere as garantias constitucionais a previsão de termos iniciais distintos, para fins de contagem da prescrição para as demais sanções, nos moldes do art. 23, I e II, da LIA, conforme o vínculo jurídico do agente público com a Administração. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 79.268/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 29/11/2013) grifou-se
Contudo, em se tratando de outras penalidades decorrentes de improbidade administrativa, como pagamento de multa, proibição de contratar com o poder público, proibição de receber benefícios ou inventivos fiscais, entre outros, a Constituição, em seu art. 37, §5º, primeira parte, aponta que a Lei deverá prever prazo prescricional, como se observa:
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
A Lei de Improbidade Administrativa, regulamentou a matéria e passou a estabelecer que o prazo prescricional será de 05 anos, iniciando a transcorrer a partir do término do exercício do mandato, como se verifica no art. 23, I da Lei 8429/92:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
Nestes termos também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. PRESCRIÇÃO. LEI N. 8.429/92, ART. 23, I E II. CARGO EFETIVO. CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO COMISSIONADA. EXERCÍCIO CONCOMITANTE OU NÃO. PREVALÊNCIA DO VÍNCULO EFETIVO, EM DETRIMENTO DO TEMPORÁRIO, PARA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Duas situações são bem definidas no tocante à contagem do prazo prescricional para ajuizamento de ação de improbidade administrativa: se o ato ímprobo for imputado a agente público no exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de cinco anos, com termo a quo no primeiro dia após a cessação do vínculo; em outro passo, sendo o agente público detentor de cargo efetivo ou emprego, havendo previsão para falta disciplinar punível com demissão, o prazo prescricional é o determinado na lei específica. Inteligência do art. 23 da Lei n. 8.429/92. 2. Não cuida a Lei de Improbidade, no entanto, da hipótese de o mesmo agente praticar ato ímprobo no exercício cumulativo de cargo efetivo e de cargo comissionado. 3. Por meio de interpretação teleológica da norma, verifica-se que a individualização do lapso prescricional é associada à natureza do vínculo jurídico mantido pelo agente público com o sujeito passivo em potencial. Doutrina. 4. Partindo dessa premissa, o art. 23, I, associa o início da contagem do prazo prescricional ao término de vínculo temporário. Ao mesmo tempo, o art. 23, II, no caso de vínculo definitivo como o exercício de cargo de provimento efetivo ou emprego , não considera, para fins de aferição do prazo prescricional, o exercício de funções intermédias como as comissionadas desempenhadas pelo agente, sendo determinante apenas o exercício de cargo efetivo. 5. Portanto, exercendo cumulativamente cargo efetivo e cargo comissionado, ao tempo do ato reputado ímprobo, há de prevalecer o primeiro, para fins de contagem prescricional, pelo simples fato de o vínculo entre agente e Administração pública não cessar com a exoneração do cargo em comissão, por ser temporário. (REsp 1060529/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009).
No caso, observa-se que o mandato eletivo de Prefeito, exercido pelo Apelante, restou extinto em 31 de dezembro de 2004, e a presente ação foi ajuizada em 18/02/2008 (f. 2), ou seja, dentro do prazo prescricional de (5) cinco anos. Nestes termos, não há que se falar em prescrição no caso concreto, pois mesmo que a penalidade aplicada não seja a de reparação de dano, a pretensão não está prescrita.
2. Introdução ao caso e apontamento ao Direito ao Governo Honesto O Ministério Público atribuiu ao réu, Clóvis João Bombarda, a conduta de improbidade administrativa pela aquisição de medicamento sem o procedimento licitatório, durante a gestão da Prefeitura de Corbélia, no período compreendido entre 2001 a 2004. Restou incontroverso nos autos que o Município de Corbélia, sem a instauração de prévio procedimento licitatório, adquiriu, no interesse da população, medicamentos junto à Farmácia Santa Terezinha, Farmácia Santa Inês, Farmácia Brasil, Farmácia Beliafarma Ltda. - Farmácia Paraná Manipulação e Farmácia Biofarma. Este procedimento, segundo a defesa era realizado, basicamente, pelo procedimento relatado nos depoimentos dos réus e das testemunhas, nos seguintes moldes: o munícipe fazia a consulta médica e recebia a receita, solicitando no posto de saúde do Município, caso não houvesse medicamento, o munícipe era orientado a fazer a pesquisa em pelo menos 3 farmácias da cidade, sendo que, com o menor orçamento, o Município, por intermédio do Secretário de Saúde ou do Prefeito liberavam uma requisição (acompanhada de dados do paciente e da receita médica) para o munícipe pudesse adquirir o medicamento na farmácia de menor preço. Ciente dos atos praticados e da inexistência de procedimento licitatório, o Ministério Público propôs Ação Civil Pública, visando a penalização dos envolvidos e a restituição dos valores gastos em excesso aos cofres públicos, pois todos os cidadãos possuem direito a um governo honesto, direito este que deriva do princípio republicano, previsto no art. 1º, caput, da CF, bem como dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, podendo ser assim definido:
O direito ao governo honesto constitui corolário da cidadania e representa o direito de todas as pessoas que participam da comunidade política a ter suas instituições públicas administradas sob os atributos da honestidade, da boa-fé, da lisura, da impessoalidade, da moralidade e da legalidade. Não se trata de faculdade específica ou determinada, mas sim de um complexo de direitos e garantias que reúne todas as prerrogativas que o indivíduo tenha para poder exigir a probidade e a lisura na administração pública.1
No mesmo sentido, é possível citar ponderações em trecho de decisão proferida pelo em. Ministro Celso de Mello:
Ninguém está acima da Constituição e das leis da República. Todos, sem exceção, são responsáveis perante a coletividade, notadamente quando se tratar da efetivação de gastos que envolvam e afetem a despesa pública. Esta é uma incontornável exigência de caráter ético-jurídico imposta pelo postulado da moralidade administrativa. Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto nunca é demasiado reconhece-lo traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania. (STF, MS 27141 MC, Relator(a): Min. Celso de Mello, julgado em 22/02/2008, publicado em DJe-034 Divulg 26/02/2008 Public 27/02/2008)
1 PLATES, José Rubens. Direito fundamental ao Governo Honesto. Boletim Científico: Escola Superior do Ministério Público da União. Ano 10, número 36, Edição Especial: 20 anos da Lei de Improbidade Administrativa. Brasília: ESMPU. pp. 79-100, p. 86/87.
Portanto, é pertinente a investigação de procedimentos realizados em desconformidade com a Lei, pois como no Seminário de Probidade Administrativa o Digníssimo Procurador- Geral de Justiça Roberto Gurgel (à época) afirmou:
"A corrupção, a improbidade administrativa, o enriquecimento ilícito de agente públicos ocorrem em todas as nações. O que diferencia uma das outras são as formas de enfrentamento desses delitos."
E concluiu que
"O Ministério Público e a magistratura têm a obrigação de encarar esses problemas que vem afetando gravemente a sociedade brasileira com absoluta prioridade, buscando o aprimoramento do sistema de Justiça para alcançar maior celeridade nos julgamentos das ações penais e ações civis de improbidade administrativa".2
Ademais, analisando-se os autos deve ser dado especial destaque para a trabalhosa sentença proferida pela em. juíza de direito Juliana Olandoski Barboza, a qual realizou meticuloso trabalho na análise probatória. Realizadas análises preliminares, passa-se a analisar primeira controvérsia contida nos autos, que diz respeito à necessidade de realização de licitações para a contratação de medicamentos.
2 Disponível em http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_geral/ roberto-gurgel-alerta-sobre-a-subutilizacao-da-lei-de-improbidade-administrativa/? searchterm=semin%C3%A1rio%20de%20probidade%20administrativa. Acesso em 26 de agosto de 2015.
3. Da Caracterização da Improbidade Administrativa A improbidade administrativa está prevista em diversos dispositivos da Constituição Federal, com especial destaque para o art. 37, §4º:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Regulamentando a matéria, a Lei 8429/92 trata dos atos de improbidade administrativa praticados por agentes públicos prevendo os sujeitos, atos, modalidades, sanções, assim como o procedimento administrativo e judicial, tratando-se de elemento normativo fundamental para o caso sub examine. A Lei de Improbidade Administrativa - LIA, contudo, não definiu o conceito de improbidade administrativa, podendo-se afirmar de modo genérico que se trata de uma conduta praticada por agente público que ofende o princípio da moralidade administrativa. De forma mais técnica, o conceito é trazido por JUSTEN FILHO3 com os seguintes contornos: 3JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1073.
A improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora de dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei.
Analisando-se o conceito, a primeira questão que surge diz respeito à ocorrência de uma "ação ou omissão violadora de dever constitucional de moralidade", ou seja, o ato de improbidade não decorre de uma mera ruptura com a legalidade, caracterizando-se pela ilegalidade qualificada pela interação com os demais princípios constitucionais que lhe fazem companhia. José Afonso da Silva4 explica a improbidade administrativa com especial destaque para o dever de moralidade, apontando-a como uma imoralidade qualificada:
A improbidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o `funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer'. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada.
Em relação a esta "qualificadora", mencionada por ambos os autores, a questão pode ser melhor esclarecida analisando- se a tipologia da Lei 8429/92, pois os atos de improbidade administrativa podem ser partilhados em 3 categorias, claramente definidas no caput, dos arts. 9º, 10 e 11, quais sejam: 4DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: 2001, p. 653.
a) Os que importam em enriquecimento ilícito do agente público, acarretem ou não, dano ao erário (art. 9º); b) Os lesivos ao erário que podem importar enriquecimento indevido de terceiro (art. 10); c) Os que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), mediante violação dos deveres administrativos, sem enriquecimento ilícito do agente público e sem lesão ao erário.
Assim, para caracterizar a improbidade administrativa, é necessário que haja subsunção dos fatos praticados à norma contida em um dos 3 supra mencionados artigos. Neste caso, observa-se ter ocorrido subsunção dos fatos ocorridos à norma constante no art. 11, I da Lei 8429/92, que reza:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
Passa-se a analisar cada os requisitos exigidos de forma pormenorizada. 3.1. Atuação do agente público A lei prevê que a atuação do agente público pode ocorrer por intermédio de uma ação ou omissão, ou seja, pode consistir em um fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Aqui, no caso, caracterizam-se as duas hipóteses.
A omissão caracteriza-se pela inexistência de realização de procedimento licitatório, bem como em razão de ausência de dispensa de licitação. Já a ação corresponde aos diversos atos do Apelante o qual determinou a forma que seria realizada a compra de medicamentos pelo Município, bem como a reiterada autorização de compra de medicamentos em farmácias locais sem a realização de procedimento licitatório. Neste sentido é relevante a lição de JUSTEN FILHO5:
A administração tem o dever de justificar não apenas a presença dos pressupostos da ausência de licitação. Deve indicar, ademais, o fundamento da escolha de um determinado contratante e de uma específica proposta.
Saliente-se, ademais, que já restou mencionado, que havia previsão no Município de verba a ser destinada aos medicamentos, o que evidencia uma previsão de gastos, bem como a existência de previsão orçamentária para tal finalidade. 3.2. Da ausência de processos licitatórios A Constituição Federal consagra o princípio da licitação, exigindo expressamente a adoção de processo licitatório pela Administração Pública. É o teor do art. 37, XXI:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de 5JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e Contratos Administrativos. 8 ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 298.
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
A matéria foi regulamentada pela Lei de Licitações, a serem observadas por todos os entes da federação qual seja, prevendo em seu art. 2º a obrigatoriedade de instauração de processo licitatório para contratação junto de terceiros:
Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
É de se destacar que a regra, conforme os dispositivos legais supracitados, é que as contratações públicas sejam precedidas de processo licitatório. Ressalve-se que ao longo do depoimento judicial realizado pelo Apelante, este nem soube informar se foi realizado, ou não, processo de dispensa de licitação, caracterizando pleno
descomprometimento com a ordem jurídica e legal e com os princípios do direito administrativo. Pode-se extrair tal conclusão do seguinte trecho do depoimento do Apelante, Clóvis João Bombarda, Prefeito Municipal de Corbélia na época dos fatos, o qual confessou que: "(...) as aquisições de medicamentos não eram precedidas de processos licitatórios ... entre 2001 a 2004 não lembra de ter sido feito licitação para adquirir medicamentos ... o paciente buscava o melhor preço na farmácia com a prescrição médica...o preço era o de mercado (...)". O Secretário Municipal de Saúde, Volnei Vanin, confirmou a confissão do Autor, dizendo em juízo que: "(...) o paciente pegava a receita médica e pegava o medicamento no posto ... caso não tivesse no posto o paciente fazia orçamento nas farmácias ... escolhia a farmácia pelo menor preço...preenchia requisição para retirar o medicamento na farmácia (...)". É difícil imaginar como pode haver tamanha falta de compromisso com o interesse e com o patrimônio público, uma vez que são oferecidos instrumentos legais capazes inclusive, de possibilitar a aquisição de produtos com valores abaixo do preço de mercado, o que restou claramente demonstrado ao longo dos autos, e que será apontado em momento posterior. Mesmo assim, o Apelante afirmou, em seu depoimento, que a compra de medicamentos de forma fracionada, tal como era procedido no decorrer de sua gestão mostrava-se vantajosa ao Município, pois havia melhor adequação às necessidades dos munícipes. Entretanto, tal justificativa do Apelante não se mostra apta a legitimar o fracionamento das compras e, por conseguinte, autorizar a contratação direta, sem prévio processo licitatório. Portanto, pelos depoimentos prestados em juízo, restou comprovada a acusação de compras de medicamentos sem os devidos processos licitatórios, tornando-se clara a ofensa À Constituição Federal, à Lei de Licitações e aos princípios da administração pública. 3.3. Da inexistência de dispensa de licitações Salienta-se que a contratação direta, sem realização de licitação, somente é admitida em hipóteses restritas, previstas em lei. Tal relativização do princípio constitucional da licitação não é gratuita. Isso porque, a legislação admite a contratação direta, devidamente motivada, nos casos em que a licitação mostra-se inviável por ausência de competição ou quando for inconveniente ou inoportuna para o atendimento do interesse público. Neste sentido, a Lei nº 8.666/1993 traz em seu art. 24 hipóteses taxativas de dispensa de licitação, autorizando o administrador a proceder a contratação direta, por critério de conveniência e oportunidade a ser avaliado no caso concreto. Por sua vez, o art. 25 do mesmo diploma legal trata da inexigibilidade de licitação, a ser aplicada ante a inviabilidade de competição. Denota-se que só no art. 24 há uma diversidade de dispositivos, pois são previstas 33 hipóteses de dispensa de licitações, de tal forma que se observa o exaustivo rol formulado pelo legislador. Convém consignar que a contratação direta pressupõe procedimento formal prévio, "destinado a produzir a melhor proposta possível para a Administração", consoante lição de JUSTEN FILHO6. Deste modo, tem-se que a contratação direta deve ser devidamente motivada, com vistas à obtenção da melhor contratação, não sendo fruto de mera deliberatividade do administrador público, em ofensa aos princípios norteadores da Administração Pública. Contudo, a Administração Pública (conduzida pelo Apelante) nem sequer procedeu pela dispensa de licitação, conforme informação fornecida às fls. 251, do Procedimento Investigatório Preliminar 006/2007 em que é informado: "Outrossim, esclarecemos que não houve a dispensa de licitação para a aquisição de tais medicamentos." A previsão de dispensa de licitação mais próxima a se enquadrar na justificativa mencionada pelo Apelante corresponde à hipótese do art. 24, II, da Lei 8666/93, que consagra a contratação direta em virtude do valor reduzido, que prevê:
Art. 24. É dispensável a licitação: (...) II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;
6JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9 ed. São Paulo: Dialética. 2002. p. 231.
Correlacionando o referido dispositivo com o art. 23, II, `a', da Lei 8666/937, observa-se que há obrigatoriedade de procedimento licitatório nas compras realizadas pela Administração Pública, exceto nas hipóteses de a aquisição de produtos (no caso em tela, de medicamentos) em valor de até R$ 8.000,00. A dispensa da licitação para contratações de pequena monta nada mais é do que consequência do princípio da economicidade, justificando-se para impedir a onerosidade decorrente do tempo despendido e dos recursos materiais e pessoais utilizados na realização de um certame licitatório, quando desproporcionais tais custos em relação ao valor do contrato a ser firmado.8 Contudo, veda-se o fracionamento para burlar esta regra, pois o espírito da lei, neste dispositivo, é o de coibir a evasão ao procedimento licitatório, tática que pode ser utilizada para o mau administrador se furtar do uso do procedimento licitatório. É relevante mencionar que o fracionamento também não é reconhecido porque é possível adquirir o produto de forma parcelada, o que se enquadra no caso de aquisição de 7 Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: (...) II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); §1º As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. 8 MENDES JÚNIOR, José Francisco Seabra. Fracionamento de compras como forma de
burlar a obrigatoriedade de licitação e suas consequências à luz da Lei 8.429/92. Disponível em https://www.mpto.mp.br/static/caops/patrimonio-publico/files/files/ fracionamento-de-despesa.pdf. p. 4. Acesso em 26 de agosto de 2015.
medicamentos, em que a necessidade é contínua, existindo até mesmo listas básicas de medicamentos elaborada pelo SUS. Saliente-se que no caso concreto, havia previsão anual de orçamento para fins de aquisição de medicamentos perante as farmácias, o que estava previsto nas notas de empenho, no item "autorizado no ano", as quais estão arroladas no PIP 006/2007, citando- se a título de exemplo uma nota de empenho de cada das farmácias envolvidas: fls. 26, 400, 1754, 2067, 2455. Ademais, é importante ressaltar que o valor total das despesas com medicamentos no período de 2001 a 2004 totalizou o montante de R$ 1.670.539,00. Saliente-se que, considerando o valor gasto ao longo do período de 2001 a 2004, o gasto mensal com medicamentos totaliza o montante de R$ 34.802,89, valor este que não permitiria a dispensa de licitação mesmo que o valor fosse fracionado mês a mês, pois o valor supera em mais de 4 vezes o valor de dispensa de licitações. Ademais, em termos anuais, o valor médio era de R$ 417.634,75, superando em mais de 52 vezes o valor para dispensa de licitações. Inobstante todas as circunstâncias e as previsões legais, "constitui prática corriqueira na administração pública a dispensa indevida e injustificada de licitação, ocorrida a partir do irregular parcelamento de despesas, de modo a adequar fraudulentamente cada contratação direta".9
9 MENDES JÚNIOR, José Francisco Seabra. Fracionamento de compras como forma de burlar a obrigatoriedade de licitação e suas consequências à luz da Lei 8.429/92. Disponível em https://www.mpto.mp.br/static/caops/patrimonio-publico/files/files/ fracionamento-de-despesa.pdf. p. 6. Acesso em 26 de agosto de 2015.
Inclusive, José Francisco Seabra Mendes Junior autor supra citado aponta a hipótese mais comum de fracionamento irregular das despesas, o que se enquadra perfeitamente no caso em apreço:
Em regra, o fracionamento irregular das despesas relativas a compras pode ser detectado a partir da constatação da sucessiva contratação de aquisição de mercadorias, em determinado período, ao invés da realização de licitação única para oportunizar a compra destas mesmas mercadorias durante o mesmo período, de um fornecedor selecionado a partir do certame público exigido em lei.10
Diante de tais motivos, é certo que as justificativas do Apelante para não realizar licitações não procedem. 3.4. Da violação aos princípios da Administração Pública, mediante violação dos deveres administrativos A previsão para realização de licitações decorre diretamente do princípio da impessoalidade, pois concretiza a impossibilidade do agente público não possuir liberdade de contratar com a pessoa de sua preferência, devendo sua atuação ser pautada nos princípios que regem o Direito Administrativo e nos princípios específicos norteadores da licitação. Neste sentido, o primeiro princípio da administração pública afetado com tal conduta refere-se ao princípio da
10 MENDES JÚNIOR, José Francisco Seabra. Fracionamento de compras como forma de burlar a obrigatoriedade de licitação e suas consequências à luz da Lei 8.429/92. Disponível em https://www.mpto.mp.br/static/caops/patrimonio-publico/files/files/ fracionamento-de-despesa.pdf. p. 7. Acesso em 26 de agosto de 2015.
impessoalidade, pois as compras foram direcionadas para serem feitas com as farmácias municipais. Mas outros princípios também foram atingidos com a conduta do Apelante, o qual ofendeu os princípios da legalidade, da moralidade, da economicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da competitividade, do procedimento formal, da economicidade, da eficiência, dentre outros. Acontece que o agente público está obrigado a atender ao contido na Constituição Federal e na Lei 8.666/93, realizando-se o procedimento licitatório para a compra de medicamentos, havendo manifesto descumprimento aos princípios da legalidade e da moralidade no caso em tela. Também deve ser dado destaque para a ocorrência de ofensas aos princípios da eficiência, da economicidade e da competitividade, pois se fossem realizadas licitações, certamente seriam obtidos valores reduzidos na aquisição de medicamentos, o que é natural quando há grande fluxo de comercialização. No caso de um Município do porte de Corbélia, que é responsável pelo fornecimento de uma grande quantidade de medicamentos, se houver o emprego de uma logística adequada, e de forma contínua, o resultado será uma grande economia aos cofres públicos. 3.5. Dolo Cumpre ressaltar, que o Superior Tribunal de Justiça entende que a configuração do ato de improbidade por violação aos princípios exige a presença do elemento subjetivo (dolo): O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a configuração de ato de improbidade administrativa exige, necessariamente, a presença do elemento subjetivo, inexistindo a possibilidade da atribuição da responsabilidade objetiva na esfera da Lei 8.429/92. (STJ, REsp 766231/PR, Min. DENISE ARRUDA, DJ 25/11/2008).
Neste mesmo sentido, observa-se:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. RESSARCIMENTO DE DANO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE DANO E DE MÁ-FÉ (DOLO). APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade, quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4. Destarte, o elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva. Precedentes: REsp 654.721/MT, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 01/07/2009; REsp 604.151/RS, Primeira Turma, DJ de 08/06/2006; (...). (REsp 1149427/SC, T1 - PRIMEIRA TURMA, Ministro LUIZ FUX, J. 17/08/2010).
Assim, deve ser analisada a presença do elemento subjetivo (dolo), por intermédio do contexto fático, para configuração do ato de improbidade administrativa. Neste ponto deve ser feita referência a matéria já abordada ao longo do acórdão, com o fim de caracterizar o elemento anímico do agente. Inicialmente, destaca-se o próprio depoimento do Apelante, o qual foi suficiente para demonstrar a imensa falta de comprometimento com a Lei, afirmando claramente que não atendia ao princípio da legalidade ao atuar como agente público a partir de 02'05'' de seu depoimento:
Ou eu não fazia saúde, ou eu seguia razoavelmente a lei. Pra você seguir a Lei à risca você não faz saúde.
No caso, o Apelante, na condição de Prefeito Municipal, mesmo conhecendo o dever constitucional de instaurar procedimentos licitatórios para compras de medicamentos, autorizou as aquisições, ofendendo a legalidade. Há, portanto, a configuração do dolo na conduta do Apelante, em autorizar compras de medicamentos sem os respectivos procedimentos licitatórios, não garantindo a igualdade de concorrência entre as farmácias fornecedoras. Salienta-se, por fim, que em casos análogos e recentes também houve condenações por improbidade administrativa em razão de aquisição de medicamentos sem a realização de procedimentos licitatórios, reconhecendo-se o dolo do agente público, como se observa a seguir:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FORNECIMENTO DE PRODUTOS MÉDICOS SEM LICITAÇÃO. ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO. CARACTERIZAÇÃO. 1. Discute-se nos autos a caracterização de improbidade administrativa na tipologia do art. 11 da Lei n. 8.429/92 em razão da entrega de produtos médicos a certa municipalidade sem prévia realização de licitação e sem justificativa para dispensa do procedimento licitatório. 2. O Tribunal de Contas do Estado, após inspeção especial, constatou inúmeras irregularidades na aquisição dos mencionados produtos por meio de requisições, com possível prejuízo ao erário na ordem de aproximadamente R$147.000,00 (cento e quarenta e sete mil reais). 3. Além disso, o acórdão pontuou que as referidas aquisições não foram esporádicas, mas contínuas, afastando, assim, a caracterização de situação emergencial. 4. Em seu especial, a parte ora agravante alega que não houve dolo ou má-fé na contratação efetuada pois os medicamentos adquiridos foram devidamente entregues, o que descaracteriza o dano ao erário. Sustenta, ainda, que é caso de prestigiar o notório caráter emergencial na aquisição de tais produtos, situação que impede a realização de licitação. 5. Ocorre que esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que, para o enquadramento de condutas no art. 11 da Lei n. 8.429/92, é despicienda a caracterização do dano ao erário e do enriquecimento ilícito. Precedentes. 6. Não fosse isto suficiente, esta Corte Superior, especialmente por sua Segunda Turma, vem entendendo que, no âmbito de ações por improbidade administrativa relativa a procedimentos licitatórios, a pura e simples prestação do serviço e a entrega dos produtos não são suficientes para afastar o prejuízo ao erário, pois o valor pago pela prestação ou pelo produto pode estar além do valor médio de mercado,
bem como pode ser até mesmo indevido (nas hipóteses, p. ex., em que o serviço e/ou o produto em si são desnecessários à luz da realidade). Precedente. 7. A caracterização do elemento subjetivo doloso não se relaciona com a existência de dano ao erário, pois, no caso concreto, ficou asseverado pela sentença, confirmada pelo acórdão, que os produtos fornecidos não eram apenas medicamentos, mas produtos que, por sua natureza, descaracterizam a própria situação de emergência alegada no especial como excludente do dolo - tais como esparadrapo, parafuso, álcool, luva cirúrgica e atadura. Trechos do acórdão recorrido. 8. Plenamente configurado, portanto, o elemento subjetivo doloso a ensejar a incidência do art. 11 da Lei n. 8.429/92. 9. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1316690/RO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 10/11/2010) grifou-se
Ou seja, pelas notas fiscais visualizadas, bem como as demais notas fiscais existentes no PIP 006/2007, há certeza de que houve opção pela não realização de licitação de forma arquitetada, o que caracteriza o dolo do Apelante, o qual agiu com intenção de não realizar licitação de forma ilegal, sob alegação falsa (de realização de um determinado procedimento, que revelou-se inexistir, ou existir somente em partes), sendo certo que voluntariamente (dolosamente, portanto) optou por não realizar licitação para a compra de medicamentos, bem como, que aceitou essa circunstância sem deixar de agir com a finalidade de evitá-lo. Por tais motivos, não há dúvidas que o Apelante agiu com dolo ao deixar de realizar licitações, sem nem sequer fazer a dispensa das mesmas.
4. O Dano ao erário e o ressarcimento determinado na sentença Especificamente, em relação à configuração do dano, aponta-se que tal exigência é desnecessária para a configuração da hipótese do art. 11 da Lei 8429/92, mas somente na ocorrência dos atos previstos no art. 10 da referida Lei. Destaca-se, também, que é desnecessária a comprovação de superfaturamento dos preços, pois este requisito só é exigido nos termos do art. 10, V, da Lei 8429/92. Também não há necessidade de comprovação de enriquecimento ilícito, do agente, sendo tal requisito exigido nas hipóteses do art. 9º, caput, da Lei 9429/92. Neste sentido observa-se a lição de Waldo Fazzio Junior11:
Para a configuração de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário (art. 10), não há necessidade de locupletamento por parte do agente público, embora não seja inusitada sua ocorrência. E se assim for, o agente público incidirá no enriquecimento ilícito previsto no art. 9º, e não neste. (grifou-se)
4.1. Da impossibilidade de condenação em valor presumido Apesar de não terem sido realizados os processos licitatórios, os medicamentos foram fornecidos pelo valor de mercado, não existindo prova de superfaturamento. 11 FAZZIO JUNIOR, Walter. Improbidade Administrativa: doutrina legislação e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas: 2014. p. 214.
A condenação ao ressarcimento integral do dano só é pertinente se houver prova de prejuízo concreto ao erário. Isso porque, a presunção de dano, visando autorizar a aplicação da sanção de ressarcimento ao erário, afronta o estado de inocência, até porque não é possível mensurar o valor efetivo do dano, motivo pelo qual não há numerário a ser devolvido aos cofres públicos. Nesse sentido, leciona MARINO: "A reparação do dano é obrigatória quando se tratar de ato de improbidade administrativa lesivo ao Erário (art. 10) e condicional à efetiva comprovação da ocorrência de prejuízo patrimonial na hipótese de enriquecimento ilícito (art. 9º)" (Marino Pazzaglini Filho, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, 3ª edição, Editora Atlas, São Paulo, 2006, p. 152-153). Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESPESAS DE VIAGEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. IRREGULARIDADE. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO. DANO AO ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. SANÇÃO DE RESSARCIMENTO EXCLUÍDA. MULTA CIVIL REDUZIDA. (...) 6. Não havendo prova de dano ao erário, afasta-se a sanção de ressarcimento prevista na primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). 7. Sentença mantida, excluída apenas a sanção de ressarcimento ao erário e reduzida a multa civil para cinco vezes o valor da remuneração recebida no último ano de mandato" (REsp 880662 / MG, T2 - SEGUNDA TURMA, Ministro CASTRO MEIRA, J. 15/02/2007). "(...) 3. Não havendo prova de dano ao erário, não há que se falar em ressarcimento, nos termos da primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos)." (STJ, Resp 737279/PR, 2ª T, Ministro CASTRO MEIRA, J. 13/05/2008).
Vale frisar, ainda, que não se revela adequado fixar o valor do ressarcimento ao erário por mera suposição, ou seja, sem prova do efetivo dano, o que ofende os princípios da fundamentação e da individualização da pena. A sentença (fls. 423/444), condenou: "(...) Clóvis João Bombarda a restituir aos cofres públicos do Município de Corbélia/PR, o valor de R$ 167.053,90 (cento e sessenta e sete mil, cinquenta e três reais, e noventa centavos)...", equivalente a 10% sobre o valor da causa (f. 443). As normas que dispõem sobre improbidade administrativa devem ser interpretadas dentro do princípio da proporcionalidade e bom senso, amoldando-as ao espírito constitucional, para evitar situações arbitrárias. 5. Da Multa A conduta do Apelante, em autorizar compras de medicamentos sem procedimentos licitatórios, tipificada no artigo 11 da Lei de Improbidade, atenta contra o princípio da legalidade. Nesse caso, somente podem ser aplicadas as penas previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, quais sejam: Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (...) III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. (grifou-se)
A sentença aplicou a sanção pela improbidade no seguinte sentido: "(...) CLÓVIS JOÃO BOMBARDA a restituir aos cofres públicos do Município de Corbélia/PR, o valor de R$ 167.053,90 (cento e sessenta e sete mil, cinquenta e três reais, e noventa centavos)...". As sanções legais por atos de improbidade devem ser dosadas diante do grau da culpa do agente e guardar correlação lógica com a conduta praticada, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de que sejam adequadamente individualizadas. No caso, considerando a gravidade da improbidade praticada, bem como o art. 12, III, da Lei 8429/92, a qual prevê a possibilidade de aplicação de "multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente", deve a penalidade ser aplicada em R$ 30.000,00 (trinta mil Reais), montante que se encontra dentro do parâmetro arbitrado. Saliente-se que o montante arbitrado se revela coerente com o entendimento desta Corte, já houve condenação do ora Apelante na Apelação Cível 1130519-6, a, qual, ao julgar a Ação
Civil Pública nº 0002147-43.8.16.0074, proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná, em face dos mesmos Réus da presente demanda, e cujo conteúdo é idêntico à presente demanda, (com diferença somente em relação ao período de ausência de licitações, a qual ocorreu entre janeiro de 2005 a junho de 2006), como se observa na ementa a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA INICIAL, CONDENANDO O EX-PREFEITO E SECRETÁRIO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE CORBÉLIA AO PAGAMENTO DE MULTA CIVIL NO VALOR DE 10 (DEZ) VEZES O SALÁRIO QUE RECEBERAM NO MÊS DE JUNHO DE 2006, COM OS CONSECTÁRIOS LEGAIS, PELA PRÁTICA DE ATOS QUE ATENTARAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. JULGAMENTO IMPROCEDENTE EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS FARMACÊUTICAS QUE FORNECIAM OS MEDICAMENTOS AOS MUNÍCIPES. ANTE A AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO NAS CONDUTAS POR ELAS DESENVOLVIDAS. PEDIDO DE REFORMA.AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS DESTINADOS À POPULAÇÃO LOCAL SEM A DEVIDA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE LICITAÇÃO. VALOR APURADO EM PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO PRELIMINAR PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL REVELA QUE A HIPÓTESE NÃO SE ENQUADRA NOS CASOS DE DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DO RESPECTIVO PROCEDIMENTO. RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11, CAPUT, DA LEI N. 8.429/92). DANO PRESUMIDO. IMPOSIÇÃO DE MULTA CIVIL AO PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL DE CORBÉLIA À ÉPOCA DOS FATOS, NA QUANTIA DE 10 (DEZ) VEZES O SALÁRIO POR ELES RECEBIDOS, EM DATA DE JUNHO DE 2006, ACRESCIDO DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. VALOR QUE SE MOSTRA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL, DIANTE DA CONDUTA PERPETRADA PELOS RECORRENTES. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C.Cível - AC - 1130519-6 - Corbélia - Rel.: Maria Aparecida Blanco de Lima - Unânime - - J. 04.02.2014)
Saliente-se, ademais, que não houve demonstração de provas de superfaturamento no fornecimento dos medicamentos. Por fim, vale frisar que não é razoável a aplicação da suspensão dos direitos políticos e da proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, porquanto a conduta do Apelante, apesar de afrontar a legalidade, atingiu o interesse público primário (obter medicamentos para a população pelo valor de mercado). 6. Da correção monetária e dos juros Tendo em vista a reforma realizada na sentença, para que seja aplicada multa ao invés de ressarcimento do dano, deve ser alterada a data da aplicação da correção monetária e dos juros de mora. A multa deve ser corrigida monetariamente pelo IPCA-E, para evitar a corrosão da multa aplicada e os juros de mora, devem estes ser aplicados no montante de 1% ao mês, (arts. 406, CC c/c 161, parágrafo único do CTN) ambos a partir da data do trânsito em julgado. 7. Correção da sentença de ofício penas do art. 12, II da Lei 8.429/92 e honorários advocatícios A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou- se pelo desprovimento do Recurso de Apelação, porém com a
reforma da sentença de ofício para o fim de "adequar a condenação do recorrente em uma das penas estabelecidas pelo art. 12, inciso II, da LIA, bem como para afastar a condenação à verba honorária." Ressalta-se, de início que a penalidade de ressarcimento do dano restou afastada, de tal forma que houve a perda do objeto em relação a correção da penalidade, até mesmo porque foi aplicada penalidade com fulcro no art. 12, III, da Lei 8429/92. Contudo, com relação aos honorários advocatícios, tal medida se mostra possível e adequada. Como bem salientou a douta Procuradoria Geral de Justiça, nas palavras de Maria Lucia Figueiredo Moreira, a sentença deve ser reformada de ofício para excluir a condenação de pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público, consoante o que estabelece o Enunciado nº 02 das Câmaras de Direito Público do TJPR:
Enunciado nº 02. Em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé; dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não pode o "parquet" beneficiar-se dessa verba, quando for vencedor na ação civil pública.
No caso em apreço não restou configurada a má- fé do ora Apelante, de tal forma que a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não se revela devida, devendo ser expurgada da r. sentença.
Diante de tais fundamentos, voto no sentido de dar parcial provimento ao Recurso de Apelação, para o fim de afastar a sanção aplicada de ressarcimento integral do dano ao erário, aplicando-se, somente a penalidade de multa civil no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil Reais), bem como, para afastar, de ofício, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao Ministério Público e ainda, para aplicar a correção monetária pelo IPCA-E e os juros de mora, ambos, a partir da data do trânsito em julgado. III DISPOSITIVO Diante do exposto, ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao Recurso de Apelação e, para corrigir a sentença de ofício nos termos supra. Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador Leonel Cunha, com voto, e dele participou o Senhor Desembargador Luiz Mateus de Lima. Declara voto convergente, em separado, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Leonel Cunha. Curitiba, 23 de fevereiro de 2016. DENISE HAMMERSCHMIDT Relatora Convocada LEONEL CUNHA Desembargador
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