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Processo:
1489004-7
(Decisão monocrática)
Segredo de Justiça: Não
Relator(a): Maria Aparecida Blanco de Lima
Desembargadora
Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível
Comarca: Curitiba
Data do Julgamento: Fri Mar 11 14:11:00 BRT 2016
Fonte/Data da Publicação: DJ: 1764 Mon Mar 21 00:00:00 BRT 2016

Decisão Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Decisão monocrática. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.

ESTADO DO PARANÁ APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.489.004-7 FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA Remetente : Juiz de Direito Apelante : Estado do Paraná Apelado : Ministério Público do Estado do Paraná Interessada : Cibele do Rocio Alves Laux Relatora : Desembargadora Maria Aparecida Blanco de LimaDECISÃO MONOCRÁTICA. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PARA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SUBSTITUÍDA PROCESSUAL PORTADORA DE "INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA NO ESTÁGIO V" (CID N18.0). NECESSIDADE DE TRATAMENTO COM O FÁRMACO "CINACALCE DE 30MG".COMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA DE CURITIBA. ART. 2º, CAPUT E §4º, DA LEI Nº 12.153/2009. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA.INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 1213958-1/01.SENTENÇA CASSADA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO, COM REMESSA DO PROCESSO AO JUÍZO COMPETENTE.APELO PREJUDICADO.
Vistos e examinados.
Cuida-se de Reexame Necessário e Apelação Cível interposta pelo Estado do Paraná contra sentença proferida no mov. 44.1 dos autos de Ação Civil Pública nº 0005988-41.2014.8.16.0179, manejada pelo Ministério Público do Estado do Paraná na defesa dos interesses de Cibele do Rocio Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7 Alves Laux e em face do Apelante, que julgou procedentes os pedidos contidos na inicial para fins de determinar o fornecimento gratuito do medicamento Cinacalcet de 30mg, para tratamento de saúde da substituída processual, que padece de insuficiência renal crônica no estágio V (CID N18.0).
Em suas razões recursais, esclareceu o Estado do Paraná que o fármaco não encontra-se elencado dentre os medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde -SUS, de modo que não há qualquer programa governamental, seja federal, estadual ou municipal, que preveja o seu dever de fornecer o referido medicamento.
Ressaltou que após minucioso estudo, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC decidiu por não incorporar o medicamento Cinacalcet ao rol de medicamentos.
Discorreu que não pode o Poder Judiciário interferir na política pública de saúde determinando medidas dissonantes à rejeição expressa pautada em estudo técnico elaborado com justificativas plausíveis e critérios altamente sustentados.
Sustentou que o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe que a prescrição médica esteja em conformidade com a RENAME e os protocolos clínicos.
Ao final, pugnou pelo conhecimento e total provimento do apelo.
O Ministério Público do Estado do Paraná apresentou Contrarrazões por meio do mov. 60.1.
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7 A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se através de parecer às fls. 10/26-TJ pelo desprovimento do recurso
É o relatório.
Decido.
De início, cumpre esclarecer que o exame dos presentes autos comporta análise monocrática por parte desta Relatora, na forma do disposto no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil e da Súmula n.º 253 do Superior Tribunal de Justiça.
Trata-se de Reexame Necessário e Apelação Cível interposta pelo Estado do Paraná contra sentença proferida em Ação Civil Pública manejada pelo Ministério Público do Estado do Paraná na defesa dos interesses de Cibele do Rocio Alves Laux e em face do Apelante, que julgou procedentes os pedidos contidos na inicial para fins de determinar o fornecimento gratuito do medicamento Cinacalcet de 30mg, para tratamento de saúde da substituída processual, que padece de insuficiência renal crônica no estágio V (CID N18.0).
Extrai-se da análise dos autos que a substituída encontra-se em tratamento junto à Clínica Evangélica de Hemodiálise e desenvolveu um quadro de Hiperparatireoidismo Secundário. Narrou em sua inicial que já foram experimentados vários fármacos disponíveis no SUS para tratamento de sua enfermidade, e que todos mostraram-se insuficientes. Em razão do risco de agravamento de seu quadro clínico lhe foi prescrito o uso de uma cápsula do medicamento pleiteado ao dia.
Deu-se à causa o valor de R$ 8.400,00, que corresponde à estimativa de gastos com fármaco requerido em um ano de tratamento, conforme informado na petição inicial.
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7
A causa foi distribuída à 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba.
Em que pesem os argumentos trazidos pelo parquet para fins de justificar a competência do juízo de origem, tem-se que o julgamento do presente feito é de competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública de Curitiba.
O Superior Tribunal de Justiça há muito já pacificou sua jurisprudência com o entendimento de que "Não há óbice para que os Juizados Especiais procedam ao julgamento de ação que visa o fornecimento de medicamentos/tratamento médico, quando o Ministério Público atua como substituto processual de cidadão idoso enfermo. 3. Embora o direito à saúde se insira no gênero dos direitos difusos, sua defesa pode-se dar tanto por meio de ações coletivas, como individuais; e a intenção do legislador federal foi de excluir da competência dos Juizados Especiais a defesa coletiva do direito à saúde, e não a defesa individual."1
A Seção Cível deste Egrégio Tribunal consagrou o mesmo entendimento em Incidente de Uniformização de Jurisprudência recentemente julgado:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS DE SAÚDE PERANTE O JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. RESOLUÇÕES 10/2010 E 71/2012 DO ÓRGÃO ESPECIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ATUANTE COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DE PESSOAS SEM CONDIÇÕES FINANCEIRAS DE CUSTEAR O TRATAMENTO. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA. ENTE ESTATAL QUE ATUA NA FUNÇÃO DE DEFENSOR DOS DIREITOS INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS, A DESPEITO DE NÃO
1 REsp: 1409706 MG 2013/0268521-8, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 07/11/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7 FIGURAR DENTRE OS LEGITIMADOS DO ARTIGO 5°, DA LEI 12.153/2009. VALOR DA CAUSA. LIMITAÇÃO. VERIFICAÇÃO.
ART. 2º, § 2º DA MESMA LEI. Súmula: "O Ministério Público, na qualidade de substituto processual, possui legitimidade extraordinária para ajuizar perante o Juizado Especial da Fazenda Pública ações que objetivem o fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde para pessoas que não possuam condições financeiras de custeá-los, desde que atendido o limite de quarenta salários mínimos fixado pela Resolução nº 10/2010 do Órgão Especial, cuja verificação deve se dar nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.153/2009" (TJPR - Seção Cível - IUJ - 1213958-1/01 - Colombo - Rel.: Carlos Mansur Arida - Unânime - - J. 17.04.2015)
Nesse sentido, cumpre ressaltar que impedir o parquet de atuar como substituto legítimo de cidadão enfermo nos Juizados Especiais da Fazenda Pública implicaria em violação de sua função de defensor dos direitos individuais indisponíveis prevista no artigo 127 da Constituição Federal2.
Segundo a lição de José Miguel Garcia MEDINA: "(...) As funções do Ministério Público, arroladas no art. 129, decorrem da incumbência da defesa "da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (...)3.
Positiva-se assim a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública sobre ações que pleiteiem concessão de medicamentos e tratamentos de saúde, tratando-se inclusive de hipótese de competência absoluta em razão do disposto no art. 2º, §4º da Lei nº 10.153/20094, o que faz com que a opção inicial do autor em atribuir a causa ao presente juízo não baste para legitimar a competência deste.
2 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [...] 3 MEDINA. José Miguel. Constituição Federal Comentada. 2ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 569.
4 Art. 2o É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. [...] §4o No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta.
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7
E, tratando-se de causa cujo valor foi fixado em R$ 8.400,00, calculado de acordo com o art. 2º, §2ª, da Lei nº 12.153/20095, vê-se respeitado o valor máximo estabelecido no caput do mencionado dispositivo legal.
Deste modo, resta reconhecida, de ofício, a competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública de Curitiba para julgamento da demanda em apreço.
No entanto, devem ser mantidos os efeitos da decisão interlocutória que concedeu a antecipação de tutela pleiteada (mov. 7.1) ainda que proferida por juiz incompetente.
A concessão da antecipação de tutela foi perfeitamente plausível, dado o risco iminente de dano irreparável à vida e à saúde da paciente em razão do tempo naturalmente despendido com os trâmites processuais.
E é plenamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência a possibilidade de deferimento de medicas emergenciais por juiz incompetente, uma vez que a parte não pode ser prejudicada por dúvidas existentes no sistema jurídico. Acrescenta-se também o caráter primordial da continuidade da tutela deferida, cuja interrupção acarretaria em risco real para a vida e à saúde da beneficiada.
5 Art. 2o É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. (...) § 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo.
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7 Neste sentido ensina Gabriel Abrão Filho:
De outro lado, como anteriormente consignado, se houver no sistema dúvida objetiva sobre qual o juízo competente para apreciar a matéria, isto significa que, não obstante entenda o juízo ser incompetente para aquela causa, deve apreciar o pedido de tutela de urgência da parte e, só depois, determinar a remessa dos autos.
Nesse caso, não incorreu a parte em erro grosseiro, não podendo ser prejudicada por falhas, dúvidas ou lacunas existentes no sistema.6
O Superior Tribunal de Justiça adota o mesmo entendimento, como segue.
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA JULGADO ORIGINARIAMENTE POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DECISÃO DENEGATÓRIA. RECURSO ESPECIAL. ERROGROSSEIRO.
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. 1. Em obséquio ao art. 105, II, b, da Carta Magna, a interposição de recurso especial pelo impetrante contra acórdão denegatório demandado de segurança julgado originariamente por Tribunal de Justiça constitui erro grosseiro, não sendo aplicável o princípio da fungibilidade. Precedentes. 2. O art. 113, § 2º, do CPC, não tem carga normativa suficiente para infirmar as razões alinhavadas pelo aresto recorrido, que reconheceu a incompetência absoluta do juízo, mas manteve o deferimento de liminar em face da urgência até manifestação do juiz competente. Incidência da Súmula 284/STF. 3. O dispositivo não trata, e também não impossibilita o juiz, ainda que absolutamente incompetente, de deferir medidas de urgência. A norma em destaque, por força dos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos, somente determina que, reconhecendo-se a incompetência do juízo, os atos decisórios serão nulos, devendo ser aproveitado todo e qualquer ato de conteúdo não decisório, evitando-se com isso a necessidade de repetição. Precedente: Ag REsp 1.022.375/PR, de minha relatoria, DJe 01º.07.11.4. Recurso especial do particular não conhecido. Recurso especial do Estado do Espírito Santo conhecido em parte e, nesta parte, provido tão somente para afastar a multa aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do CPC. (STJ, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 01/09/2011, T2 - SEGUNDA TURMA) - sem grifos no original
6 FILHO, Gabriel Abrão. As tutelas de Urgência e o Deslocamento da Competência Absoluta, in Inovações sobre o Direito Processual Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p. 200.
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.489.004-7
Diante do exposto, deixo de analisar as demais questões levantadas para anular o decisum a quo em Reexame Necessário dada a reconhecida incompetência do juízo eleito e determinar o encaminhamento dos autos para regular processamento e julgamento pelos Juizados Especiais da Fazenda Pública de Curitiba, ficando prejudicado o apelo.
No entanto, mantenho os efeitos da decisão interlocutória que concedeu a antecipação da tutela até que seja proferida decisão do juízo competente, nos termos da fundamentação exposta.
Curitiba, 9 de março de 2016.
MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Desembargadora Relatora