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Acórdão
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Certificado digitalmente por: VITOR ROBERTO SILVA APELAÇÃO CÍVEL N.º 1433490-4, DE LONDRINA 2ª VARA CÍVEL APELANTE: ANA GHENO APELADO: MARTIMINIANO ANTONIO DO DIVINO RELATOR: DES. VITOR ROBERTO SILVA DIREITO CIVIL. PRETENDIDA ANULAÇÃO DE CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS. IDADE AVANÇADA, "TEMPERAMENTO DIFÍCIL" E SAÚDE DEBILITADA. FATOS QUE NÃO IMPORTAM NA AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DE ATOS CIVIS. INCAPACIDADE ABSOLUTA DO CEDENTE NÃO COMPROVADA. IRREGULARIDADES FORMAIS DO INSTRUMENTO. IRRELEVÂNCIA. ÔNUS PROBATÓRIO DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU A AUTORA (ART. 333, I, CPC). SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1433490-4, em que é apelante Ana Gheno e apelado Martiminiano Antonio do Divino.
Trata-se de apelação voltada contra a r. sentença de improcedência proferida na ação de anulação de doação sob nº 44716-74.2008.8.16.0014 (fls. 262/265). Alega a apelante, em síntese, que: a) restou comprovado que o Sr. Luigi não tinha discernimento para a prática dos atos civis, mas nunca foi interditado porque não tinha nada de valor significativo, bem assim que tomava medicamentos indicados para quem tinha problemas mentais; b) o Sr. Luigi não sabia ler e escrever em português e, por outro lado, em razão da diabete, sofreu perda progressiva e severa de sua visão; c) nenhum familiar acompanhou o Sr. Luigi quando da assinatura do contrato de cessão de posse; d) o apelado, pastor evangélico, utilizou-se de seu poder de persuasão para que o Sr. Luigi assinasse o contrato; e) o contrato não foi assinado na presença de duas testemunhas e. além disso, não há rubrica em todas as suas folhas; e, f) a alegação do apelado de que residia na casa do Sr. Luigi por mais de cinco anos é inverídica, pois tomou conta dele por apenas três anos. Requer, diante disso, o provimento do recurso. (fls. 267/286) Conquanto intimado, deixou o apelado de responder o recurso (fls. 287-v). É o relatório. Em que pesem as alegações deduzidas pela apelante, não merece acolhida sua irresignação.
Isso porque o conjunto probatório produzido nos autos, em especial a prova testemunhal (haja vista a impossibilidade da realização de perícia técnica), não foi suficiente para afastar a presunção de capacidade civil do falecido Sr. Luigi ao tempo em que firmado o contrato de cessão de posse (fls. 257/258), objeto do pedido de nulidade. Afirmou o apelado, em seu depoimento pessoal, que, a pedido do Sr. Luigi, com ele foi morar e, por gratidão pelos serviços prestados, este lhe cedeu os direitos possessórios sobre o imóvel. Declarou, ainda, que o Sr. Luigi não queria que a família soubesse acerca do contrato de cessão, pois dizia ter sido abandonado por ela. A apelante, a seu turno, afirmou que o seu irmão, Sr. Luigi, era "bem desequilibrado", pois "estava bem e meia hora depois se tornava outra pessoa", tendo recebido tratamento psiquiátrico em Londrina e duas vezes em Curitiba. Ainda, que ele não foi interditado porque nunca se pensou que fosse fazer o que fez e que a convivência seria mais difícil se fosse sugerida a interdição. Declarou que o seu irmão Luigi lhe contou que passava a aposentadoria para o apelado, que queria a presença deste, mas às vezes pedia para ela tirá-lo de sua casa. Informou, por fim, que mesmo sendo incapaz, sempre respeitou as decisões do seu irmão Luigi. Andréia Alves Galinda, testemunha indicada pelo apelado, afirmou que visitava o Sr. Luigi depois do
culto, que ele tinha um comportamento normal e que era cuidado pelo pastor (o apelado). A testemunha Isael do Santos, também arrolada pelo apelado, profissional da área de saúde e que periodicamente visitava o Sr. Luigi, declarou que ele era hipertenso, diabético, mas que nunca notou problemas psiquiátricos e que era cuidado pelo apelado. Por outro lado, Juvenal Porfírio e Otacílio Barboza Vieira, testemunhas indicadas pela apelante, embora conhecessem o Sr. Luigi "de vista", sem relatar nenhum fato específico, informaram que sabiam que ele era "sistemático, desequilibrado, genioso" e que "às vezes estava bem, às vezes não". Já Angélica Favareti Abbade, ouvida na condição de informante, afirmou que o Sr. Luigi era uma pessoa difícil, que achava que ele tinha "problema mental" e que, por intermédio da família da apelante, sabia que ele já havia sido internado em clínica psiquiátrica. De todos os depoimentos, depreende-se que não restou comprovada alegada incapacidade do Sr. Luigi, ou seja, de que não possuía discernimento para a prática de atos civis, pois as apontadas características de sua personalidade ("pessoa difícil", "sistemático", "genioso"), sua idade avançada, seus problemas de saúde e o fato de "parecer desequilibrado" não configuram "doença ou deficiência mental, congênita ou adquirida
em vida de caráter duradouro e permanente, e que não estão em condições de administrar seus bens ou praticar atos jurídicos de qualquer espécie"1. Corrobora essa conclusão o fato de ser aposentado, o que não decorria de incapacidade, de modo que, independente de seu grau de instrução, é razoável concluir ter desempenhado atividade laborativa por tempo suficiente para obter benefício previdenciário. Ainda, conquanto a apelante afirme que o seu irmão Luigi foi internado por três vezes, não trouxe aos autos documento algum, como prontuário médico, ficha de internação ou declaração médica, de modo a corroborar essa assertiva. Não altera essa conclusão, por outro lado, a medicação ministrada ao falecido, notadamente o tranquilizante cuja ação foi descrita nas razões do apelo, porquanto serve para vários transtornos, sendo que o apelado esclareceu que o Sr. Luigi somente começou a tomá-lo depois da amputação de uma das pernas, fato sem dúvida com potencial suficiente para justificar a necessidade de tal medicação. Assim, inexistindo prova robusta acerca da alegada debilidade mental do Sr. Luigi, permanece válida a
manifestação de vontade expressa no contrato de cessão de posse do imóvel. Neste sentido é o seguinte precedente do STJ: CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02. SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR SI, NÃO É MOTIVO DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE QUE NÃO TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO NEGÓCIO JURÍDICO. AFIRMADA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. (...). 1. A condição de idoso e o acometimento de doença incurável à época da celebração do contrato de convivência, por si, não é motivo de incapacidade para o exercício de direito ou empecilho para contrair obrigações, quando não há elementos indicativos da ausência de discernimento para compreensão do negócio jurídico realizado. (...). (REsp 1383624/MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 02/06/15).
E, no mesmo compasso, desta Corte: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE QUE O TESTADOR ERA INCAPAZ DE DISPOR DE SEUS BENS QUANDO DO ATO, POR PREJUÍZO DAS FACULDADES MENTAIS. AUSÊNCIA DE QUALQUER PROVA QUE INDIQUE TAL CONTEXTO. CONJUNTO PROBATÓRIO CONTUNDENTE À VALIDADE DO TESTAMENTO. PAI QUE DEIXOU A PARTE DISPONÍVEL DE SUA MEAÇÃO PARA UMA DAS FILHAS. MERA IRRESIGNAÇÃO DOS DEMAIS. AUSÊNCIA DE MÍNIMOS INDÍCIOS QUE APONTASSEM PELA INCAPACIDADE DO TESTADOR À ÉPOCA DO ATO. MAL DE ALZHEIMER DIAGNOSTICADO ANOS APÓS O ATO DE DISPOSIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.861 DO CÓDIGO CIVIL. Enquanto a capacidade se presume, a incapacidade para testar, se aventada, deve restar cabalmente demonstrada. RECURSO NÃO PROVIDO. (AC 1207078-1, 12ª C.Cível, Rel. Des. Ivanise Maria Tratz Martins, e-DJ 07/07/15). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO DE DOAÇÃO COM USUFRUTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE
INCAPACIDADE QUANDO DO ATO EM DISCUSSÃO. ÔNUS QUE COMPETIA À AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333, INCISO I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REGULAR MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. ALEGAÇÃO DE ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. INOVAÇÃO RECURSAL. PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDA. (AC 862427-3, 6ª C.Cível, Rel. Des. Prestes Mattar, e-DJ 15/03/13) APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. SUBSTITUIÇÃO DO BENEFICIÁRIO DO SEGURO. ALEGAÇÃO DE INCAPACIDADE DO FALECIDO SEGURADO PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL. AUSÊNCIA DE PROVAS QUE NA OPORTUNIDADE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE O AGENTE NÃO SE ENCONTRAVA CAPACITADO PARA EXERCER OS ATOS DA VIDA CIVIL. PRESUNÇÃO DA CAPACIDADE NÃO ILIDIDA PELOS AUTORES. EXEGESE DO ARTIGO 333, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IMPROCEDÊNCIA DE RIGOR. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (AC 704147-8, 9ª C.Cível, Rel Des. Domingos José Perfetto, e-DJ 26/03/13)
É importante registrar, ainda, que se tratando de pessoa sem descendentes, a cessão, embora importe em vantagem patrimonial graciosa ao apelado, não constitui fato insólito ou extraordinário. Ademais, é de ser frisado que a causa de pedir não abrange vício de consentimento, daí a irrelevância das alegações da apelante no sentido de ter havido persuasão ou coação do apelado para obter a cessão. Por fim, também não procede a alegação de nulidade do contrato, visto que Paulo Roberto Portelo Rodrigues, testemunha instrumentária ouvida em juízo, afirmou que acompanhou a leitura do contrato realizada no escritório de advocacia do procurador do apelado, oportunidade em que também estava presente o Sr. Luigi, declarando, ainda, que oposição alguma houve em relação aos termos da cessão. De todo modo, as irregularidades formais apontadas pela apelante v.g. falta de rubrica em todas as páginas e divergência de datas não seriam suficientes para suplantar a falta de prova consistente de que, ao firmar a cessão, o Sr. Luigi agiu sem estar no gozo pleno de suas faculdades mentais. Não tendo a apelante se desincumbido, portanto, do ônus que lhe competia (art. 333, I, do CPC 2) - comprovar a alegada incapacidade absoluta do doador -, é de se manter hígida a sentença de improcedência.
Nessas condições, voto no sentido de negar provimento ao recurso. Nessa conformidade: ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador Relator e acompanharam o seu voto o Senhor Desembargador Péricles Bellusci de Batista Pereira e o Senhor Juiz Substituto em 2º Grau Helder Luis Henrique Taguchi.
Curitiba, 30 de março de 2016.
Des. VITOR ROBERTO SILVA
= Relator =
Assinado digitalmente
-- 1 in Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2012, p. 79.
-- 2 "Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;"
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