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Acórdão
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Certificado digitalmente por: LUIZ MATEUS DE LIMA Apelação Cível nº 1327713-3, da Região Metropolitana de Londrina Foro Central de Londrina, 1ª Vara da Fazenda Pública. Apelantes (1): Kakunen Kyosen. (2): Eduardo Alonso de Oliveira. (3): Iasin Sinalização Ltda. e outro. Apelado: Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Des. Luiz Mateus de Lima. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESSARCIMENTO DE DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVOS RETIDOS DE FLS. 2832/2856 (MOV. 238.1) E FLS. 2958/2959 (MOV. 254.1) NÃO CONHECIDOS. IRREGULARIDADE FORMAL. AGRAVO RETIDO DE FLS. 1871/1880 (MOV. 1.108) CONHECIDO E DESPROVIDO (ILEGITIMIDADE PASSIVA E PRESCRIÇÃO DO PLEITO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO AFASTADAS). PRELIMINARES REJEITADAS (CERCEAMENTO DE DEFESA; INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA; PROVA ILÍCITA). ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CARTA CONVITE Nº 33/99. COMPROVADA A FRAUDE DA LICITAÇÃO E A OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO (SERVIÇO NÃO PRESTADO). DOLO DOS APELANTES DEMONSTRADO. SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. EVENTO DANOSO. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. DESCABIMENTO. RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E DESPROVIDOS. Não se conhece dos Agravos Retidos de fls. 2832/2856 (mov. 238.1) e fls. 2958/2959 (mov. 254.1) em razão das irregularidades formais (descumprimento dos artigos 522 e 523 do Código de Processo Civil). Conhecido e desprovido o agravo retido de fls. 1871/1880 (mov. 1.108), vez que descabidas as teses de ilegitimidade passiva e de prescrição do pleito ressarcitório. Não há falar em ilegitimidade passiva de Ivano Abdo, nem em impossibilidade de sua condenação ao ressarcimento ao erário, pois a sua participação no ato ilícito restou evidenciada na medida em que a empresa Iasin Sinalização Ltda. recebeu o pagamento sem que o procedimento licitatório estivesse concluído e sem a assinatura de um contrato administrativo. Além disso, foi Ivano Abdo quem materializou os atos ímprobos por meio de sua empresa, não podendo fazer uso da personalidade jurídica da referida empresa para afastar sua obrigação de reparar o dano. A sanção de ressarcimento ao erário é imprescritível, nos termos do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal. Não há falar em cerceamento de defesa, pois o Juiz é o destinatário legal da prova, competindo a ele a delimitação dos elementos probatórios relevantes à instrução do feito, bem como o indeferimento de diligências desnecessárias ao deslinde do processo, nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil. O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.182, que versava sobre a declaração de inconstitucionalidade formal da Lei nº 8.429/92. O julgamento da Reclamação nº 2.138-6 pelo Supremo Tribunal Federal não se aplica ao presente feito, vez que tal reclamação não integra o rol das ações constitucionais destinadas a realizar o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis e atos normativos, sendo medida processual que somente opera efeitos inter partes, não possuindo efeito geral vinculante. Não se vislumbra ilicitude das provas produzidas, vez que foram obtidas com base em autorização judicial, por juízo competente, bem como foram submetidas ao crivo do contraditório. O conjunto probatório evidenciou a simulação do procedimento licitatório, modalidade Carta Convite nº 33/1999- COMURB (simultaneidade de atos, falta de etapas essenciais, pagamento antes da finalização do certame licitatório), a fim de ocultar a contratação direta injustificada da empresa Iasin Sinalização Ltda. para o fornecimento de serviços de remoção de marcações de pavimento com pintura a quente. Além disso, do acervo probatório conclui-se que não houve a efetiva prestação dos serviços. Os princípios constitucionais básicos da Administração Pública de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos públicos, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, são de responsabilidade de todos os agentes públicos, independentemente do nível de hierarquia. Assim sendo, a subordinação hierárquica deve ser interpretada necessariamente em conjunto com o Princípio da Legalidade. Trata-se de responsabilidade solidária dos réus, devendo ser aplicado o artigo 942 do Código Civil. Tendo em vista que a obrigação de ressarcir no presente caso decorre de responsabilidade extracontratual, o termo inicial dos juros moratórios é a data do evento danoso. Os ônus sucumbenciais foram corretamente distribuídos e arbitrados. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1327713-3, da Região Metropolitana de Londrina Foro Central de Londrina, 1ª Vara da Fazenda Pública, em que são apelantes (1) Kakunen Kyosen, (2) Eduardo Alonso e (3) Iasin Sinalização Ltda. e outro e apelado Ministério Público do Estado do Paraná. Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face de Kakunen Kyosen, Eduardo Alonso de Oliveira, Mary Mieko Sogabe Nakagawa, Lúcia Maria Brandão, Miguel Estevão Petriv, João Batista de Almeida, Ivano Abdo, Adriano Ferreira, Emílio Boçon, Iasin Sinalização Ltda., Exímia Sinalizações e Isolamento Térmico e Construtora Colméia Ltda., alegando, em suma, que: (a) a demanda tem como objeto a Carta Convite nº 033/99-COMURB/PA, a qual foi simulada para ocultar dispensa indevida de licitação; (b) "(...) os réus concorreram dolosamente para que houvesse a
dispensa indevida de licitação, fora das hipóteses previstas em lei, efetivando, pela COMURB - Companhia Municipal de Urbanização, contratação direta injustificada da empresa Iasin Sinalização Ltda. para o fornecimento de serviços de remoção de 2.000,00 m2 de marcações de pavimento com pintura a quente (Hot Spray e Extrudado) e 4.000,00 m2 de remoção de pintura acrílica, reativando a aspereza e limpeza completa do pavimento asfáltico ou de concreto, para tratamento de engenharia de tráfego, no quadrilátero central, com fornecimento de equipamento removedor, toda mão-de-obra especializada, bem como os materiais e acessórios necessários. (...)" (fl. 06); (c) o valor da contratação indevida é de R$ 86.000,00 (oitenta e seis mil reais); (d) "(...) O pagamento foi efetuado por meio do cheque n. 622405 da conta-corrente 74354-8 agência 039 do Banestado (F.U.L), datado de 12.04.1999, no valor total de R$ 173.615,00. O valor a maior do cheque se explica porque ele abrange também o pagamento dos serviços objetos da Carta-Convite n. 25/99, no valor de R$ 87.615,00. (...)" (fl. 07); (e) o procedimento licitatório foi simulado, tendo sido inclusive elaborado em momento posterior; (f) à época dos fatos, na COMURB, kakunen Kyosen exercia o cargo de Diretor- Presidente, Eduardo Alonso de Oliveira a função de Diretor Administrativo Financeiro, Mary Miego Sogabe Nakagawa era Assessora Operacional, Lúcia Maria Brandão era Diretora de Operações, Miguel Estevão Petriv era Gerente de Trânsito, João Batista de Almeida era Gerente Administrativo; (g) Ivano Abdo foi beneficiado, pois teve sua empresa Iasin Sinalização Ltda. contratada; (h) Adriano Ferreira e Emílio Boçon também
concorreram para a prática do ato ilícito, vez que apresentaram propostas de suas empresas Exímia Sinalizações e Isolamento Térmico Ltda. e Construtora Colméia Ltda., respectivamente; (i) a conduta dos réus se subsume aos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, devendo ser-lhes aplicada as penalidades do artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92. Assim, requereu a concessão de liminar de indisponibilidade de bens e, ao final, a procedência da demanda. Foi deferida a liminar de indisponibilidade de bens (fls. 183/188 mov. 1.5). Foram apresentadas defesas prévias às fls. 253/265 (mov. 1.13), fls. 274/281 (mov. 1.18), fls. 582/590 (mov. 1.42), fls. 945/961 (mov. 1.57) e fls. 1618/1636 (mov. 1.76). Por meio da decisão (fls. 1754/1785 - mov. 1.92), foi reconhecida a prescrição das penalidades previstas no artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92, exceto no tocante ao ressarcimento ao erário. Também foi recebida a demanda em relação aos réus Iasin Sinalização Ltda., Ivano Abdo, Kakunen Kyosen e Eduardo Alonso de Oliveira, adequando a legitimação passiva. Por fim, foi rejeitada a ação, nos termos do artigo 17, parágrafo 8º, da Lei nº 8.429/1992, relativamente aos demais requeridos. Houve a interposição de agravo retido (fls. 1871/1880 - mov. 1.108) por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. Foram apresentadas contestações às fls. 1803/1828 (mov. 1.100), fls. 1928/1942 (mov. 1.114) e fls. 2229/2247 (mov. 1.166).
O feito foi saneado conforme decisão de fls. 2409/2414 (mov. 44.1). Concluída a instrução probatória, foram apresentadas alegações finais por Kakunen Kyosen (fls. 2832/2856 - mov. 238.1), pelo Parquet (fls. 2909/2927 - mov. 240.1) e por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. (fls. 2961/2974 - mov. 255.1). Registre-se que no corpo das alegações finais de fls. 2832/2856 (mov. 238.1), foi interposto agravo retido. Também houve a interposição de agravo retido por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. (fls. 2958/2959 - mov. 254.1). Sobreveio a r. sentença (fls. 3045/3051 - mov. 283.1), tendo o Doutor Juiz julgado parcialmente procedentes os pedidos da inicial, no sentido de condenar "(...) os réus Kakunen Kyosen, Eduardo Alonso de Oliveira, Ivano Abdo e Iasin Sinalizações Ltda. a solidariamente ressarcir à CMTU o valor de R$ 86.000,00, atualizado pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora 6% ao ano até janeiro de 2003 e, após, 12% ao ano -, ambos contados da data do prejuízo ao erário (abril de 1999 fls. 29). Sendo recíproca a sucumbência (eis que a pretensão de impor as demais penas previstas na Lei n. 8.429/1992 foi considerada extinta pela prescrição fls. 1100-1116), os réus acima identificados pagarão pro rata 50% das custas e despesas processuais, mantido, em relação a eles, o decreto de indisponibilidade de bens. Sem honorários, haja vista figurar no polo ativo da relação processual o Ministério Público. (...)" (fl. 3050).
Inconformado com a r. decisão, Kakunen Kyosen interpôs recurso de apelação 1 (fls. 3059/3129 - mov. 290.1) sustentando que: (a) deve ser apreciado o agravo retido interposto nas alegações finais relativo ao cerceamento de defesa; (b) a pretensão ressarcitória encontra-se prescrita; (c) não houve qualquer prejuízo ao erário; (d) não restou comprovada a falsificação do procedimento licitatório; (e) não houve elemento subjetivo (dolo ou culpa); (f) toda a administração fática da COMURB era de Eduardo Alonso. Por sua vez, Eduardo Alonso de Oliveira interpôs recurso de apelação 2 (fls. 3142/3164 - mov. 296.1) alegando, em síntese, que: (a) a inicial é inepta, vez que o autor não juntou a documentação necessária; (b) houve cerceamento de defesa, com o indeferimento de produção de provas (pericial e juntada dos contratos originais); (c) a Lei de Improbidade Administrativa é inconstitucional face a agentes políticos (Reclamação nº 2138/STF); (d) ocorreram nulidades insanáveis no trâmite processual (utilização de prova ilícita); (e) "(...) apenas caberia busca e apreensão de documentos sigilosos guardados dentro da Prefeitura Municipal e sob a guarda do Prefeito, com ordem específica de Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná. (...)" (fl. 3148); (f) apenas se deu cumprimento às ordens do prefeito Antonio Casemiro Belinati (subordinação hierárquica) e, caso não as cumprisse, sofreria represália (política e familiar); (g) não restou comprovado que o ora apelante foi o responsável pelo procedimento licitatório fraudulento; (h) não obteve qualquer vantagem pecuniária ou pessoal ou de qualquer outra natureza; (i) os documentos colacionados são apenas cópias;
(j) não houve danos ao erário público, pois os serviços contratados foram devidamente prestados, bem como não ocorreu superfaturamento. Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. também interpuseram recurso de apelação 3 (fls. 3173/3199 - mov. 298.1) asseverando que: (a) deve ser apreciado o agravo retido contido no evento 1.108, o qual diz respeito ao não reconhecimento da prescrição de ressarcimento ao erário e à inclusão do apelante Ivano Abdo no polo passivo da demanda (ilegitimidade passiva); (b) não há provas da ilegalidade da contratação, da falsificação dos documentos, da má-fé dos apelantes e nem de prejuízo ao erário; (c) "(...) não é possível considerar provada a ilicitude da contratação em função do depoimento genérico prestado pelo Apelante Ivano Abdo, por ocasião do inquérito civil. Afinal de contas, além de se tratar de um depoimento colhido extrajudicialmente, e não confirmado em juízo, ele em momento algum faz alusão ao procedimento licitatório específico sobre que versa esta ação (carta convite nº 33/99). (...)" (fl. 3183); (d) o Parquet não se desincumbiu de seu ônus probatório; (e) não ocorreu dano aos cofres públicos, uma vez que os serviços foram prestados e não houve superfaturamento; (f) não é admitido dano presumido; (g) é vedado o enriquecimento indevido do ente estatal; (h) não se trata de hipótese de responsabilidade solidária dos réus, sendo de rigor a devida individualização; (i) os juros moratórios devem fluir desde a citação e não da data do evento danoso; (j) deve haver a redistribuição dos ônus sucumbenciais.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 3287/3344 (mov. 314.1). A Douta Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer (fls. 17/44 - TJPR), subscrito pelo Procurador de Justiça, Doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini, manifestando-se pelo: (a) não conhecimento dos agravos retidos interpostos por Kakunen kyosen e por Ivano Abdo e outro às fls. 2958/2959; (b) conhecimento e desprovimento do agravo retido interposto por Ivano Abdo e outro às fls. 1871/1880; (c) conhecimento e desprovimento dos recursos de apelação. É o relatório. II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO. Preliminarmente, não conheço dos agravos retidos interpostos por Kakunen Kyosen (fls. 2832/2856 - mov. 238.1) e por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. (fls. 2958/2959 (mov. 254.1). Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço do agravo retido interposto por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. Às fls. 1871/1880 (mov. 1.108) e lhe nego provimento, bem como conheço e nego provimento aos recursos de apelação. Do Agravo Retido interposto por Kakunen Kyosen (fls. 2832/2856 mov. 238.1) Infere-se do caderno processual que referido agravo retido foi interposto no corpo das alegações
finais, carecendo assim de regularidade formal, o que obsta o seu conhecimento. Os artigos 522 e 523, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil dispõem:
Artigo 522 "Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo, de dez (10) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. Parágrafo único O agravo retido independe de preparo".
Artigo 523 "Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação. (...) § 2º - Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de dez (10) dias, o juiz o poderá reformar sua decisão. (...)"
Desse modo, não tendo sido observada a regularidade formal devida (artigo 523, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil), é de rigor o seu não conhecimento. Do Agravo Retido interposto por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. às fls. 2958/2959 (mov. 254.1). Por sua vez, o agravo retido constante do mov. 254.1 (fls. 2958/2959) também não pode ser conhecido, haja vista que não houve requerimento expresso nas razões de
apelação, conforme exige o artigo 523, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil. Do Agravo Retido interposto por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. às fls. 1871/1880 (mov. 1.108). Em referido recurso, foram defendidas as teses de prescritibilidade da pretensão ressarcitória e de ilegitimidade passiva de Ivano Abdo, as quais passo a apreciar. Da Tese de Prescrição do Pleito Ressarcitório. Ao contrário do sustentado nas razões recursais, entendo que a sanção de ressarcimento ao erário é imprescritível. O artigo 37, § 5º, da Constituição Federal dispõe: Art. 37 - "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento".
Assim, a Constituição Federal excepcionou a ação que visa ao ressarcimento dos danos causados ao erário do prazo prescricional previsto em lei. A propósito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPRESCRITIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.210, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 10.10.08, fixou entendimento no sentido da imprescritibilidade da ação de ressarcimento de dano ao erário. 3. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: "AGRAVO. DECISÃO PROFERIDA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENSÃO RESSARCITÓRIA. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Matéria possível de ser julgada por meio de decisão monocrática, na forma do art. 557 do Código de Processo Civil, haja vista a manifesta improcedência da pretensão recursal. 2. A pretensão ressarcitória é imprescritível, nos termos do que dispõe o art. 37, §5º, da Constituição Federal. Precedentes dos tribunais. RECURSO DESPROVIDO.' 4. Agravo regimental desprovido." (AI nº 848482 AgR/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 22.02.2013)
No mesmo sentido, citam-se precedentes do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. OCORRÊNCIA OU NÃO DE DANO AO ERÁRIO. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. DESCONTOS DE 30% DOS PROVENTOS. IMPENHORABILIDADE. RESP. 1.184.765/PA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. O acórdão recorrido encontra-se no mesmo sentido do entendimento desta Corte, qual seja, não há falar em prescrição, pois a pretensão de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível, "mesmo se cumulada com a ação de improbidade administrativa (art. 37, § 5º, da CF)" (AREsp 79.268/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON). Precedentes. Súmula 83/STJ. (...)." (Resp nº 1.485.439/SP, Rel. Humberto Martins, Segunda Turma, Dje 20.04.2015)
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. Da leitura do art. 37, § 5º, da Constituição da República e do art. 23 da Lei 8.429/1992, infere- se que a prescrição quinquenal atinge os ilícitos administrativos e a punição contra os agentes públicos que lhe deram causa, deixando fora de sua incidência temporal as ações com vistas ao ressarcimento ao Erário, que, nos termos da jurisprudência desta Corte, são imprescritíveis. Agravo regimental improvido." (AgRg no AREsp nº 388.589/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, Dje 17.02.2014)
Não se ignora a existência do Recurso Extraordinário nº 669.069/RG, Rel. Min. Teori Zavascki, sob o regime de repercussão geral, no qual se discute a imprescritibilidade da demanda de ressarcimento ao erário. Todavia, embora tenha sido reconhecida a repercussão geral do tema, ainda não foi julgado o mérito. Ademais, filio-me ao posicionamento que reconhece a imprescritibilidade. Da Alegação de Ilegitimidade Passiva de Ivano Abdo. Não assiste razão aos agravantes. Conforme se extrai dos autos, Ivano é sócio proprietário da empresa Iasin Sinalização Ltda. (fl. 64 mov. 1.2 certidão de registro de pessoa jurídica; fl. 127 mov. 1.4 contrato social), tendo sido beneficiado com a contratação direta de sua empresa. A respeito do assunto, determina o artigo 3º da Lei nº 8.429/92: Artigo 3º - "As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta."
Além disso, ficou demonstrado que Ivano Abdo foi quem forneceu a documentação necessária para a simulação do procedimento licitatório.
De suas declarações prestadas no âmbito do inquérito civil, afirmou que "(...) o declarante levava até a Comurb a documentação correspondente as suas empresas, bem como a documentação das demais participantes; que nesta fase o declarante pedia a estas empresas participantes que formalizassem propostas em valores que ele próprio (declarante) indicava; que tal situação visava regularizar formalmente os processos licitatórios correspondentes aos serviços que as empresas do declarante haviam prestado. (...)" (fl. 87 mov. 1.3). Vale mencionar que não procede a afirmação de que "(...) não é possível considerar provada a ilicitude da contratação em função do depoimento genérico prestado, pelo Apelante Ivano Abdo, por ocasião do inquérito civil. Afinal de contas, além de se tratar de um depoimento colhido extrajudicialmente, e não confirmado em juízo, ele em momento algum faz alusão ao procedimento licitatório específico sobre que versa esta ação (carta-convite nº 33/99) (...)" (fl. 3183 mov. 298.1). Isto porque tal declaração encontra amparo no restante do conjunto probatório. A sua participação no ato ilícito restou evidenciada na medida em que a empresa Iasin Sinalização Ltda. recebeu o pagamento sem que o procedimento licitatório estivesse concluído e sem a assinatura de um contrato administrativo. Cabe consignar que foi Ivano Abdo quem materializou os atos ímprobos por meio de sua empresa, não
podendo fazer uso da personalidade jurídica da referida empresa para afastar sua obrigação de reparar o dano. Logo, não há falar em ilegitimidade passiva de Ivano Abdo, nem em impossibilidade de sua condenação ao ressarcimento ao erário. Superada a análise dos agravos retidos, passo a apreciação dos recursos de apelação. Preliminares Do Cerceamento de Defesa O apelante Eduardo Alonso afirmou que houve cerceamento de defesa e inépcia da inicial, haja vista que o Parquet não juntou a documentação necessária exigida para consolidação de sua pretensão, no que se refere aos contratos originais, a fim de que fosse aferida a autenticidade das assinaturas. Não se verifica o alegado cerceamento de defesa, eis que o Juízo a quo, quando da prolação da r. sentença ora hostilizada, fez referência ao conjunto probatório. Assim, a juntada dos contratos originais era totalmente desnecessária ao deslinde da controvérsia. Como se sabe, o Juiz é o destinatário legal da prova, competindo a ele a delimitação dos elementos probatórios relevantes à instrução do feito, bem como o indeferimento de diligências desnecessárias ao deslinde do
processo, nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil: Artigo 130 "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias".
A respeito do assunto, orienta o Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGENTE DE SAÚDE. FUNASA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO. LIVRE CONVENCIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. 1. Tendo em conta o caráter manifestamente infringente, e em face do princípio da fungibilidade recursal, recebo os presentes embargos de declaração como agravo regimental. 2. Cumpre ao magistrado, destinatário da prova, valorar sua necessidade, conforme o princípio do livre convencimento motivado. Assim, não há violação ao art. 130 do CPC quando o juiz analisa as provas testemunhais e documentais e forma seu convencimento em decisão adequadamente fundamentada. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento". (STJ, EDcl no AgRg no AREsp nº 592.392/CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 26.06.2015)
"PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 NÃO CONFIGURADA. NÃO OCORRÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. DANOS MORAIS. INVIOLABILIDADE DE VEREADOR POR ATOS, PALAVRAS E VOTOS NA CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO. 1. O art. 535 do CPC permanece incólume quando o Tribunal de origem se manifesta suficientemente sobre a questão controvertida, apenas adotando fundamento diverso daquele perquirido pela parte. 2. A finalidade da prova é o convencimento do juiz, sendo ele o seu direto e principal destinatário, de modo que a livre convicção do magistrado consubstancia a bússola norteadora da necessidade ou não de produção de quaisquer provas que entender pertinentes à solução da demanda (art. 330 do CPC); exsurgindo o julgamento antecipado da lide como mero consectário lógico da desnecessidade de maiores diligências. Precedentes. (...)" (STJ, REsp nº 1.338.010/SP, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 23.06.2015) Ademais, não houve qualquer alegação fundamentada de eventual adulteração dos documentos. O apelante Eduardo Alonso assevera que a apresentação dos contratos originais seria necessária para o fim de que fosse verificada a autenticidade das assinaturas que lhe foram imputadas. Ocorre que eventuais cópias de contratos apresentadas pelo Ministério Público possuem a mesma força probatória que os documentos originais, salvo se houvesse alegação fundamentada de adulteração, conforme se extrai do artigo 365, inciso VI, do Código de Processo Civil: Artigo 365 "Fazem a mesma prova que os originais:
(...) VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização".
E, no caso em apreço, não houve qualquer alegação suficientemente motivada que apontasse a possibilidade de falsidade documental a ser apurada, mais um motivo pelo qual essa preliminar deve ser afastada. Logo, inadmissível a alegação de cerceamento de defesa. Da Inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa face à Agentes Políticos. A alegação de que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) não se aplica aos agentes políticos não pode ser aceita. Isto porque a disposição do artigo 2º da Lei de Improbidade Administrativa não deixa qualquer dúvida quanto à aplicabilidade da lei aos agentes políticos quando dispõe: Art. 2º - "Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior".
Em relação à matéria, leciona Mauro Roberto Gomes de Mattos: "(...) Os 'agentes públicos' que a lei dispõe são os servidores do Estado e pessoas coletivas de direito público, quando entendidos estes em um sentido lato. São abrangidos não só os agentes de serviços públicos, como os agentes políticos, pessoal contratado, servidores militares, enfim, a Lei de Improbidade abrange, de uma forma ampla, todos os que direta ou indiretamente se relacionam com o Poder Público, com o objetivo de não deixar ninguém excluído do campo de ação das sanções que ela dispõe. (...) Não resta dúvida que os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a Administração Direta, Indireta ou Fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios serão punidos na forma do aludido comando legal. ..." ("O Limite da Improbidade Administrativa", 2ª edição, 2005, p. 16 e 20). Ressalte-se que o julgamento da Reclamação nº 2.138-6 pelo Supremo Tribunal Federal não interfere no presente feito, vez que tal reclamação não integra o rol das ações constitucionais destinadas a realizar o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis e atos normativos, sendo medida processual que somente opera efeitos inter partes, não possuindo efeito geral vinculante. Sobre a questão, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. VEREADOR. CRIME DE RESPONSABILIDADE. RECLAMAÇÃO 2.138/DF. EFEITOS INTER PARTES. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO PROVIDO. 1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "as razões de decidir assentadas na Reclamação nº 2.138 não têm o condão de vincular os demais órgãos do Poder Judiciário, porquanto estabelecidas em processo subjetivo, cujos efeitos não transcendem os limites inter partes" (Rcl 2.197/DF). 2. "Não há qualquer antinomia entre o Decreto- Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992, pois a primeira impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato" (REsp 1.034.511/CE). 3. Não há falar em ocorrência de bis in idem e, por consequência, em ilegitimidade passiva do ex-vereador para responder pela prática de atos de improbidade administrativa, de forma a estear a extinção do processo sem julgamento do mérito. 4. Recurso especial provido para restaurar a sentença condenatória." (Resp nº 1.196.581/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, Dje 02.02.2011)
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO DA MATÉRIA PELO STF. DESNECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. RECLAMAÇÃO 2.138/DF DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFEITOS MERAMENTE INTER PARTES. DUPLA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. PECULIARIDADES DA CAUSA. (...)" (AgRg no REsp nº 1.189.419/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, Dje 26.08.2014)
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.182, que versava sobre a declaração de inconstitucionalidade formal da Lei nº 8.429/92, nos seguintes termos: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA. 1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma. 2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República. O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão. 3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente." (ADI 2182, Relator: Min. Marco Aurélio, Relatora p/ Acórdão: Minª. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 12.05.2010, DJe nº 168, publicado em 10.09.2010)
Desse modo, por qualquer ângulo que se aprecie a questão, é de rigor rejeitar a alegação de inconstitucionalidade da Lei nº 8.429/92. Das Nulidades Insanáveis do Processo Da Prova Ilícita. O apelante Eduardo Alonso defendeu a nulidade do feito, sob o argumento de que houve a utilização de provas ilícitas, ante a inexistência de autorização judicial por autoridade competente quanto à busca e apreensão de documentos. Além disso, levando em consideração normas de competência previstas no Código de Processo Penal, aduziu que essas provas seriam ilegais, pelo fato de que a busca e apreensão visava a obtenção de documentos sigilosos guardados dentro da Prefeitura Municipal e sob a guarda do então prefeito, motivo pelo qual apenas este Tribunal poderia deferir tal medida, e não o Juízo de 1º grau. Todavia, tal tese não prospera. A uma, porque as demandas de improbidade administrativa não são de competência originária dos Tribunais (ainda que no polo passivo figure agente político prefeito), mas sim dos juízos de primeira instância. O Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, reconheceu que não há foro privilegiado para o julgamento do Prefeito Municipal por ato de improbidade administrativa, conforme ilustra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HOMOLOGAÇÃO DE LICITAÇÃO FRAUDULENTA. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE JURÍDICA. DANO IN RE IPSA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO INCORPÓREO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PREFEITO. INEXISTÊNCIA. LEI 10.628/2002 DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO STF (ADI 2.797/DF) COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE 1º GRAU. PROVA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. VALIDADE. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PREJUDICADA. OITIVA DA TESTEMUNHA ARROLADA. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. MATÉRIA DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. (...) 4. Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84 do CPP, não há falar em foro privilegiado por prerrogativa de função nas Ações de Improbidade Administrativa ajuizadas contra prefeitos. 5. Inexiste ilegalidade na propositura da Ação de Improbidade com base nas apurações feitas em Inquérito Civil público, mormente quando as provas colimadas são constituídas por documentos emitidos pelo Poder Público e os depoimentos das testemunhas foram novamente colhidos na esfera judicial. Precedentes do STJ. 6. A Lei da Improbidade Administrativa exige que a petição inicial seja instruída com, alternativamente, "documentos" ou "justificação" que "contenham indícios suficientes do ato de improbidade" (art. 17, § 6°). Trata-se, como o próprio dispositivo legal expressamente afirma, de prova indiciária, isto é, indicação pelo autor de elementos genéricos de vinculação do réu aos fatos tidos por caracterizadores de improbidade. 7. O objetivo do contraditório prévio (art. 17, § 7º) é tão-só evitar o trâmite de ações clara e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definitivo, resolver - no preâmbulo do processo e sem observância do princípio in
dubio pro societate - tudo o que haveria de ser apurado na instrução. Precedentes do STJ. 8. In casu, o Tribunal de origem concluiu, no juízo de improbidade e com base na prova dos autos, que ocorreu infração à LIA, consistente em fraude no procedimento licitatório, cujo resultado era previsível e acertado entre os recorrentes, com a aquiescência do prefeito municipal. A alteração desse entendimento esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 9. Recursos Especiais não providos". (STJ, REsp nº 401.472/RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.04.2011) Desse modo, ainda que a suposta busca e apreensão tenha sido deferida por magistrado de primeiro grau, tal fato não implica em nulidade processual, vez que as provas foram colhidas com base em autorização de Juízo competente. Além disso, a rigor, o apelante não precisou qual busca e apreensão fundamenta a nulidade dos documentos que instruem a presente Ação Civil Pública, muito menos o Juízo que a teria autorizado, configurando mera alegação genérica, desprovida de condão probatório, apto a confirmar suas alegações. Aplica-se, assim, o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil. Logo, rejeito a preliminar de nulidade insanável. Do Mérito O Ministério Público ajuizou ação civil pública de ressarcimento de dano ao patrimônio público decorrente da prática de ato de improbidade administrativa em face dos ora apelantes, alegando que foi simulado
procedimento licitatório, modalidade Carta Convite nº 33/1999 pela COMURB, a fim de ocultar a contratação direta injustificada da empresa Iasin Sinalização Ltda. para o fornecimento de serviços de remoção de 2.000,00 m2 de marcações de pavimento com pintura a quente (Hot Spray e Extrudado) e 4.000,00 m2 de remoção de pintura acrílica, reativando a aspereza e limpeza completa do pavimento asfáltico ou de concreto, para tratamento de engenharia de tráfego, no quadrilátero central, com fornecimento de equipamento removedor, toda mão-de-obra especializada, bem como os materiais e acessórios necessários (artigo 1º da Carta Convite nº 33/99 fl. 47 mov. 1.2). Registre-se que a simulação da licitação restou demonstrada pelo conjunto probatório dos autos. Do trâmite do procedimento licitatório (Carta Convite nº 33/99) extrai-se que a autorização para licitação (fl. 44 mov. 1.2), a solicitação da contratação (CI nº 27/99 fl. 45 mov. 1.2), a própria Carta Convite nº 33/99 instrumento convocatório (fls. 47/50 mov. 1.2), o protocolo de entrega dos convites (fls. 56/59 mov. 1.2) são todos datados de 05 de março de 1999. Assim, essa simultaneidade na realização de tais atos, que, em regra, se protraem no tempo, já evidenciam a prática de ato ímprobo. Soma-se a isso, que a "montagem" do procedimento licitatório também resta evidenciada, conforme se observa das declarações prestadas por Ivano Abdo no âmbito do inquérito civil, no qual afirmou que "(...) o declarante levava até a Comurb a documentação correspondente as suas empresas, bem como a documentação
das demais participantes; que nesta fase o declarante pedia a estas empresas participantes que formalizassem propostas em valores que ele próprio (declarante) indicava; que tal situação visava regularizar formalmente os processos licitatórios correspondentes aos serviços que as empresas do declarante haviam prestado. (...)" (fl. 87 mov. 1.3). Além disso, o certame licitatório carece de etapas essenciais (ao menos não há documentos que comprovam), como bem enfatizado pelo Ministério Público na exordial, verbis: "(...) 1) colher assinatura do gerente administrativo no atestado de publicação do convite no quadro próprio de editais da Comurb; 2) imprimir o atestado de publicação do comunicado do resultado do julgamento do certame e colher a assinatura do gerente administrativo; 3) confeccionar o ato de nomeação dos componentes da Comissão de Licitação; 4) confeccionar a ata de reunião da Comissão de Licitação para abrir os envelopes com os documentos de habilitação e com as propostas e proferir o julgamento; 5) confeccionar o comunicado do resultado do certame e o respectivo atestado de publicação; 6) confeccionar o relatório do procedimento licitatório; 7) confeccionar o despacho de homologação da licitação pelo Diretor-Presidente da COMURB; 8) confeccionar o atestado de assessor jurídico quanto ao cumprimento dos requisitos formais da Lei nº 8.666/93. (...)" (fls. 7/8)
Desse modo, pelo acervo probatório do caderno processual, foi cabalmente comprovada a simulação
da Carta Convite nº 33/1999, bem como que houve pagamento antes da finalização do procedimento licitatório. Também restou demonstrada a ocorrência de prejuízo ao erário, haja vista que não há provas da efetiva prestação do serviço contratado. A uma, porque a certidão de recebimento do serviço (fl. 81 mov. 1.2) não encontra respaldo no restante do acervo probatório. A testemunha Miguel Petriv (fl. 2728 mov. 191.1), que à época dos fatos, era gerente de trânsito, sendo responsável pela parte operacional relativa à sinalização de trânsito, foi categórico ao afirmar que o serviço de remoção de tinta da via asfáltica nunca foi realizado. Enfatiza-se que restou demonstrado nos autos que Miguel Estevão Petriv acompanhava os serviços relativos à sinalização viária prestados em Londrina na época dos fatos, sendo responsável pela execução operacional das atividades relacionadas à sinalização de trânsito, conforme se observa das declarações de Mary Mieko (informante assessora operacional da COMURB), João Batista de Almeida (informante gerente administrativo da COMURB) e de Lúcia Maria Brandão (informante Diretora de Operações da COMURB). Registre-se que no tocante às declarações de Amarildo Levino Fernandes e Isaías de Oliveira Lima, ambos funcionários da empresa Iasin Sinalização Ltda., em razão do vínculo empregatício, resta comprometida a credibilidade do teor de tais declarações.
Ademais, tais funcionários prestavam serviços relacionados à sinalização vertical (o primeiro, motorista e encarregado da implantação das placas; o segundo, diagramador das placas de sinalização), que não é objeto dos presentes autos, o qual diz respeito à sinalização horizontal (remoção e pintura). Também as fotografias colacionadas às fls. 2689/2698 (movs. 173.3 a 173.12) não têm o condão de provar a efetiva prestação dos serviços, pois, como ressaltado pelo Doutor Juiz, "(...) não permitem identificar que serviços estariam sendo prestados nem os locais e datas em que eles supostamente teriam sido realizados. (...)" (fl. 3048 mov. 283.1). Dessa forma, restou evidenciado também que houve lesão aos cofres públicos, vez que a Administração Pública efetuou o pagamento por um serviço que não foi prestado. Assim, escorreita a sentença ao condenar os ora apelados a ressarcirem os cofres públicos. Por sua vez, descabida a alegação sustentada nas razões recursais de Kakunen Kyosen de que não atuou com dolo ou culpa, pois quem exercia, de fato, a administração da COMURB, era Eduardo Alonso. Todavia, ao contrário do alegado, restou comprovado o dolo na conduta do apelante Kakunen Kyosen, vez que era o Diretor Presidente da COMURB, tendo autorizado a realização da licitação, (fl. 44 mov. 1.2), assinou a Carta Convite nº 33/99 (fls. 47/50 - mov. 1.2), a ordem de pagamento (fl. 31 mov. 1.2) e o cheque (fl. 35 mov. 1.2).
Nesse contexto, vale mencionar trecho da sentença, o qual adoto por reportação:
"(...) O réu afirma que a administração da COMURB era exercida, de fato, pelo corréu Eduardo Alonso de Oliveira. Aduz que apôs a sua assinatura nesses documentos em confiança aos atos de seus subordinados. Todavia, essa escusa soa completamente inverossímil. Mesmo que se admita que o requerido não permanecia durante todo o horário de expediente na COMURB, e que se aceite como verdadeira a alegação segundo a qual o Diretor Administrativo Financeiro Eduardo Alonso era quem diretamente distribua ordens aos funcionários, não há como ignorar um fato notório: todos os que trabalhavam naquela repartição pública aí incluído, por óbvio, o seu Diretor Presidente Kakunen Kyosen tinham ciência e consciência das sucessivas montagens de procedimentos licitatórios que ali eram realizadas! Por outro dizer, concentrando o réu Kakunen Kyosen em suas mãos poderes para praticar os atos essenciais do procedimento licitatório, não lhe é dado alegar insciência da fraude que se desenrolou sob suas vistas complacentes e com sua efetiva contribuição. Em especial porque àquele tempo exercia ele também as atribuições de Auditor Interno do Município de Londrina, cargo que pressupõe profundo conhecimento dos ritos que devem ser obrigatoriamente seguidos em um procedimento licitatório regular... À vista desse contexto, a afirmação do réu Kakunen Kyosen de que assinou os documentos relativos à carta convite desconhecendo as evidentes fraudes nela contidas constitui exceção substancial cujo prova lhe incumbia (CPC, art. 333, II). Prova essa que em momento algum foi produzida nestes autos. Aplicável ao caso, portanto, o ensinamento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: "O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento,
cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso" (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante não se produza (...) in em vigor, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1.997, p. 614). (...)" (fl. 3049 mov. 283.1) Já o apelante Eduardo Alonso sustentou que em razão do vínculo de subordinação hierárquica, apenas cumpria ordens do então prefeito, não obtendo qualquer vantagem pessoal ou financeira. Ocorre que à época dos fatos, o apelante Eduardo Alonso ocupava o cargo de Diretor Administrativo e Financeiro da COMURB. Restou comprovado nos autos a sua participação no esquema fraudulento, no entanto que foi quem autorizou a realização da licitação (fl. 44 mov. 1.2), assinou a Carta Convite nº 33/99 (fls. 47/50 - mov. 1.2), a nota de empenho nº 131/99 (fl. 32 mov. 1.2) e o cheque (fl. 35 mov. 1.2). Logo, restou cabalmente demonstrada a efetiva participação do ora apelante no ato ímprobo que acarretou prejuízos ao erário. Quanto à tese de que apenas praticou os atos em obediência hierárquica ao então prefeito à época, tal afirmação não restou comprovada nos autos. Isso porque, ainda que atuasse transmitindo ordens de seu superior hierárquico (prefeito), restou evidenciado que o apelante Eduardo Alonso tinha pleno
conhecimento da fraude e do desvio dos recursos públicos, tendo praticado os pagamentos ilegais de forma voluntária e consciente. Ademais, o apelante Eduardo Alonso ocupava cargo de direção na COMURB, o que evidencia que tinha discernimento e conhecimento de seus atos ilegais. Além disso, o dever de obediência jamais pode ser entendido dissociado do Princípio da Legalidade. Aos agentes públicos, o artigo 4º da Lei de Improbidade Administrativa dispõe: Art. 4º - "Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos."
Esta disposição legal estabelece que os princípios constitucionais básicos da Administração Pública de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos públicos, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, são de responsabilidade de todos os agentes públicos, independentemente do nível de hierarquia. Não se olvida, pois, que a Administração Pública é organizada com a formação de escalonamentos funcionais, informados pelo princípio da hierarquia, devendo o superior hierárquico exercer função fiscalizadora da atividade exercida por seu subordinado, porém, a este incumbe o dever funcional de denunciar irregularidades que verificar no âmbito da Administração, sob pena de incorrer em ilícito penal/funcional.
Sobre a obediência hierárquica e as suas consequências, ensina Hely Lopes Meirelles: "(...) O dever de obediência impõe ao servidor o acatamento às ordens legais de seus superiores e sua fiel execução. Tal dever resulta da subordinação hierárquica e assenta no princípio disciplinar que informa toda organização administrativa. (...) Por esse dever não está o servidor obrigado a cumprir mecanicamente toda e qualquer ordem superior, mas, unicamente, as ordens legais (...)". ("Direito Administrativo Brasileiro", 31ª edição, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 468/469). Desta forma, sendo conivente com atos de improbidade supostamente praticados pelo superior hierárquico deve ser condenado a ressarcir o erário. Nesse contexto, já decidiu esta Corte: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - 1. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO POR AUSÊNCIA DE PREPARO AFASTADA - 2. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADOS - 3. DEVER DE OBEDIÊNCIA - ORDEM EMANADA DE SUPERIOR HIERÁRQUICO - RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Quando o recurso é interposto após o término do expediente bancário, o prazo para a juntada do comprovante de recolhimento do preparo fica prorrogado para o primeiro dia útil subsequente. 2. Improbidade administrativa é conduta denotativa de subversão das finalidades administrativas, seja pelo uso nocivo (ilegal e imoral) do Poder Público, seja pela omissão indevida de atuação funcional, seja pela inobservância dolosa ou culposa das normas legais. Decorre tanto da desonestidade e da deslealdade, quanto da inidoneidade ou da incompetência do agente público no
desempenho de suas atividades funcionais. 3. O dever de obediência jamais pode ser entendido dissociado do Princípio da Legalidade. O servidor público, em que pese estar, via de regra, obrigado ao cumprimento das ordens emanadas de seus superiores hierárquicos encontra-se, contudo, vinculado ao Princípio da Legalidade, devendo sempre executar um exame prévio da legalidade de todas as ordens emanadas de seus superiores hierárquicos, sob pena de responsabilização, tanto administrativo-disciplinar como penal". (TJPR, Ap. nº 336.145-3, Relª. Regina Afonso Portes, DJe 18.05.2009) Da mesma forma, descabida a alegação de que os documentos apresentados tratam-se de meras cópias, não tendo condão probatório. Conforme já mencionado, as cópias apresentadas pelo Ministério Público possuem a mesma força probatória que os documentos originais, salvo se houvesse alegação fundamentada de adulteração, conforme determina o artigo 365, inciso VI, do Código de Processo Civil. E, no caso em apreço, não houve qualquer alegação suficientemente motivada que apontasse a possibilidade de falsidade documental a ser apurada. Além disso, a documentação encontra amparo na prova testemunhal produzida em juízo. Também descabida a alegação de ausência de dano ao erário, pois conforme retro mencionado, restou comprovada a ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Não merece guarida a tese de que o ressarcimento ao erário implica em enriquecimento indevido da Administração Pública (fl. 3192 mov. 298.1), pois, como já
dito, restou comprovado que os serviços contratados não foram efetivamente prestados, sendo de rigor a devolução dos valores pagos aos cofres públicos. Não procede a assertiva de impossibilidade de responsabilidade solidária dos réus. Conforme restou comprovado no caderno processual, os réus agiram em conjunto para cometer ato ímprobo, o que ocasionou prejuízos aos cofres públicos, tendo em vista que os réus receberam dinheiro público sem o devido procedimento licitatório e sem a efetiva prestação dos serviços contratados. Assim, aplica-se ao caso o disposto no artigo 942 do Código Civil, o qual determina que: Artigo 942 "Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação".
Sobre o assunto, bem decidiu o Doutor Juiz: "(...) Não vejo como dosar o valor da reparação dos danos, dividindo-o entre os réus de acordo com o grau de culpa de cada um deles. Com efeito, o valor da indenização mede-se pela extensão do dano (CC, art. 944, caput). A exceção corre por conta das hipóteses em que haja excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o montante do prejuízo (parágrafo único do mesmo artigo). O caso dos autos, porém, longe está de adequar-se a essa situação excepcional, pois que todos os réus agiram com dolo. Assim, impõe-se reconhecer presente a solidariedade. Afinal, se cada um dos réus
contribuiu a seu modo para a consumação do dano, a obrigação de repará-lo é a todos imposta de forma solidária. É a regra geral de direito prevista no art. 942, caput, parte final, do Código Civil (CC/1916, art. 1.518). (...)" (fl. 3050 mov. 283.1) Da mesma forma, descabido o pleito de incidência dos juros moratórios a partir da citação, sustentada sob o argumento de se tratar de responsabilidade contratual. Escorreita a sentença ao condenar os réus a ressarcir à CMTU o valor de R$ 86.000,00 (oitenta e seis mil reais) atualizado pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora 6% ao ano até janeiro de 2003 e, após 12% ao ano -, ambos contados da data do prejuízo ao erário (abril de 1999). Ao contrário do sustentado no recurso de apelação 3, a presente demanda não decorre de inadimplemento contratual, mas de dever de ressarcir com origem na prática de ato ilícito (ato de improbidade administrativa). Em virtude do procedimento licitatório ter sido simulado, eventual contrato dele decorrente não tem o condão de gerar efeitos jurídicos. Desse modo, a obrigação de ressarcir no presente caso decorre de responsabilidade extracontratual. Portanto, incide o artigo 398 do Código Civil, segundo o qual "Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou". No mesmo sentido, é o teor das Súmulas nºs 43 e 54 do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
Súmula 43 "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo".
Súmula 54 "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual".
A propósito, cita-se o seguinte precedente: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. EXTEMPORANEIDADE. SÚMULA 418/STJ. PENA DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 398 DO CC. SÚMULAS 43 E 54/STJ. 1. O recurso especial interposto antes da publicação da decisão proferida nos embargos declaratórios, ainda que tenham sido opostos pela parte contrária, deve ser oportunamente ratificado pela parte recorrente, sob pena de ser considerado extemporâneo, conforme o teor da Súmula 418/STJ. 2. Resultando o dever de ressarcir ao Erário de uma obrigação extracontratual, a fluência dos juros moratórios se principiará no momento da ocorrência do dano resultante do ato de improbidade, de acordo com a regra do art. 398 do Código Civil ("Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou") e da Súmula 54/STJ ("Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual"). 3. É pacífica a jurisprudência do STJ, no sentido de que a correção monetária desde o evento danoso sobre a quantia fixada na condenação, nos termos da Súmula 43/STJ: "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo". 4. Agravo em recurso especial não provido.
5. Recursos especiais do MPE/PR e do Estado do Paraná providos." (STJ, Segunda Turma, Resp nº 1336977/PR, Min. Eliana Calmon, DJe 20.08.2013) Logo, a sentença deve ser mantida quanto ao termo inicial dos juros moratórios. Por fim, não há falar em redistribuição da sucumbência. Em primeira instância, os réus foram condenados solidariamente ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas e despesas processuais. A decisão não merece reforma. Com o ajuizamento da demanda, o Parquet objetivava a imposição das penalidades pela prática de ato de improbidade administrativa e o ressarcimento ao erário. Ainda que alguns réus tenham sido excluídos do polo passivo e que as sanções político-civis tenham sido consideradas prescritas, o ente ministerial obteve êxito quanto ao pleito de ressarcimento ao erário. Dessa forma, mostra-se proporcional a condenação dos ônus sucumbenciais no percentual fixado na sentença. Pelos motivos expostos: (a) não conheço dos agravos retidos interpostos por Kakunen Kyosen às fls. 2832/2856 (mov. 238.1) e por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. Às fls. 2958/2959 (mov. 254.1); (b) conheço do agravo retido interposto por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. Às fls. 1871/1880 (mov. 1.108) e lhe nego provimento; (c) conheço dos recursos de apelação e lhes nego provimento.
III DECISÃO. Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em: (i) não conhecer dos agravos retidos interpostos por Kakunen Kyosen às fls. 2832/2856 (mov. 238.1) e por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. Às fls. 2958/2959 (mov. 254.1); (ii) conhecer do agravo retido interposto por Ivano Abdo e Iasin Sinalização Ltda. Às fls. 1871/1880 (mov. 1.108) e lhe negar provimento; (iii) conhecer dos recursos de apelação e lhes negar provimento, nos termos do voto. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Leonel Cunha (presidente, sem voto), Luiz Mateus de Lima e os Juízes Substituto em 2º G. Edison de Oliveira Macedo Filho e Rogério Ribas. Curitiba, 05 de abril de 2016.
LUIZ MATEUS DE LIMA Desembargador Relator
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