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Acórdão
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Certificado digitalmente por: ADEMIR RIBEIRO RICHTER APELAÇÃO CÍVEL N.º 1.404.081-0, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 22ª VARA CÍVEL. AUTOS DE ORIGEM: 0042237-74.2013.8.16.0001 APELANTE: CMC BRAZIL COMÉRCIO DE PRODUTOS ÓPTICOS LTDA ME. APELADA: BRASPRESS TRANSPORTES URGENTES LTDA. RELATOR: JUIZ SUBSTITUTO EM 2º GRAU ADEMIR. RIBEIRO RICHTER (em substituição ao cargo vago do Des. Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira). 7ª CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVO RETIDO AÇÃO MONITÓRIA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVEM A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES NECESSIDADE DE PROVA DA EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PROVA IMPOSSÍVEL A SER PRODUZIDA PELA RÉ TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA ÔNUS DA AUTORA INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO AGRAVO RETIDO PROVIDO SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO APELAÇÃO CÍVEL PREJUDICADA. Recai sobre o autor o ônus de provar a existência da relação jurídica e da efetiva prestação do serviço, uma vez que não se pode incumbir a ré de demonstrar que não ocorreu a entrega das mercadorias, pois isto seria exigir a prova de fato negativo, ou seja, seria exigir a produção de prova diabólica. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1.404.081-0, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 22ª Vara Cível, em que é apelante CMC Brazil Comércio de Produtos Ópticos Ltda. ME e apelada Braspress Transportes Urgentes Ltda.
1. Braspress Transportes Urgentes Ltda. ajuizou Ação Monitória em face de CMC Brazil Comércio de Produtos Ópticos Ltda. ME, em que requereu a condenação da ré ao pagamento da importância de R$ 14.833,03 (quatorze mil, oitocentos e trinta e três reais e três centavos), acrescida de juros de mora e correção monetária, devida em razão da realização, pela autora, de serviço de coleta e transporte de mercadorias produzidas e comercializadas pela ré, prosseguindo-se o feito com base no determinado pelo artigo 1.103, § 2º, do Código de Processo Civil, caso ofertados embargos monitórios, ou, em não sendo o caso, conforme os artigos 1.102-C e 475-I e seguintes do Código de Processo Civil.
Contra a decisão de fls. 147/148, que entendeu pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e rejeitou a inversão do ônus da prova, a ré interpôs recurso de agravo retido (fls. 158/168), sustentando, em resumo, que: a) no caso concreto falta a prova inequívoca da prestação do serviço por parte da agravada, de modo que não faz jus ao
procedimento monitório; b) somente a recorrida tem condições de fazer prova constitutiva do direito, já que exigir da recorrente qualquer defesa seria lhe incumbir de formar prova impossível, sendo aplicável ao caso a teoria da carga dinâmica das provas, que impõe à outra parte o dever de prova quando ela tem conhecimento técnico das questões envolvidas; c) a hipossuficiência técnica da agravante deve ser reconhecida, porquanto não tem conhecimentos técnicos, nem informações completas sobre o serviço prestado pela agravada, a qual dificulta, inclusive em juízo, o acesso às informações e a dados imprescindíveis para que possa ser compensado o desequilíbrio contratual; d) havendo o preenchimento dos requisitos, como ocorre no caso em questão, o juiz não pode deixar de inverter o ônus da prova, vez que o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, ou seja, não pode ser afastada pela vontade das partes, muito menos pelo órgão julgador.
Às fls. 176/177 foram apresentadas contrarrazões, em que se pugnou pelo conhecimento e não provimento do agravo retido.
Referido recurso foi recebido às fls. 180, oportunidade na qual o ilustre juiz singular manteve a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
Ultimado o feito, o juízo singular, às fls. 191/196, julgou procedente o pedido constante na inicial, resolvendo o feito com julgamento de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 12.711,33 (doze mil, setecentos e onze reais e trinta e três centavos), valor este que deverá ser atualizado pela média do INPC/IGPDI e sofrer incidência de juros de 1% ao mês, ambos a partir da data do vencimento de cada fatura. Diante da sucumbência, condenou a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado do débito.
Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação cível (fls. 203/224), em que sustenta que: a) há que se destacar a ausência de assinatura em alguns dos "conhecimentos de transporte", o que é uma formalidade imprescindível, vez que confere segurança jurídica para as relações comerciais; b) de acordo com a Lei n.º 11.442/2007, que trata do transporte rodoviário de carga, o conhecimento de transporte tem natureza jurídica de contrato, e não de título de crédito; c) no caso vertente inexiste título de crédito, duplicata, ou qualquer outro título que apresente forma especial para caracterizar título de crédito, o que impede o procedimento monitório; d) os serviços jamais foram prestados, sendo que o que existe no caso são documentos emitidos unilateralmente, sem a devida comprovação da relação jurídica entre as partes, sequer existindo identificação das pessoas que supostamente receberam as mercadorias descritas no conhecimento de transporte; e) conforme jurisprudência dos Tribunais de Justiça do Estado do Paraná e do Estado de São Paulo, a identificação do representante legal para se caracterizar o `aceite' é imprescindível, sob pena de se causar insegurança jurídica às relações comerciais; f) os conhecimentos de transporte lançados em desfavor da apelante não têm a cláusula clara acerca do responsável pelo pagamento; g) a documentação acostada na inicial é insuficiente para dar fundamento ao rito monitório, caso em que a extinção do processo, com resolução do mérito, é medida que se impõe; h) no caso há causa legítima para a recorrente arguir a exceção do contrato não cumprido, vez que a cobrança só seria devida quando da efetiva prestação dos serviços, nos termos do artigo 476 do Código Civil; i) a documentação anexada à exordial evidencia uma cobrança indevida, fundada num relato distorcido dos fatos, sendo que a dívida em questão é inexistente; j) incumbe à apelada suportar única e exclusivamente o ônus probatório, vez que é mais habilitada, no sentido de capacidade técnica, para demonstrar que efetivamente prestou o serviço; k) foi condenada em injusta sentença ao pagamento das custas processuais e dos honorários sucumbenciais.
Às fls. 244, o recurso de apelação foi recebido, no seu duplo efeito, tendo sido apresentadas contrarrazões às fls. 230/242, em que se pugnou pelo não provimento do agravo retido e, por consequência, pelo não provimento do apelo.
Após, vieram os autos conclusos para decisão.
É o relatório.
Passo a fundamentar o voto.
2. Presentes os requisitos de admissibilidade, tanto os extrínsecos, como os intrínsecos, os recursos comportam apreciação.
Irresignada com a decisão do juízo de primeiro grau, que entendeu pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e rejeitou a inversão do ônus da prova, a requerida interpôs agravo retido, no qual assevera que a inversão do ônus da prova se impõe diante da ausência de prova inequívoca da prestação do serviço por parte da requerente.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o presente processo se trata de uma Ação Monitória, em que a autora sustenta, às fls. 04, que "a demandada usufruiu do serviço de transporte rodoviário de cargas prestado pela empresa demandante para a consecução da sua finalidade social, sem, porém, efetuar o pagamento das quantias devidas a título de retribuição", tendo juntado ao processo as faturas referentes aos serviços que informa terem sido prestados (fls. 47/72).
No entanto, compulsando os autos, verifica-se que a maioria destas faturas não foram assinadas pelo recebedor (fls. 51/52, 55/58, 61/62 e 65/72), não havendo elementos suficientes para comprovar a efetiva prestação dos serviços.
Além disso, não é possível incumbir a ré de demonstrar que não ocorreu a entrega das mercadorias, uma vez que isto seria exigir a prova de fato negativo, ou seja, seria exigir a produção de prova diabólica.
Neste caso, aplica-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a prova irá competir a quem possuir melhores condições de produzi-la.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento do Recurso Especial n.º 619.148/MG, defendeu que "(...) à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria (...)" .
Dessa forma, imperiosa a inversão do ônus da prova, cabendo à autora provar a entrega das mercadorias, uma vez que é a parte com melhores condições para tanto, além de ser fato constitutivo do seu direito, cabendo a si, portanto, o ônus probatório, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, é o posicionamento jurisprudencial deste Egrégio Tribunal de Justiça: "APELAÇÃO CÍVEL PELA PARTE RÉ - AÇÃO MONITÓRIA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE - 1. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA MERCANTIL FIRMADA COM A AUTORA E AUSÊNCIA DE CERTEZA DO TÍTULO EM QUE SE FUNDA A PRETENSÃO MONITÓRIA - ACOLHIMENTO - INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO ANTE A AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DA ENTREGA E RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS OBJETO DA RELAÇÃO MERCANTIL ARGUIDA - REQUISITO ESSENCIAL PARA EXIGIBILIDADE DA DUPLICATA (ARTIGO 15, II, `B' DA LEI 5474/68) - NOTA FISCAL E DUPLICATAS PROTESTADAS POR INDICAÇÃO QUE NÃO BASTAM PARA À CONSTITUIÇÃO DOS EFEITOS DA
MONITÓRIA - PRECEDENTES - NECESSIDADE DE PROVA DA ENTREGA DAS MERCADORIAS - ÔNUS DA PARTE AUTORA, NO CASO CONCRETO, POR CONSTITUIR PROVA NEGATIVA - 2. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO ACOLHIMENTO - NÃO ENQUADRAMENTO NAS HIPÓTESES DO ARTIGO 17 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - 3. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1388844-5 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel.: Tito Campos de Paula - Unânime - - J. 05.08.2015) (grifos acrescidos)
"CÍVEL. APELAÇÕES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MÚLTIPLAS COBRANÇAS EM NOME DA AUTORA. INSCRIÇÕES EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ÔNUS DA PROVA SOBRE A EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO QUE RECAI SOBRE A PARTE QUE REALIZOU OS APONTAMENTOS. INVIABILIDADE DE SE COMPROVAR A NÃO CONTRATAÇÃO. PROVA NEGATIVA. HIPÓTESE EM QUE NÃO RESTOU DEMONSTRADA A CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO ENTRE AS PARTES. DÍVIDA INEXISTENTE. INSCRIÇÕES INDEVIDAS QUE GERAM A PRESUNÇÃO - JURIS TANTUM - DE DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO PELO JUIZ SINGULAR. PARCIMÔNIA. MAJORAÇÃO. CABIMENTO. CARÁTER PEDAGÓGICO E ANÁLISE DO CASO CONCRETO. PRECEDENTES. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PRETENSA REDUÇÃO. VALOR FIXADO EM SENTENÇA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DO ART. 20 DO CPC. MANUTENÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS AUTORIZADA. SÚMULA 306/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. CONSECTÁRIOS LÓGICOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. APLICABILIDADE DA SÚMULA 54 DO STJ. INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO. RECURSO (1) PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO (2) PROVIDO. Recai sobre o ordenador da inscrição em cadastro restritivo de
crédito o ônus de provar a existência da relação negocial que gerou o débito motivador da negativação, até porque é inviável a imposição de prova negativa (qual seja, da inexistência de relação jurídica entre as partes) à parte adversa." (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1204829-6 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Regional de Cambé - Rel.: Lilian Romero - Unânime - - J. 27.08.2015) (grifo acrescido)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - DUPLICATA - TÍTULO DE CRÉDITO CAUSAL - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - POSSIBILIDADE - COMPROVAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO QUE SE AFIGURA COMO PROVA NEGATIVA, QUE NÃO PODE SER INCUMBIDA AO AUTOR - ÔNUS QUE DEVE SER DISTRIBUÍDO AO AGRAVADO/CREDOR DIANTE DA MAIOR POSSIBILIDADE DE PRODUZIR A PROVA CONSTITUTIVA DO DIREITO AO CRÉDITO PERSEGUIDO. RECURSO PROVIDO." (TJPR - 14ª C.Cível - AI - 1147695-2 - Londrina - Rel.: Octavio Campos Fischer - Unânime - - J. 05.11.2014) (grifo acrescido)
"APELAÇÃO CÍVIEL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DA RELAÇÃO JURÍDICO- MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIO DE PROVA DA EXISTÊNCIA DAS CONTAS CUJOS EXTRATOS SE PRETENDE A EXIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DO RÉU EM FAZER PROVA NEGATIVA. MANUTENÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJPR - 14ª C.Cível - AC - 796648-5 - Cianorte - Rel.: Marco Antonio Antoniassi - Unânime - - J. 27.07.2011)
Do exposto, conheço e dou provimento ao agravo retido, anulando, de ofício, a sentença de fls. 191/196, com o retorno dos autos à
primeira instância, de forma a se proceder adequadamente à produção de provas, restando prejudicada a apelação cível interposta.
3. Nessa conformidade:
Acordam os membros integrantes da Sétima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao agravo retido, anulando, de ofício, a sentença, restando prejudicada a apelação cível interposta, conforme fundamentação.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo D'artagnan Serpa Sa, com voto, e dele participou o Eminente Desembargador Luiz Antônio Barry. Curitiba, 12 de abril de 2016. ADEMIR RIBEIRO RICHTER JUIZ RELATOR.
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