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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA E NULIDADE DA SENTENÇA POR INVALIDADE DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. INOCORRÊNCIA. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. LUCROS CESSANTES. NÃO CONFIGURAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DESPESAS COM ALIMENTAÇÃO E TRANSPORTES. COMPROVAÇÃO APENAS DESTE ÚLTIMO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Caberia à apelante apresentar contradita antes que as testemunhas prestassem depoimento nos termos do que dispõe o art. 414, § 1º do CPC. Não se manifestando no momento próprio, opera-se a preclusão, que impede que a argüição seja analisada em sede de recurso. O depoimento pessoal da autora também é válido, eis que expressamente previsto no Código de Processo Civil, podendo o juiz, inclusive, conferir-lhe a natureza de fonte probatória em favor do próprio depoente, desde que fundamentado. 2. A conduta da apelante em afirmar que o curso seria cancelado e, posteriormente, que continuaria sendo ofertado, certamente causou aborrecimentos, à apelada, mas não é suficiente para caracterizar abalo profundo no íntimo daquela capaz de ensejar direito à indenização. 3. Não são devidos os lucros cessantes fundados em situação hipotética futura, qual seja, a mera possibilidade de a apelada vir a exercer a profissão e auferir renda. 4. Não sendo comprovados os gastos com alimentação, é devido o ressarcimento apenas quanto às despesas com transporte, durante o ano que a apelada precisou cursar a mais na outra instituição.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 268.295-3, da 6ª. Vara Cível de Curitiba, em que é apelante Associação de Ensino Versalhes - Centro Universitário Campos de Andrade - Uniandrade e apelada Walquiria Goretti Kuczera Toporowicz. ACORDAM os Juízes integrantes da DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE ALÇADA DO PARANÁ, por unanimidade de votos em dar parcial provimento ao recurso. Walquiria Goretti Kuczera Toporowicz ajuizou ação de Responsabilidade Civil por Dano Moral e Patrimonial em face de Uniandrade - Centro Universitário Campos de Andrade, a qual é mantida pela Associação de Ensino Versalhes. Afirma a autora que cursava Arquitetura e Urbanismo na instituição requerida e que, ao ingressar no 3º ano, foi surpreendida com a informação de que o curso não seria mais ofertado em razão do baixo número de alunos que iriam freqüentá-lo. Diante disto, a requerente requereu e conseguiu transferência para outra faculdade, no entanto, para cursar o 2º ano letivo, sendo informada em seguida que o curso na Uniandrade teria continuidade, razão pela qual pleiteia a indenização por dano moral e material, vez que sofreu transtornos de ordem emocional, perdeu um ano de remuneração como arquiteta e teve que arcar por mais um ano com as despesas que tinha com alimentação e transporte. Pede também indenização por lucros cessantes por lhe ter sido suprimido o direito de trabalhar como arquiteta pelo período de doze meses ante o atraso de um ano para sua formatura. Em contestação, a requerida afirmou que não cancelou a turma e que foi a própria requerente quem optou pela transferência porque o curso seria realizado somente com duas alunas, fato este que lhe desmotivaria. Além disso, afirma que se a autora precisou cursar o segundo ano foi por incompatibilidade curricular, culpa que não pode ser atribuída à ré. Sentenciando o feito, o MM. Juiz de Direito da 6ª Vara Cível de Curitiba julgou parcialmente procedente o pedido, a fim de condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais, arbitrados em cem salários mínimos, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de 0,5% ao mês contados a partir do evento danoso, bem como ao pagamento de danos materiais e lucros cessantes, cujos valores serão apurados em liquidação de sentença. Irresignada com a decisão recorre tempestivamente a requerida a este Tribunal. Requereu em suas razões, preliminarmente, a nulidade da sentença que acatou e se fundamentou basicamente nas alegações prestadas pela própria autora e por testemunha impedida (sua advogada), o que é vedado expressamente pelo art. 405 do CPC, acarretando violação ao art. 93, IX da CF, ao devido processo legal e cerceamento de defesa. Afirma que o depoimento da terceira testemunha também não tem validade, eis que apenas repetiu o que lhe foi dito pela apelada. No mérito, sustenta que não há prova válida dos fatos constitutivos do direito da autora, que foi desta a iniciativa de deixar o curso, eis que o número reduzido de alunos tornaria o curso desinteressante para a mesma. Explica também que, após cancelado, resolveu novamente disponibilizar o terceiro ano para as alunas adimplentes porque não sabia que a autora já havia sido transferida, eis que a formalização do pedido só ocorreu em março, e que mesmo assim a autora preferiu cursar a Unicenp (para onde foi transferida), onde teria a companhia de outros alunos que proporcionariam melhor aproveitamento do curso. Salienta que a redução do número de alunos na turma foi um fato fortuito e que mesmo assim assumiu metade do ônus, além de que, se houve algum dano íntimo que viesse ensejar indenização por danos morais, este não restou demonstrado. Caso mantida a condenação, pretende que se reduza o quantum indenizatório para um valor razoável e que se afaste a condenação pelos lucros cessantes fixados com base em situação hipotética futura. Assevera ainda que é descabida a indenização por danos materiais, tendo em vista que a apelada não comprovou os fatos que lhe trariam prejuízo financeiro ou que, ao menos, a mesma seja reduzida. Contra-razões oferecidas pela manutenção da decisão. É o relatório. O recurso merece ser conhecido, diante de seus requisitos de admissibilidade. Preliminarmente, pretende o apelante que seja reconhecida a nulidade da sentença, ante a invalidade dos depoimentos testemunhais colhidos, quais sejam, da própria apelada, de sua advogada e de um terceiro que sequer presenciou os fatos. De início, cabe dizer que, quanto às testemunhas Rosane Pabst Caldeira e Rafael Serbna Filho, caberia à apelante apresentar contradita antes que prestassem depoimento, a fim de respeitar o contraditório e a ampla defesa, nos termos do que dispõe o art. 414, § 1º do CPC. Não se manifestando no momento próprio, opera-se a preclusão, que impede que a argüição seja analisada em sede de recurso. Quanto ao depoimento pessoal da autora, este também é válido, eis que o Código de Processo Civil, em seu art. 342, prevê sua admissibilidade. Pode, inclusive, o magistrado, fundamentando adequadamente a sentença, conferir-lhe a natureza de fonte probatória em favor do próprio depoente (RT 601/207 in Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, de Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, 36ª ed., pág. 446, nos comentários ao art. 343). Ademais disso, o juiz também tem ampla liberdade para apreciar as provas constantes nos autos e utilizá-las para fundamentar sua decisão, e não apresentando a apelante, em momento oportuno, qualquer requerimento de produção de outras provas, que não as já constantes no caderno processual, não se caracteriza o alegado cerceamento de defesa. Portanto, afasto as preliminares aventadas. No mérito, pretende a recorrente a exclusão ou redução da condenação por danos morais e materiais e afastamento dos lucros cessantes. Depreende-se dos autos que, após uma semana de aula, a Uniandrade procurou a autora informando-lhe que, com apenas duas alunas, tendo em vista que os outros três pertencentes à turma estavam inadimplentes, seria inviável a continuação do curso. Pelos termos da proposta de acordo formulada pelas advogadas dos alunos e da Uniandrade (fls. 61/63), juntada aos autos pela apelada, esta especificamente seria transferida para a Unicenp, com o auxílio da apelante, que se comprometeria a, além de expedir os documentos necessários, quitar doze mensalidades junto à outra instituição e restituir aquelas já quitadas. O esboço desta proposta foi elaborado em 21 de fevereiro de 2001. Pelos documentos de fls. 189/192, observa-se que a apelante quitou, ao menos, algumas das parcelas das quais havia se encarregado. Cabe então analisar se, diante das circunstâncias acima narradas, considerando ainda o fato argüido na inicial de que, após a transferência, a apelante ofereceu novamente o curso, é cabível a obrigação de indenizar por danos morais. Conforme entendimento de Carlos Alberto Bittar, "Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)" (Reparação civil por danos morais, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 45). No caso em mesa, entendo que a conduta da apelante em afirmar que o curso seria cancelado e, posteriormente, que continuaria sendo ofertado, certamente trouxe aborrecimentos, mas não é suficiente para caracterizar abalo profundo no íntimo da apelada, ensejador do direito à indenização. Ademais disso, é de se dizer ainda que, para que seja configurado o dano, é preciso existir um nexo causal entre a conduta ofensiva e a dor sofrida, sem que haja outros elementos estranhos ao ato ilícito que sejam a causa ou concausa do sofrimento. Neste sentido, não se pode dizer que a conduta da apelante foi de todo reprovável. Primeiro, porque se restaram apenas duas alunas na turma, porque os demais não pagaram as mensalidades ou qualquer outro motivo irrelevante para a questão, não poderia a mesma ser obrigada a continuar oferecendo o curso, mesmo que isso lhe fosse economicamente inviável. E ainda, não se pode olvidar que a recorrente procurou auxiliar a apelada na transferência e pagou algumas mensalidades na outra instituição, o que demonstra boa vontade e disposição para que houvesse o menor prejuízo possível à aluna. Por fim, apesar de já ter cancelado o curso, voltou atrás e decidiu ofertá-lo, mesmo com o ônus que isto poderia lhe trazer, o que foi recusado pela autora, que preferiu permanecer na Unicenp, mesmo estando ciente de que precisaria cursar um ano a mais - conforme se vislumbra do esboço de acordo já citado, de fls. 61/63. Pelos fundamentos expostos, e frisando que não se pode coadunar com a clara tendência de "industrialização" dos danos morais, afasto a condenação imposta à apelante a este título. Da mesma forma, a indenização pelos lucros cessantes, fundado na alegação de que a apelada teria perdido um ano de exercício profissional e conseqüente remuneração, também não tem cabimento. Lucros cessantes são aqueles que resultam da frustração da expectativa de lucro, desde que entre a conduta lesiva e o dano exista uma relação de causa e efeito direta e imediata. A maioria da doutrina entende que apenas os danos diretos e efetivos, aferíveis por efeito imediato do ato ilícito, encontram suporte para ressarcimento, não sendo passíveis de indenização o dano hipotético, incerto ou eventual. Dessa forma, não cabe indenização com base em situação hipotética futura, qual seja, a mera possibilidade de a apelada vir a exercer a profissão e auferir renda. A respeito do tema, assim já decidiu este Tribunal: Responsabilidade civil - Indenização - Acidente do trabalho - Intoxicação crônica por agrotóxicos - Lucros cessantes - Não comprovação - Dano moral - Fixação - Majoração do valor arbitrado em primeira instância. I - Os lucros cessantes representam a frustração da expectativa de lucro que possuía o indivíduo; para ter direito a recebê-los, deveria o autor ter feito prova de que efetivamente deixou de ganhar em razão da doença laboral de que foi acometido, não sendo cabível a mera expectativa de auferir um ganho futuro e incerto. (grifo nosso) (...) (Apelação cível 233301-7. Ac. 16970. 6ª Câmara Cível. Juiz Rabello Filho. Julg. 17/02/2004) Quanto à indenização pelos danos materiais, no entanto, entendo ser devida à apelada, afinal esta, quando ingressou na instituição recorrente, tinha a esperança de se formar no período próprio do curso. Com a transferência, precisou cursar um ano a mais, pendendo-lhe maiores gastos com alimentação e transporte, mas como somente estes últimos foram comprovados, a indenização deverá recair apenas no que se refere a essa despesa. Em decorrência da modificação da sentença, permanecendo apenas a condenação pelos danos materiais, é de se reformar também a verba sucumbencial, de modo que os ônus recaiam para cada uma das partes de forma proporcional. Nesse contexto, condeno a ré, ora apelante, ao pagamento 30% (trinta por cento) das custas e despesas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios ao procurador da parte autora, no importe 10% sobre o valor da condenação, reportando-me aos fundamentos adotados pela r. sentença no tocante a esta verba. Por sua vez a autora, ora apelada, responderá por 70% (setenta por cento) das custas e despesas processuais e, relativamente aos honorários advocatícios devidos ao procurador da parte ré, fixo-os em R$ 500,00 (quinhentos reais), face a sucumbência recíproca. Dessa forma, e por tudo o mais que dos autos consta, voto no sentido de se conhecer o presente recurso para lhe dar parcial provimento, a fim de excluir a condenação referente aos danos morais e lucros cessantes, consoante acima fundamentado. Ante o exposto, ACORDAM os Juízes da DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos em dar parcial provimento à Apelação. Participaram do Julgamento os Juízes Lauri Caetano da Silva e Guido José Döbeli. Curitiba, 23 de setembro de 2004. Macedo Pacheco Juiz Relator
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