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Acórdão
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Certificado digitalmente por: JOSE CARLOS DALACQUA PODER JUDICIÁRIO Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CRIME Nº 1.442.836-9, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 1ª VARA CRIMINAL.NÚMERO UNIFICADO: 0003555-77.2014.8.16.0013.APELANTE : CARLOS ALBERTO SABINO LOPES.APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.RELATOR : DES. JOSÉ CARLOS DALACQUA. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ARTIGO 344 DO CÓDIGO PENAL). INEXISTÊNCIA DE DOLO E ESPECIAL FIM DE AGIR NA CONDUTA DO APELANTE. DEMONSTRAÇÃO DE INCONFORMISMO QUE NÃO PODE SER CONSIDERADA GRAVE AMEAÇA. VÍTIMAS QUE AFIRMAM TEREM SE SENTIDOS COAGIDAS EM RAZÃO DE O ACUSADO SER UMA PESSOA AGRESSIVA. AO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO APLICA-SE O DIREITO PENAL DO FATO, E NÃO O "DIREITO PENAL DO AUTOR/INIMIGO", PELO QUE APENAS SE PUNE ALGUÉM PELOS ATOS QUE COMETEU, E NÃO PELO SEU FENÓTIPO OU PERSONALIDADE. DENÚNCIA QUE RELATA TER O AGENTE INTENÇÃO DE AMEDRONTAR TESTEMUNHAS A NÃO PRESTAREM DEPOIMENTO EM JUÍZO. FATOS OCORRIDOS QUASE UM ANO ANTES DA DESIGNAÇÃO DA DATA DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 1.442.836-9, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 2 Curitiba - 1ª Vara Criminal, em que é Apelante CARLOS ALBERTO SABINO LOPES e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. I RELATÓRIO: O Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de seu representante do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, ofereceu denúncia em face de CARLOS ALBERTO SABINO LOPES, brasileiro, solteiro, engenheiro, nascido em 23.01.1965, natural de Curitiba/PR, portador da Cédula de Identidade RG nº 3.317.481-0/PR, filho de Ruy Correa Lopes e Armanda Sabino Lopes, pela pratica do delito descrito no artigo 344 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos: "Introdução:
Tramita perante a 6ª Vara da Família do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR os autos de Reconhecimento e Dissolução de União Estável nº 0011588- 94.2011.8.6.0013, onde figuram como partes Cristiane Herzer Gil e o denunciado CARLOS ALBERTO SABINO LOPES, e como testemunhas Jacqueline Batisti e Alessandra Lukenchuikii de Andrade.
Com o objetivo de favorecer interesse próprio no âmbito do referido processo judicial, o denunciado CARLOS ALBERTO SABINO LOPES passou a usar de grave ameaça para constranger as testemunhas acima mencionadas, de forma a amedronta-las no intuito de que quando fossem ouvidas em Juízo, na instrução da referida contenda judicial, não produzissem provas em seu desfavor.
1º Fato:
Assim é que na data de 30 de agosto de 2013, por volta das 15:00 horas, nesta cidade e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, o denunciado CARLOS ALBERTO SABINO LOPES, de forma voluntária e consciente e visando intimidar a vítima Jacqueline Batisti, telefonou para a residência desta última e deixou recado com Maria dos Anjos Ribas para que dissesse a ela que o `lugar dela no
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 3 inferno já estava preparado.
2º Fato:
Na mesma data de 30 de agosto de 2013, em horário não informado nos autos, mas no período da tarde, nesta cidade e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, o denunciado CARLOS ALBERTO SABINO LOPES, de forma voluntária e consciente e visando intimidar a vítima Alessandra Lukenchuikii de Andrade, telefonou para o consultório onde esta trabalha e deixou recado com a secretária Gladys Alice Correa para que dissesse a ela que `a vaga dela já estava guardada no quinto dos infernos'.
Por volta das 17:30 daquele mesmo dia, a vítima Alessandra Lukenchuikii de Andrade manteve contato telefônico com o denunciado CARLOS ALBERTO SABINO LOPES que então lhe disse, de forma voluntária e consciente, que esta iria `sofrer as consequências." (sic fls. 114/115).
A denúncia foi recebida no dia 03 de julho de 2014 (fl. 126). O réu foi pessoalmente citado (fl. 177), apresentando, por intermédio de defensor constituído, resposta à acusação (fls. 182/188). Não vislumbrando qualquer hipótese de absolvição sumária, nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal, o Juízo designou audiência de instrução e julgamento (fls. 192/194). Durante a instrução processual foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas arroladas pela acusação e 01 (uma) pela defesa (fls. 1.041/1.042 e 1.101), sendo, ao final, o réu foi interrogado (1.102). As partes apresentaram alegações finais por meio de memoriais (fls. 1.112/1.137 e 1.146/1.162). A sentença foi proferida, julgando procedente a pretensão punitiva do Estado exarada na denúncia, a fim de condenar o réu às sanções do artigo 344 do Código Penal, fixando-lhe pena de 01
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 4 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto. Presentes os requisitos autorizadores do artigo 77 do Código Penal, o Juízo suspendeu a execução da pena privativa de liberdade por 02 (dois) anos (fls. 1.165/1.189). Inconformado com a decisão, o condenado interpôs o presente recurso de apelação (fl. 1.198), sustentando, em síntese, que deve ser absolvido por atipicidade da conduta, em razão de ausência do elemento subjetivo específico do tipo e por ausência de provas (fls. 11/27 TJPR). O Ministério Público apresentou contrarrazões, pugnando pelo não provimento do recurso de apelação, com a integral manutenção da sentença proferida (fls. 29/44 TJPR). Em seu parecer, a Procuradoria-Geral de Justiça também se manifestou pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo não provimento (fls. 47/71 TJPR). É o breve relatório. II VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Em minuciosa análise dos autos percebe-se que os fatos não constituem infração penal. Veja-se que o ora apelante foi condenado como incurso no
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 5 delito de "coação no curso do processo", descrito no artigo 344 do Código Penal, o qual possui o seguinte teor: "Coação no curso do processo
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência."
Contudo, diante de todo o contexto apresentado nos presentes autos, não entendo que as palavras proferidas pelo acusado, ora apelante, descritas na exordial acusatória em desfavor das vítimas, possam ser propriamente consideradas uma grave ameaça. Ainda, verifico que no caso em comento não restou demonstrado o elemento subjetivo diverso do dolo na conduta do agente, ou seja, inexistiu o fim específico de "favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral". Ao ser interrogado em Juízo, o apelante CARLOS ALBERTO SABINO LOPES relatou que disse à Alessandra e Jacqueline "que o lugar delas estava reservado no inferno e que elas pagariam por isso", mas alega que não teve o intuito de ameaçar as testemunhas, pois havia outras testemunhas no processo para as quais ele não telefonou. Disse que Jacqueline o conhecia há mais de 08 (oito) anos, pois seus filhos estudavam juntos; foram tão amigos a ponto de no final da pré-escola dos filhos se reunirem com outros pais para combinarem em qual escola matriculariam seus filhos; seus filhos dormiam um na residência do outro, por isso eram amigos. Relatou que no início da separação, enquanto o acusado ainda confiava em Jacqueline, ela lhe repassou
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 6 duas informações, sendo que uma era de que no processo o juiz iria determinar a pensão alimentícia para garantir a subsistência das crianças e que iria regulamentar as visitas de quem não ficasse com a guarda delas, também que havia uma advogada conciliadora que poderia auxiliar na separação amigável do casal; ele fez uma entrevista com essa advogada, contou várias coisas a ela, mas posteriormente descobriu que ela não era advogada conciliadora, mas sim a defensora que atuava em favor de sua ex-esposa. Após um tempo Jacqueline deixou de atender aos seus telefonemas e passou a figurar como testemunha de Cristiane, sua ex-esposa, então o depoente passou a conhecer a natureza dela. Quanto a Alessandra, esclareceu que essa era psicóloga na escola de sua filha menor, Giulia. Foi requerido pela escola que Giulia fizesse um acompanhamento psicológico, pois estava tendo problemas em ter limites, o que foi atendimento por ele e sua ex-esposa, que concordaram com o tratamento. Como nesta época já estavam se separando, quis que a Isabela, sua filha mais velha, também fizesse acompanhamento psicológico com Alessandra. Afirmou que começaram a acontecer coisas esquisitas, pois no início era chamado para comparecer na clínica, mas depois não mais. Quando já estava arrolada como testemunha de sua ex-esposa Cristiane, Alessandra o telefonou dizendo que a Isabela precisaria de uma segunda sessão semanal e ele concordou. Passadas cerca de 05 (cinco) sessões ele entrou em contato novamente para saber do andamento do tratamento e Alessandra apenas lhe informou a respeito das sessões a receber, teve uma pequena discussão com ela, parou de pagar o tratamento e nunca mais falou com Alessandra. Quanto aos fatos disse que, salvo engano, deixou recado com a empregada, tendo mandado as mesmas mensagens para Alessandra e Jacqueline. Afirmou que não teve intuito de ameaçar as testemunhas, foi só uma indignação que estava sentindo na hora contra duas pessoas que são profissionais, e que antes de olhar o lado da mãe, deveriam olhar o que era melhor para as crianças. Acredita que as duas foram tendenciosas e por serem profissionais da área não deviam ter feito isso. Confirma que disse à Jacqueline que o 'lugar dela no inferno estava reservado" e também disse à Alessandra que o "lugar dela no inferno estava reservado". Para Alessandra disse que ela
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 7 avisasse o marido dela que eles iriam pagar pelas consequências cíveis, tendo justificado em Juízo que quando faz referência a "consequência" e "pagar" quer dizer que eles iriam arcar com as consequências cíveis. Afirmou que o que quis dizer é que quem faz mal a crianças vai para o inferno, não tendo qualquer pensamento de ameaçar alguém. Disse que as testemunhas não mentiram em relação ao que ele falou para elas, mas como a psicóloga falou (Claudia Regina Ferreira Silveira Rossentin), ele não estava em plenas faculdades mentais, estava abalado, pois tinha assistido a oitiva de suas filhas, de 03 (três) horas de duração, dizendo que o depoente batia nelas todos os dias, mas sabendo que era mentira. Aquilo o abalou demais, pois queria preservar suas filhas. Disse que viu os depoimentos no dia 30 de agosto, na parte da manhã, recebeu a recomendação para não ir à entrevista da psicóloga Claudia, porque estava nervoso, mas foi assim mesmo, saiu de lá deixando fotos e tablets que havia dado para sua filha e ela não quis e pediu para a psicóloga entregá-lo. Foi embora para casa, fez os telefonemas e quando viu seu irmão e sua irmã estavam o levando ao psiquiatra. Disse que na data de 30 de agosto tanto Jacqueline como Alessandra já haviam sido arroladas como testemunhas no processo de separação, mas que ainda não tinham sido ouvidas, apenas haviam juntado declarações. Disse que ligou naquele dia para as vítimas, pois naquele dia ouviu a oitiva de suas filhas, descontrolou-se e foi até a Vara de Família. Afirmou que se não tivesse feito um tratamento por cerca de 02 (dois) meses e meio não sabe do que teria sido capaz de fazer após este ocorrido, pois estava fora de suas faculdades mentais. Disse que ficou anos sem ver as filhas e viu no processo que a alienação parental estava se consolidando. Alegou que se quisesse ter ameaçado teria ligado para todas as testemunhas, mas ligou apenas para Jacqueline e Alessandra, porque uma é Promotora de Justiça na Vara de Família há mais de 10 (dez) anos e a outra é Psicóloga, portanto, por dever profissional deveriam estar do lado das crianças e não da mãe, sendo que auxiliaram no processo de alienação parental. Afirmou que só ligou para elas para demonstrar sua indignação. Quando disse à Alessandra que ela sofreria consequências quis dizer que ela sofreria as consequências cíveis e mandou que
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 8 o marido preparasse o bolso, pois as consequências seriam cíveis. Disse que Alessandra lhe telefonou dizendo que recebeu um recado de sua secretária e ele confirmou o conteúdo do recado, de que o lugar dela estava reservado no inferno e que ela pagaria por isso, e acrescentou que ela deveria avisar seu marido para preparar o bolso, tendo inclusive apresentado reclamação junto ao Conselho Regional de Psicologia, pelo que Alessandra responde à um processo administrativo. Relatou que para Jacqueline não fez nenhuma menção a marido, pois a mesma é solteira, apenas que ela iria pagar por aquilo. Afirmou que não disse que o lugar delas estava reservado no inferno com o intuito de impedir que elas depusessem no processo. Disse que não planejou, apenas ficou indignado com as vítimas, pegou o telefone e ligou. A vítima Alessandra Lukenchukii de Andrade, quando ouvida em Juízo, relatou que no dia dos fatos chegou ao consultório e sua secretária Gladys a avisou de que uma pessoa havia ligado e deixado um recado avisando que "seu lugar estava reservado no inferno". Achou o fato estranho, mas a princípio não associou com nenhuma pessoa, viu que tinha uma ligação perdida em seu celular, retornou e descobriu que o CARLOS ALBERTO havia ligado e ele afirmou que tinha sido o autor do referido recado e que a depoente "sofreria as consequências". A depoente ficou bastante receosa, pois costuma sair tarde do consultório e CARLOS ALBERTO conhece o endereço de lá e de sua residência. Afirmou que ficou muito insegura e naquele mesmo dia foi à Delegacia, localizada nas Mercês, e registrou um boletim de ocorrência. Relatou que em outras conversas que teve com o acusado, apesar de não ter proferido ameaças, ele se mostrou muito agitado, por isso ficou muito apavorada. Disse que alguns dias depois, cerca de uma semana, recebeu uma ligação do GAECO solicitando que ela fosse até lá, onde ficou sabendo que Jacqueline havia ido até lá, pois também tinha sido ameaçada. O Delegado conversou com a depoente e marcou outra data para que a secretária também comparecesse à Delegacia para prestar depoimento, fazer reconhecimento de voz e etc. Disse que figura como testemunha de Cristiane, ex-mulher de CARLOS ALBERTO, no processo de
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 9 divórcio deles, pois é psicóloga e presta atendimento às filhas do casal. Quando aconteceu a separação conversou várias vezes com CARLOS ALBERTO e ele nunca apresentou objeção quanto ao atendimento que ela prestava às filhas dele, mas durante o processo judicial ele demonstrou que não queria que ela prestasse o atendimento sob a alegação de que ela estaria contribuindo para alienação parental. Quando os fatos em questão aconteceram a depoente já estava arrolada como testemunha no processo de divórcio. Disse que as ameaças foram dirigidas à sua pessoa através de um recado repassado por sua secretária Gladys e depois diretamente através do telefone, ambas no mesmo dia. Afirmou que nada tem contra o acusado, mas não quer receber estas ameaças, entende que ele está sob pressão, pois não consegue ver as filhas e isto é difícil para um pai, mas não pode ficar sofrendo ameaças. Afirmou que as ameaças foram proferidas antes de seu depoimento judicial no processo de divórcio, após seu depoimento nunca mais conversou diretamente com ele, apenas com alguns familiares dele. Afirmou que cogitou não testemunhar naquele processo, pois se sentiu atemorizada com esta situação. A testemunha de acusação Gladys Alice Correa, secretária da vítima Alessandra Lukenchukii de Andrade, relatou, em Juízo, que era recepcionista na clínica de Alessandra Lukenchukii de Andrade, responsável por atender o telefone. Disse que no dia dos fatos CARLOS ALBERTO ligou e falou que "ele iria mandá-la para o quinto dos infernos", mas ele não se identificou. Após o horário de almoço repassou o recado à Alessandra. Passados alguns dias a Alessandra solicitou que a depoente fosse com ela à Delegacia para proceder o reconhecimento da voz do sujeito que havia efetuado o telefonema, sendo que acabou reconhecendo a voz como sendo de CARLOS ALBERTO. Disse que não conhecia o acusado pessoalmente, conhecia-o apenas por fotografia. Afirmou que na Delegacia foi mostrada uma gravação com a voz do acusado e ela reconheceu porque era exatamente a voz da pessoa que ligou na clínica proferindo as referidas ameaças dizendo que "o que era dela estava guardado" e "que iria mandá-la para o quinto dos infernos". Afirmou que reconheceu a voz do
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 10 acusado com certeza absoluta. Disse que ficou com medo, pois CARLOS ALBERTO disse que iria até a clínica, então ela queria saber quem era o acusado para não abrir a porta para ele. Relatou que ficava atenta ao sair da clínica, pois tinha medo de ser abordada. Afirmou que Alessandra também ficou atemorizada. Disse que o acusado proferiu as ameaças aparentando estar bem desequilibrado e que a voz dele era mais grossa do que o normal, em tom intimidador, e que o acusado falou no telefonema com o mesmo tom de voz da gravação que ouviu na Delegacia. Disse que quando recebeu a ligação do acusado ficou tão preocupada que não se recordou de olhar o identificador. Relatou que esta foi a única vez que recebeu ligação do acusado. A vítima Jacqueline Batisti, ao ser ouvida em Juízo, relatou que tinha amizade com o acusado e sua ex-esposa, pois seus filhos estudam juntos. Relatou que CARLOS ALBERTO e sua ex-esposa estavam em processo de separação e o acusado a procurou diversas vezes de forma amistosa requerendo informações a respeito do processo, em razão de a depoente ter atuado como Promotora de Justiça da Vara de Família por 18 (dezoito) anos. Durante essas conversas, o acusado revelou que o motivo da separação seria por conta de sua dependência química, tendo inclusive revelado este fato na presença de uma amiga da depoente, em um desses encontros. Disse que nos autos do processo de separação a ex-esposa do acusado tentou comprovar que ele fazia uso de drogas, pois ele andava muito agressivo e ela não queria que ele visitasse as filhas sozinho. Foi pedido que ele fizesse um exame toxicológico, porém o acusado se recusou. Como CARLOS ALBERTO se negou a fazer o exame toxicológico, a sua declaração e a de sua amiga foram juntadas nos autos como prova testemunhal de que o acusado era dependente químico, com o objetivo de proteger as crianças, pois ele estava muito agressivo. Relatou que estava trabalhando em seu gabinete, quando sua funcionária ligou dizendo que uma pessoa havia telefonado e dito que "o lugar da depoente estaria reservado no inferno", proferindo tal ameaça de forma bem grosseira e que a funcionária ficou amedrontada. Disse que pensou que pudesse ter sido o acusado. Naquele
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 11 mesmo dia, enquanto se dirigia à sua residência, recebeu uma ligação de CARLOS ALBERTO, mas acredita que a ligação tenha caído, ficou muito amedrontada, pois sabia que ele tinha arma de fogo, e se dirigiu ao GAECO. Quando ela ligou de novo conseguiu gravar a ligação em que ele proferiu as ameaças de que "seu esporte favorito seria acabar com a vida da depoente". Disse que se sentiu ameaçada e falou à Cristiane, ex-esposa do acusado, que não iria testemunhar no processo, pois na época ele estava extremamente agressivo, completamente irascível. Quando chegou em sua residência naquele dia, ao retornar as ligações perdidas em seu telefone, acabou ligando para um número que era o do acusado. Ele a acusou de fazer alienação parental em relação às filhas dele e proferiu ameaças dizendo que "o lugar dela no inferno estava reservado". Relatou que ficou muito atemorizada e desta vez resolveu dar andamento ao processo em relação a estas ameaças. Sua funcionária, Maria dos Anjos, atendeu a ligação naquele dia às 15 horas. Por volta das 17 horas, quando a depoente retornava para casa, recebeu outra ligação do acusado e ele repetiu para ela todas as ameaças que tinha feito quando ligou em sua residência às 15 horas e deixou recado com sua funcionária. Foi após esta última ligação que a depoente resolveu ir ao GAECO, fatos que ocorreram antes de prestar deu depoimento no processo do divórcio. Afirmou que ficou muito amedrontada, pois sabe que ele tinha uma arma de fogo. Disse que acabou prestando o depoimento, pois era a única prova de que ele era dependente químico, como visava proteger as crianças, viu-se na obrigação de testemunhar. Afirmou que no dia da audiência ficou bem receosa e até hoje tem medo dele, por isso pediu para dar seu depoimento em audiência sem a presença do acusado. Relatou que na audiência do processo cível ele mostrou uma atitude intimidadora, dizendo "vocês vão ver o que vai acontecer". Disse que sente medo do acusado quando ele fica nervoso, mas isto não influenciou em nada no depoimento que prestou naquele processo, pois não faltaria com a verdade em razão deste temor. Maria dos Anjos Ribas, funcionária da vítima Jacqueline Batisti, quando ouvida em juízo relatou que no dia dos fatos, atendeu o
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 12 telefonema de CARLOS ALBERTO, mas não sabia que era ele. Relatou que CARLOS ALBERTO perguntou se o Dra. Jacqueline estava em casa, ao que a depoente respondeu negativamente, então ele pediu para deixar o recado de que "os dias de inferno dela começaram". Disse que ficou apavorada, pois não sabia o que estava acontecendo e ligou para Jacqueline para contar o ocorrido. Jacqueline disse que sabia quem era e no dia seguinte explicou que o acusado já havia feito diversas ameaças contra ela. Ficou mais apavorada ainda quando ficou sabendo de quem se tratava, pois conhecia o acusado, vez que ele e sua ex-esposa frequentavam a casa de Jacqueline. Disse que atendeu apenas uma ligação do acusado para Jacqueline, mas ficou sabendo das outras ameaças porque ela lhe contou. A depoente disse à Jacqueline que não queria mais trabalhar na casa dela, pois sabia que o acusado era usuário de drogas, o que lhe deixou apavorada. Passou, então, a trabalhar somente com as portas trancadas, mesmo a residência sendo localizada dentro de um condomínio, pois ficou com muito medo. Disse que ficou com tanto medo que seu esposo não queria que a depoente continuasse trabalhando na casa de Jacqueline. Afirmou que temeu também por sua vida, pois CARLOS ALBERTO a conhecia. Disse que temeu pela vida de Jacqueline e dos filhos dela. Disse que trabalhava em pânico, e que o pânico diminuiu com o tempo, mas quando relembra o fato, volta a ficar nervosa. Relatou que sempre pedia para Jacqueline ficar com os vidros fechados, alertava as crianças para prestarem atenção no que estava em volta, pois temia que o acusado mandasse uma terceira pessoa para abordá-los. Disse que CARLOS ALBERTO ligou e perguntou "A Dra. Jacqueline está? ", ao que a depoente respondeu "Não, a Dra. Jacqueline não está", então ele replicou "Então você avise ela que os dias de inferno dela começaram" e em seguida ele desligou o telefone. Disse que nunca atendeu outro telefonema desta natureza. Como se verifica, os telefonemas efetuados por CARLOS ALBERTO à ambas as vítimas são incontroversos, bem como os dizeres do apelante contra as vítimas de que "o lugar delas estava reservado no inferno e que elas pagariam por isso".
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 13 Contudo, não se pode verificar tais afirmações de forma isolada, sendo necessário verificar em que contexto foram pronunciadas. Apesar de a vítima Jacqueline afirmar que ao retornar a ligação do recorrente conseguiu gravar que ele proferiu as ameaças de que "seu esporte favorito seria acabar com a vida da depoente", referida gravação, juntada aos autos em fl. 82, possui o seguinte conteúdo: "Carlos: Alô. Jacqueline: Alô, quem fala? Carlos: Sou eu Jacqueline Jacqueline: Você ligou aqui para a minha casa Carlos? Carlos: Liguei sim Jacqueline. Jacqueline: E diga, o que você quer? Carlos: `O que que você quer?', eu vou lhe dar uma informação Jacqueline, alienação total, é isso que você ajudou a fazer. Então você, fique avisada, daqui para frente eu não vou mais ser pai, porque vocês cortaram as folhas da árvore. Eu vou ser pau agora, você está na linha de frente, você sabe o que você fez, o que você devia ter feito e o que você fez. Os pauzinhos que você mexeu lá, aquele procurador, aqueles troço encomendado, que eu sei que foi você! Jacqueline: Uhum. Você está me ameaçando? Carlos: Eu não estou te ameaçando, estou dizendo o que vai acontecer. Prepare o seu patrimônio! Jacqueline: Aham, e você prepare o teu! Você prepare o teu! Carlos: Você está entendendo? Você vai responder! Você participou de uma alienação! Você trabalhou três anos na vara de família! Jacqueline: Uhum. Carlos: Você tinha obrigação! Ou então esse Ministério Público é uma bosta! Ponha como você quiser, tá? (desligou) Jacqueline: Você ligou aqui para, alô?"
Pelo tom de voz imposto durante a gravação, percebe-se que CARLOS está muito exaltado e revoltado com a situação, demonstrando sua indignação diante das proibições de visitar suas filhas, conforme consta dos autos nº 0011588-94.2011.8.16.0002 de ação de reconhecimento e dissolução de união estável.
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 14 Desta feita, diante da ligação gravada e juntada aos presentes autos, bem como dos depoimentos das vítimas, testemunhas e do próprio apelante, pode-se verificar que com suas condutas, ao proferir às vítimas que eram amigas pessoais da família de que "seu lugar no inferno está reservado", o apelante buscava, em verdade, demonstrar seu inconformismo com o que vinha ocorrendo no processo de família, e não ameaçar as vítimas de praticar-lhes mal grave e injusto. Ainda, restou claro que ao dizer que as mesmas "sofreriam as consequências" o apelante referia-se às consequências cíveis, pois pretendia representar contra Alessandra e Jacqueline pela alienação parental que acreditava que ambas faziam, tanto que contra Alessandra o recorrente apresentou reclamação perante o Conselho Regional de Psicologia. Outrossim, em que pese as vítimas afirmem que se sentiram intimidadas dizendo que o recorrente era uma pessoa agressiva, para a configuração do delito há de se verificar a intenção do agente, isto é, qual o seu animus ao cometer a conduta. Até porque, no sistema jurídico brasileiro aplica-se o Direito Penal do Fato, e não o "Direito Penal do Autor/Inimigo", pelo que apenas se pune alguém pelos atos que cometeu, e não pelo seu fenótipo ou personalidade. No caso em comento, verifica-se que o apelante, em verdade, ao telefonar para as vítimas, possuía a intenção de demonstrar seu inconformismo, e não as ameaçar, nem as coagir à não prestar depoimentos em Juízo, até porque os fatos narrados na exordial acusatória ocorreram dia 30.08.2013, conforme boletins de ocorrência de fls. 06 e 11, data em que sequer havia audiência de instrução e julgamento designada, sendo a audiência marcada apenas em 24.06.2014 para ser realizada dia 04.09.2014 (conforme mov. 699.1 dos autos nº 0011588-94.2011.8.16.0002).
Estado do Paraná TRIBUNAL DE JUSTIÇA fls. 15 Sendo assim, não está demonstrado o dolo do agente, nem o especial fim de agir exigido pelo tipo penal do artigo 344 do Código Penal, e, como inexiste a modalidade culposa do referido delito, deve o apelante ser absolvido, nos termos do artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal. III DISPOSITIVO Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e, no mérito, dar provimento ao recurso, para absolver o apelante, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator. A Sessão foi presidida pelo Desembargador Laertes Ferreira Gomes. Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Relator Excelentíssimos Senhores Desembargadores Laertes Ferreira Gomes e Luís Carlos Xavier. Curitiba, 02 de junho de 2016. JOSÉ CARLOS DALACQUA Relator
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