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Acórdão
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Certificado digitalmente por: FRANCISCO LUIZ MACEDO JUNIOR Apelação Cível nº 1496841-1, do Foro Regional de Araucária da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública. Apelante: HSBC Seguros (Brasil) S/A. Apelado: Waldemar Gomes de Almeida. Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Júnior APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE POR DOENÇA (IFPD). PRESCRIÇÃO. PRAZO INTERROMPIDO DEVIDO A PROPOSIÇÃO DE AÇÃO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS, JULGADA EXTINTA SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE DEFESA DA RELAÇÃO DE CONSUMO. SEGURADORA QUE NÃO DEMONSTROU TER CUMPRIDO COM SEU DEVER DE OBRIGAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. INDENIZAÇÃO DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Trata-se de ação de cobrança de seguro proposta por Waldemar Gomes de Almeida, em face de HSBC Seguros (Brasil) S/A.
cobertura por Invalidez Permanente Funcional por Doença. Afirma que sofre de doença aterosclerótica do coração grave, pelo que foi aposentado por invalidez pelo INSS, após requerimento judicial, pelo que estaria comprovada a sua invalidez total e permanente.
Afirma que a ré teria negado a cobertura, por não reconhecer a invalidez total e permanente do autor.
Sentenciando o feito (fls. 362/366), o MM. Juiz julgou a ação procedente, determinando o pagamento da indenização securitária requerida pelo autor, acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, e corrigida monetariamente pela média entre os índices INPC/IGP- DI, a contar da negativa de cobertura.
Condenou, também, o réu, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, §3º do CPC/73.
Inconformado, o réu apela (fls. 376/382), sustentando, preliminarmente, a ocorrência de prescrição. No mérito, alega que para que se verifique o sinistro relativo à cobertura de invalidez funcional permanente por doença, é necessária a perda da existência independente do autor, o que não se observaria no caso concreto.
Contrarrazões às fls. 398/402.
VOTO:
Presentes os requisitos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos.
Da prescrição
Sustenta a apelante requerida a ocorrência de prescrição. Afirma que, tendo a ciência inequívoca da invalidez ocorrido em 07/05/2012, e a propositura da presente ação apenas em 12/05/2014, a demanda estaria prescrita.
Ao caso, aplica-se o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil/2002.
Nesse sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO CONTRATADO PELA EMPREGADORA. EMPREGADO DE QUEM SE DESCONTAM OS PRÊMIOS MENSALMENTE É SEGURADO E NÃO BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO ÂNUA. ENUNCIADO Nº 101 DA SÚMULA/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. (STJ - EDcl no Ag 1158239/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 27/02/2012) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO EM GRUPO. PROCESSUAL
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211/STJ. HERDEIROS. PRESCRIÇÃO ÂNUA. SÚMULA Nº 101/STJ. (...) 2. O acórdão recorrido está em perfeita harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, na hipótese de seguro de vida em grupo contratado pela empregadora, a situação do empregado é a de segurado e não de beneficiário, pelo que o lapso prescricional é de um ano (Súmula nº 101/STJ). 3. Agravo regimental não provido. (STJ -AgRg no REsp 555.222/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012) SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS EM GRUPO. PRESCRIÇÃO ÂNUA. ART. 178, § 6º, II, DO CÓDIGO CIVIL/1916. A situação do empregado titular de seguro de vida e acidentes pessoais em grupo é a de segurado, e não de beneficiário, pelo que o lapso prescricional é de um ano (Súmula n. 101-STJ). Recurso especial conhecido e provido parcialmente. (STJ - REsp 591827/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 19/12/2005) O termo a quo do prazo prescricional, por sua vez, é considerado como sendo a data em que o segurado teve ciência inequívoca do sinistro, nos termos da Súmula 278 do STJ.
Em casos semelhantes, as seguintes decisões desta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DECRETAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRAZO PRESCRICIONAL ÂNUO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA
segurado contra o segurador prescreve em um ano, nos termos do art. 206, § 1º, inciso II, do Código Civil e da Súmula 101 do Superior Tribunal de Justiça 2. O termo inicial do prazo prescricional é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral, conforme a Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1433235-3 - Capanema - Rel.: Vilma Régia Ramos de Rezende - Unânime - - J. 25.02.2016). APELAÇÃO CÍVEL- AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VIDA - INVALIDEZ PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 219, § 5º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - PRESCRIÇÃO ÂNUA - INTELIGÊNCIA DO ART. 206, § 1º, INC. II, DO CÓDIGO CIVIL - TERMO INICIAL - CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INCAPACIDADE DO AUTOR QUE SE DEU COM A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA - SÚMULA 278 DO STJ - SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL - DATA DO PLEITO ADMINISTRATIVO ATÉ A CIÊNCIA DA DECISÃO NA SEDE ADMINISTRATIVA, PELO SEGURADO - OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DE APELAÇÃO - NEGA PROVIMENTO. (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1432047-9 - Colombo - Rel.: Sérgio Luiz Patitucci - Unânime - - J. 26.11.2015). Contudo, existindo pedido administrativo para recebimento da indenização, o decurso do prazo prescricional ficará suspenso, até que o segurado tenha ciência da negativa da seguradora, conforme Súmula 229, do Superior Tribunal de Justiça, que diz: "O pedido de pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão".
prescricional deve ser a data da concessão da aposentadoria por invalidez, em 07/05/2012.
No caso dos autos, entretanto, verifica-se que o autor, aparentemente, entrou com pedido administrativo em 18/07/2012, suspendendo o prazo prescricional até 17/12/2012, quando o prazo retornou o seu curso.
Ocorre que o autor propôs ação de cobrança do seguro, perante os juizados especiais, que foi julgada extinta, sem julgamento do mérito. Assim o prazo prescricional foi interrompido, reiniciando tal contagem apenas com o trânsito em julgado de tal demanda, em 15/05/2013.
Assim, tendo o autor ingressado com a presente ação em 12/05/2014, de se afastar a alegação de prescrição.
Do mérito
Cabe, em primeiro lugar, apresentar breve histórico de tal garantia securitária, para que as críticas que serão feitas a seguir, bem como a decisão de se manter a sentença de procedência, restem plenamente esclarecidas.
Com a Circular nº 17, de 17 de julho de 1992, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão regulador do setor
Vida em Grupo.
Definiu tal circular, em seu art. 2º, que a garantia básica de tal modalidade securitária seria a de morte, tendo como garantias adicionais a Indenização Especial de Morte por Acidente (chamada de IEA, pela Circular), a Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente (IPA), e a Invalidez Permanente Total por Doença (IPD), que a norma define como "antecipação do pagamento da indenização relativa à garantia básica em caso de invalidez permanente total, consequente de doença".
Também dizia tal regulamento que esta invalidez deveria ser comprovada por declaração médica.
Tendo em vista a falta de clareza e definição quanto qual seria a "invalidez" de que tratam tal Circular, e considerando que tal seguro era contratado basicamente por empregadores, como estimulantes, para seus empregadores, e considerando a técnica utilizada para a concessão de aposentadoria por invalidez pelo Instituto Nacional do Seguro Social, firmou-se jurisprudência no sentido de que a invalidez garantida por tal seguro seria a invalidez laborativa, sendo suficiente para verifica-la, portanto, a declaração de perito médico do INSS, que verificasse tal invalidez, com a consequente concessão de aposentadoria por invalidez ao segurado.
Confira-se:
POR DOENÇA (IPD) - CERTEZA DA INCAPACIDADE DA DATA DA APOSENTADORIA - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO DETERMINADA NOS TERMOS DO CONTRATO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL REFORMADA. Apelação provida parcialmente. (TJ-SP - APL: 9174693292008826 SP 9174693- 29.2008.8.26.0000, Relator: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 28/11/2011, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/12/2011) SEGURO DE VIDA EM GRUPO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CORRETORA MANTIDA - IPD - HIPERTENSÃO ARTEIRAL - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - DOENÇA PREEXISTENTE - AUSÊNCIA DE PROVA DA MÁ FÉ DA SEGURADA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA. Apelação parcialmente provida. (TJ-SP - APL: 423243020088260000 SP 0042324- 30.2008.8.26.0000, Relator: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 28/11/2011, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/12/2011) Houve resistência do mercado de seguros, que exigiam a necessidade de ausência de vida independente do segurado, para que fosse possível o pagamento de indenização pela cobertura por Invalidez Permanente por Doença, verificando-se assim, grande judicialização da questão.
Para dar mais clareza à modalidade securitária, e, alegadamente, resolver o problema da grande quantidade de demandas judiciais tratando da mesma situação, a SUSEP editou novo regulamento, Circular nº 302, de 19 de setembro de 2005, que tentou, de forma torta, dar
Em primeiro lugar, o órgão regulador proibiu a comercialização da garantia adicional por Invalidez Permanente por Doença, e determinou, nos termos do art. 108 da referida circular, que os planos anteriores fossem ou arquivados ou adaptados às novas regras.
A SUSEP, inclusive, emitiu Nota de Esclarecimento1 oficial sobre tal regulamentação. Confira-se:
A SUSEP, nos termos do Decreto-Lei nº 73, de 1966, fiscaliza e atua na regulação das atividades de seguros, previdência complementar aberta e capitalização. 2. Nesse contexto, a SUSEP tem procurado proteger os direitos dos consumidores e criar um ambiente justo e transparente, coibindo práticas injustas e irregulares, e abrindo processos administrativos sancionadores em face de reclamações formuladas por consumidores. (...) 4. As novas normas não tiveram por objetivo alterar os contratos em vigor, o que não poderia ocorrer de forma alguma por se tratar de ato jurídico perfeito. Diferentemente, a nova regulamentação aplica-se tão somente a apólices emitidas ou renovadas após a adaptação dos produtos na Autarquia. (...) 12. Algumas alterações foram introduzidas pela nova regulamentação, com vistas a zelar pela transparência dos contratos . A seguir, enumeramos as principais: (...) e) vedação da cobertura de Invalidez Permanente por Doença IPD em que o pagamento da 1 http://www.susep.gov.br/download/novidades/NotaSegpessoas.pdf, acessado em 12/05/2016.
exercício, pelo segurado, de toda e qualquer atividade laborativa, em razão de diversos problemas com consumidores que tem seus sinistros negados. Ressaltamos que a SUSEP não proibiu a comercialização de invalidez por doença, mas apenas determinou que o seu conceito seja bem especificado e transparente para os consumidores. A seguradora pode comercializar outros tipos de coberturas de invalidez relacionada a doença, que tenham sua caracterização bem definida, como, por exemplo, a Invalidez Funcional Permanente Total por Doença e a Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença, previstas na Circular SUSEP 302/2005, além de outros tipos elaborados pela seguradora ". (grifo nosso) Dispôs, também, que a aposentadoria por invalidez, concedida por instituições oficiais de previdência, não seria suficiente para que se verificasse o estado de invalidez do segurado.
E, por fim, passou a prever duas novas garantias, a de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD, ou IPD-L), e a de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD, ou IPD-F, como aparece nos contratos).
À Invalidez Laboral por Doença (ILPD), foram dadas as mesmas características definidas pela jurisprudência, antes da edição de tal circular. Já à Invalidez Funcional por Doença (IFPD), restaram as mesmas cláusulas anteriormente defendidas pelas companhias seguradoras, exigindo assim, para que se verifique o sinistro, a perda da existência independente do segurado, qual seja, "quadro clínico incapacitante que inviabilize de forma irreversível o pleno exercício das relações
gerais e/ou especiais do seguro2.".
Ocorre que, na prática, nada mudou.
Em primeiro lugar, porque as garantias de IPD, em contratos anteriores à Circular nº 302/05, foram substituídas pela cobertura por invalidez funcional permanente por doença, quando tinham uma relação prática maior com a nova cobertura de invalidez laborativa permanente por doença.
Em segundo lugar, porque somente o fato da garantia estar melhor definida na regulamentação, e de ter recebido uma nova nomenclatura, não resolve os problemas enfrentados pelo consumidor, que, em grande parte das vezes, não sabe o que está contratando, até mesmo por ser um contrato de natureza tão complexa.
Pode se dizer, até mesmo, que há uma quebra da boa-fé objetiva da seguradora, ao comercializar tal cobertura, ainda que ela seja prevista pelo órgão regulador do setor, que não passa de entidade com poder regulamentador infralegal, e que não pode se sobrepor às regras de defesa ao consumo previstas na legislação.
Discorre Walter Polido3 sobre a boa-fé objetiva nos
2 Art. 17, §1º da Circular nº 302/05 da SUSEP
3 POLIDO, Walter A. Contrato de seguro: Novos paradigmas. São Paulo: Editora Roncarati, 2010. P. 97
A boa-fé, essencial em qualquer tipo de contratual, no caso específico do seguro se apresenta de forma integrativa absoluta. Não há seguro sem boa-fé objetiva. Na condição de princípio geral de direito e especificamente pelo fato de se apresentar com textura aberta, a ser colmatada através da interpretação do caso concreto que se apresenta, cuja atividade é preenchida pelo juiz, a boa-fé tem várias nuances no sistema, mas certamente todas elas valorativas e integrativas. De se ressaltar que não se ignora a existência da decisão do REsp. nº 1449513/SP, do STJ:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO COM ADICIONAL DE COBERTURA POR INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA - IFPD. PATOLOGIA DA COLUNA LOMBAR CONTROLADA POR CIRURGIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA A PROFISSÃO. DESEMPENHO DE ATIVIDADES LABORAIS LEVES. DEFINIÇÃO DA APÓLICE: INVALIDEZ FUNCIONAL. ATIVIDADES AUTONÔMICAS DA VIDA DIÁRIA. PRESERVAÇÃO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA INDEVIDA. 1. A Circular SUSEP nº 302/2005 vedou o oferecimento da cobertura de Invalidez Permanente por Doença (IPD), em que o pagamento da indenização estava condicionado à impossibilidade do exercício, pelo segurado, de toda e qualquer atividade laborativa, pois era difícil a sua caracterização ante a falta de especificação e de transparência quanto ao conceito de "invalidez" nas apólices, havendo também confusão entre o seguro privado e o seguro social, o que gerou grande número de disputas judiciais. Em substituição, foram criadas duas novas espécies de cobertura para a invalidez por doença: Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD ou IPD-L) e Invalidez Funcional Permanente Total por Doença
2. Na Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD), a garantia do pagamento da indenização é no caso de invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, ocorrida quando o quadro clínico incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício das relações autonômicas do segurado. Já na cobertura de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD), há a garantia do pagamento de indenização em caso de invalidez laborativa permanente total, consequente de doença para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento de sua constatação, para a atividade laborativa principal do segurado. Logo, a garantia de invalidez funcional não tem nenhuma vinculação com a invalidez profissional. 3. Embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais restritiva que a cobertura ILPD (invalidez profissional ou laboral), não há falar em sua abusividade ou ilegalidade, tampouco em ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se constatando também nenhuma vantagem exagerada da seguradora em detrimento do consumidor. De qualquer modo, a seguradora deve sempre esclarecer previamente o consumidor e o estipulante (seguro em grupo) sobre os produtos que oferece e existem no mercado, prestando informações claras a respeito do tipo de cobertura contratada e as suas consequências, de modo a não induzi-los em erro. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1449513/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 19/03/2015) (grifo nosso) Contudo, entendo que a previsão de necessidade de perda da existência independente, em regulamento infralegal, não torna, por si só, a cláusula válida. É que, a validade das cláusulas limitativas, além de
as relações contratuais, especificamente, as relações de consumo, o que não ocorre no presente caso.
Com efeito, inexistem provas de que o princípio da informação foi observado, ou seja, que o segurado estava ciente da abrangência dos termos utilizados.
As cláusulas limitativas impõem restrições ao direito do segurado. Tais cláusulas não são proibidas pelo ordenamento jurídico e nem poderiam ser, visto que a seguradora não pode ser obrigada a assumir risco maior do que aquele que poderia suportar. Aliás, se fosse vedada a inserção de cláusulas limitativas, provavelmente, o contrato de seguro se tornaria impraticável.
Contudo, muito embora tais cláusulas sejam admitidas pelo ordenamento jurídico, para que não se tornem abusivas, devem observar determinadas diretrizes, dentre as quais se destaca a chamada "causa contratual", definida como sendo o legítimo interesse do segurado em relação aos riscos predeterminados.
O consumidor, que aqui é o empregador estipulante, representando seus empregados, segurados, em regra, ao assinar uma proposta de seguro de vida em grupo, quer garantir que, caso seus empregados não tenham mais condições de exercer a sua atividade profissional, serão indenizados pela seguradora (nos limites dos valores
Já decidiu a jurisprudência nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. AÇÃO DE COBRANÇA. INVALIDEZ PERMANENTE POR DOENÇA. APOSENTADORIA PELA PREVIDÊNCIA OFICIAL MUNICIPAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Alegação de nulidade da sentença. Cerceamento de defesa não caracterizado. O juiz é o destinatário das provas, sendo seu dever indeferir a produção das inúteis ou protelatórias, a teor do disposto no art. 130 do CPC. No caso concreto, é desnecessária a produção da prova testemunhal, pois a controvérsia versa sobre questão preponderantemente de direito. 2. Diante da prova coligida aos autos, houve a substituição das coberturas contratuais pela seguradora, restando excluída a cobertura para Invalidez Permanente por Doença (IPD) e incluída a cobertura por Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IPDF). Não sendo lícita a alteração das condições gerais sem que comprovada prévia notificação e concordância dos beneficiados, a modificação se mostrou unilateral e arbitrária, em afronta aos princípios da boa-fé contratual, dignidade da pessoa humana e estabilidade das relações contratuais. Cobertura securitária devida. 3. A análise do conjunto probatório permite concluir que a parte autora restou inválida permanentemente, impossibilitada do exercício da atividade laborativa para a qual estaria normalmente qualificada. A somar, houve o reconhecimento da incapacidade por instituto de previdência oficial municipal. Hipótese em que a parte autora faz jus à indenização decorrente do contrato de seguro firmado. 4. Caso em que o contrato, na forma como firmado, representa desequilíbrio evidente, ao excluir quase todas as formas de invalidez da cobertura, exigindo praticamente que o segurado fique em estado vegetativo para receber a cobertura. Abusividade configurada. Precedentes. 5. Dano moral
só, não dá ensejo ao reconhecimento de danos extrapatrimoniais. Hipótese em que a negativa de cobertura não configura dano moral. Precedentes. PRELIMINAR DESACOLHIDA E RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70059928358, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 26/06/2014) A definição de interesse legítimo, portanto, está intimamente relacionada com esta expectativa razoável do consumidor em relação à extensão e ao conteúdo da garantia contratada.
Bruno Miragem4 define interesse legítimo da seguinte forma:
(...) a noção de interesse legítimo comporta em si a noção igualmente relevante no presente caso de expectativa legítima, ou seja, de compreensão razoável do segurado- consumidor, mediante a ausência de qualquer óbice expresso ou informado pelo segurador-fornecedor, acerca da garantia a determinados interesses que considera abrangidos pela apólice, e em relação aos quais não se admite que seja surpreendido após a ocorrência do evento danoso, com a negativa de pagamento da indenização, em face de exclusão que não tenha sido adequadamente informada ou comprometa a própria causa do contrato. O legítimo interesse deve, ainda, ser interpretado de acordo com a finalidade do contrato. No caso, como se trata de seguro de 4 MIRAGEM, Bruno. Os contrato de seguro e os direitos do consumidor. IN: Direito do consumidor: contratos de consumo/ Cláudia Lima Marques & Bruno Miragem (organizadores.). São Paulo: RT, 2011, p. 589.
riscos.
Assim, embora as cláusulas restritivas nasçam, aparentemente, em conformidade com o ordenamento jurídico, "podem tornar-se abusivas conforme delas faça uso o fornecedor, no exercício do direito que as mesmas consagram"5, especialmente quando houver ofensa à legítima expectativa do consumidor em relação ao contrato, que só vai surgir de forma plena quando o direito à informação for devidamente respeitado.
Referido autor esclarece, ainda, que: "esta abusividade do exercício do direito aproxima o regime das cláusulas abusivas do Código de Defesa do Consumidor e a teoria do abuso de direito, do direito civil, a qual também assume caráter objetivo, prescindindo da demonstração do dolo ou da culpa (vide art. 187, do CC/2002). O que determina a abusividade é o modo como o titular exerce uma determinada prerrogativa jurídica, ainda que esta, a priori, esteja em absoluta conformidade com o ordenamento jurídico"6.
As normas que regem o contrato de seguro impõem deveres resultantes da boa-fé e da lealdade contratual, a serem observados na fase pré-contratual, de execução do contrato e pós-contratual; tanto pelo
5 Op. cit., p. 587.
6 Op. cit., p. 587.
análise da abusividade no exercício da prerrogativa objeto da cláusula restritiva.
Novamente sobre a boa-fé objetiva, discorre Walter Polido7:
Em relação ao contrato de seguro a boa-fé objetiva nele se insere de tal forma, que passa a fazer parte inerente; há reciprocidade nessa materialização. Não há como tratar do seguro, sem automaticamente emergir a ideia subjacente da boa-fé objetiva. Esse princípio é inerente ao contrato em todas as suas fases e é igualmente considerado para as partes contratantes e para as partes intervenientes. (...) Na fase pré- contratual pode acontecer do não cumprimento exato da obrigação de informar, por parte do proponente do seguro, a qual deve se dar de maneira adequada e exaustiva sobre o risco oferecido ao segurador; igual comando obrigacional determina ao segurador informar ao proponente do seguro sobre todas as características do produto ofertado: sua abrangência (riscos cobertos e riscos excluídos); custos envolvidos; limites das importâncias seguradas; (...). É inescusável qualquer omissão do dever-anexo de informar. Dentre os deveres da seguradora, tem-se que o mais importante, na fase pré-contratual, é o de informação e esclarecimento sobre o conteúdo do contrato, como esclarece Adriana Cristina Dullius Britto 8: 7 Op. Cit. P 98-100
8 BRITTO, Adriana Cristina Dullius: REFLEXÕES SOBRA A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA À FORMAÇÃO DOS CONTRATOS DE SEGUROS. IN: Revista de Direito Mercantil industrial, econômico e financeiro. Vol. 159/160. Editora Malheiros. São Paulo - SP. 2011.
deveres instrumentais que entende serem violados para que se possa caracterizar a responsabilidade pré-contratual, aduzindo que "Na responsabilidade pré-negocial, os deveres que se violam , portanto, não são os deveres (obrigações) principais, que só se concretizam com o contrato formado, mas os deveres instrumentais, que em algumas hipóteses se concretizam previamente à formação do vínculo negocial, deveres de cooperação, de não contradição, de lealdade, de sigilo, de correção de informação e esclarecimento em suma, deveres que decorrem da boa-fé objetiva, como mandamento de atenção à legítima confiança despertada no futuro contratante e de tutela aos seus interesses". Dentre os deveres acima listados pela insigne doutrinadora, enfatiza-se o dever de informação, que, segundo Daniela Moura Ferreira Cunha, relaciona-se ao desnível de informação entre as partes contratantes, oriundo da especial competência técnica de uma das partes ou de suas circunstâncias pessoais. Não há como desconsiderar o fato de que a previsão, no art. 765 do Código Civil de 2002, do contrato de seguro como contrato de máxima boa-fé (uberrimae fidae), advém do reconhecimento acerca da assimetria informacional existente entre as partes. Isso porque se verifica, conforme maciçamente apregoado pela doutrina, que o segurado dispõe dos conhecimentos específicos acerca de sua situação, o que o coloca em vantagem, neste aspecto, em relação ao segurador. Em outras palavras, o segurado conhece as especificidades do caso concreto que podem influir, decisivamente, na ponderação do risco a que ele está exposto, razão pela qual deve prestar informações verdadeiras ao segurador no momento do preenchimento dos formulários por este elaborados. E é exatamente por este motivo que a seguradora, para que possa se beneficiar validamente de cláusula restritiva, deve "prestar ampla informação das cláusulas limitativas do seguro no momento da proposta, e não apenas após a celebração do contrato, quando envia para
Veja que tal dever de informação não deixou de ser ressalvado pela decisão do STJ que tratou da matéria, ao dizer que "de qualquer modo, a seguradora deve sempre esclarecer previamente o consumidor e o estipulante (seguro em grupo) sobre os produtos que oferece e existem no mercado, prestando informações claras a respeito do tipo de cobertura contratada e as suas consequências, de modo a não induzi-los em erro.". Não é o que se verifica na presente demanda, nem na grande maioria dos casos concretos.
Trata-se, aliás, de um dos maiores calcanhar de Aquiles das companhias seguradoras, que recuam perante os alegados custos necessários ao devido cumprimento de seu dever de informação alegados, aqui, porque se verifica, na prática, que algumas companhias seguradoras se certificam de adaptar seus métodos ao Código de Defesa do Consumidor, o que afasta a argumentação torpe de suas concorrentes preferindo assim, a judicialização das questões, ao invés de, desde o começo da contratação (ou mesmo no momento pré-contratual), atender as normas de defesa da relação de consumo.
Assim, não se pode reconhecer como válida cláusula que 9 MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade civil do segurador.: diálogos entre o código civil e o código do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. Ano 20, vol. 79, julho/setembro de 2011, pag. 148
indenização referente à cobertura por Invalidez Funcional Permanente por Doença.
A jurisprudência pátria assim já decidiu:
PROCESSUAL CIVIL APELAÇÃO VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 514, II, DO CPC INOCORRÊNCIA PRELIMINAR REPELIDA. Havendo expresso pedido de afastamento da sentença, com o julgamento de improcedência da ação, cumprida está a exigência do inciso II do art. 514 do CPC. SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS - AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO - PRESCRIÇÃO ÂNUA, A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 206, § 1º, LETRA B, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - TERMO INICIAL - CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INCAPACIDADE LABORATIVA - CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO PRAZO LEGAL - EXTINÇÃO DO FEITO COM FULCRO NO ART. 269, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AFASTADA. A pretensão de indenização do segurado contra a seguradora prescreve em um ano, nos termos do art. 206, § 1º, letra b, do Código Civil de 2002 (art. 178,§ 6º, II, do CC/1916), sendo que o termo "a quo" do prazo prescricional ânuo tem início na data em que o segurado tiver ciência inequívoca de sua incapacidade laboral. "In casu", tendo sido concedida a aposentadoria por invalidez por parte do INSS em dezembro de 2010 e ajuizada a ação em março de 2011, não há que se falar em extinção do feito com fulcro no art. 269, IV, do CPC. SEGURO DE VIDA COBRANÇA INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE E TOTAL POR DOENÇA IPD-F COMPROVAÇÃO POR MEIO DE LAUDO PERICIAL APLICAÇÃO DO CDC TABELA DE PONTUAÇÃO COM O FIM DE CARACTERIZAR A IPD-F CLÁUSULA NULA INDENIZAÇÃO DEVIDA RECURSO PROVIDO. I- Sob as normas do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula contratual que
caracterizar a IPD-F deve ser considerada nula de pleno direito, visto que manifestamente onerosa ao consumidor aderente, sobretudo por força do disposto nos arts. 6º e 51 do CDC. II- Tendo sido reconhecida, por meio da perícia oficial, que a autora possui invalidez total e permanente por doença e sem possibilidade de recuperação a longo prazo, estando definitivamente incapacitada para o trabalho, é de rigor o reconhecimento do direito à indenização. (TJ-SP - APL: 00011075220118260242 SP 0001107-52.2011.8.26.0242, Relator: Paulo Ayrosa, Data de Julgamento: 17/09/2013, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/09/2013) Veja-se que no Certificado Individual juntado pelo autor com a inicial (fls. 07), não há qualquer informação ao segurado sobre a abrangência das coberturas contratadas pelo seu empregador. Também não há qualquer documento nos autos que demonstre que o estipulante, ao contratar o seguro, recebeu as informações necessárias que lhe permitam fazer uma decisão de qualidade, que afastasse, ou ao menos diminuísse, os efeitos da seleção adversa, tão presentes no mercado de seguros.
Também não há que se falar em impossibilidade de se decidir somente com a perícia que levou à concessão da aposentadoria por invalidez do INSS, até porque tal perícia foi realizada em âmbito judicial, como se pode confirmar dos documentos juntados às fls. 13/93.
Nestes termos, e no mesmo caminho da jurisprudência, por entender que a seguradora não cumpriu com seu dever de informação, ao comercializar tal cobertura securitária, de se manter a sentença de
Diante do exposto, VOTO por CONHECER o recurso de apelação, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto ora proferido.
ACORDAM os Membros Integrantes da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER o recurso, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Augusto Gomes Aniceto (presidente sem voto), Domingos José Perfetto e Coimbra de Moura
Curitiba, 09 de junho de 2016.
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