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Certificado digitalmente por: RUY MUGGIATI APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.490.416-4, DE APUCARANA - 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA APELANTES : LUIS CLÁUDIO DE GODOY E OUTRO APELADA : AGRÍCOLA JANDELE LTDA RELATOR : DES. RUY MUGGIATI DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINARES CERCEAMENTO DE DEFESA OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS PEDIDO DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL POR NÃO TER A PARTE AUTORA SE DESINCUMBIDO DO ÔNUS DA PROVA NÃO CONFIGURA CERCEAMENTO DE DEFESA ATUAÇÃO DO MAGISTRADO DE CARÁTER RESIDUAL. PLEITO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DESCABIMENTO NÃO APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR HIPOSSUFICIÊNCIA INEXISTENTE REGRA GERAL DO ÔNUS DA PROVA. MÉRITO RESCISÃO CONTRATUAL PAGAMENTO POR AVE EM VALOR INFERIOR AO PACTUADO RESCISÃO DECLARADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL CONFIGURADO APENAS NO QUE DIZ RESPEITO AO VALOR MÍNIMO PAGO POR AVE APURAÇÃO EM FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DANOS MORAIS MERO DISSABOR DECORRENTE DE RELAÇÃO CONTRATUAL. MÁ- FÉ DA PARTE REQUERIDA NÃO CONFIGURADA. 1. "A produção de provas no processo civil, sobretudo quando envolvidos interesses disponíveis, tal qual se dá no caso em concreto, incumbe essencialmente às partes, restando ao juiz campo de atuação residual a ser exercido apenas em caso de grave dúvida sobre o estado das coisas, com repercussão em interesses maiores, de ordem pública. Impossível, assim, exigir-se a anulação da sentença de primeira instância, mediante a pueril alegação de que ao juízo incumbia determinar a realização de provas ex officio. Tal ônus compete exclusivamente à parte interessada na diligência." (AgRg no REsp 1105509/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 18/12/2012). 2. Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1490416-4, de Apucarana - 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública, em que são Apelantes LUIS CLÁUDIO DE GODOY E OUTRO e Apelada AGRÍCOLA JANDELE LTDA. I Trata-se de recurso de apelação cível interposto da r. sentença de fls. 185/187 que, nos autos da ação de indenização por danos morais e materiais, sob nº 7958-35.2010, ajuizada pelos ora apelantes, julgou improcedente o pedido inicial e extinto, sem resolução de mérito o pedido de reconvenção. Por fim, condenou os autores ao pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa. Inconformados, alegam os autores, em suma, que: a) é necessário que seja apreciada a questão atinente à litigância de má-fé da requerida (arts. 17 e 18 do CPC de 1973), tendo em vista os diversos atos praticados ao longo do feito, destinados apenas a procrastinar o feito; b) a decisão rejeitou o pedido de produção de provas formulado pelos autores e, ainda, entendeu pela insuficiência de provas; c) caso se entende que o processo não esteja em condições de julgamento pelo Tribunal, requer-se a anulação da sentença; d) houve cerceamento de defesa, pois foram privados de produzir as provas testemunhais e periciais, sendo que o julgamento antecipado fomente foi solicitado em razão do prévio indeferimento da produção de provas; e) caso não se acolha o pedido de nulidade da sentença, no mérito, requer-se a inversão do ônus da prova, pois são hipossuficientes; f) ainda que o ônus da prova não seja invertido, deve-se levar em consideração quem possui maior aptidão para produzir a prova (distribuição dinâmica do onus probandi); g) sequer possuíam o contrato em sua posse, além de se tratar de contrato de adesão; h) a recorrida deveria comprovar que os fatos narrados não ocorreram, embora os recorrentes já tivessem instruído os autos com documentos que alicerçavam sua pretensão inicial; i) somente tiveram acesso ao contrato após o ajuizamento da demanda, sendo que ele está sem assinatura, exatamente para evitar que os autores pudessem tecer qualquer reclamação futura (fls. 82/92); j) as tabelas mencionadas na cláusula décima segunda sequer integram o contrato; k) à fl. 113 ficou expressamente caracterizada a retenção de pagamento, caracterizando a inadimplência contratual (cláusula décima); l) diversos pagamentos foram efetuados a menor, conforme termo de compromisso entregue perante o Banco do Brasil
(fl. 132); m) a recorrida alega que os recorrentes ensejaram a rescisão do contrato, mas não há qualquer prova disso; n) a r. sentença deve ser reformada para reconhecer que a rescisão ocorreu pelo não cumprimento do contrato pela recorrida; o) embora a recorrida alegue que havia retido pagamentos em razão de débitos decorrentes de financiamento, tal argumento não prospera; p) ao contrário do que consta na sentença, o pagamento do financiamento era semestral, tendo sido realizados mediante desconto em conta de titularidade do Sr. Luis Cláudio de Godoy, conforme extratos em anexo; q) os documentos de fls. 161/163 se referem à mesma parcela de pagamento, o que fizeram a fim de induzir o Magistrado em erro; r) no caso de retenção de valores de parcelas, esta se daria nos lotes e não mensalmente como alegado; s) a recorrida fazia descontos em 03 lotes para quando chegasse a época do pagamento da parcela já houvesse recebido os valores para quitação da parcela, não havendo nenhum prejuízo para ela; t) resta comprovado e confessado que os pagamentos foram retidos indevidamente, o que poderia ocorrer apenas no caso de negativa de quitação; u) devem ser ressarcidos dos valores indevidamente retidos, atualizados e com juros de mora; v) não foi levado em consideração pelo Magistrado que a recorrida não trouxe impugnação específica, sendo que como fez atraiu o ônus da prova para si; w) não há nos autos documento que comprove que os recorrentes não seguiram as orientações; x) a requerida se recusou a dar a carta de distrato; y) deve a recorrida ser condenada ao pagamento de lucros cessantes; z) a recusa do distrato, a retenção de pagamentos, a impossibilidade de utilização das propriedades para alojamento de aves principal meio de sustento dos recorrentes -, causou danos morais que devem ser indenizados; a.1) deve ser excluída a condenação dos autores ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais, imputando tal ônus à requerida (fls. 190/205).
Houve apresentação de contrarrazões (fls. 224/234). O recurso foi inicialmente distribuído à 7ª Câmara Cível como sendo matéria alheia à área de especialização (fls. 235/236). No entanto, em razão do despacho de fls. 238/242 o feito foi redistribuído, por se enquadrar nas ações relativas a arrendamento rural, parceria agrícola e empreitada (fls.244/245). II VOTO Conforme se verá no tópico pertinente, o recurso merece ser parcialmente conhecido. Das preliminares Do cerceamento de defesa Inicialmente, aduzem os apelantes que houve cerceamento de defesa, em clara ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV, CF/88), pois lhes teria sido obstada a produção de provas (testemunhal e pericial). Acerca do assunto, a leitura dos autos revela situação diversa daquela narrada pelos recorrentes. O despacho de fl. 167 oportunizou às partes que especificassem as provas que pretendiam produzir. Em resposta os autores-apelantes informaram que, além de não terem interesse em conciliar em que pese
tenham se colocado à disposição para eventual designação de audiência para esta finalidade -, requereram o julgamento antecipado na lide (fl. 168). Em audiência de conciliação designada, foi reconhecida a preclusão para produção de prova à parte ré e determinada a conclusão do feito para ser sentenciado, vez que "os documentos colacionados aos autos são suficientes para deliberação final" (fl. 172). Na sequência, o feito permaneceu paralisado, o que ensejou a intimação da parte autora (fl. 181) que, por sua vez, postulou, novamente, o julgamento antecipado da lide (fl. 183). Em razão disso, sobreveio a r. sentença ora objurgada. Pois bem, como se vê, não há que se falar em cerceamento de defesa, pois o direito ao contraditório e a ampla defesa foi devidamente resguardado (artigo 5º, LV, CF/88), sendo que em duas oportunidades os autores requereram o julgamento antecipado da lide, não tendo, em absoluto, indicado provas que pretendiam produzir. Portanto, não houve indeferimento de produção de provas como aduzem os recorrentes em suas razões. Ademais, ao contrário do que alegaram os recorrentes, o fato de ter a sentença julgado improcedente o feito, por não ter a parte autora se desincumbido do ônus da prova, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil de 1973, não caracteriza cerceamento de defesa. Ora, o dever de produzir a prova a fim de comprovar o direito perquirido através da demanda judicial proposta recai sobre a parte autora, não competindo ao Magistrado suprir a desídia do postulante. Acerca disso, cabe registrar que o Juiz da causa, em que pese o
poder-dever de buscar a verdade real dos fatos tendo à sua disposição a possibilidade de determinar a produção de provas ex officio não pode substituir as partes no tocante aos ônus que lhe competem, ainda mais quando a própria parte, que agora se insurge, permaneceu inerte quando lhe foi oportunizada a dilação probatória. A questão se encontra bem elucidada pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do AgRg no REsp nº 1105509/RN, cuja ementa se transcreve a seguir: "AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - 1. AÇÃO REIVINDICATÓRIA - JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA, POR AUSÊNCIA DE PROVAS, CONFIRMADO EM SEGUNDA INSTÂNCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO - FEITO QUE ADENTROU EM AMPLA FASE DE INSTRUÇÃO - PROVA PERICIAL TÉCNICA POSTULADA APENAS EM GRAU DE APELAÇÃO - PRECLUSÃO - DESNECESSIDADE DE O MAGISTRADO DETERMINAR A PRODUÇÃO DE PROVAS EX OFFICIO, MORMENTE EM SE CUIDANDO DE CAUSA ATRELADA A DIREITOS E INTERESSES DISPONÍVEIS - PRECEDENTES DA CORTE - 2. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - ACRDÃO RECORRIDO QUE SE AMOLDA À ATUAL LINHA DE ENTENDIMENTO CRISTALIZADA PERANTE ESTE STJ - ÓBICE DA SÚMULA N. 83/STJ - 3. REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Ação reivindicatória julgada improcedente, por falta de provas, em primeira e segunda instâncias. Feito que adentrou em ampla fase de instrução processual, não tendo a parte demandante solicitado a produção de prova pericial, seja quando do saneamento do feito, tampouco em sede de alegações finais. Requerimento formulado apenas em grau de apelação em virtude da derrota experimentada na contenda. Preclusão configurada, o que impede o acatamento da tese de cerceamento de defesa. A produção de provas no processo civil, sobretudo quando envolvidos interesses disponíveis, tal qual se dá no caso em concreto, incumbe essencialmente às partes, restando ao juiz campo de atuação residual a ser exercido apenas em caso de grave dúvida sobre o estado das coisas, com repercussão em interesses maiores, de ordem pública.
Impossível, assim, exigir-se a anulação da sentença de primeira instância, mediante a pueril alegação de que ao juízo incumbia determinar a realização de provas ex officio. Tal ônus compete exclusivamente à parte interessada na diligência. 2. Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n. 83/STJ. Ausência, ademais, de similitude fática entre os casos enfrentados no aresto hostilizado e naquele apontado como paradigma. 3. Regimental conhecido, mas desprovido." (AgRg no REsp 1105509/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 18/12/2012). E ainda: "PROCESSUAL CIVIL - PROVA PERICIAL - DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ - POSSIBILIDADE, NÃO DEVER - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA. 1. Os arts. 130 e 1.107 do CPC, mitigando o Princípio da Demanda, conferem poderes instrutórios ao Juiz, mas não lhe impõem o dever da investigação probatória. Mesmo porque, nos fatos constitutivos do direito o ônus da prova cabe ao autor (CPC, art. 333, I). 2. A faculdade outorgada para instrução probatória do Juízo milita em favor duma melhor formação da convicção do Magistrado. No entanto, o Juiz não pode substituir as partes nos ônus que lhe competem, inda mais quando a perícia não se realizou por inércia da parte no pagamento dos honorários do perito. 3. Recurso improvido." (REsp 471.857/ES, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2003, DJ 17/11/2003, p. 207). Como se vê, descabida a tese dos apelantes de cerceamento de defesa. Da inversão do ônus da prova Na peça exordial os autores-apelantes formularam pedido para que fosse aplicado ao caso o Código de Defesa do Consumidor, com inversão do ônus da prova. Em sentença, a douta Magistrada indeferiu o pedido, sendo
aplicada à lide a regra geral do onus probandi (art. 333, I, CPC/1973). Neste tocante, almejam a reforma da r. sentença, para que seja reconhecida a hipossuficiência dos autores para fins de inversão do ônus da prova. Ainda, caso não seja este o entendimento, requerem a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova, de modo a recair sobre a requerida- apelada o dever de comprovar que os fatos narrados na inicial não ocorreram. Em um primeiro momento, é de se reforçar que não cabe no caso a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois os autores não se enquadram no conceito de "consumidor" previsto no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. Isto porque, conforme bem salientou a douta Magistrada, "percebe-se que, na verdade, se trata de contrato comercial, onde são os autores prestam serviço à requerida. O fornecimento do produto pela requerida foi destinado para a realização das atividades-meio do requerente. Portanto, não há que se falar em destinatário final e denota-se que a parte autora não se enquadra no conceito de consumidor (...)" (fl. 185-verso). Além disso, não se vislumbra qualquer motivo capaz de caracterizar a hipossuficiência dos autores, pois embora possuam capacidade econômica inferior em relação à requerida-apelada (comercialmente conhecida como "Big Frango"), tal circunstância não se traduz em falta de condições processuais dos autores para produzirem provas, pois atuam profissionalmente na área de criação de pintainhos, tanto que prestaram serviços desta natureza à ré. Quanto à ausência de acesso aos contratos firmados, tal questão já foi resolvida através da juntada destes documentos pela requerida à sua contestação (fls. 82/89), por força da decisão de fl. 61 que determinou a sua
exibição. No mais, infere-se que os recorrentes foram genéricos e contraditórios ao afirmar que não possuem "acesso a todos os documentos" (fl. 195 tópico "Da inversão do ônus da prova"), mas ao mesmo tempo aduzem que o feito foi devidamente instruído "com documentos que alicerçavam suas pretensões iniciais" (fl. 196 último parágrafo). E de fato, infere-se da inicial que os autores instruíram o feito com diversos documentos que indicam detalhes dos serviços prestados, tal como o número de pintainhos entregues pela apelada para criação e o respectivo preço pago (fls. 25/54), não tendo eles especificado outros documentos que seriam inacessíveis e essenciais ao deslinde do feito. Por fim, quanto à distribuição dinâmica do ônus da prova, cumpre analisar a questão de forma concreta por ocasião da apreciação do mérito recursal (rescisão contratual), de modo a verificar se a regra geral do onus probandi foi adequadamente aplicada, sem que tenha sido atribuído a qualquer uma das partes dever probatório impossível, como, por exemplo, prova negativa. De qualquer sorte, a dinâmica probatória nada tem a ver com a inversão do ônus da prova, como requerem os apelantes, sendo que esta pretensão já foi afastada, conforme acima delineado.
Do mérito Da rescisão do contrato Os apelantes almejam a reforma da r. sentença, a fim de que seja
declarada a rescisão dos contratos de parceria avícola firmados com a requerida pelos autores, respectivamente, às fls. 82/83 e 87/89. Para tanto, aduzem descumprimento das obrigações contratuais. Infere-se dos contratos que as parcerias avícolas foram firmadas por prazo indeterminado, "podendo o mesmo ser rescindido por qualquer das partes mediante notificação por escrito, com antecedência mínima de 45 dias, desde que saldados os pagamentos e demais pendências, não gerando esta medida qualquer direito à indenização para qualquer das partes" (Cláusula 9ª fls. 83 e 88). Como se vê, para fins de rescisão contratual, bastaria que qualquer das partes notificasse a outra, respeitado o prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias, com quitação das pendências financeiras, caso existissem. É incontroverso nos autos que os autores-apelantes enviaram notificação extrajudicial, para requerer a exibição dos contratos e a respectiva rescisão, conforme documentos de fls. 18/21 e 111/112. Ocorre que a parte requerida alegou em sede de contestação a existência de pendências financeiras, tanto é que o pedido de rescisão extrajudicial foi encaminhado ao departamento jurídico da empresa-apelada, conforme documento de fl. 113. Deste documento, extrai-se que o distrato dependeria da quitação de um financiamento bancário ou, ainda, da alteração do avalista. Também alegou que os autores-apelantes lhe deviam o valor de R$ 3.829,50 correspondente ao adiantamento realizado em 10.05.2010, conforme planilha unilateral de fl. 103.
A despeito do financiamento, restou demonstrado que o primeiro autor firmou uma cédula rural pignoratícia e hipotecária, no valor de R$ 123.331,00, com o Banco do Brasil S. A., no qual figura como avalista a requerida-apelada Agrícola Jandele LTDA. O crédito foi adquirido para a construção de um aviário e aquisição de equipamentos, conforme cópia do contrato de fls. 93/102, a fim de viabilizar a execução dos contratos de parceria avícola. Em outras palavras, para que fique claro, tem-se que os autores casados entre si assumiram uma obrigação financeira, com aval da requerida, para o fim de construírem e equiparem os galpões onde os pintainhos seriam criados para o abate. Na sistemática do contrato de parceria, a requerida Agrícola Jandele Ltda., qualificada como "Empresa Proprietária", forneceria pintainhos de um dia para serem criados e terminados até a idade de 40 a 54 dias pelos autores, qualificados como "Parceiro Criador". Vale mencionar, ainda, conforme "termo de compromisso integradora/integrado" de fl. 132, que as partes ajustaram poder a "integradora", ora apelada, no pagamento por cada lote de pintainhos, descontar valores referentes a amortização do compromisso assumido junto ao Banco. Pois bem, feitos estes esclarecimentos, tem-se que o pedido de rescisão do contrato por culpa da requerida deve ser analisado nos limites da causa de pedir descrita na petição inicial, ou seja, a suposta desídia da requerida na execução do contrato.
Em primeiro lugar, aduzem os recorrentes que a quantidade de pintainhos fornecida se deu, em diversas oportunidades, em número inferior à capacidade dos alojamentos. Ocorre que não há no contrato qualquer previsão acerca da obrigação da apelada em entregar quantidade determinada. Sobre isto, confira-se a cláusula que estabelece a obrigação da empresa proprietária (requerida-apelada): "CLÁUSULA PRIMEIRA. A Empresa Proprietária se obriga a entregar ao Parceiro Criador, na propriedade, pintos de um dia, para serem criados e terminados até a idade de 40 a 54 dias, terminação essa que poderá variar de acrdo com as necessidades de demanda do mercado." Como se vê, ao contrário do que pretendem fazer crer os apelantes, não há qualquer obrigação expressa no contrato acerca do número de pintainhos a serem entregues por lote para serem criados, de modo que a pretensão carece de amparo. Acerca disso, apenas para argumentar, o fato de os galpões terem sido construídos para determinado número de pintainhos não significa que a recorrida estava obrigada a entregar a quantidade máxima suportada. Em segundo lugar, os recorrentes aduzem que não houve abastecimento de pintainhos no prazo indicado no contrato, tendo ficado cerca de três meses sem atividades (fl. 126). Não há especificação do período em que isto teria ocorrido. Acerca dos prazos para novos abastecimentos, há disposição
expressa nos pactos de parceria avícola: "CLÁUSULA TERCEIRA: Após a entrega das aves terminadas, a reposição para cada aviário de pintos de um dia e da ração inicial será efetuada no prazo de 03 a 30 dias, podendo o mesmo ser dilatado mediante a cientificação do Parceiro Criador Proprietário, ou havendo superveniência de motivo de força maior que impeça o cumprimento do aqui exposto." Sobre o assunto, tem-se que as fotos de fls. 55/56, as quais indicam alojamentos vazios, não possuem o condão, por si só, de comprovar a alegação. Deste modo, resta a análise da prova documental juntada ao feito, que tratam dos acertos feitos em cada lote de aves. Os autores-apelantes colacionaram aos autos diversos demonstrativos, os quais devem ser analisados separadamente, considerando cada um dos dois contratos firmados. Referente ao contrato firmado com o primeiro apelante (Luiz Cláudio de Godoy), foram juntados os demonstrativos dos seguintes lotes: 0031 (fl. 150), 0030 (fl. 27), 0029 (fl. 28), 0028 (fl. 29), 0027 (fl. 30), 0026 (fl. 31), 0025 (fl. 32), 0024 (fl. 33), 0022 (fl. 34), 0020 (fl. 35), 0018 (fl. 36), 0017 (fl. 37), 0016 (fl. 38), 0014 (fl. 39), 0013 (fl. 40). Quanto ao contrato firmado com a segunda apelante (Marinete Darodda de Godoy), foram colacionados os demonstrativos referentes aos lotes números: 0004 (fl. 48), 0006 (fl. 52), 0007 (fl. 45), 0008 (fl. 44), 0009 (fl. 41). Da análise destes demonstrativos disponíveis, é possível verificar
que entre a data de abate de um lote e a data de alojamento do lote seguinte, não houve superação do prazo previsto na cláusula terceira, de modo que não se desincumbiram os autores de comprovar que os alojamentos ficaram disponíveis por três meses, conforme alegado, e, portanto, não há qualquer indenização por danos materiais cabível neste aspecto. Por fim, em terceiro e último lugar, cumpre analisar a questão dos pagamentos a menor por ave. Os apelantes defendem que a recorrida se comprometeu ao pagamento de R$ 0,32 (trinta e dois centavos) por ave, o que teria sido descumprido. Inicialmente, cumpre deixar claro que os autores-apelantes postularam a exibição de documentos, estes consistentes nos contratos firmados entre as partes litigantes. Ressalta-se que o pedido extrajudicial não foi respondido, de modo que o douto Magistrado a quo determinou a exibição, consoante decisão de fl. 61. Pois bem, dos contratos de parceria avícola juntados pela requerida, infere-se da cláusula sexta, a seguinte disposição (fl. 83): "CLÁUSULA SEXTA: Do resultado obtido na criação e engorda das aves até a idade retro referida, o Parceiro Criador Proprietário terá direito a título de participação na parceria, a uma percentagem das aves vivas produzidas, sobre o total em quilos do lote, conforme tabela para este fim existente e que integra o presente contrato das quais os PARCEIROS declaram expressamente terem plenos conhecimentos, e onde serão observados os critérios de cálculo da eficiência de produção."
Ocorre que não consta nos autos a tabela correspondente, mas apenas a "base de cálculo para uso da tabela conforme cláusula sexta", conforme documento de fl. 84. Em razão da deficiência do documento apontado, ônus que incumbia à ora recorrida por força da determinação de exibição de documentos, deve prevalecer o contido no documento de fl. 132 ("Termo de Compromisso integradora/integrado"), do qual se extrai que a "INTEGRADORA [apelada] se obriga a adquirir e o INTEGRADO [apelantes], por sua vez, a vender a produção comprometida com o convênio. Neste ato fica estabelecido, de comum acorde entre as partes, o preço de R$ 0,32 (trinta e dois centavos) por cabeça." O mesmo valor indicado se repete neste documento em seu item "d": "fica desde já entendido que o preço a ser pago ao Integrado pela Integradora será de R$ 0,32/cabeça." Estabelecido este parâmetro, observa-se dos comprovantes de acerto dos lotes comercializados entre as partes que, em diversas oportunidades posteriores ao aludido Termo de Compromisso, o preço por cabeça aplicado foi abaixo do valor nele estipulado. Como exemplo: lote 0025 R$ 0,27 (fl. 32), lote 0024 R$ 0,19 (fl. 33), lote 0022 R$ 0,28 (fl. 34), dentre outros. Portanto, em razão disso, verifica-se que houve descumprimento contratual no que diz respeito ao pagamento do valor mínimo por ave em várias ocasiões, de modo que se configura o inadimplemento que legitima o
pedido de rescisão do contrato, nos termos do artigo 475 do Código Civil.1 Feitas estas considerações, conclui-se que o apelo merece ser provido neste tópico, para o fim de se declarar a rescisão dos contratos de parceria avícola de fls. 82/83 e 87/89 firmados com os apelantes, respectivamente, em razão do inadimplemento contratual acima especificado.
Das perdas e danos danos emergentes Conforme dito no tópico anterior, em algumas ocasiões foram pagos valores inferiores a R$ 0,32 (trinta e dois centavos) por ave, o que gera o dever de indenizar os autores em perdas e danos materiais. Assim, deve ser provido o pedido nesta parte, para condenar a recorrida ao pagamento da diferença entre os valores pagos por cabeça e aquele previsto no documento de fl. 132, ou seja, R$ 0,32 (trinta e dois centavos), o que deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença. No que diz respeito às perdas e danos, remanesce, ainda, o pedido de devolução dos valores que teriam sido indevidamente retidos. Da leitura da peça exordial, infere-se que em nenhum momento integrou o pedido inicial a devolução de valores retidos indevidamente, o que foi aduzido somente em sede de impugnação à contestação (fl. 128). 1"Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos."
O artigo 264 do Código de Processo Civil previa o seguinte: "Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem co consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei." Deste modo, tem-se que o pedido inicial foi modificado, para incluir na condenação da requerida a devolução de valores que teriam sido indevidamente retidos, o que não se pode admitir, por ausência de consentimento da parte contrária. Dos lucros cessantes Extrai-se da peça exordial que há indenização a ser paga decorrente dos "lucros cessantes pela frustração daquilo que era razoavelmente esperado pela proposta da empresa/requerida (...)". A apuração far-se-á com base naquilo que deixou de auferir os requerentes quando não cumpriu a requerida com a sua parte da alocação de pintainhos, o que se pode denotar da farta documentação que segue anexa" (fl. 08). Mais especificamente, os lucros cessantes decorreriam do alegado descumprimento contratual no que tange a não utilização do estabelecimento conforme teria sido pactuado (fornecimento a menor de pintainhos, longo período sem abastecimento e pagamento a menor por ave). Tendo em vista que no tópico pertinente restou afastado o pedido de reconhecimento de descumprimento dos contratos no que tange à quantidade de pintainhos e o abastecimento no prazo indicado, tem-se que o pedido de lucros cessantes neste tocante resta prejudicado. Quanto ao pagamento a menor por ave, a matéria já foi resolvida no tópico acima.
Por fim, quanto ao pedido de lucros cessantes formulados no apelo (lucros de 03 meses, por não obtenção documento de distrato), este igualmente configura inovação da causa de pedir, conforme se verifica da leitura do tópico "lucros cessantes" da petição inicial (fls. 86/87), pelo que não pode ser conhecido. Dos danos morais Postulam os recorrentes a condenação da parte adversa ao pagamento de indenização por danos morais, o que teria decorrido de "todo o incômodo, bem como a ocorrência de futuros problemas que os autores terão em razão dos atos praticados pela requerida, até mesmo pela abstenção de utilização de bem imóvel, ferindo o direito à propriedade que é cláusula pétrea de nossa Lei Maior" (fl. 04). Em sede de apelação, salientaram, ainda, que "a estrutura familiar foi abalada com tal situação, as dívidas se acumularam, bem como a aflição de ter um bem que lhes dava renda impossibilidade de ser utilizado para os fins pensados (granja de aves) em razão de uma empresa que não cumpria suas obrigações, bem como colocava seus cooperados/integrados sob seu jugo, a fim de que estes ficassem presos com esta, que não cumpria o avençado" (fl. 204). Em que pesem os argumentos dos recorrentes, não se verifica a ocorrência de dano moral a ser indenizado. Em primeiro lugar, é de se deixar claro que "dívidas", ainda que comprovadamente existentes e decorrentes do comportamento contratual da parte adversa, não são causadoras de danos morais indenizáveis, mas sim de danos materiais.
Por sua vez, o que se observa da narrativa dos insurgentes, é que eles pretendem uma indenização por danos morais decorrentes do inadimplemento contratual, o que foi apenas parcialmente reconhecido, conforme narrado no tópico pertinente. Neste contexto, ainda que os bens imóveis rurais destinados à criação das aves em parceria com a apelada tenham permanecido indisponíveis, em razão das desavenças que deram ensejo ao ajuizamento da presente demanda, tem-se que tal situação configura apenas mero dissabor, mas não dano moral indenizável. Neste sentido é a orientação do eg. Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO DE COMPRA E VENDA - VÍCIOS NA AVENÇA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL - DANO MORAL - NÃO CABIMENTO - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A jurisprudência consolidada nesta Corte Superior permeia-se no sentido de que o mero inadimplemento contratual não se revela suficiente a ensejar dano de ordem moral hábil a perceber indenização, porquanto considerado como hipótese de dissabor do cotidiano, razão pela qual o entendimento perfilhado pela Corte de origem se coaduna com o posicionamento adotado por esta Casa. Incidência da Súmula 83/STJ. Precedentes. AgRg no REsp 1408540, REsp 1129881/RJ, REsp 876.527/RJ,. 2. Ainda assim, a Corte Estadual com base na análise acurada dos autos concluiu que o caso vertente afasta-se de hipótese extraordinária autorizadora à indenização por danos extramateriais, derruir o entendimento exarado implicaria no revolvimento das matéria fática e probatória da demanda, o que incide no óbice da Súmula 7/STJ, em ambas alíneas. 3. Agravo regimental desprovido." (AgRg no AREsp 362.136/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 14/03/2016). Portanto, como se vê, a narrativa dos recorrentes não conduz à conclusão pela reforma da r. sentença neste tópico, por se tratar de mero dissabor por eles experimentado.
Da litigância de má-fé Sustentam os apelantes que a apelada deve ser condenada por litigância de má-fé, por ter praticado atos de procrastinação do feito, além de ter realizado inscrição no Serasa pelos débitos ora discutidos. As hipóteses que configuram litigância de má-fé estão previstas no art. 17 do Código de Processo Civil: "Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; Vl - provocar incidentes manifestamente infundados. VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório." No caso em apreço, ao contrário do que alegam os recorrentes, não se vislumbra a concretização de qualquer uma das possibilidades elencadas nos incisos acima transcritos. Isto porque, o simples fato de ter a parte adversa oferecido reconvenção, ainda que sem êxito, não caracteriza a litigância de má-fé. Ademais, eventual negativação dos nomes dos autores por débitos discutidos neste feito o que não restou sequer demonstrado também não caracteriza litigância de má-fé. Portanto, o pedido de condenação da apelada por litigância de má- fé não encontra guarida.
Dos ônus sucumbenciais Tendo em vista a parcial reforma da r. sentença, os ônus sucumbenciais devem ser redistribuídos. Os ora apelantes, autores da demanda, formularam quatro pedidos na inicial: declaração de rescisão dos contratos, condenação por danos materiais e morais, e exibição de documentos. Destes, lograram êxito na exibição, declaração de rescisão e condenação ao pagamento de danos materiais, estes apenas no que diz respeito ao valor pago a menor por ave, em determinados lotes, o que será apurado em fase de liquidação de sentença. Diante disso, conclui-se que os ônus devem ser redistribuídos na seguinte proporção: 35% (trinta e cinco por cento) a cargo dos autores e 65% (sessenta e cinco por cento) às expensas da requerida, mantendo-se os honorários advocatícios arbitrados pelo Juízo a quo, os quais devem ser compensados, a teor do disposto no art. 21 do CPC/73 e Súmula 306/STJ. Da conclusão Diante do exposto, voto pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, para declarar a rescisão dos contratos de parceria avícola, bem como para condenar a requerida ao pagamento da diferença por ave paga a menor, considerando o valor mínimo de R$ 0,32 (trinta e dois centavos), conforme documento de fl. 132, a ser apurada em liquidação de sentença, acrescida de correção monetária desde a época de cada pagamento a menor e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (art. 405, do Código
Civil), com redistribuição dos ônus da sucumbência. III DECISÃO ACORDAM os Desembargadores da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em conhecer parcialmente do recurso e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator. Presidiu a sessão e julgamento o Desembargador RUY MUGGIATI (com voto), dele participando os Desembargadores FÁBIO HAICK DALLA VECCHIA e LENICE BODSTEIN. Curitiba, 08 de junho de 2016.
RUY MUGGIATI Relator
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