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Certificado digitalmente por: CELSO JAIR MAINARDI APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.298.572-5, DE GUARANIAÇU JUÍZO ÚNICO RELATOR: DESEMBARGADOR CELSO JAIR MAINARDI APELANTE 1: BANCO DO BRASIL S/A APELANTE 2: JOAIR MARCONDES PEREIRA E MARIA MAGALI DAS GRAÇAS RIBEIRO APELADOS: OS MESMOS APELAÇÕES CÍVEIS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JULGAMENTO SIMULTÂNEO COM AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO, REPETIÇÃO E INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO 1 DO BANCO DO BRASIL S/A. PRELIMINAR. CARÊNCIA DE AÇÃO. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATOS EXTINTOS. PREJUDICIAIS DE MÉRITO INVOCADAS NA AÇÃO REVISIONAL. PRAZO DECADENCIAL DO CDC INAPLICÁVEL AO CASO DOS AUTOS. PRESCRIÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO FUNDADA EM DIREITO PESSOAL. PRAZO DECENAL. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MÉRITO. CRÉDITO RURAL. NOVAÇÃO INEXISTENTE. DESVIO DE FINALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO TÍTULO DE NATUREZA RURAL. PROTEÇÃO DO AGRICULTOR. NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DOS ENCARGOS. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. DIREITO À RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. EXECUÇÃO EXTINTA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. RECURSO 2 DE JOAIR MACONDES PEREIRA E OUTRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PLEITO DE MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Está pacificada a possibilidade de revisão de contratos findos, inclusive contratos quitados, por extensão da Súmula 286 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Não se aplica o prazo decadencial do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor se a demanda não versar sobre vícios aparentes ou de fácil constatação, e de forma analógica à ação de prestação de contas, a cobrança abusiva ou ilegal de encargos e taxas não pode ser tida como mero vício de serviço. 3. As ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional, sob a égide do Código Civil de 1.916 era vintenário, e passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2.002. 4. O princípio da força obrigatória dos contratos pacta sunt servanda é mitigado para se coadunar com a sistemática do Código de Defesa do Consumidor, e também para atender a função social dos contratos 5. Incide o Código do Consumidor aos contratos de crédito rural e presume-se a vulnerabilidade do contratante produtor, equiparando-o ao consumidor stricto sensu. 6. Não produz efeito de novação a renegociação de dívida oriunda de cédula rural levada a efeito por meio de emissão de cédula de crédito bancário, se não observada a legislação aplicável ao título de natureza rural, por desvio de finalidade. 7. Pela ausência de específica regulamentação, embora haja lei disciplinando como instrumento as Cédulas de Produto Rural Financeiras, a Lei nº 8.929/94, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Decreto-Lei nº 167/67 e as limitações decorrentes: juros remuneratórios no patamar máximo de 12% ao ano, capitalização de juros restrita ao período semestral, juros moratórios de 1% ao ano e multa moratória de 2% sobre o saldo devedor, com o afastamento da comissão de permanência cobrada em cumulação com outros encargos de mora. 8. Com a cobrança de encargos abusivos no período de normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor, e consequentemente, surge o direito à devolução de valores eventualmente pagos a maior, de forma simples, sem a necessidade de prova do pagamento em erro. 9. O arbitramento de honorários sucumbenciais recursais (NCPC, art. 85, § 11) somente terá lugar quanto aos recursos interpostos contra decisões publicadas a partir de 18/3/2016, data em que o novo Código de Processo Civil ganhou eficácia. Enunciado administrativo número 7 do Pleno do Superior Tribunal de Justiça. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.298.572-5, de Guaraniaçu Juízo Único, em que figuram como Apelantes BANCO DO BRASIL S/A e JOAIR MARCONDES PEREIRA E MARIA MAGALI DAS GRAÇAS RIBEIRO, e os mesmos como Apelados, em julgamento simultâneo com os autos de Apelação Cível nº 1.244.756-0, da mesma comarca. I - RELATÓRIO Extrai-se dos autos o ajuizamento da Ação Ordinária de Revisão e Nulidade de Cédulas de Crédito Rural e Cédulas de Produto Rural Financeira Cumuladas com Repetição e Compensação do Indébito e Declaração de Inexigibilidade e/ou Nulidade do Título, Com Requerimento Parcial de Antecipação dos Efeitos da Tutela e Requerimento Liminar de Exibição Incidental de Documentos nº 0002747-15.2012.8.16.0087, da Comarca de Guaraniaçu, em que JOAIR MARCONDES PEREIRA E MARIA MAGALI DAS GRAÇAS RIBEIRO pedem a revisão de cédula de crédito rural, com declaração de inexigibilidade e nulidade, em face de BANCO DO BRASIL S/A.
O julgamento do caso foi simultâneo com os presentes autos de Embargos de Execução nº 0002304-30.2013.8.16.0087 e ambos foram sentenciados parcialmente procedentes, para: I. Autos de Inexigibilidade etc. nº 0002747- 15.2012.8.16.0087 a) determinar a incidência de capitalização em periodicidade semestral; b) determinar a limitação dos juros remuneratórios à taxa de 12% ao ano, ressalvados os casos de utilização pela instituição financeira em taxa inferior, quando então deve prevalecer esta última; c) determinar a limitação dos juros moratórios à taxa de 1% ao ano; d) determinar a redução da multa moratória para 2% sobre o valor da dívida; e) declarar a abusividade/onerosidade excessiva da cobrança cumulada da comissão de permanência com outros encargos da mora, pelo que afasto a incidência da comissão de permanência, nos casos em que se encontra prevista; f) declarar a descaracterização da mora, determinando seja procedida a retirada definitiva do nome dos autores dos órgãos protetivos de crédito cujos débitos tenham origem nas cédulas de produto rural; g) condenar o requerido à compensação ou simples restituição de valores pagos a maior pelos autores, mediante apuração em liquidação de sentença, acrescidos de correção monetária a partir do efetivo desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.
II. Autos de Embargos à Execução nº 0002304- 30.2013.8.16.0087
a) declarar a nulidade do título executivo (Cédula de Crédito Bancário nº 20/01483-x), por desvio de finalidade, determinando, em consequência, a extinção e arquivamento da Execução de Título Extrajudicial nº 0002811- 25.2012.8.16.0087.
Em ambos os casos, a instituição financeira foi condenada ao pagamento das despesas processuais e, com fulcro no artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil, em honorários advocatícios arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), considerando a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido do profissional. Inconformada com a sentença, a parte vencida BANCO DO BRASIL S/A interpõe recurso de apelação (fls. 968/990-v. dos autos físicos), alegando em preliminar a carência de ação, por falta de interesse processual na revisão de títulos extintos. No mérito, em relação à cédula de crédito bancário declarada nula na sentença, afasta os vícios alegados e alega a regularidade dos encargos cobrados na operação. Afasta a limitação de juros e requer a manutenção da capitalização, invocando as Medidas Provisórias nº 1.963-17/2000 e 2.170-36- 2001, e ressalta a capitalização anual prevista na Lei de Usura. Ainda, afirma que não foi cobrada comissão de permanência e que é possível sua cumulação com outros encargos de mora. Afasta a descaracterização da mora e a ilegalidade das cláusulas de encargos moratórios, pois livremente pactuadas, afirma a possibilidade de compensação de valores, e ao final, impugna o direito à restituição de valores. Recebido o recurso, a parte embargante apresentou contrarrazões (fls. 1.006/1.208-v.), pleiteando o não conhecimento do recurso interposto pelo banco e, em caso contrário, o seu não provimento, com a manutenção da sentença. Da mesma forma, a parte autora JOAIR MARCONDES PEREIRA E OUTRO interpõe recurso de apelação, nestes autos de embargos de forma adesiva (fls. 1.030-v./1.044), pois apresentou o mesmo recurso nos autos de ação revisional, pleiteando a majoração dos honorários advocatícios para o percentual mínimo de 5% do valor atualizado da causa, correspondentes a R$ 33.991,73 (trinta e três mil, novecentos e noventa e um reais), ou qualquer valor
maior que o determinado na sentença, mas em conformidade com o artigo 20, §3°, alíneas a, b e c, e §4°, do [anterior] Código de Processo Civil. A instituição financeira apresentou contrarrazões (fls. 1.054- v./1.058-v.), manifestando-se pelo não provimento do recurso interposto pela parte autora. É a breve exposição. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo), e também os extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço dos recursos. O caso dos autos envolve uma ação ordinária de revisão e nulidade, com pedido de repetição de indébito, em trâmite conjunto com ação de embargos à execução, ajuizadas por JOAIR MARCONDES FERREIRA e MARIA MAGALI DAS GRAÇAS RIBEIRO, agricultores com atuação no Município de Guaraniaçu (Paraná), em face de BANCO DO BRASIL S/A, instituição financeira. Em breve síntese, a contenda entre as partes surgiu a partir de diversos contratos denominados Cédula de Produtor Rural Financeira, que de acordo com a parte executada compreendem o período de 2001 a 2012 (cf. a inicial de embargos à fl. 9/v. dos autos físicos), posteriormente reunidos e novados em um único título denominado Cédula de Crédito Bancário, único objeto da execução de título extrajudicial ajuizada pela instituição financeira. Julgados parcialmente favoráveis os feitos, com a sucumbência mínima dos agricultores, interpõem recurso de apelação ambas as partes: a vencedora, pleiteando a majoração dos honorários advocatícios; a vencida, a
reforma da sentença de julgamento simultâneo das causas. Ressalto, apesar da breve diferença entre os recursos interpostos pela instituição financeira, da mesma forma adotada pela sentença, em especial porque a ação revisional é mais ampla que a de embargos e prejudica o presente julgamento, que todo o caso será analisado em conjunto, para ambos os autos nº 0002747-15.2012.8.16.0087 (revisional) e 0002304-30.2013.8.16.0087 (embargos). 1. DO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO POR BANCO DO BRASIL S/A Neste recurso de apelação, interposto pela instituição financeira, a parte requer o enfrentamento, em preliminar, de carência de ação, por falta de interesse processual na revisão de títulos extintos. Nos autos de ação revisional, a casa bancária invocou prejudiciais de mérito, requerendo a aplicação do prazo decadencial do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, além de prazos de prescrição, trienal para a cobrança de qualquer crédito e quinquenal dos juros e prestação acessórias. Da mesma forma, discutindo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, pediu a incidência do prazo de cinco anos previsto no artigo 27 da lei consumerista. No mérito, nestes autos de embargos, o banco pede a manutenção da cédula de crédito bancário a aplicação da Lei nº 10.931/2004 e dos encargos pactuados. Nos autos de ação revisional, afasta o desvio de finalidade e a nulidade da cédula de crédito bancário e requer a inaplicabilidade do Decreto-Lei 167/1967 para o caso dos autos, além de outras normas da espécie, requerendo a higidez do título e de seus encargos, impugnando ao final a pleiteada restituição e a inversão do ônus da prova. 1.1. Preliminar carência de ação falta de interesse processual
No primeiro ponto do recurso, em preliminar, alega a instituição financeira a falta de interesse processual na revisão de títulos extintos, pretendendo assim a extinção da demanda revisional por carência de ação. Contudo, está pacificada na Corte Superior a "possibilidade de revisão de contratos findos, inclusive contratos quitados, por extensão da Súmula 286/STJ" (STJ, AgRg no REsp 1566146/ES, julgado em 18/02/2016), bem como que "é possível revisar os contratos firmados com a instituição financeira, desde a origem, para afastar eventuais ilegalidades, independentemente de quitação ou novação" (STJ, REsp 493.429/RS, julgado em 20/05/2010). Portanto, sem a necessidade de extensa argumentação, está superada a preliminar invocada. 1.2. Prejudiciais de mérito decadência e prescrição Da mesma forma, no segundo ponto do recurso, as prejudiciais de mérito, não há controvérsia. É certo que o prazo decadencial previsto no artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor não é aplicável ao caso autos, especialmente porque a demanda não versa sobre vícios aparentes ou de fácil constatação, e de forma analógica à ação de prestação de contas1, a cobrança abusiva ou ilegal de encargos e taxas não pode ser tida como mero vício de serviço. Ainda, quanto à prescrição, está bem firmado na jurisprudência que "as ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional, sob a égide do Código Civil de 1.916 era vintenário, e passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2.002." (STJ, REsp 1326445/PR). Destaco o citado voto da Corte Superior, no qual foi estabelecida a natureza de direito obrigacional da ação ajuizada pelos recorridos, pois o fundamento é o equilíbrio econômico-financeiro na relação contratual,
derivado da relação contratual estabelecida entre as partes, portanto, de natureza pessoal. Na lição de Arnaldo Rizzardo, o direito pessoal deriva de "relação firmada entre o sujeito ativo e o sujeito passivo aquele pode exigir, o último deve cumprir", realizando-se "na conduta dos indivíduos envolvidos no vínculo contratual" (Direito das obrigações, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 73). O mesmo julgado destacou que, ainda na vigência do Código Civil de 1916, Serpa Lopes anotava que as ações pessoais "são, em regra, dirigidas contra pessoas determinadas, por isso se baseiam numa relação creditória, vinculando o devedor ao credor" destacando que "para toda essa classe de ações decorrentes de um direito pessoal, o prazo comum é o de vinte anos [do artigo 177]" (Curso de direito civil, 9ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 592). Sendo assim, o prazo prescricional inicialmente aplicável à relação jurídica mantida entre os agricultores e a instituição financeira é o do artigo 177, primeira parte, do mesmo Diploma Legal, dispondo que "as ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 anos". Nesse ponto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que as ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional, sob a égide do Código Civil de 1.916 era vintenário, e passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2.002. Os precedentes nesse sentido são inúmeros. Ademais, o direito de ação poderia ter sido exercido desde o momento em que o contrato foi firmado, pois o que se discute são as cláusulas contratuais. Ao contrário do que ocorre na ação de execução de cédula de crédito, em que a pretensão só nasce com o descumprimento do contrato pelo devedor o que acontece apenas a partir da data do vencimento do título aqui a pretensão se refere às cláusulas contratuais, que podem ser discutidas desde a assinatura do contrato.
Na hipótese, por força do artigo 2.028 do novo Código Civil, aplica-se o prazo de dez anos de prescrição, tendo em vista que os mais antigos títulos discutidos nestes autos são do ano de 2001 e 2002 e, contados os dez anos a partir do início da vigência do novo Código Civil, com o ajuizamento da ação em 12 de dezembro de 2012, resta certo que a prejudicial de mérito encontra-se superada. 1.2.1. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e prescrição quinquenal Finalmente, antes de analisar o mérito do recurso, é necessário confirmar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso dos autos. De fato, não apenas a questão já está pacificada na jurisprudência2, mas aplica-se aos presentes autos a denominada preclusão pro judicato, que impede o juiz de novamente decidir as questões já decididas, relativas à mesma lide. Nos presentes autos, a questão foi decidida no Agravo de Agravo de Instrumento nº 1.103.811-83, em que determinou-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a inversão do ônus probatório. A decisão monocrática foi mantida no Agravo Interno nº 1.103.811-8/014 e foram negados efeitos infringentes aos Embargos de Declaração nº 1.103.811-8/025. Portanto, a questão está preclusa. 1.3. Mérito No mérito, pela ordem necessária ao julgamento simultâneo das causas, tenha-se que a controvérsia principal a ser dirimida está na ocorrência de desvio de finalidade da cédula de crédito bancário e sua higidez como título
executivo, pois trata-se do objeto principal da ação executiva e da verdadeira origem de toda a discussão dos embargos à execução e da ação ordinária.
Com efeito, para resolver a questão, ressalte-se o entendimento segundo o qual a atividade bancária deve ser submetida às normas consumeristas, mesmo que envolva pessoa jurídica, em justa interpretação com o que se entende pela função social do contrato e sua justaposição com a vontade das partes, tendo em vista a natural discrepância entre os clientes das instituições bancárias e os próprios bancos.
A respeito da questão contratual aventada, Cláudia Lima Marques leciona: "A vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juízes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária do direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maior pelos interesses sociais envolvidos, pelas expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados." (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª ed., Ed. RT, p. 227).
A explicação está na espécie de adesão dos contratos firmados entre a instituição financeira e seus clientes, ou seja, na forma de elaboração unilateral das cláusulas por um dos contratantes, com a limitação da parte aderente à concordância ou não com as condições que lhe são postas. Ademais, os contratos firmados entre as partes estão submetidos à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, conforme o entendimento jurisprudencial já pacificado, especialmente a partir da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça.
Dessa forma, o princípio da força obrigatória dos contratos pacta sunt servanda é mitigado para se coadunar com a sistemática do Código de Defesa do Consumidor, e também para atender a função social dos contratos, agora expressamente prevista no artigo 421 do Código Civil: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". Ressalte-se que, nas relações consumeristas, a possibilidade de revisão do contrato não se limita apenas às hipóteses de fatos imprevisíveis que acarretem o desequilíbrio contratual, mas também quando houver previsão de cláusulas abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, conforme o preceito do artigo 6º, inciso VI, e artigo 51, inciso IV, do CDC.
Sendo assim, a revisão das cláusulas contratuais, ou mesmo verificação de que elas não foram atendidas, não atenta contra os princípios da probidade e boa-fé objetiva que regem as relações contratuais, especialmente quando na revisão se almeja justamente o equilíbrio contratual. Aliás, em recente julgado no Superior Tribunal de Justiça, afirmou-se que "é torrencial a jurisprudência do STJ reconhecendo a incidência do Código do Consumidor nos contratos de cédula de crédito rural", e "mesmo que o financiamento por meio de cédula de crédito rural se destine ao desenvolvimento da atividade rural, há, em regra, presunção de vulnerabilidade do contratante produtor, equiparando-o ao consumidor stricto sensu, dando-se prevalência à destinação fática para fins de qualificação do consumidor" (STJ, REsp 1166054/RN, julgado em 28/04/2015).
Nessa ordem de fatos, também para resolver a questão principal dos autos, apesar de reconhecer o esforço da instituição financeira em suas razões, é inegável que o direito aqui discutido envolve crédito rural em sentido amplo, tal como definido na Lei nº 4.829/19656, que institucionalizou o crédito rural, a partir do instrumento formal concebido por meio da Lei nº 8.929/1994, com as modificações da Lei nº 10.200/2001, que criou a cédula de produto rural financeira. A simples análise dos documentos que instruem os autos não deixa dúvidas. Tenha-se para tanto as próprias cédulas de produto rural financeira juntadas aos autos (p. 752/755, 852/853, 854/855, 859/860, 861/863, 873/874, 875/876, 877/878, 879/880, 881/882, 883/884, 885/886, 887/888, 889/891, 892/894, 895/897, 898/900, 901,
902/904, 905/907, 908/910, 911/913, 914/916, 917/919, 920/922, 923/925, 926/928, 929/931, 932/934, 935/937, 938/940, 941/943, 944/946, 947/949, 950/952, 953/954, 955/956, 957/959 e 960/962) e a cédula de crédito bancário objeto da execução (p. 54/59 dos autos digitalizados), que indicou expressamente a novação de anterior crédito decorrente de cédula de produto rural financeira.
Ora, a cédula de produto rural é instrumento criado pela Lei nº 8.929/94, portanto, é mais um tipo de cédula existente no direito brasileiro. De forma mais específica, a cédula de produto rural é um título declaratório, emitido pelo produtor rural, no qual ele se compromete a entregar determinado produto, especificando quantidade, qualidade e preço ou o correspondente em dinheiro. Qualquer produto agropecuário in natura, beneficiado ou industrializado, que tenha sido produzido por produtor rural, associação ou cooperativa, pode se transformar em uma cédula de produto rural. Sendo assim, a cédula de produto rural é um instrumento com grande vantagem para o produtor rural que emite o título, pois negocia uma mercadoria hoje para entregá-la ou fazer a sua liquidação financeira na safra seguinte. O grande fator que a diferencia das demais é que, ao invés de configurar um compromisso de pagamento de dinheiro, representa uma entrega de produto rural, ao menos na modalidade original, já que a cédula de produto rural financeira se aproxima das demais cédulas de crédito.
Em outros termos, a cédula de produto rural financeira possui as mesmas características da cédula de produto rural original, porém sua liquidação será em dinheiro e não em produtos rurais. Naturalmente, esse é o negócio jurídico mais vantajoso para a instituição financeira, que no caso dos autos, a partir da breve análise das inúmeras cédulas emitidas pelos agricultores, costumeiramente financiava a produção de boi gordo, com liquidação financeira calculada em percentual da safra ou preço por quilo, mantendo-se assim a natureza jurídica do negócio vinculada a um empréstimo bancário, com a finalidade de aplicação em uma exploração rural, sem desvirtuar a verdadeira condição de validade e de existência desse específico título de crédito.
Em contrapartida, e aqui encontra-se o desvio de finalidade, as inúmeras cédulas de produto rural financeira costumeiramente emitidas pelos agricultores foram transfiguradas em cédula de crédito bancário7, na qualidade de renegociação de dívida e novação de anterior cédula de produto rural financeira, representando não mais um preço ou percentual vinculado à safra, mas parcelas de empréstimo, com encargos mensais e anuais, a configurar a nítida intenção de afastar as regras do direito agrário. Portanto, inverteu-se a ordem de proteção, não mais do agricultor, mas do crédito conferido pela instituição financeira, por meio de uma modalidade indireta de quitação, que produz o mesmo efeito do pagamento, embora efetivamente para o devedor não tenha havido a real redução do seu passivo. Informalmente descrito na sentença como mata-mata8, trata-se em tese de uma forma de novação, já que o novo título cria uma obrigação nova, com as mesmas características, e extingue a anterior.
Isso posto, nos mesmo termos da sentença, destaque-se que não é nula, por desvio de finalidade, cédula de crédito rural firmada em renovação de crédito da mesma natureza (STJ, REsp n. 35.132-0/RS); tampouco a renegociação de dívida, ou a pura e simples destinação do numerário para a quitação de outros débitos existentes, enseja a nulidade da cédula de produto rural ou indica desvio de finalidade, se permanecer o objetivo central, que é o de fomentar a atividade rural.
Por outro lado, e este é o ponto central de toda a controvérsia, a novação de dívida decorrente de crédito rural, por suas peculiaridades e limitações, ainda que formalizada por meio de cédula de crédito bancário, deve respeitar a natureza jurídica própria do crédito rural e todas as limitações decorrentes, para não impor ao agricultor excessiva onerosidade incompatível com a atividade desenvolvida pelo emitente. Ora, sendo crédito rural, ao contrário do que alega a instituição financeira, por meio de imposição legal, não há como afastar os
objetivos específicos do crédito rural9, tampouco a regulamentação do crédito rural pelo Conselho Monetário Nacional10.
Saliente-se que não há na sentença negativa à possibilidade de livre contratação de empréstimo, por trabalhadores rurais, mediante cédula de crédito bancário, "tanto em razão do princípio da autonomia da vontade quanto pela absoluta ausência de imposição legal no sentido de que os créditos concedidos a agricultores e pecuaristas devam, necessariamente, assumir a forma de crédito rural" (p. 1.027). O caso trata, na realidade, de acesso do produtor rural aos recursos de mercado pelo menor custo, como impõe a lei, e nos termos da sentença, "não pode a instituição bancária, a fim de eliminar as barreiras impostas à exploração da concessão de crédito rural, como a limitação das taxas de juros remuneratórios e moratórios, simplesmente transvestir a renegociação de dívida rural em cédula de crédito bancário, ignorando a origem do débito" (p. 1.028).
E sendo assim, não produz efeito de novação a renegociação de dívida oriunda de cédula de produto rural levada a efeito por meio de emissão de cédula de crédito bancário, se não observada a legislação aplicável ao título de natureza rural, por desvio de finalidade, como já decidido neste Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. 1. AGRAVO RETIDO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 10.931/2004 NÃO VERIFICADA. INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 758142-4/01. 2. CÉDULA DE CRÉDITO. OPERAÇÃO MATA-MATA. MÚTUO CONTRATADO PARA COBERTURA DE SALDO DEVEDOR ORIGINADO DE OUTROS CONTRATOS. RENEGOCIAÇÃO QUE NÃO IMPEDE A DISCUSSÃO SOBRE EVENTUAIS ILEGALIDADES NOS CONTRATOS ANTERIORES.INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 286 DO STJ. 3. NATUREZA RURAL DA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 167/67 SOB PENA DE DESVIO DE FINALIDADE. 4. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.SUBSTITUIÇÃO DO CDI PELO INPC. MANTIDA. 5. COBRANÇA E DUPLICIDADE DOS ENCARGOS MORATÓRIOS. LAUDO PERICIAL QUE NEGA A COBRANÇA DE MULTA EM DUPLICIDADE. 6. PREVISÃO EM CONTRATO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E DE TARIFA DE DESPESAS JUDICIAIS.ILEGALIDADE. 7. READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA.AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO 01 PARCIALMENTE PROVIDO E DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADOS. RECURSO DE APELAÇÃO 02 PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Incorreta a alegação de inconstitucionalidade da Lei 10.931/2004, a qual trata do mercado imobiliário, pois seu objeto, embora amplo, foi devidamente delimitado, em observância ao artigo 18 da Lei Complementar 95/98. 2. Os contratos que deram origem ao débito executado também comportam revisão haja vista estar presente na Cédula de Crédito Bancário a finalidade de renegociação da dívida anterior, por isso, aplica-se o entendimento assente na jurisprudência acerca da possibilidade de revisão de contratos findos independentemente de quitação ou novação, aplicando-se a Súmula 286 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Embora possível a confissão da dívida de natureza rural por meio da cédula de crédito bancário, mister se faz observar a legislação rural quanto à incidência dos encargos. 4. É pacífico o entendimento de que os Certificados de Depósito Interbancário (CDIs) são títulos emitidos pelas instituições financeiras e que lastreiam as operações do mercado interbancário, representando operações creditícias entre tais entidades do mercado financeiro. Dessa forma, a taxa dessas negociações, além de correção monetária, compreende a remuneração do capital, de modo que o CDI não se presta ao papel de unicamente corrigir a desvalorização da moeda, justamente porque engloba juros. (TJPR - 16ª C.Cível - AC - 1508316-6 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Regional de Mandaguaçu - Rel.: LUCIANO CAMPOS DE ALBUQUERQUE - Unânime - - J. 25.05.2016)
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA RURAL. NOVAÇÃO. INEXISTÊNCIA. REVISÃO DOS CONTRATOS ANTERIORES. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. TÍTULO EXECUTIVO. PRESENÇA DOS REQUISITOS. EXCESSO DE EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE MEMÓRIA DE CÁLCULO.ART. 739-A, § 5º, DO CPC.1. Não produz efeito de novação a renegociação de dívida oriunda de cédula rural levada a efeito por meio de emissão de cédula de crédito bancário, se inobservada a legislação aplicável ao título de natureza rural, por desvio de finalidade. 2. A despeito de ser possível a discussão de contratos anteriores em embargos à execução, é inviável tal proceder se baseado em meras alegações genéricas sobre supostas irregularidades na composição do saldo devedor para a qual teria servido a emissão da cédula. 3. Se o fundamento dos embargos consiste no excesso de execução, é imprescindível, sob pena de rejeição liminar ou não conhecimento do fundamento, que o embargante declare, na inicial, o valor que entende correto, apresentando a devida memória de cálculo a fim de ser confrontado com o demonstrativo feito pelo credor. Inteligência do art. 739-A, § 5º, do CPC. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 15ª C.Cível - AC - 1376963-4 - Imbituva - Rel.: Hayton Lee Swain Filho - Unânime - - J. 10.06.2015) Ademais, com a anulação da cédula de crédito bancário por desvio de finalidade, além da perda de executividade do próprio título, o efeito do seu desfazimento será o restabelecimento da primitiva, posto que a extinção se funda na criação da nova, e, desfeita, por defeito de formação, a anterior não desaparece, pois a anulação faz cessar os efeitos do ato e devolve ao credor o vínculo preexistente, restaurado, permanecendo ao credor a possibilidade de cobrança de qualquer valor devidamente concedido, ainda que por outros meios.
Dessa forma, em decorrência das limitações intrínsecas ao crédito rural, a onerosidade excessiva, tal como declarada na sentença, no caso dos autos, não depende de extensa verificação além da breve análise da cédula em discussão, até porque a consequência, em relação às cédulas de produto rural indicadas na petição inicial, foi a simples adequação dos encargos principais aos limiares do crédito rural, tais como juros remuneratórios no patamar máximo de 12% ao ano (a partir do Decreto n.º 22.626/33), capitalização de juros restrita ao período semestral (diante da ausência de contratação), juros moratórios de 1% ao ano (conforme o artigo 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei n º 167/67) e multa moratória de 2% sobre o saldo devedor (observado o disposto no artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor), sem comissão de permanência.
Por certo, com a ausência de específica regulamentação, embora haja lei específica disciplinando como instrumento as Cédulas de Produto Rural Financeiras, a Lei nº 8.929/94, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Decreto-Lei nº 167/67, destinado à regulamentação dos títulos de crédito rural, que dispõe de forma ampla acerca desse tipo de financiamento. Aliás, em manifestações desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CÉDULA DE PRODUTO RURAL FINANCEIRA. RECURSO DE APELAÇÃO 01 - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICABILIDADE - MULTA MORATÓRIA LIMITADA EM 2% - JUROS MORATÓRIOS LIMITADO A 1% AO ANO - MANUTENÇÃO - ARTIGO 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI 167/67 - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. RECURSO DE APELAÇÃO 02 - CÉDULA DE PRODUTO RURAL COM LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - ADEQUAÇÃO DE VIA ELEITA - ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA AFASTADA - BEM DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA QUE BENEFICIOU ENTIDADE FAMILIAR - ARTIGO 3º, INCISO V, DA LEI 8.009/90.RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. (TJPR - 16ª C.Cível - AC - 1349462-5 - Cascavel - Rel.: Maria Mercis Gomes Aniceto - Unânime - - J. 03.06.2015)
"Apesar da cédula de produto rural possuir legislação específica, a Lei 8.929/1994 restou omissa em alguns aspectos, e assim, a fim de suprir referidas omissões, a jurisprudência firmou o entendimento no sentido de aplicar- se o Decreto-lei 167/67, no tocante aos assuntos não disciplinados pela lei específica, como ocorre no presente caso." (TJPR - 13ª C.Cível - AC - 1135563-4 - Clevelândia - Rel.: Luís Carlos Xavier - Unânime - - J. 07.03.2014)
Dessa forma, por omissão específica de regulamentação, incidem as limitações decorrentes de sua aplicação, já elencadas neste voto: juros remuneratórios no patamar máximo de 12% ao ano, capitalização de juros restrita ao período semestral, juros moratórios de 1% ao ano e multa moratória de 2% sobre o saldo devedor, com o afastamento da comissão de permanência cobrada em cumulação com outros encargos de mora. Sobre esses pontos, a jurisprudência: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 NÃO CONFIGURADA.
EMBARGOS OPOSTOS COM O INTUITO DE ACLARAR E PREQUESTIONAR A MATÉRIA RECURSAL. APLICAÇÃO DE MULTA. AFASTAMENTO. SÚMULA 98/STJ. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS NORMAS FEDERAIS VIOLADAS. APLICAÇÃO DO ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. SÚMULA 126/STF. IMPENHORABILIDADE DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR. VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS. REEXAME DE PROVA. DESCABIMENTO. SÚMULA STJ/7. JUROS REMUNERATÓRIOS. CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL, COMERCIAL E INDUSTRIAL. CAPITALIZAÇÃO SEMESTRAL DOS JUROS. POSSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DO CMN. LIMITAÇÃO. 12% AO ANO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1550258/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 17/12/2015)
CRÉDITO RURAL. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. ELEVAÇÃO DA TAXA DE JUROS EM CASO DE INADIMPLÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA NO MÊS DE MARÇO/90. TAXA DIVULGADA PELA ANBID OU CETIP. DESVIO DE FINALIDADE DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PRECEDENTES DA CORTE. 1. Não viola norma do Código de Processo Civil o Acórdão que indefere pretensão do recorrente à luz dos elementos de conviçção postos nos autos e da legislação pertinente, mormente quando essa questão tenha sido objeto da contestação e do recurso de apelação. 2. O Decreto-lei nº 167/67, art. 5º, posterior à Lei nº 4.595/64 e específica para as cédulas de crédito rural, confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano prevista na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), não alcançando a cédula de crédito rural o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 596 - STF (REsp nº 111.881). 3. O art. 5º, parágrafo único, do Decreto-lei nº 167/67 permite que na cédula de crédito rural sejam fixados juros de mora, em caso de inadimplemento, equivalentes a até 1% ao ano, conforme jurisprudência pacífica da Corte. [...] (REsp 132.730/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/1998, DJ 24/08/1998, p. 73)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL (CPR). LEI N. 8.929/94. COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL. APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MULTA MORATÓRIA. REDUÇÃO PARA 2%. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 285/STJ. 1. À míngua de indicação pela embargante de ocorrência de qualquer hipótese prevista no art. 535 do CPC e em homenagem aos princípios da economia processual e da fungibilidade, recebo os presentes embargos de declaração como agravo regimental. 2. A emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) tem por finalidade a captação, pelo cooperado, de recursos financeiros junto à cooperativa, comprometendo-se aquele a entregar, em quitação, o produto. 3. Assim, "equiparando-se a atividade da Cooperativa àquelas típicas das instituições financeiras, aplicáveis são as regras do CDC, a teor do enunciado sumular n. 297/STJ" (AgRg no Ag 1.088.329/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 05/06/2012, DJe 19/06/2012). 4. A cobrança da multa moratória na alíquota de 10% só poderá ser mantida para contratos firmados antes da vigência da Lei 9.298/96, que alterou o Código de Defesa do Consumidor, merecendo, no caso dos autos, ser confirmada a redução para 2%. Inteligência da Súmula 285/STJ. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento. (EDcl no Ag 1247165/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 03/04/2013)
"No que se refere à comissão de permanência, já admitiu esta Corte a legalidade de sua cobrança em caso de inadimplemento, à taxa de mercado, desde que (i) pactuada, (ii) cobrada de forma exclusiva - ou seja, não cumulada com outros encargos moratórios, remuneratórios ou correção monetária - e (iii) que não supere a soma dos seguintes encargos: taxa de juros remuneratórios pactuada para a vigência do contrato; juros de mora; e multa contratual (REsp nº 834.968/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJ de 7.5.07)." (AgRg no AREsp 538.117/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014) Finalmente, com a cobrança de encargos abusivos no período de normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor11, e consequentemente, surge o direito à devolução de valores eventualmente pagos a
maior pelos agricultores, de forma simples, a serem apurados em liquidação de sentença, sem a necessidade de prova do pagamento em erro. Incide no caso a dicção da Súmula 322 do Superior Tribunal de Justiça: "para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro" e o entendimento no sentido de que "é firme a orientação jurisprudencial do STJ em admitir a compensação de valores e a repetição do indébito na forma simples, sempre que constatada cobrança indevida do encargo exigido, sem ser preciso comprovar erro no pagamento" (STJ, AgRg no AREsp 84.842/RS).
Nessa ordem de fatos, demonstrado o desvio de finalidade do título, eis que a cédula de crédito bancário foi emitida com a finalidade de afastar as regras de proteção e impor encargos inaplicáveis ao crédito rural de origem, o título executado não apresenta os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade, perdendo assim sua executividade, e não há erro na declaração de nulidade do título executivo (Cédula de Crédito Bancário nº 20/01483-x), com a consequente extinção da Execução de Título Extrajudicial nº 0002811-25.2012.8.16.0087, tal como consta no dispositivo do julgado. Sendo assim, pelo exposto, mantida a sentença por todos os seus fundamentos, o voto é para negar provimento ao recurso. 2. DO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO POR JOAIR MARCONDES PEREIRA E OUTRO Neste recurso de apelação, pede a parte embargante e autora da ação revisional a majoração dos honorários advocatícios para o percentual mínimo de 5% do valor atualizado da causa, correspondentes a R$ 33.991,73 (trinta e três mil, novecentos e noventa e um reais), ou qualquer valor maior que o determinado na sentença, em conformidade com o artigo 20, §3°, alíneas a, b e c, e §4°, do [anterior] Código de Processo Civil.
No presente momento, ressalte-se a inaplicabilidade ao caso dos autos das disposições do novo Código de Processo Civil, tal como se interpretou o direito intertemporal concernente à questão. Em breve síntese, somente nos
recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do novo Código de Processo Civil. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARA FINS DE ESCLARECIMENTOS, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. 1. O Pleno deste Superior Tribunal de Justiça elaborou enunciados administrativos relativos ao Código de Processo Civil de 2015, com o intuito de orientar a comunidade jurídica acerca das questões de direito intertemporal, referentes à norma vigente aplicável a cada caso. 2. Concernente aos honorários advocatícios, conforme o Enunciado Administrativo n. 7 deste Superior Tribunal de Justiça, somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do novo Código de Processo Civil. 3. Acolho os embargos de declaração apenas para fins de esclarecimentos, sem efeitos modificativos. (EDcl no AgRg no AREsp 489.160/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 17/06/2016)
Ação cautelar de exibição de documentos. 1. Condenação do requerido ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios - Possibilidade - Ônus sucumbencial que deve recair sobre a parte que deu causa ao ajuizamento da demanda, no caso o requerido - Pretensão resistida na via administrativa - Documentos, ademais, que só foram apresentados judicialmente depois de manifestada resistência à pretensão exibitória. 2. Sucumbência recursal - Honorários advocatícios - Novo CPC (NCPC), art. 85, § 11 - Direito intertemporal - Aplicação somente aos recursos interpostos contra decisões publicadas a partir de 18/3/2016, data em que o NCPC (Lei n.º 13.105, de 2015) passou a ter eficácia - STJ, enunciado administrativo 7. 2.1. O arbitramento de honorários sucumbenciais recursais (NCPC, art. 85, § 11) somente terá lugar quanto aos recursos interpostos contra decisões publicadas a partir de 18/3/2016, data em que o novo Código de Processo Civil ganhou eficácia. 3. Recurso provido. (TJPR - 14ª C.Cível - AC - 1523679-4 - Curitiba - Rel.: Rabello Filho - Unânime - - J. 15.06.2016)
Na sentença, ante a sucumbência mínima dos embargantes, a parte embargada foi condenada ao pagamento das despesas processuais e, com fulcro no artigo 20, § 4º, do anterior Código de Processo Civil, de honorários advocatícios arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), considerando a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido do profissional (p. 1.011).
Por outro lado, na inicial, muito embora o valor da causa seja de R$ 679.834,75 (seiscentos e setenta e nove mil, oitocentos e trinta e quatro reais e setenta e cinco centavos), correspondente ao valor do contrato, o proveito econômico, no caso dos autos, não é facilmente estimável, pois não possui expressão econômica imediata e quantificável, e portanto os honorários advocatícios devem ser estabelecidos conforme apreciação equitativa do Magistrado, que deve considerar o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo Advogado e o tempo exigido para o exercício de seu mister, conforme o artigo 20, §§ 3º e 4º, do anterior Código de Processo Civil.
No presente caso, uma vez que o magistrado fundamentou sua decisão nesses requisitos para a fixação do quantum a título de verba honorária, atendeu para que os honorários não fossem fixados em valores aviltantes para a profissão do advogado ou irrisórios em relação ao valor da causa, mas que também não sejam desmedidamente pesados para a parte sucumbente. A respeito do tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª edição, 2006, p. 193, nota 18: "Critérios para fixação dos honorários. São objetivos e devem ser sopesados pelo juiz na ocasião da fixação dos honorários. A dedicação do advogado, a competência com que conduziu os interesses de seu cliente, o fato de defender seu constituinte em comarca onde não resida, os níveis de honorários na comarca onde se processa a ação, são circunstâncias que devem ser
necessariamente levadas em conta pelo juiz quando da fixação dos honorários de advogado. O magistrado deve fundamentar sua decisão, dando as razões pelas quais está dotando aquele percentual na fixação da verba honorária". Enfim, considerando-se a natureza do feito, o grau de complexidade na matéria, o período de tramitação do processo, o trabalho desenvolvido, conclui-se que a condenação ao pagamento de honorários advocatícios pode ser majorada para R$ 10.000,00 (dez mil reais), por envolver questões de direito, a maior parte pacificadas na jurisprudência, e assim atender aos critérios equitativos dados pelo artigo 20 do anterior Código de Processo Civil. Sendo assim, pelo exposto, igualmente mantida a sentença por todos os seus fundamentos, o voto é para dar provimento ao recurso.
III - DECISÃO
Diante do exposto, ACORDAM os Magistrados da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso interposto pelo BANCO DO BRASIL S/A e dar provimento ao recurso interposto por JOAIR MARCONDES PEREIRA E MARIA MAGALI DAS GRAÇAS RIBEIRO.
Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Desembargador Relator, a Excelentíssima Desembargadora ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES e o Excelentíssimo Juiz Substituto em Segundo Grau MAGNUS VENICIUS ROX.
Curitiba, 13 de julho de 2016.
-- 1 A decadência do art. 26 do CDC não é aplicável à prestação de contas para obter esclarecimentos sobre cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários. (Súmula 477, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 19/06/2012) -- 2 O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. (Superior Tribunal de Justiça, Súmula 297, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/2004, DJ 09/09/2004, p. 149) 3 Cópia às p. 1.135/1.150 dos autos de Apelação Cível nº 1.244.756-0 digitalizados. 4 P. 1.151/1.157. 5 P. 1.159/ -- 6 LEI Nº 4.829, DE 5 DE NOVEMBRO DE 1965. Art. 2º. Considera-se crédito rural o suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou a suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos objetivos indicados na legislação em vigor. -- 7 Cédula de Crédito Bancário nº 20/01483-X, cópia às p. 54/59 dos autos digitalizados. 8 Conforme a fundamentação da sentença à p. 1.025 dos autos digitalizados. -- 9 LEI Nº 4.829, DE 5 DE NOVEMBRO DE 1965. Art. 3º São objetivos específicos do crédito rural: I - estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários; III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; IV - incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo. 10 LEI Nº 4.829, DE 5 DE NOVEMBRO DE 1965. Art. 4º O Conselho Monetário Nacional, de acordo com as atribuições estabelecidas na Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, disciplinará o crédito rural do País e estabelecerá, com exclusividade, normas operativas traduzidas nos seguintes tópicos: I - avaliação, origem e dotação dos recursos a serem aplicados no crédito rural; II - diretrizes e instruções relacionadas com a aplicação e controle do crédito rural; III - critérios seletivos e de prioridade para a distribuição do crédito rural; IV - fixação e ampliação dos programas de crédito rural, abrangendo todas as formas de suplementação de recursos, inclusive refinanciamento. Art. 5º O cumprimento das deliberações do Conselho Monetário Nacional, aplicáveis ao crédito rural, será dirigido, coordenado e fiscalizado pelo Banco Central da República do Brasil. -- 11 O entendimento está pacificado no Superior Tribunal de Justiça: "A Segunda Seção, quando do julgamento de recurso especial representativo da controvérsia (artigo 543-C do CPC), assentou, outrossim, que: (i) `o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora'; e (ii) `não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual'" (REsp 1.061.530/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22.10.2008, DJe 10.03.2009).
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