Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.Recomenda-se acessar o PDF assinado.
Certificado digitalmente por: ROGERIO RIBAS APELAÇÃO CÍVEL N.º 1.527.612-5, DA VARA DE FAMÍLIA E ANEXOS DA COMARCA DE UNIÃO DA VITÓRIA.(0010049-23.2015.8.16.0174) APELANTE: ESTADO DO PARANÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ INTERESSADO: DEIVID MATEUS PEREIRA RELATOR: JUIZ ROGÉRIO RIBAS, SUBST. DE 2.º GRAU (EM SUBST. AO DES. XISTO PEREIRA) 1)- AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Direito à saúde. Necessidade do medicamento "RITALINA 30MG" para paciente carente de 12 anos portador de "TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO / HIPERATIVIDADE (TDAH)" (CID F 90.9). Sentença de procedência. 2)- APELAÇÃO CÍVEL (ESTADO DO PARANÁ). MÉRITO. Comprovação suficiente da necessidade do tratamento por declaração médica. Vida e saúde. Direitos fundamentais indisponíveis e corolários de todos os demais direitos. Dever do estado (considerado em seu gênero) em prover tais direitos, conforme previsto nos arts. 6° e 196 da CF/88. Falta de eficácia do medicamento. Não acolhimento. Alegação de inobservância dos Protocolos Clínicos do Sistema Único de Saúde e das políticas públicas de saúde. Não acolhimento. Prioridade absoluta ao atendimento das crianças, conforme previsão da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Multa cominatória. Ausência de descumprimento da liminar. Falta de interesse recursal. 3)- CONCLUSÃO: APELO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos. Ministério Público do Estado do Paraná, em substituição a Deivid Mateus Pereira (12 anos), ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra o Estado do Paraná, a fim de que forneça gratuitamente ao substituído o medicamento "RITALINA 10 MG", uma vez que é portador de "transtorno de hiperatividade e déficit de atenção, dificuldade de aprendizado e retardo mental leve (CID F 90.0, F 81.3, F 70)" e não possui condições financeiras para adquiri-lo.
O Ministério Público instaurou procedimento preparatório para apurar os fatos descritos, verificando a necessidade do fármaco descrito.
Sustentou que o fármaco prescrito é a única opção terapêutica para o tratamento farmacológico da enfermidade que acomete o interessado.
Assim, ingressou com a presente demanda requerendo ordem judicial para fornecimento do medicamento pelo réu, haja vista a negativa em sede administrativa.
O pedido de antecipação de tutela foi deferido (mov. 6.1), determinando que o Estado do Paraná forneça ao interessado o medicamento na forma prescrita, sob pena de multa diária de R$ 200,00 e no prazo de 03 dias.
O Estado do Paraná apresentou contestação (mov. 18.1).
Pela r. sentença, a MM. Juíza a quo julgou procedente a demanda, confirmando a liminar anteriormente deferida, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$ 800,00 ao Secretário de Estado da Saúde. Sem condenação em custas e honorários (mov. 33.1).
Inconformado com a sentença, apela o Estado do Paraná (mov. 40.1), sustentando que: a) não é cabível a condenação do agente público ao pagamento da multa cominatória; b) inexiste prova acerca da insuficiência dos tratamentos disponíveis pelo SUS; c) não é o responsável pela defasagem tecnológica do sistema de saúde estatal; d) viola o princípio do pacto federativo e do acesso universal e igualitário aos serviços de saúde a determinação judicial para que seja fornecido tratamento não constante das normas de regência do sistema único de saúde.
Contrarrazões no mov. 46.1.
Subiram os autos ao tribunal, vindo conclusos a este Juiz de Direito Substituto de 2º Grau no período de substituição ao Des. Xisto Pereira.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO E VOTO
DESNECESSIDADE DE ATUAÇÃO DA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA
No caso dos autos, "Sendo o Ministério Público o autor da ação civil pública, sua atuação como fiscal da lei não é obrigatória. Isto ocorre porque, nos termos do princípio da unidade, o Ministério Público é
uno como instituição, motivo pelo qual, o fato dele ser parte do processo, dispensa a sua presença como fiscal da lei, porquanto defendendo os interesses da coletividade através da ação civil pública, de igual modo atua na custódia da lei. [...]" (STJ, REsp 1183504/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 17/06/2010).
ADMISSIBILIDADE DA APELAÇÃO E DO REEXAME NECESSÁRIO
Conheço do recurso voluntário por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, bem como conheço de ofício do reexame necessário por conta da recente súmula 490 do STJ, que assim dispõe: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a 60 salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".
Neste caso a sentença é de cunho declaratório/mandamental e condenatório ilíquido ao mesmo tempo, já que traz uma ordem para o Estado do Paraná disponibilizar e custear medicamento ao paciente por tempo indeterminado, não se sabendo o valor exato da condenação.
Logo, cabe o reexame necessário. DIREITO INTERTEMPORAL Registro a aplicação, à espécie, em razão da data da sentença, do CPC de 1973, quanto à admissibilidade recursal. E este julgamento já pode observar o NCPC em razão da incidência da teoria do isolamento dos atos processuais e do art. 14 da novel legislação: "Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada."
Lecionam MARINONI, ARENHART & MITIDIERO que: "Isolamento dos Atos Processuais. A exata compreensão da distinção entre efeito imediato e efeito retroativo da legislação leva à necessidade de isolamento dos atos processuais a fim de que saiba se a aplicação da legislação nova importa efeito imediato ou efeito retroativo. A observação ganha em importância a propósito da aplicação da lei nova a situações pendentes. O que interessa é saber se do ato processual advém ou não direito para qualquer dos participantes do processo. Vale dizer: releva saber se há ou não direito adquirido processual. Nesse caso, a lei nova tem de respeitar a eficácia do ato processual já praticado. O exemplo clássico encontra-se no direito recursal. A lei do recurso é a lei do dia em que se tornou recorrível a decisão. A abertura de prazo recursal dá lugar a uma situação jurídica pendente aguarda-se a interposição ou não do recurso. O recorrente tem direito à observação do direito vigente à época da abertura do prazo recursal. Fora daí há ofensa a direito processual adquirido e efeito retroativo da legislação." 1 DA MULTA COMINATÓRIA IMPOSTA AO AGENTE PÚBLICO
Primeiramente é preciso ponderar que a multa diária é simples meio de coerção, não tendo nenhum caráter punitivo. Tanto é assim que a aplicação da mesma somente se dará em caso de descumprimento injustificado por parte do ente público.
Em verdade, ao Poder Judiciário interessa que a obrigação de fazer imposta numa decisão judicial seja efetivamente cumprida. Assim, as astreintes funcionam como medida garantidora da efetividade da determinação judicial.
É por isso que, em nome da efetiva entrega da tutela jurisdicional aos cidadãos, é possível a aplicação de multas cominatórias
contra as Fazendas Públicas.
Nesse sentido: "O STJ admite as medidas de multa e bloqueio de valores, previstas pelo art. 461 do CPC, com o propósito de garantir o fornecimento de medicamento à pessoa necessitada, quando há risco de grave comprometimento da saúde do demandante." (STJ. AgRg no REsp 1487886/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)
Ocorre que, como já assinalado acima, a multa só incide na hipótese de descumprimento injustificado da ordem judicial. E não consta que tenha havido descumprimento, não sendo, portanto, caso de aplicação de multa cominatória.
Dessa forma, deixo de conhecer o recurso voluntário, neste ponto, em razão da ausência de interesse recursal no tocante à imposição de multa cominatória ao agente público.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO ACOLHIMENTO
Sustenta o apelante que é parte ilegítima para figurar no polo passivo desta demanda, já que a competência para elaborar os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas prevendo as formas de tratamentos disponibilizados pelo SUS por cada ente da federação é da União, sendo este ente federativo a parte legítima para responder a presente demanda.
Sem razão, entretanto. A jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que a obrigação consubstanciada no art. 196 da Carta Magna é solidária entre os entes federativos, de modo que quaisquer deles podem ser acionados em juízo de forma conjunta ou separadamente, cabendo ao paciente decidir contra quem pretende demandar.
"PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO. CHAMAMENTO DA UNIÃO AO PROCESSO. ART. 77, III, DO CPC. DESNECESSIDADE. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde. Precedentes do STJ. 2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entende que "o recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios", e "o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional", razão por que "o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida" (RE 607.381 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011). Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido negou o chamamento ao processo da União, o que está em sintonia com o entendimento aqui fixado.4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008."(REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 17/06/2014).
Sendo assim, está presente a legitimidade passiva.
DO MÉRITO. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E DE MEDICAMENTOS VERSUS CASO CONCRETO
A prescrição (mov. 1.8, p. 26) e o atestado feitos pelo médico responsável, Dr. Bruno Bernardon, CRM/PR 27072, comprovam que o infante D.M.P. é portador de "Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção, Dificuldade de Aprendizado e Retardo Mental Leve" (CID F 90.0, F 81.3, F 70) e que necessita do medicamento "RITALINA 10 mg" para tratar de forma adequada da patologia que o acomete.
Da justificativa médica extrai-se, ainda, que a utilização dos fármacos prescritos ocasionou "melhora do desempenho escolar, melhora da agressividade e convívio social", sendo que "não existe no elenco de medicações fornecidas pelo SUS medicação com ação psicotrópica semelhante ao Metilfenidato (Ritalina)", de modo que, "caso não realize o tratamento, o paciente apresentará piora no aproveitamento/rendimento escolar, comprometendo o seu aprendizado, a sua formação e a sua capacidade executiva no futuro, consequentemente limitando as suas potencialidades", além de "piora no relacionamento com colegas, familiares e demais membros de sua comunidade, visto que apresentou melhora do comportamento agressivo com o tratamento"(mov. 1.6, p. 119).
Confira-se a imagem retirada dos autos eletrônicos:
De se ressaltar, ainda, a inexistência(2) de qualquer política pública para tratar essa enfermidade, o que já gerou clamor popular da comunidade científica(3)(4), propondo tratamentos não medicamentosos. Tais manifestações condizem com as terapias preconizadas pelas diretrizes do Departamento de Saúde dos EUA(5) para o tratamento de TDAH e da Agência Européia de Medicamentos EMEA(6).
Como entende este tribunal, o médico responsável pelo acompanhamento do paciente é quem tem melhores condições de averiguar as suas reais necessidades.
No caso as provas documentais são bem informativas, estão justificando o tratamento postulado, por isso, comprovada está a utilidade em receber a medicação pleiteada para o melhor tratamento da doença. Não há necessidade de outras provas, a nosso ver.
E não se trata de desprezo às regras estabelecidas nos Protocolos Clínicos do Ministério da Saúde, inseridos na Lei Federal 8.080/90, arts. 19-M e ss., com alteração pela Lei Federal 12.401/2011. Em verdade, busca-se uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, priorizando o atendimento ao cidadão, até porque a medicina evolui, não sendo uma ciência exata.
No caso em exame, a obediência irrestrita aos regulamentos e protocolos clínicos comprometeria a saúde do paciente, já que o SUS nada tem para tratar seu problema.
SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Na qualidade de direito fundamental, de aplicação imediata e eficácia plena, conforme prevê o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal, o direito à saúde não é mero item de lista de objetivos a serem atingidos ou passíveis de restrição pelo legislador infraconstitucional ou atos normativos expedidos pelo Poder Executivo. Pelo contrário: é direito subjetivo dos cidadãos, interligado à dignidade da pessoa humana, impondo obrigações ao Poder Público.
Nesse sentido, orienta o Eg. Superior Tribunal de Justiça que: "O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 3. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como
de sabença, é direito de todos e dever do Estado. (...) À luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valor erigido com um dos fundamentos da República, impõe-se a concessão dos medicamentos como instrumento de efetividade da regra constitucional que consagra o direito à saúde. 9. Agravo Regimental desprovido." (STJ, AgRg no REsp 950.725/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 18/06/2008).
É bem de ver, ainda, que esta Corte já entendeu que "os enunciados exarados pelo Comitê Executivo de Saúde são recomendações de natureza meramente administrativa, e, embora membros do Poder Judiciário também façam parte desse comitê, referidos enunciados não possuem força vinculante" (Agravo Regimental nº 870481-2/01, 5ª Câmara Cível, DJe 14/02/2012).
Além disso, neste caso o apelante não trouxe aos autos razões suficientes (objetivas e concretas) para desabonar ou colocar dúvida relevante quanto à prescrição do médico especialista, limitando-se a discorrer acerca da burocracia das Políticas Públicas vigentes, o que não se mostra suficiente para afastar o dever de fornecer o tratamento em questão.
PACIENTE CRIANÇA/ADOLESCENTE. PRIORIDADE ASSEGURADA EM LEI ESPECIAL E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Além disso, o paciente conta atualmente com 12 anos de idade, e por este motivo também está amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º e 11(7):
"Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária"
"Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (...) § 2º. Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação".
A Constituição Federal também assegura prioridade no atendimento às crianças e adolescentes, como é sabido e até dispensa maiores comentários.
Destaca-se, de resto, que cabe ao Estado gerenciar seus recursos e formular políticas públicas eficazes voltadas para a saúde.
Portanto, o direito alegado pelo autor deve ser reconhecido.
PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO
Indo adiante, ao determinar o fornecimento dos fármacos pleiteados, o Judiciário está, em verdade, garantindo a efetivação de um direito fundamental que foi ignorado pelos entes públicos, razão pela qual não há que se falar violação ao Princípio da Separação dos Poderes.
Nesse sentido tem decidido o Superior Tribunal de Justiça que:
"Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. (...) Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. (...)" (STJ, AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010).
Desse modo, uma vez descumpridos os preceitos constitucionais de proteção à saúde e à vida pelo Poder Executivo, tal como ocorreu neste caso, a intervenção do Judiciário torna-se extremamente necessária a fim de garantir a efetividade desses direitos, fato esse que não caracteriza de forma alguma invasão de competência na esfera de outro Poder, não havendo qualquer afronta ao Princípio da Separação dos Poderes, tão pouco ao Pacto Federativo.
PAPEL DO PODER EXECUTIVO
A Administração Pública deve sim se pautar pelo Princípio da Legalidade, todavia, não pode esquecer que acima dos Protocolos Clínicos e das regras burocráticas de dispensação de medicamentos existe a Constituição Federal, norma máxima e parâmetro de validade para qualquer elemento normativo dentro do ordenamento jurídico.
Também desmerece guarida a tese insustentável de violação do princípio da isonomia, ou "princípio da igualdade", tão pouco em afronta ao acesso universal, como aventou o apelante.
Prevalece, portanto, o direito do interessado em obter gratuitamente a medicação de que necessita, na forma e no prazo prescritos na inicial.
CONCLUSÃO
Isto posto, voto no sentido de: a)- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO ESTADO DO PARANÁ; b)- CONFIRMAR A SENTENÇA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO.
É como voto.
DISPOSITIVO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em a)- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO ESTADO DO PARANÁ; b)- CONFIRMAR A SENTENÇA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO. Tudo consoante motivação supra do voto do relator.
Presidiu o julgamento o Desembargador LUIZ MATEUS DE LIMA. Votaram com o relator os Desembargadores CARLOS MANSUR ARIDA e NILSON MIZUTA.
Curitiba, 12 de julho de 2016.
Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau Relator
-- 1 NCPC comentado, livro digital - https://proview.thomsonreuters.com/1a. ed. RT 2015
-- 2 http://conitec.gov.br/images/FichasTecnicas/CloridratoMetilfenidato_TDA.pdf 3 http://tdah.org.br/images/stories/pdfs/carta%20aberta%20a%20populacao%20sobretdah.pdf 4 http://abpbrasil.org.br/comunicado/CartaTDAH.pdf 5 https://www.guideline.gov/content.aspx?id=14325 6 http://www.adhd-institute.com/disease-managemetnt/guidelines/european-guidelines/
-- 7 "Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" "Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e -- recuperação da saúde. (...) § 2º. Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação".
|