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Acórdão
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Certificado digitalmente por: ANDERSON RICARDO FOGACA APELAÇÃO CÍVEL N. 1457946-3, DE GUARANIAÇU JUÍZO ÚNICO NÚMERO UNIFICADO: 0000456-81.2008.8.16.0087 APELANTE : IMOBILIÁRIA CIDADE ALTA LTDA APELADOS : ELZA EUFRÁSIO DOS SANTOS BRITTO E OUTROS RELATOR : JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM 2° GRAU ANDERSON RICARDO FOGAÇA, EM SUBSTITUIÇÃO À RELATORA DES.ª JOSÉLY DITTRICH RIBAR RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. AUSÊNCIA DE PROVA PELA PARTE AUTORA DA EXISTÊNCIA DO CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA E DOS RECIBOS DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO CONTRAPOSTO PELO RÉU DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DO IMÓVEL. NÃO ACOLHIDO. A AUSÊNCIA DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO FAZ PRESUMIR A POSSE DA APELANTE, EM VIRTUDE DO LONGO PERÍODO EM QUE A PARTE AUTORA/APELADA USUFRUI DE TAL POSSE. AUSÊNCIA DE PROVA DE ESBULHO. JUSTIÇA GRATUITA. SUJEITOS PROCESSUAIS QUE INGRESSAM NO ESPÓLIO APÓS O AJUIZAMENTO DA DEMANDA. JUSTIÇA GRATUITA ESTENDIDA AOS SUCESSORES. AUSÊNCIA DE PROVA QUE AFASTA A PRESUNÇÃO LEGAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 1457946-3, do Juízo Único da Comarca de Guaraniaçu, em que é Apelante IMOBILIÁRIA CIDADE ALTA LTDA. e Apelados ELZA EUFRÁSIO DOS SANTOS BRITTO E OUTROS. I RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto ante o decisium da MM.ª Juíza a quo (fls. 204/206), em autos de Ação de Adjudicação Compulsória, que julgou improcedente o pedido inicial e condenou a autora/apelada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios (arbitrados em R$ 3.000,00), mas suspensa a exigibilidade em razão daquela ser beneficiária da assistência judiciária gratuita. Apresentados Embargos de Declaração pela apelada (fls. 213/214), restaram parcialmente acolhidos (fls. 215/216), a fim de esclarecer que as benesses da assistência judiciária gratuita se estendiam aos demais autores (espólio) que foram admitidos na lide. Inconformada com a r. sentença, insurgiu-se a apelante (fls. 219/227), pleiteando o acolhimento do pedido contraposto contido na contestação a fim de determinar a reintegração de posse dos lotes de propriedade da apelada, diante da improcedência da ação, bem como a
condenação dos apelados ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, porquanto não declaram sua hipossuficiência ou requereram tal benefício. Apresentadas contrarrazões ao recurso de apelação (fls. 232/238), pugnou-se pela manutenção da sentença. É a breve exposição. II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, registro que o presente recurso será analisado à luz do Código de Processo Civil de 1973, visto que a decisão foi publicada antes do início da vigência do novo CPC, que se deu em 18/03/2016. Outrossim, esclareço que a publicação mencionada é a data em que a decisão foi disponibilizada para conhecimento das partes. No caso de processo virtual, a data da assinatura digital da decisão no PROJUDI. No caso de processo físico, a data em que o processo foi recebido pela Secretaria. Aplico, na espécie, o teor do enunciado administrativo nº 02, do Superior Tribunal de Justiça: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
Por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, tanto intrínsecos (legitimidade, cabimento, interesse e ausência de fato impeditivo ou extintivo) como extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e preparo), conheço do presente recurso de apelação. II.1 DO PEDIDO CONTRAPOSTO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE A parte autora, ora apelada, formulou pedido de adjudicação compulsória de bem imóvel, aduzindo que ela e seu companheiro já falecido, sucedido por seus herdeiros no processo, firmaram contrato verbal com a requerida para compra de um imóvel urbano e que efetuaram o pagamento integral do preço ajustado. Todavia, afirma a autora que a requerida se negou a escriturar o imóvel em seu nome, sem nenhuma justificativa. Em contestação, a requerida afirmou que o negócio nunca foi firmado e que a autora está na posse do imóvel irregularmente, requerendo, em pedido contraposto, a reintegração da posse do imóvel para si. A sentença proferida pela e. magistrada de primeiro grau, em audiência (fls. 204/206), reconheceu que a autora não se desincumbiu de seu ônus de provar que adquiriu o imóvel mediante contrato de compromisso de compra e venda e tampouco que tenha efetuado o pagamento do preço, ante a ausência do contrato e dos recibos de pagamento das prestações ou de quitação do débito. Além disso, a entendeu que o pedido contraposto foi
inadequado, visto que deveria a requerida ter apresentado reconvenção. De toda maneira, reconheceu na sentença que a requerida não logrou êxito em comprovar que teve a posse do bem algum dia. Apenas a Imobiliária Cidade Alta Ltda. interpôs recurso de apelação para ver seu pedido de reintegração de posse julgado, não tendo a parte autora recorrido da sentença. Aduz a apelante que como consequência lógica da improcedência da ação de adjudicação compulsória na qual a demandante não logrou êxito em provar suas alegações, a teor do art. 333, inciso I, do CPC deve ser reintegrada em sua posse. Aduz ainda que o fundamento utilizado pela magistrada de primeiro grau, pelo qual deveria a requerida, ora apelante, ter apresentado reconvenção para obter a análise da reintegração de posse, não é correto, visto que se trata de procedimento pelo rito sumário, que admite apenas o pedido contraposto. Assiste razão à apelante quanto à legalidade do pedido contraposto formulado em contestação, conforme previsão do art. 278, § 1º, do CPC/73, que admite que o réu formule pedido em seu favor na contestação, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na petição inicial. O processo seguiu o procedimento sumário, não cabendo reconvenção no presente caso, tendo a requerida utilizado corretamente o instituto processual do pedido contraposto, sendo possível a análise do pedido de reintegração de posse do imóvel em favor da requerida no mesmo processo, visto que se funda nos mesmos fatos alegados na petição inicial.
Ocorre que, mesmo argumentando que a requerida deveria ter apresentado reconvenção, a juíza de primeiro grau analisou o mérito da reintegração de posse, rejeitando-o por não ter a requerida comprovado que a posse da autora seja oriunda de esbulho. Todavia, quanto ao mérito do pedido contraposto, melhor sorte não assiste à apelante. Com relação a tal providência, dispõem os arts. 926 e 927, I, II e III, do Código de Processo Civil de 1973: Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho. Art. 927. Incumbe ao autor provar: I a sua posse; II a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; Pela exegese dos referidos enunciados normativos, compreende-se que, quando a parte deseja ser reintegrada em sua posse, deve prová-la, primeiramente, e provar a turbação ou esbulho, bem como a data em que ocorreram. Nestes termos, conceitua o termo esbulho Silvio de Salvo Venosa: O esbulho existe quando o possuidor fica injustamente
privado da posse. Não é necessário que o desapossamento decorra de violência. Nesse caso, o possuidor está totalmente despojado do poder de exercício de fato sobre a coisa. Existe esbulho, por exemplo, por parte do comodatário, quando, findo o contrato de empréstimo, o bem não é devolvido (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 11.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 153-154). Entretanto, no caso em tela e como bem explanado na sentença do d. juízo singular não provou a apelante que a posse da apelada resulta de esbulho, nem a data deste. Não se desincumbiu de seu ônus a apelante, igualmente, com relação à prova de sua própria posse, pois a ausência do contrato de compra e venda em nenhum momento colacionado nos autos pelos apelados entabulado pelas partes prejudica, certamente, o mérito da ação de adjudicação compulsória, mas tampouco prova a posse da ora apelante ou lhe autoriza a reintegração. Neste sentido: Agravo de Instrumento. Ação de reintegração de posse. Decisão que indeferiu a liminar. Pleito para a sua concessão. Impossibilidade. Ausência de prova inequívoca quanto a posse. Dúvidas acerca da existência de esbulho. Versões conflitantes acerca da realidade dos fatos. Não atendimento de todos os requisitos previstos no art. 927 do Código de Processo Civil. Necessidade de instrução probatória que possibilite decisão certa quanto à possibilidade
ou não de reintegração de posse. Manutenção da decisão.1. "A posse consiste em instituto autônomo marcada por sua natureza fática. Somente pode ser considerado possuidor aquele que exerce de fato todos, ou alguns dos poderes inerentes ao domínio. O direito de propriedade, ao contrário, é representado pelo título dominial" (MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014). 2. Recurso não provido. (TJPR 12ª C.Cível AI 1389626 Cascavel Rel.: Luciano Carrasco Falavinha Souza Unânime J. 03.02.2016). O único documento apresentado pela Imobiliária Cidade Alta Ltda., ora apelante, trata-se de um requerimento dirigido à Câmara Municipal de Guaraniaçu/PR, informando sobre a existência de invasão em terrenos de propriedade da referida Imobiliária e solicitando que a Câmara encaminhe ao Prefeito Municipal a intenção de terminar com estes problemas, que seriam do interesse do Município, sugerindo que o ente público adquira estes terrenos e legalize o assentamento (fl. 109). Verifica-se pelo documento de fl. 109 que terrenos da apelante foram invadidos e que desejava a apelante a legalização desse "assentamento" mediante a aquisição dos terrenos pelo Município, o que, evidentemente, não deve ter ocorrido, ante a falta dessa informação nos autos. Todavia, o documento não faz menção à localização dessa invasão, tratando- se de documento genérico, que não comprova a posse anterior da Imobiliária
Cidade Alta Ltda. em relação aos Lotes 07, 08 e 09 da Quadra nº 11, de matrícula nº 4.557 do CRI de Guaraniaçu. Logo, diante da inexistência de prova pela requerida de posse anterior do bem imóvel em discussão, entendo que o pedido contraposto não deve prosperar, devendo a sentença ser mantida na sua integralidade, na medida em que analisou adequadamente os fatos e as provas produzidas pelas partes no processo. II.2 DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA Requer a apelante que as benesses da justiça gratuita não sejam estendidas aos demais autores (espólio) que ingressaram na relação jurídica processual após seu ajuizamento, porquanto não requereram nem provaram suas míseras condições aptas a ensejar a inexigibilidade das verbas judiciais. Igualmente sem razão a apelante. Veja-se precedente deste E. Tribunal de Justiça, abaixo reproduzido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA POSTULADA EM AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APRENSÃO MOVIDA POR ESPÓLIO, REPRESENTADO POR SUA INVENTARIANTE. PEDIDO INSTRUÍDO COM DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DA INVENTARIANTE. AUSÊNCIA DE DADOS CONCRETOS SOBRE EVENTUAL
PATRIMÔNIO DO ESPÓLIO E/OU CONDIÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA SUFICIENTES A AFASTAR A PRESUNÇÃO LEGAL. CASO EM CONCRETO, A PAR DOS FUNDAMENTOS GENÉRICOS LANÇADOS NA RESPEITÁVEL DECISÃO AGRAVADA, QUE LEVAM AO CONVENCIMENTO DA CONCESSÃO DO PEDIDO. RECURSO PROVIDO. (TJPR 7ª C.Cível 597297-8, Rel.: Joscelito Giovani Cé, Data de Julgamento: 21/07/2009, DJ 188 28/77/2009); Ainda nesta seara, registre-se o posicionamento do e. STJ com relação à Lei da Gratuidade Judiciária: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE MOVIDA POR ESPÓLIOS. JUSTIÇA GRATUITA. DEFERIMENTO. LEI N. 1.060/50, ART. 2O. EXEGESE. I. O verdadeiro propósito da Lei n. 1.060/50 é o de assegurar o acesso ao Judiciário para aqueles que, em razão da humildade de suas condições econômicas, não têm como arcar com as custas e despesas judiciais para o exercício da sua cidadania, em que se compreende o amplo acesso ao Judiciário. (...) IV. Recurso conhecido e provido." (STJ, Resp nº 98.454-RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, DJ 23.10.2000). Pois bem. Ingressaram durante o processamento da
demanda outros sujeitos processuais, que acabaram por formar o espólio do falecido cônjuge da apelada; quando de seus ingressos, as benesses da justiça gratuita já haviam sido conferidas à apelada Elza. Como bem fundamentado na decisão sobre embargos de declaração a quo, presume-se pelas qualificações dos demais integrantes do espólio retiradas de procurações juntadas aos autos que eles possuem baixo poder aquisitivo (espólio constituído por pedreiro, motorista autônomo, trabalhadora do lar), além de tais sujeitos processuais terem ingressado na demanda apenas em sua fase final. Assim, seria totalmente incoerente a concessão das benesses para a apelada Elza, em razão de sua hipossuficiência, e a não concessão para os demais membros do espólio, presumidamente hipossuficientes, condição não impugnada pela apelante, nos termos do art. 4°, § 1º, da Lei Federal 1.060/50. Além disso, seria injusto os recém integrantes da demanda arcarem com custas processuais e honorários advocatícios de uma relação jurídica processual da qual quase não participaram.
Desta forma, reputo adequado o entendimento da juíza singular de que os sucessores do falecido não devem suportar tais encargos. Assim, mantenho incólume o entendimento do d. juízo, suspensa a exigibilidade das custas em razão do instituto da Justiça Gratuita. Diante do exposto, o voto é pelo conhecimento e total DESPROVIMENTO do Recurso de Apelação, pela fundamentação acima
realizada, mantendo-se na integralidade a sentença de primeiro grau. III DECISÃO Diante do exposto, acordam os Desembargadores da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do presente recurso, e no mérito negar provimento, nos termos do voto. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores CLÁUDIO DE ANDRADE e D'ARTAGNAN SERPA SA.
Curitiba, 09 de agosto de 2016
ANDERSON RICARDO FOGAÇA Relator
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