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Acórdão
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Estado do Paraná
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1544584-0, DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA.
Apelante: Maria Santos dos Anjos. Apelante: Estado do Paraná. Apelado(s): os mesmos. Relator: Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Osvaldo Nallim Duarte (em substituição ao Des. José Laurindo de Souza Netto).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DE DETENTO EM UNIDADE CARCERÁRIA. APARENTE SUICÍDIO. AGRAVO RETIDO: CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. APELOS: ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE ESTATAL. PRESO QUE SE ENFORCA COM O CADARÇO DO PRÓPRIO TÊNIS DENTRO DE UNIDADE CARCERÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. FALHA NO DEVER DE VIGILÂNCIA DO CUSTODIADO. ARTIGO 37, PARÁGRAFO 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VERBA INDENIZATÓRIA (R$ 20.000,00) MANTIDA. VALOR FIXADO QUE SE MOSTRA ADEQUADO DIANTE DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. JUROS DE MORA DEVIDOS A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.
Vistos e examinados.
I. RELATÓRIO. Trata-se de recurso de apelação cível interposto em face da sentença proferida nos autos nº 0029067-25.2015.8.16.0014, de Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais, que julgou procedente em parte os pedidos formulados na petição inicial, com fundamente nos artigos 43, 186, 927, caput, e 945, todos do Código Civil, a condenar o réu a pagar à autora indenização por danos morais na quantia de R$ 20.000,00 a ser paga de uma só vez, acrescida de correção monetária pela variação do IPCA/IBGE (a contar da data da prolação da sentença) e juros de mora, às taxas empregadas para remunerar os depósitos em caderneta de poupança, a partir da data do fato. Pela sucumbência majoritária da parte autora, determinou o pagamento pela mesma de 80% das custas e despesas processuais, cabendo os 20% restantes ao Estado do Paraná, admitida a compensação (Súmula n° 306 do STJ). Insatisfeita a parte autora recorre sustentando que o valor arbitrado a título de danos morais ficou muito aquém do postulado, afirmando que o sofrimento da genitora ao perder o filho, independe do fato de sua condição financeira. Requer o total provimento do recurso, julgando-se procedente o pedido de danos morais contidos na inicial. Igualmente inconformado o Estado do Paraná requer, preliminarmente, seja conhecido e provido o agravo retido apresentado no evento de n° 39, eis que pelas razões ali lançadas ficou provado o cerceamento de defesa. Esclarece que o falecimento se deu por culpa exclusiva da vítima, não havendo possibilidade de qualquer indenização por ser álea fora do âmbito de evitabilidade do Estado do Paraná. Aduz que o autor era usuário de álcool e drogas e agrediu a própria mãe, o que culminou com a sua prisão. Que após ser transferido, considerando a ameaça de outros presos cometeu suicídio sem transparecer qualquer distúrbio mental ou abalo de qualquer natureza, o que tornou impossível a previsão pelos agentes públicos que trabalhavam próximos. Afirma que o legislador constitucional acolheu a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, obrigando-o ao ressarcimento dos danos causados por seus agentes, nessa qualidade, mas esta responsabilidade objetiva não tem amplitude que quer a parte autora, sob pena de ver-se aplicada a teoria do risco integral da Administração Pública. Ressalta a culpa exclusiva da vítima, afastando a responsabilidade de qualquer servidor ou funcionário público, razão pela qual é de ser considerada a responsabilidade subjetiva, impondo-se a apuração da culpa do serviço, que, por não funcionar, funcionar mau ou tardiamente, deixa der impedir a produção de um dano ao administrado. Insiste que foram realizadas rotineiras rondas, não havendo a constatação de irregularidade ou feito pelo de cujus no dia do óbito ou em dias anteriores qualquer apelo pela transferência por motivo de risco de sua vida. Quanto ao valor do dano, consigna que o evento sinistro se deu com uma pessoa com problemas familiares, dependente de drogas, assim, eventual indenização pelo dano moral pela perda de sua vida, não pode exercer módica quantia, tendo em vista que é previsível a ocorrência de dano à integridade física de quem se dedica à atividade delituosa. Assim, entende que o quantum da indenização deverá ser fixado em quantia não superior a cinquenta salários mínimos. Quanto aos juros de mora requer sejam calculados a partir do trânsito em julgado, ou, alternativamente, a partir da citação. Posto isto, requer seja preliminarmente conhecido e provido o agravo retido e quanto ao mérito a reforma da decisão de 1º grau que imputou ao Estado do Paraná a responsabilidade pelo suicídio do filho da apelada, e, alternativamente a diminuição do valor arbitrado. As partes ofereceram contrarrazões. (fls. 268-275/277-291) Vieram conclusos. É o breve relatório.
II. FUNDAMENTAÇÃO. Os recursos merecem conhecimento, na medida em que estão presentes os pressupostos de admissibilidade recursal. Inicialmente, é de se analisar o agravo retido do Estado do Paraná, (fls. 188-192), no qual pretende o reconhecimento do cerceamento de defesa, com a anulação do feito desde a interposição do recurso em primeiro grau, com a reforma da decisão de mov. 28.1, para o deferimento das diligências para a oitiva da autora e testemunhas em audiência. Em que pese o devido respeito a tal argumentação, ela não se sustenta. Isso porque a dispensa de dilação probatória foi devidamente fundamentada na sentença, tendo considerado suficiente o acervo fático-probatório existente nos autos, em razão da controvérsia ser preponderantemente de direito. Sendo assim, os aspectos relevantes da causa estão suficientemente demonstrados pelos elementos de convicção amealhados ao processo, descabendo a dilação probatória requerida, autorizando o julgamento antecipado da demanda. Como bem ponderou o ilustre Ministro Luiz Fux, no Recurso Especial nº 474.475/SP, "o art. 131, do CPC consagra o princípio da persuasão racional, habilitando-se o magistrado a valer-se do seu convencimento, à luz dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto constantes dos autos, rejeitando diligências que delongam desnecessariamente o julgamento, atuando em consonância com o princípio da celeridade processual." (STJ, REsp 474475/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 06/10/2008) A propósito:
(...) Sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe-lhe decidir acerca do elastecimento probatório, podendo indeferir as provas que entender desnecessárias ou protelatórias, assim como, concluir que os autos contêm elementos suficientes para julgamento da lide no estado em que se encontra. (...)" (TJPR - 18ª C.Cível - AC 0673055-0 - Rel. Des. Ruy Muggiati - DJ 03.09.2010)
"a) Prova Pericial desnecessária Cerceamento de Defesa Inocorrência. Havendo elementos suficientes nos autos para o julgamento da lide no estado em que se encontrava, não há que se falar em cerceamento de defesa. Não provido. (...)". (TJPR - 14ª C.Cível - AC 0619617-6 - Rel. Des. Edgard Fernando Barbosa - DJ 26.05.2010)
"Não há cerceamento de defesa, ante o indeferimento da prova pericial, quando suficientes, para dirimirem as questões agitadas no processo, os elementos a ele carreados." (TJPR - 15ª C.Cível - AC 0342775-8 - Rel. Des. Jucimar Novochadlo - DJ 18.08.2006).
Com base no que restou exposto deixo de acolher a pretensão em agravo retido. No tocante aos recursos de apelação, consigno que a análise se dará conjuntamente, em razão da identidade das teses avençadas. Limita-se a controvérsia recursal à existência de responsabilidade do ente público no tocante ao pagamento de indenização por danos morais, em razão da morte do filho da autora quando detido em estabelecimento prisional. Nesse passo acrescento que a ré pretende a reforma da sentença que julgou parcialmente procedente os pedidos formulados pela autora nos autos da ação de reparação por danos morais e materiais movida em seu desfavor; enquanto a parte autora pretende a majoração do valor determinado a título de danos morais. O juízo singular examinou adequadamente a matéria, conforme se extrai da sentença ora hostilizada:
"(...) Está muito claro nos autos, portanto, que o óbito do detento, motivado por asfixia (enforcamento), se deu dentro das dependências do 4º Distrito Policial. Logo, é de presumir a omissão da Administração, cujos agentes deixaram de fiscalizar a cela e, com isso, evitar o suicídio do detento. Em situações como essa, as duas Turmas (Primeira e Segunda) do Superior Tribunal de Justiça, competentes para julgar os recursos que versam sobre matérias de direito público, firmaram o entendimento de que persiste a responsabilidade civil do estado em caso de suicídio de detentos colados sub sua custódia. (...) Quanto ao ponto, é fora de dúvida nos autos que o falecimento da vítima trouxe um sofrimento moral intenso á requerente: perderam ela prematuramente e abruptamente o direito à convivência com seu filho, o que lhe infligiu profunda angústia que, no caso, é presumida pelo direito. Sobretudo diante as circunstâncias trágicas do suicídio, morte violenta e, por isso, sempre inesperada."
A responsabilidade do Estado pelos danos causados a terceiros se dá de forma objetiva, sem a necessidade de apontar dolo ou culpa de quem pratica o ato ilícito, segundo preceitua o artigo 37, §6 da Constituição Federal, vejamos:
"Art. 37, §6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos em que seus agentes nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
No caso dos autos, aplica-se a responsabilidade objetiva do Estado por omissão, eis que atua como garante, devendo zelar pela integridade física e moral dos presos sob sua custódia no estabelecimento prisional, tal como dispõe o art. 5°, inciso XLIX, da Constituição Federal. Oportuna neste ponto a lição de Sérgio Cavalieri Filho:
"Haverá omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante (ou guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo; a omissão estatal se erige em causa adequada de não se evitar o dano. Em outras palavras, a omissão específica pressupõe um dever especial de agir do Estado, que, se assim não o faz, a omissão é causa direta e imediata de não se impedir o resultado. (...) Em suma, a omissão específica, que faz emergir a responsabilidade objetiva da Administração Pública, pressupõe um dever específico do estado, que o obrigue agir para impedir o resultado danoso, quando a vítima se encontrava sob sua proteção e guarda."
Neste sentido são os precedentes desta Colenda Corte de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DA CADEIA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ART. 37, § 6º, DA CF/88 - ESTADO QUE DETÉM O DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA DE PRESO SOB SUA CUSTÓDIA - ART.5º, XLIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - ASSEGURA O PRESO O RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL - DEVER DE DILIGÊNCIA NÃO OBSERVADO - DEVER DE INDENIZAR - VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - NECESSIDADE DE DIMINUIÇÃO - ADEQUAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - PENSIONAMENTO - CAPACIDADE ECONÔMICA PRESUMIDA - FAMÍLIA DE BAIXA RENDA - PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ - APELANTE : ESTADO DO PARANÁ. READEQUAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA DA CONDENAÇÃO DE ACORDO COM O NOVO ENTENDIMENTO ADOTADO PELA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA - TERMO FINAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS - SENTENÇA QUE DETERMINOU A INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA ATÉ O EFETIVO DESEMBOLSO SEM OBSERVAR O PERÍODO DE GRAÇA CONSTITUCIONAL - APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 17 DO STF - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO - SENTENÇA CONFIRMADA, NOS DEMAIS TÓPICOS. (TJPR, AP n° 1502136-4, 1ª C. Cível, Curitiba, Rel. Des. Rubens Oliveira Fontoura, J. - 05/04/2016, DJe 29/04/2016)
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL.1. LESÃO CORPORAL PRATICADA POR OUTROS DETENTOS OCORRIDA EM SUBDIVISÃO POLICIAL. DEVER DO ESTADO DE GARANTIR A SEGURANÇA DOS CUSTODIADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. CARACTERIZADA. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES.2. DANO MORAL. CONFIGURADO. VALOR REDUZIDO.3. NÃO INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA NO PERÍODO DE GRAÇA CONSTITUCIONAL. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.4. RECURSO DE APELAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PREJUDICADO. "O preso, a partir da sua prisão ou detenção é submetido à guarda, vigilância e responsabilidade da autoridade policial, ou da administração penitenciária, que assume o dever de guarda e vigilância e se obriga a tomar medidas tendentes à preservação da integridade física daquele, protegendo-o de violência contra ele praticada, seja por parte de seus próprios agentes, seja da parte de companheiros de cela ou outros reclusos com os quais mantém contato, ainda que esporádico".(STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. rev.atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1166-1167). (TJPR, AP n° 1381360-6, 2ª C. Criminal, Rel. Des. Lauro Laerte de Oliveira, J. 01/09/2015, Dje 01/09/2015)
Ação de indenização por danos materiais e moral. Morte de detento no interior da Cadeia Pública onde se encontrava. 1. Responsabilidade civil do Estado - Aplicação do artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal - Responsabilidade objetiva - Falecimento de detento por enforcamento - Omissão estatal - Estado que possui o dever de zelar pela integridade física e moral do preso - CF, art. 5.º, XLIX - Presença dos elementos configuradores do dever de indenizar - Morte que se deu pela inobservância do dever objetivo de cuidado e vigilância com a vítima no ambiente carcerário - Dever do Estado de disponibilizar instalações seguras, adequadas e apropriadas, além de vigilância contínua. 1.1. Alegada presença de causas excludentes do nexo de causalidade - Culpa exclusiva da vítima - Não configuração - Dever objetivo de cuidado e vigilância do Estado em relação aos encarcerados que deve ser observado ininterruptamente. 2. Valor fixado a título de indenização por dano moral - Redução - Montante indenizatório que não pode ser irrisório nem pode ensejar enriquecimento sem causa - Observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 3. Pensão mensal alimentícia devida ao avô da vítima - Afastamento - Dependência econômica em relação ao falecido - Inexistência - Afirmação de que o de cuius auxiliava esporadicamente - Presunção de mútuo auxílio entre os familiares, que no caso não persiste - Pensionamento descabido. 4. Termo inicial dos juros de mora - Incidência desde o evento danoso - STJ, súmula 54 - Impossibilidade, no entanto, de sua aplicação no período compreendido entre a homologação dos cálculos da liquidação e o efetivo pagamento da RPV ou do precatório requisitório, conforme o caso - STF, súmula vinculante 17. 5. Atualização do valor da condenação - Aplicação do disposto no artigo 1.º-F da Lei n.º 9.494/1997 - Possibilidade - Atenção ao princípio tempus regit actum - Necessidade de observância da modulação dos efeitos realizada no âmbito das ADIN´S nº 4357-DF e 4425- DF. 6. Ônus sucumbenciais - Resultado do julgamento do recurso que enseja sua redistribuição. 7. Recurso parcialmente provido e acertamento, de ofício, do termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a condenação a título de indenização por dano material, assim como do índice de correção monetária aplicável após 25 de março de 2015. (TJPR, AP n° 1393976-5, 3ª C. Cível, Rel. Des. Rabello Filho, J. 18/08/2015, DJe 24/08/2015).
Desta feita, estando o preso sob custódia do Estado, este deve cuidar da manutenção de sua vida, saúde e demais condições físicas e psicológicas; a respeito é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: 1
"Há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo, é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende. Vale dizer: são hipóteses nas quais é o Poder Público quem constitui, por ato comissivo seu, os fatores que propiciarão decisivamente a emergência do dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de danos produzidos pela própria ação do Estado e por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva."
No caso dos autos é incontroverso, pelos documentos acostados, quais sejam boletim de ocorrência (fl. 46), termo de declaração (fl. 50), bem como pelos Autos de Inquérito n° 16427/2015 (fls. 103 e seguintes), que o filho da autora veio a óbito em 24/02/2015 nas dependências do SECAT da Delegacia do 4º Distrito Policial de Londrina, tendo como causa mortis asfixia. Impende destacar as declarações do Agente de cadeia Emerson Rogério Gouvea, prestadas no inquérito policial instaurado:
"Que na data de ontem, por volta das 21h00min, devido o preso Lorivaldo dos Anjos estar sendo ameaçado pelos outros presos pelo fato de ter cometido um crime contra a própria mãe, foi colocado em um quadrante fora da carceragem, separado dos demais presos; que na presente data, por volta das 06h00min, após verificação normal de trabalho no setor de carceragem desta unidade policial, percebeu que o preso Lorivaldo dos Anjos havia se enforcado usando o próprio cadarço de tênis" (mov. 1.12, p. 07)
Diante do manancial probatório constante nos autos resta inconteste a conduta omissiva do Estado, que deixou o preso sem vigilância adequada, o que teria prevenido o acontecimento.
1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ato administrativo e direito dos administrados. ED. RT, São Paulo, 1981, p. 150) Assim, resta devidamente caracterizado os requisitos da responsabilidade civil do Estado, quais sejam o dano, resultado lesivo, qual seja a morte do detento; e o fato administrativo, devido a conduta omissiva do Estado, que deixou de exercer a custódia sobre o preso; e por fim, o nexo de causalidade entre eles. Nestes termos confira-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho: 2
"De tudo quanto ficou dito a respeito do ato ilícito, fato gerador da responsabilidade civil, pode-se concluir que há nele um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 159 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber: "a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia"; "b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e "c) dano, revelado nas expressões "violar direito ou causar prejuízo a outrem".
Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar. Por violação de direito deve- se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem".
Preenchidos os requisitos, bem como inexistindo causas de exclusão da responsabilidade, cabe ao réu a indenização por danos morais à autora. No que se refere à valoração do dano moral, diante da
2 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição, 4ª tiragem, Malheiros, p. 28/29. notória dificuldade em arbitrar o valor para indenizações e também da ausência de critérios legais objetivos, a doutrina tem lançado mão de certos parâmetros. Devem ser considerados: as circunstâncias do caso concreto, o alcance da ofensa e a capacidade econômica do ofensor e do ofendido. Além disso, a indenização deve ser suficiente para compensar a vítima pelo dano sofrido e, ao mesmo tempo, sancionar o causador do prejuízo de modo a evitar futuros desvios. O valor indenizatório nestes casos deve assegurar à parte ofendida justa reparação sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito. Veja-se julgado deste Tribunal:
"O dano moral, diferentemente do material, prescinde de comprovação em juízo, posto que sua ocorrência é presumida diretamente do ato que represente potencial de dano a gerar perturbações na esfera psicológica da vítima. 3. No arbitramento do 'quantum' indenizatório, inexistindo parâmetros legais, consideram-se as circunstâncias particulares do caso, as posses do causador do dano, a situação pessoal da vítima, a intensidade da culpa e a gravidade da lesão, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, a representar coibição na prática reiterada de atos ilícitos semelhantes e a evitar que a indenização se converta em fonte de enriquecimento ilícito, ou se torne inexpressiva". (TJPR, 13ª Câm. Cív., Ac. 8719, Rel. Juiz Conv. Luis Espíndola, julg.: 16/04/2008).
No caso em tela, analisando a extensão e gravidade do dano moral, a condição econômica da parte envolvida, a finalidade sancionatória e reparadora da indenização, tenho que assiste o valor arbitrado pela r. sentença merece ser mantido, em respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Assim, por tudo que restou exposto, entendo viável a manutenção dos danos morais fixados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), eis que condizente para aplacar o dano sofrido, bem como servir de verba pedagógica-punitiva ao requerido. Vale ressaltar que dito valor não implica em enriquecimento ilícito por parte da autora, assim como está a parte contrária economicamente capaz de pagar o valor aqui arbitrado. Equilibrado, destarte, o potencial econômico daquele que deve pagar a indenização e a condição econômica financeira daquele que irá recebê-la. Por fim, pretende o requerido, Estado do Paraná, sejam os juros de mora calculados a partir do trânsito em julgado, ou, alternativamente, a partir da citação. Sem razão, adianta-se. Isto porque, em relação ao termo inicial dos juros de mora sobre o valor arbitrado a título de danos morais, a nobre magistrada determinou que devem fluir a partir da data do evento danoso. Em sendo assim, devem ser mantidos, como fixados pelo juízo a quo, de acordo com a Súmula 54 do STJ. Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento aos recursos de apelação 01 e 02, mantendo-se a sentença tal como lançada.
III. DECISÃO Acordam os Magistrados integrantes da 3ª Câmara Cível, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao agravo retido e aos recursos de apelação.
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