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(Acórdão)
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Segredo de Justiça:
Não |
Relator(a):
Joscelito Giovani Ce Desembargador
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Órgão Julgador:
6ª Câmara Cível |
Comarca:
Araucária |
Data do Julgamento:
Tue Aug 30 19:36:00 BRT 2016
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Fonte/Data da Publicação:
DJ: 1882 Wed Sep 14 00:00:00 BRT 2016 |
Ementa
DECISÃO: ACORDAM os Magistrados integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à apelação 1, conhecer e dar parcial provimento à apelação 2 e conhecer do reexame necessário, mantendo a sentença em seus demais aspectos, nos termos do voto do Relator. EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. ENSINO. EDUCAÇÃO INFANTIL. CRECHE.VAGA E MATRÍCULA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, CONFIRMANDO LIMINAR. APELANTE 1. REQUERIDO. MUNICÍPIO. PLEITO DE INTEGRAL REFORMA DA SENTENÇA. REJEIÇÃO.O DOUTO JUÍZO PROMOVEU A APLICAÇÃO ESCORREITA DAS NORMAS DE REGÊNCIA CONTIDAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO E DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STF. PLEITOS DE AFASTAMENTO DA COMINAÇÃO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA E MULTA DIÁRIA. REJEIÇÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.APELANTE 2. AUTORA. TESE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REJEIÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO. TESE DE CABIMENTO E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.ACOLHIMENTO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 421/STJ E REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA RESP 1.108.013/RJ. APELAÇÃO 1 CONHECIDA E DESPROVIDA.APELAÇÃO 2 CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO, COM MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EM SEUS DEMAIS TERMOS.Relatório Trata-se de apelações à sentença proferida em ação ordinária ajuizada por Eva Giovanna Dutra Santos, menor impúbere representada por sua mãe Vania Dutra, em face do Município de Araucária, em que o Juízo, confirmando a tutela antecipada, julgou parcialmente procedente o pedido, ao fim de determinar ao Município a manutenção da matrícula da criança em Centro Municipal de Educação Infantil - CMEI, "sob pena de multa de R$1.000,00 por dia (até o limite de R$10.000,00) e bloqueio dos valores necessários para custear a matrícula e a frequência da criança em instituição privada de ensino, sem prejuízo de incidência nas penas cominadas ao crime de desobediência elencado no artigo 330 do Código Penal".Nas razões recursais, o Município sustenta a invasão de competência do Judiciário em matéria afeta ao Executivo. Invoca o princípio da isonomia, aduzindo a necessidade de se respeitar o direito das demais crianças que aguardam a obtenção de vaga na fila de espera, e afirma possuir parâmetros próprios para a realização das matrículas. Requer concessão de efeito suspensivo ao recurso para que seja afastada a aplicação de ofício do crime de desobediência e da imposição de matrícula da infante em colégio particular e, por fim, pugna pelo provimento ao apelo para que "seja afastado o dever do Município em cumprir a ordem mandamental, até que possa readequar a estrutura escolar, de modo a não comprometer a incolumidade pública das crianças envolvidas".A autora também apelou, pugnando reforma da sentença no tocante à indenização por danos morais, sustentando que o não atendimento à solicitação de vaga em creche constitui, por si, in re ipsa, o evento danoso, ademais de que a omissão do ente público é específica, situação que também gera indenização moral por responsabilidade objetiva. Sugere, para fins de reparação, o arbitramento do quantum em valor simbólico de R$ 1,00 (um real), cumulado com retratação pública pelo Prefeito. Ainda, requer condenação em honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, vez que a vedação da Súmula 421 do STJ não incidiria in casu.Contrarrazões por ambas as partes, em suma, pelo desprovimento aos recursos adversos.A Procuradoria de Justiça emitiu parecer pelo desprovimento a ambos os recursos (fls. 9/13 TJ).É o relatório, em síntese.Voto 1. Na exordial, narrou a autora que, apesar de solicitada vaga e matrícula para frequentar Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), não obteve sucesso, sob justificativa de ausência de vagas. Sustentou o direito de acesso à educação infantil.O Juízo concedeu antecipação de tutela, determinando ao Município a matrícula da infante em CMEI próximo à sua residência. O requerido comprovou o cumprimento da ordem judicial (págs.48/49) Após contestação pelo requerido e parecer favorável do Ministério Público, o Juízo proferiu sentença julgando parcialmente procedente o pedido, confirmando a liminar concedida, fixando multa diária e possibilidade de bloqueio de valores para o custeio da criança em instituição privada e prevendo cominação no crime de desobediência em caso de descumprimento.A sentença desacolheu o pleito de indenização em danos morais por entender não existirem elementos aptos a demonstrar culpa/dolo do Município, e em virtude de Termo de Ajustamento de Conduta firmado por este com o Ministério Público estadual, deixando ainda de fixar honorários advocatícios ao fundamento de que, sendo a Defensoria Pública órgão estatal, seria indevida a transferência de recursos por outro ente federativo.2. Apelo do requerido2.1. Desmerece acolhimento o pleito do Município de recebimento do recurso com efeito suspensivo.A uma, porque o Juízo, ao admitir o recurso, recebeu-o com efeito meramente devolutivo, decisão da qual o apelante não se insurgiu; portanto, preclusa a pretensão.A duas, porque, conforme fundamentado na supramencionada decisão, o art. 520 do CPC/73, em seu inciso VII, prevê o recebimento de apelação unicamente com efeito devolutivo quando decorrente de sentença que confirma a antecipação dos efeitos de tutela, como é o caso dos autos.2.2. Quanto ao mérito, melhor razão não lhe assiste.A r. sentença não merece reparos, pois que encontra suporte nos arts. 208, inc. IV e 227 da Constituição da República, arts. 4º e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e em jurisprudência do STF e desta Corte.A questão da intervenção do Judiciário em casos de omissão executiva no que respeita ao cumprimento de direitos fundamentais e até mesmo da mitigação da teoria da reserva do possível quando se tratar de tema que toca ao mínimo existencial - in casu, direito fundamental à educação infantil - está há muito superada na jurisprudência, não havendo se falar em violação do princípio da separação de poderes, a exemplo do seguinte julgado do STF:"... A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que... em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das crianças de zero a seis anos de idade (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal... Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político- administrativa dos entes municipais... Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à reserva do possível. Doutrina" (STF, RE 410715 AgR, Segunda Turma, Min. Celso de Mello, j. 22/11/2005)Desta premissa, e sopesada a importância do direito fundamental em discussão, escorar-se em óbices orçamentários não conflui em justificativa suficiente para a atenuação, limitação ou dilação do direito em análise. A educação infantil é direito básico e essencial a toda e qualquer criança, e conquanto a qualidade da educação em si seja atributo exigido para sua fiel concretização, esta só se inicia com a matrícula do infante na instituição de ensino. Por força dos arts. 208 e 227 da CF/88 e dos arts. 4º e 54 do ECA, inclusive, a execução do direito fundamental da criança possui ordem de prioridade absoluta.Outrossim, inexiste conflito de normas entre o direito à educação infantil e o princípio da isonomia, porque o que se exige do Município é a atribuição de vagas para todos, concretizando o princípio da igualdade, sendo reprovável o argumento de aguardo em fila de espera frente ao direito em discussão.Recentemente, o STF:"CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE MUNICIPAL. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO..." (STF, RE 956.475/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j.12/05/2016)Neste viés, frisa-se que o direito à creche é não apenas de titularidade dos infantes, mas também direito social esposado no art. 7º, XXV, da Constituição Federal, como direito dos trabalhadores, sendo nítido o seu caráter assistencial voltado à compatibilização entre a convivência familiar plena (esta, também garantia prevista pelo art. 19 do ECA) com a necessidade do exercício de atividade remunerada para sua subsistência - caráter que justifica a integralidade do atendimento educacional, sob pena de sua insuficiência.2.3. Por derradeiro, o pedido de afastamento da cominação do crime de desobediência não subsiste, eis que tal medida, prevista no art. 26 da Lei 12.016/09, visa dotar a decisão judicial de maior eficácia e é justificada pela reiteração do ato, conforme inúmeras ações similares.Igualmente, desmerece acolhida o pedido de reforma da sentença no ponto em que determinou ao requerido, acaso não cumprida a ordem, a incidência de multa diária e custeio de matrícula em instituição particular. Tratam-se de providências, as adotadas pelo Juízo, que se revestem de força necessária e suficiente a desencorajar o descumprimento de decisão judicial.De toda sorte, a eventualidade de crime de desobediência, incidência de multa e de não cumprimento da determinação de matrícula e frequência em creche pública, é remota, ou melhor, resta por superada, vez que noticiou o requerido o cumprimento do comando judicial em 10/06/2015 (págs. 48/49). Tais medidas seriam possíveis apenas se, após confirmada a procedência da demanda do autor em duplo grau de jurisdição, o Município interrompesse unilateralmente a prestação, conjectura que, espera-se, é meramente hipotética.3. Apelo da autora3.1. Quanto ao pleito de dano moral, muito embora a percuciência dos argumentos da apelante, a sentença é de ser mantida.Parte a autora da compreensão de que o dano, na hipótese dos autos, é in re ipsa, de forma a que bastaria a demonstração do fato.Outrossim, articula que, contrário ao entendido na sentença, em caso de omissão também cabe dano moral objetivo - independente de comprovação de culpa -, porque a omissão não é genérica e sim específica.De um lado, e conforme admitido pela apelante, não seria o caso de condenação pecuniária ao ente público. As dificuldades orçamentárias - muitas vezes consequência de aplicação não racional dos recursos públicos e ou falta de adequado planejamento - não recomendam tal espécie condenatória, o que, de toda sorte, ao fim e ao cabo, recairia sobre o bolso do contribuinte.De outro lado, a condenação não pecuniária, embora possível, também não se mostra adequada. O descuido com a educação não é atribuível, aprioristicamente, a uma ou outra gestão. Decorre de negligência administrativa e política que perpassa décadas. Por isso, atribuir a determinado chefe de executivo municipal obrigação de retratação em jornal de ampla circulação, especialmente em municípios de médio e pequeno porte, importaria em formação de indesejável instrumento de manipulação política em processos eleitorais.Não se está a diminuir, de forma alguma, a importância do direito à educação à infante - ou do direito à creche aos filhos dos trabalhadores -, vez que se trata de direito com prioridade absoluta que nos juízos e tribunais tem encontrado proteção para sua exequibilidade, merecendo destaque o incomensurável trabalho desenvolvido pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.Contudo, e especialmente em ações individuais, parece-me, ao menos nesta época, que o reconhecimento de danos morais implicaria, em via transversa, diminuição de recursos orçamentários e maior dispêndio ao contribuinte (para hipótese de condenação pecuniária), e desaconselhável fomento ao uso político e inadequado de retratação e reconhecimento forçados de culpa por agentes do executivo em específico (hipótese de condenação em obrigação de fazer).3.2. Com razão a apelante, porém, no pedido de imposição de honorários advocatícios de sucumbência.Não há se falar em confusão entre credor e devedor - tese da sentença -, porque inexiste simetria entre as esferas federativas. Embora entes da federação, as pessoas jurídicas de direito público (Estado e Município) não são iguais ao ponto de autorizar que daquilo que um for credor o outro também o seja.A Súmula 421/STJ autoriza esta conclusão, vez que somente veda, e com acerto, o pagamento de verba honorária à Defensoria pela "pessoa jurídica de direito público à qual pertença".
(TJPR - 6ª Câmara Cível - ACR - Araucária - Rel.: DESEMBARGADOR JOSCELITO GIOVANI CE - Un�nime - J. 30.08.2016)
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Acórdão
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Certificado digitalmente por: JOSCELITO GIOVANI CE APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.463.434-5, DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA, FORO REGIONAL DE ARAUCÁRIA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE E ANEXOS APELANTE 1 : MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA APELANTE 2 : EVA GIOVANNA DUTRA SANTOS (representada por sua mãe Vania Dutra) APELADOS: : OS MESMOS RELATOR : DES. ROBERTO PORTUGAL BACELLAR RELATOR CONV. : JUIZ JOSCELITO GIOVANI CÉ APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. ENSINO. EDUCAÇÃO INFANTIL. CRECHE. VAGA E MATRÍCULA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, CONFIRMANDO LIMINAR. APELANTE 1. REQUERIDO. MUNICÍPIO. PLEITO DE INTEGRAL REFORMA DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. O DOUTO JUÍZO PROMOVEU A APLICAÇÃO ESCORREITA DAS NORMAS DE REGÊNCIA CONTIDAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO E DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STF. PLEITOS DE AFASTAMENTO DA COMINAÇÃO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA E MULTA DIÁRIA. REJEIÇÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. APELANTE 2. AUTORA. TESE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REJEIÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO. TESE DE CABIMENTO E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACOLHIMENTO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 421/STJ E REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA RESP 1.108.013/RJ. APELAÇÃO 1 CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO 2 CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO, COM MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EM SEUS DEMAIS TERMOS. Relatório Trata-se de apelações à sentença proferida em ação ordinária ajuizada por Eva Giovanna Dutra Santos, menor impúbere representada por sua mãe Vania Dutra, em face do Município de Araucária, em que o Juízo, confirmando a tutela antecipada, julgou parcialmente procedente o pedido, ao fim de determinar ao Município a manutenção da matrícula da criança em Centro Municipal de Educação Infantil CMEI, "sob pena de multa de R$1.000,00 por dia (até o limite de R$10.000,00) e bloqueio dos valores necessários para custear a matrícula e a frequência da criança em instituição
privada de ensino, sem prejuízo de incidência nas penas cominadas ao crime de desobediência elencado no artigo 330 do Código Penal". Nas razões recursais, o Município sustenta a invasão de competência do Judiciário em matéria afeta ao Executivo. Invoca o princípio da isonomia, aduzindo a necessidade de se respeitar o direito das demais crianças que aguardam a obtenção de vaga na fila de espera, e afirma possuir parâmetros próprios para a realização das matrículas. Requer concessão de efeito suspensivo ao recurso para que seja afastada a aplicação de ofício do crime de desobediência e da imposição de matrícula da infante em colégio particular e, por fim, pugna pelo provimento ao apelo para que "seja afastado o dever do Município em cumprir a ordem mandamental, até que possa readequar a estrutura escolar, de modo a não comprometer a incolumidade pública das crianças envolvidas". A autora também apelou, pugnando reforma da sentença no tocante à indenização por danos morais, sustentando que o não atendimento à solicitação de vaga em creche constitui, por si, in re ipsa, o evento danoso, ademais de que a omissão do ente público é específica, situação que também gera indenização moral por responsabilidade objetiva. Sugere, para fins de reparação, o arbitramento do quantum em valor simbólico de R$ 1,00 (um real), cumulado com retratação pública pelo Prefeito. Ainda, requer condenação em honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, vez que a vedação da Súmula 421 do STJ não incidiria in casu. Contrarrazões por ambas as partes, em suma, pelo desprovimento aos recursos adversos. A Procuradoria de Justiça emitiu parecer pelo desprovimento a ambos os recursos (fls. 9/13 TJ). É o relatório, em síntese. Voto 1. Na exordial, narrou a autora que, apesar de solicitada vaga e matrícula para frequentar Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), não obteve sucesso, sob justificativa de ausência de vagas. Sustentou o direito de acesso à educação infantil. O Juízo concedeu antecipação de tutela, determinando ao Município a matrícula da infante em CMEI próximo à sua residência.
O requerido comprovou o cumprimento da ordem judicial (págs. 48/49) Após contestação pelo requerido e parecer favorável do Ministério Público, o Juízo proferiu sentença julgando parcialmente procedente o pedido, confirmando a liminar concedida, fixando multa diária e possibilidade de bloqueio de valores para o custeio da criança em instituição privada e prevendo cominação no crime de desobediência em caso de descumprimento. A sentença desacolheu o pleito de indenização em danos morais por entender não existirem elementos aptos a demonstrar culpa/dolo do Município, e em virtude de Termo de Ajustamento de Conduta firmado por este com o Ministério Público estadual, deixando ainda de fixar honorários advocatícios ao fundamento de que, sendo a Defensoria Pública órgão estatal, seria indevida a transferência de recursos por outro ente federativo. 2. Apelo do requerido 2.1. Desmerece acolhimento o pleito do Município de recebimento do recurso com efeito suspensivo. A uma, porque o Juízo, ao admitir o recurso, recebeu-o com efeito meramente devolutivo, decisão da qual o apelante não se insurgiu; portanto, preclusa a pretensão. A duas, porque, conforme fundamentado na supramencionada decisão, o art. 520 do CPC/73, em seu inciso VII, prevê o recebimento de apelação unicamente com efeito devolutivo quando decorrente de sentença que confirma a antecipação dos efeitos de tutela, como é o caso dos autos. 2.2. Quanto ao mérito, melhor razão não lhe assiste. A r. sentença não merece reparos, pois que encontra suporte nos arts. 208, inc. IV e 227 da Constituição da República, arts. 4º e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e em jurisprudência do STF e desta Corte. A questão da intervenção do Judiciário em casos de omissão executiva no que respeita ao cumprimento de direitos fundamentais e até mesmo da mitigação da teoria da reserva do possível quando se tratar de tema que toca ao mínimo
existencial - in casu, direito fundamental à educação infantil - está há muito superada na jurisprudência, não havendo se falar em violação do princípio da separação de poderes, a exemplo do seguinte julgado do STF: "... A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que... em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das `crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal... Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político- administrativa dos entes municipais... Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à `reserva do possível'. Doutrina" (STF, RE 410715 AgR, Segunda Turma, Min. Celso de Mello, j. 22/11/2005) Desta premissa, e sopesada a importância do direito fundamental em discussão, escorar-se em óbices orçamentários não conflui em justificativa suficiente para a atenuação, limitação ou dilação do direito em análise. A educação infantil é direito básico e essencial a toda e qualquer criança, e conquanto a qualidade da educação em si seja atributo exigido para sua fiel concretização, esta só se inicia com a matrícula do
infante na instituição de ensino. Por força dos arts. 208 e 227 da CF/88 e dos arts. 4º e 54 do ECA, inclusive, a execução do direito fundamental da criança possui ordem de prioridade absoluta. Outrossim, inexiste conflito de normas entre o direito à educação infantil e o princípio da isonomia, porque o que se exige do Município é a atribuição de vagas para todos, concretizando o princípio da igualdade, sendo reprovável o argumento de aguardo em fila de espera frente ao direito em discussão. Recentemente, o STF: "CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE MUNICIPAL. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO..." (STF, RE 956.475/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12/05/2016) Neste viés, frisa-se que o direito à creche é não apenas de titularidade dos infantes, mas também direito social esposado no art. 7º, XXV, da Constituição Federal, como direito dos trabalhadores, sendo nítido o seu caráter assistencial voltado à compatibilização entre a convivência familiar plena (esta, também garantia prevista pelo art. 19 do ECA) com a necessidade do exercício de atividade remunerada para sua subsistência caráter que justifica a integralidade do atendimento educacional, sob pena de sua insuficiência. 2.3. Por derradeiro, o pedido de afastamento da cominação do crime de desobediência não subsiste, eis que tal medida, prevista no art. 26 da Lei
12.016/09, visa dotar a decisão judicial de maior eficácia e é justificada pela reiteração do ato, conforme inúmeras ações similares. Igualmente, desmerece acolhida o pedido de reforma da sentença no ponto em que determinou ao requerido, acaso não cumprida a ordem, a incidência de multa diária e custeio de matrícula em instituição particular. Tratam-se de providências, as adotadas pelo Juízo, que se revestem de força necessária e suficiente a desencorajar o descumprimento de decisão judicial. De toda sorte, a eventualidade de crime de desobediência, incidência de multa e de não cumprimento da determinação de matrícula e frequência em creche pública, é remota, ou melhor, resta por superada, vez que noticiou o requerido o cumprimento do comando judicial em 10/06/2015 (págs. 48/49). Tais medidas seriam possíveis apenas se, após confirmada a procedência da demanda do autor em duplo grau de jurisdição, o Município interrompesse unilateralmente a prestação, conjectura que, espera-se, é meramente hipotética. 3. Apelo da autora 3.1. Quanto ao pleito de dano moral, muito embora a percuciência dos argumentos da apelante, a sentença é de ser mantida. Parte a autora da compreensão de que o dano, na hipótese dos autos, é in re ipsa, de forma a que bastaria a demonstração do fato. Outrossim, articula que, contrário ao entendido na sentença, em caso de omissão também cabe dano moral objetivo - independente de comprovação de culpa -, porque a omissão não é genérica e sim específica. De um lado, e conforme admitido pela apelante, não seria o caso de condenação pecuniária ao ente público. As dificuldades orçamentárias - muitas vezes consequência de aplicação não racional dos recursos públicos e ou falta de adequado planejamento - não recomendam tal espécie condenatória, o que, de toda sorte, ao fim e ao cabo, recairia sobre o bolso do contribuinte. De outro lado, a condenação não pecuniária, embora possível, também não se mostra adequada. O descuido com a educação não é atribuível, aprioristicamente, a uma ou outra gestão. Decorre de negligência administrativa e política que perpassa décadas. Por isso, atribuir a determinado chefe de executivo municipal obrigação de retratação em jornal de ampla circulação, especialmente em
municípios de médio e pequeno porte, importaria em formação de indesejável instrumento de manipulação política em processos eleitorais. Não se está a diminuir, de forma alguma, a importância do direito à educação à infante - ou do direito à creche aos filhos dos trabalhadores -, vez que se trata de direito com prioridade absoluta que nos juízos e tribunais tem encontrado proteção para sua exequibilidade, merecendo destaque o incomensurável trabalho desenvolvido pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. Contudo, e especialmente em ações individuais, parece-me, ao menos nesta época, que o reconhecimento de danos morais implicaria, em via transversa, diminuição de recursos orçamentários e maior dispêndio ao contribuinte (para hipótese de condenação pecuniária), e desaconselhável fomento ao uso político e inadequado de retratação e reconhecimento forçados de culpa por agentes do executivo em específico (hipótese de condenação em obrigação de fazer). 3.2. Com razão a apelante, porém, no pedido de imposição de honorários advocatícios de sucumbência. Não há se falar em confusão entre credor e devedor - tese da sentença -, porque inexiste simetria entre as esferas federativas. Embora entes da federação, as pessoas jurídicas de direito público (Estado e Município) não são iguais ao ponto de autorizar que daquilo que um for credor o outro também o seja. A Súmula 421/STJ autoriza esta conclusão, vez que somente veda, e com acerto, o pagamento de verba honorária à Defensoria pela "pessoa jurídica de direito público à qual pertença". Trata-se de questão bem resolvida no STJ em sede de recurso representativo de controvérsia: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. CÓDIGO CIVIL, ART. 381 (CONFUSÃO). PRESSUPOSTOS. 1. Segundo noção clássica do direito das obrigações, ocorre confusão quando uma mesma pessoa reúne as qualidades de credor e devedor. 2. Em tal hipótese, por incompatibilidade lógica e expressa previsão legal extingue-se a obrigação. 3. Com base nessa premissa, a jurisprudência desta Corte tem assentado o entendimento de que não são devidos honorários advocatícios à Defensoria
Pública quando atua contra a pessoa jurídica de direito público da qual é parte integrante. 4. A contrario sensu, reconhece-se o direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face de ente federativo diverso, como, por exemplo, quando a Defensoria Pública Estadual atua contra Município. 5. Recurso especial provido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC e à Resolução nº 8/2008-STJ." (STJ, REsp 1.108.013/RJ, Corte Especial, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, j. 03/06/2009) Além do consolidado entendimento jurisprudencial, destaca-se a previsão constante na Lei Complementar Estadual do Paraná 136/2011: "Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública do Estado do Paraná na orientação jurídica e defesa dos necessitados, na forma do artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dentre outras: (...) XIX - executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por entes públicos, excetuando-se relativamente à Administração Direta do Estado do Paraná, destinando-se aos fundos geridos pela Defensoria Pública do Estado do Paraná e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública do Estado do Paraná e à capacitação profissional de seus membros e servidores". Acerca da fixação da verba - muito embora a relevância da causa, do direito pleiteado e do alto grau de zelo profissional, sopeso o caráter não-alimentar da verba (eis que destinada a fundo institucional), a circunstância de ser vencida a fazenda pública, a repetitividade da matéria e a não realização de audiência -, tenho por bem fixar os honorários advocatícios em R$700,00 (setecentos reais), em conformidade aos parâmetros do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73 (regra aplicável, ante a época da sentença e do recurso). 4. Em sede de reexame necessário, tirante o que alterado pela via de recurso voluntário, nada mais há para reparos na r. sentença. 5. Do exposto, voto por conhecer e negar provimento à apelação 1 (requerido), conhecer e dar parcial provimento à apelação 2 (autora) ao efeito de fixar honorários advocatícios, e conhecer do reexame necessário, mantendo a r. sentença em seus demais termos.
Decisão ACORDAM os Magistrados integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à apelação 1, conhecer e dar parcial provimento à apelação 2 e conhecer do reexame necessário, mantendo a sentença em seus demais aspectos, nos termos do voto do Relator. Presidiu a sessão de julgamento o Desembargador Carlos Eduardo Andersen Espínola, sem voto, e votaram os Desembargadores Prestes Mattar e Lilian Romero. Em Curitiba, 30 de Agosto de 2016. Joscelito Giovani Cé Juiz Relator
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