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Acórdão
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Certificado digitalmente por: SIMONE CHEREM FABRICIO DE MELO HABEAS CORPUS Nº 1.565.152-8 2ª VARA DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. IMPETRANTE: FELIPE FOLTRAN CAMPANHOLI. PACIENTE: GUILHERME CUNHA PADILHA. RELATORA: Juíza de Direito Substituta em 2º Grau SIMONE CHEREM FABRÍCIO DE MELO1. PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO HOMOLOGADA. REQUERIMENTO DE AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INDEFERIDO PELA JULGADORA DE PRIMEIRO GRAU. ALUDIDA EXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL, EM VIRTUDE DA NEGATIVA DO PLEITO DE RELATIVIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DO SURSIS PROCESSUAL E DA IMPOSIÇÃO DE NOVAS RESTRIÇÕES. OCORRÊNCIA. PACIENTE QUE VINHA CUMPRINDO EXITOSAMENTE AS MEDIDAS QUE LHE FORAM PRESCRITAS. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DAS EXIGÊNCIAS DO SURSIS SEM PRÉVIO REQUERIMENTO DAS PARTES. PROVIDÊNCIA ADOTADA QUE SE MOSTROU EXACERBADA. SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM QUE DEMONSTRA A BOA-FÉ DO EXECUTADO EM COMUNICAR SUAS INTENÇÕES AO JUÍZO FISCALIZADOR DA MEDIDA. RETIFICAÇÃO DO DECISUM COMBATIDO E PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE PROVA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO [PELO LAPSO TEMPORAL EM QUE O PACIENTE PERMANECER NO EXTERIOR] QUE SE IMPÕE. ORDEM CONCEDIDA, EM RATIFICAÇÃO À LIMINAR OUTRORA DEFERIDA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 1.565.152-8, da 2ª Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é impetrante FELIPE FOLTRAN CAMPANHOLI e paciente GUILHERME CUNHA PADILHA.
I RELATÓRIO
1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelo advogado FELIPE FOLTRAN CAMPANHOLI em favor de GUILHERME CUNHA PADILHA, que se encontra atualmente cumprindo as exigências que lhe foram impostas por ocasião da suspensão condicional do processo.
Argumenta o nobre defensor, em síntese, que vem sendo impingido ao paciente por parte do Juízo de Direito da 2ª Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba manifesto constrangimento ilegal, em decorrência do indeferimento do pedido de substituição da cláusula de comparecimento bimestral em Juízo por prestação pecuniária, além da imposição de outras restrições.
Explica que o paciente fora agraciado com o sursis processual em agosto de 2014, sendo que, na oportunidade, lhe foram prescritas diversas condições, as quais vem cumprindo de forma integral.
Acrescenta que, recentemente, o Sr. GUILHERME planejou viagem aos Estados Unidos da América juntamente com sua família, a fim de verificar a possibilidade de domicí lio e emprego naquele país. Deste modo, solicitou, após adquirir as passagens áreas, autorização para viagem ao Juízo impetrado, conjuntamente com a relativização das condições antes cominadas, o que foi negado.
Alega, nesse sentido, que a decisão exarada pela autoridade inquinada de coatora ocasiona evidente constrangimento ilegal, pois, além de ter indeferido o requerimento formulado pela defesa, ordenou o recolhimento do passaporte do paciente e a comunicação à Polícia Federal e à Embaixada Americana sobre a impossibilidade de viagem.
Sustenta, por conseguinte, que o Juízo de primeiro grau alterou de forma arbitraria as cláusulas outrora acordadas entre o Sr. GUILHERME e o Ministério Público Estadual, impondo-lhe novas exigências.
Requer, por isso, a concessão da ordem, inclusive em caráter liminar, a fim de que sejam cessados os efeitos da deliberação reputada como ilegal e "imediatamente recolhidos os ofícios cuja expedição foi determinada" . Pugna, outrossim, pela relativização dos termos da suspensão condicional, para que o paciente passe "a comparecer bimestralmente perante a Autoridade brasileira na cidade em que venha a residir" (fls. 10/11-TJ).
2. Em deliberação exarada às fls. 76/82-TJ esta Magistrada houve por bem deferir a liminar perquirida, de modo a cassar a decisão que determinou o recolhimento do passaporte do Sr. GUILHERME e, ainda, prorrogar o período de prova da suspensão condicional do processo por idêntico lapso temporal àquele em que o paciente permanecer em território estrangeiro .
3. Solicitadas informações à autoridade inquinada de coatora [naquela mesma oportunidade], foram elas prestadas às fls. 87/88-TJ. 4. Em parecer emitido às fls. 90/93-TJ, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela concessão da ordem. 5. Voltaram, então, os autos conclusos. 6. É o sucinto relatório.
II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
7. Da análise à prova pré-constituída que acompanha o remédio constitucional que deve ser conhecido, porque devidamente instruído , entendo que a ordem deve ser concedida. Da Suspensão Condicional do Processo 8. Reclama o impetrante que a deliberação proferida pela Magistrada singular é ilegal e arbitrária, já que [ além de impedir o paciente de viajar aos Estados Unidos da América] alterou unilateralmente as condições para o cumprimento do sursis processual.
Extrai-se dos autos que o Sr. GUILHERME fora denunciado pela prática do ilícito capitulado no artigo 180, caput, do Código Penal (fls. 15/17).
Em momento posterior, o Ministério Público Estadual ofereceu proposta de suspensão condicional do processo, por subtender preenchidos os requisitos elencados no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995. Na oportunidade, restou acordado entre as partes e chancelado pelo Juízo que, pelo prazo de 02 (dois) anos, o paciente deveria: a) comunicar eventual transferência de residência; b) não se ausentar da Comarca de domicílio por mais de 30 (trinta) dias; c) comparecer bimestralmente em Juízo; e d) pagar a devida prestação pecuniária imposta.
Com efeito, o Sr. GUILHERME vinha cumprindo, exitosamente, todas as medidas que lhe foram prescritas, tendo dado início espontaneamente à observação de comparecer a cada bimestre em Juízo, o que se perfez no dia 04 de setembro de 2015, e efetuado o pagamento da prestação pecuniária em data de 04 de julho de 2016 (fls. 25/27).
Nesse sentido, no intuito de que sua viagem não configurasse violação às condições da suspensão condicional do processo, comunicou previamente o Juízo da 2ª Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Curitiba acerca da viagem, postulando autorização para permanecer por 06 (seis) meses nos Estados Unidos da América.
O pedido, contudo, restou indeferido, tendo a Magistrada atuante em primeiro grau de jurisdição ordenado, ainda, a entrega do passaporte pelo paciente e a expedição de ofícios à Polícia Federal e à Embaixada dos Estados Unidos da América, a fim de obstar a saída do executado do território nacional.
Pois bem.
Registre-se, desde logo, que não se ignora que a viagem do paciente ao exterior infringe o acordo de suspensão condicional do processo por ele firmado.
Ora, é certo que o Sr. GUILHERME terá de se ausentar da Comarca por mais de 30 (trinta) dias, além de restar impossibilitado de comparecer bimestralmente em Juízo durante o período de ausência [cujo retorno está previsto para o dia 22 de fevereiro de 2017 fls. 41/46].
Nada obstante, a providência adotada pela julgadora singular é, de fato, excessiva e arbitrária. Isso porque inf ere-se do cenário fático-processual que o paciente demonstra boa-fé ao solicitar permissão para viagem e comunicar suas intenções ao Juízo fiscalizador das medidas.
Cabe ressaltar, nesse ponto, que a suspensão condicional do processo é medida despenalizadora, introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 9.099/95, baseada em ajuste de confiança formulado pelo órgão ministerial com o acusado, objetivando não seja instaurada ação penal para averiguar crime com pena mínima cominada não superior a 01 (um) ano de reclusão.
Desse modo, é notório que as ações do paciente se basearam justamente em relação de fidúcia, com prévias e honestas informações sobre seus desígnios à Justiça Estadual. Poderia o Sr. GUILHERME, se estivesse imbuído de má-fé, simplesmente realizar sua viagem e desrespeitar as condições então infligidas. Isto é, poderia deixar o país e, posteriormente, arcar com as consequências de sua escolha, vale dizer, a prorrogação do período de prova ou mesmo a revogação da suspensão condicional do processo, com instauração da ação penal.
Porém, como visto, preferiu assim não agir.
Ainda assim, o Juízo da Execução das Medidas Alternativas denegou o requerimento de viagem do paciente, determinando também o recolhimento de seu passaporte e a expedição de ofícios à Polícia Federal [na tentativa de impedir sua saída do país] e à Embaixada Norte-Americana [visando dificultar a sua entrada nos EUA].
Em outras palavras, a autoridade impetrada impôs condições que antes não existiam, já que estipulou restrições adicionais ao pacto de suspensão condicional do processo inicialmente firmado pelo paciente. Ademais, afastou o direito do executado de descumprir o sursis processual, conforme seu livre arbítrio.
Nesse caminhar, convém destacar que, como bem observou o ilustre Procurador de Justiça, "se ao réu é obrigatória a observância dos termos acordados, ao magistrado é inviável a alteração das condições homologadas sem o requerimento das partes ou com a inclusão de condições que não contam com previsão legal, apesar do que prevê o § 2º, do dispositivo legal retro apontado" (fl. 92-verso, verbis).
Confira-se, a propósito, o seguinte julgado:
"PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI 9.099/95, ARTIGO 89 - SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES - IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - BENEFÍCIO REVOGADO - RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO. 1. Em se tratando de exceção ao princípio da obrigatoriedade, que continua sendo a regra no processo penal brasileiro, a hipótese prevista no artigo 89 da Lei n.º 9.099/95 deve ser interpretada restritivamente. Tanto é assim que não pode o órgão acusador oferecer a proposta quando entende apenas conveniente, mas só quando atendidas as condições previstas na lei. 2. Se acatada a posição defendida pelo recorrente estar -se-á, em última análise, desrespeitando o princípio da obrigatoriedade, que fundamenta praticamente toda a atuação
do Ministério Público no sistema jurídico vigente atualmente, o que não se admite. Não pode o acusado valer -se de benefício que lhe foi garantido pela legislação, do modo como melhor lhe aprouver. Deve ele estar adstrito aos exatos termos do quanto acordado com o Ministério Público Federal atuante no processo, sob pena de ofensa ao princípio da obrigatoriedade. Se não pode o Ministério Público, titular da ação penal, atuar fora dos limites impostos pela Lei, com justa razão não pode o réu atuar, em benefício próprio, fora dos limites impostos pela lei. 3. Acordada a suspensão condicional do processo entre as partes (acusação e defesa), e sendo a mesma homologada pelo Juiz, o dispositivo abstrato da lei tornou -se concreto para a hipótese, e seu descumprimento equivale ao descumprimento da própria lei, entre as partes. 4. Uma vez homologado pelo Juiz o acordo, só a ele é dado decidir sobre sua alteração, em caso de pedido neste sentido, após ouvido o Ministério Público, e, repise -se, estando presentes as hipóteses legalmente previstas. 5. Recurso do acusado desprovido. Decisão mantida na íntegra. (TRF-3 - RSE: 5428 SP 0005428-21.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, Data de Julgamento: 08/10/2012, QUINTA TURMA grifou-se). Demais disso, denota-se, inclusive, que os motivos determinantes do decisum combatido se mostram desarrazoados, mormente porque nada está a indicar que o paciente irá permanecer no território estrangeiro indefinidamente. Com efeito, o Sr. GUILHERME possui passagens aéreas com datas certas de ida e volta, sem olvidar que seu visto [do tipo `B1/B2'] admite a permanência nos Estados Unidos da América por no máximo 06 (seis) meses (fl. 61).
Por conseguinte, considerando que até o momento todas condições de suspensão do processo foram cumpridas pelo Sr. GUILHERME, aliado à lisura de seu comportamento ao antecipar
seus anseios pessoais de sair do país [rememore-se, com data marcada para o regresso], afigura-se razoável ratificar a liminar anteriormente concedida.
De se sopesar, entretanto, o iminente descumprimento das medidas então conferidas e aceitas pelo paciente, visando harmonizar sua situação com os deveres assumidos perante a Justiça.
E, neste contexto, entremostra-se como a melhor alternativa conceder-lhe a prorrogação do período de prova da suspensão condicional do processo pelo prazo de 06 (seis) meses, a contar de seu retorno ao Brasil.
Na esteira do que prevê o artigo 89, § 4º da Lei nº 9.099/95, a não observação das condições impostas é causa facultativa à revogação da suspensão do processo, incumbindo, quando as circunstâncias se evidenciarem favoráveis [ como é o caso], a prorrogação do período de prova.
Nesse sentido o julgado do Superior Tribunal de Justi ça que abaixo se transcreve:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL). SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DESCUMPRIMENTO DE CONDIÇÃO. COMPARECIMENTO MENSAL EM JUÍZO. HIPÓTESE DE REVOGAÇÃO FACULTATIVA. PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE PROVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. O descumprimento da condição referente ao comparecimento mensal em juízo é hipótese de revogação facultativa da suspensão condicional do processo. 2. Ao não decidir pela revogação da benesse, apenas prorrogando o período de prova, o Juízo Federal atuou de
forma mais favorável ao acusado, pelo que não há que se falar em constrangimento ilegal passível de ser reparado por esta Corte Superior de Justiça. Precedente. 3. A prorrogação do período de prova por 2 (dois) meses, equivalente a mais um comparecimento pessoal em juízo, não caracteriza medida desproporcional ou injusta, já qu e corresponde exatamente à condição descumprida. 4. Recurso improvido". (STJ, Quinta Turma. RHC nº 41.168/PR. Relator: Ministro Jorge Mussi. Publicado em 23/04/2014). Por conseguinte, atentando-se para o fato de que as condições foram rigorosamente cumpridas pelo Sr. GUILHERME até o momento, pelo prazo de um ano [metade do período estipulado no sursis processual], depreende-se razoável que o paciente, ao retornar de viagem, retome imediatamente o cumprimento das medidas então infligidas, que deverá se dar pelo período restante, isto é, de mais um ano, com o objetivo de, ao final, quitar suas obrigações com a Justiça Estadual. 9. EX POSITIS, voto pelo CONHECIMENTO e pela CONCESSÃO da ordem, em ratificação à liminar outrora deferida, de modo a cassar a decisão atacada e, em consequência da autorização de viagem [e descumprimento das condições de suspensão do processo pelo prazo máximo de 06 (seis) meses ], prorrogar o período de prova do Sr. GUILHERME por idêntico lapso temporal àquele em que permanecer em território estrangeiro [que, repise-se, não poderá ultrapassar 06 (seis) meses].
III DECISÃO
10. ACORDAM os Magistrados integrantes da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER do Habeas Corpus e CONCEDER a ordem, nos termos da fundamentação .
Expeça-se ofício via sistema mensageiro ao Juízo impetrado, comunicando o teor do acórdão, ficando a Sra. Chefe de Seção, desde já, autorizada a assinar o expediente necessário ao cumprimento desta deliberação.
A sessão de julgamento foi presidida pela Senhora Desembargadora Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, sem voto, e dela participaram os Senhores Desembargadores Luiz Osório Moraes Panza e Rogério Coelho. Curitiba, 25 de agosto de 2016.
Simone Cherem Fabrício de Melo Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau Relatora
-- 1 Em substituição ao Des. Jorge Wagih Massad. --
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