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Acórdão
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Certificado digitalmente por: RENATO NAVES BARCELLOS APELAÇÃO CRIME Nº 1.512.362-7, DA VARA CRIMINAL E ANEXOS DA COMARCA DE RIO BRANCO DO SUL APELANTE : LUANA DANIELLE SILVA APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR : DES. RENATO NAVES BARCELLOS APELAÇÃO CRIME - APROPRIAÇÃO INDÉBITA EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 168, §1º, INCISO III, C/C ART. 71, AMBOS DO CP) - PRELIMINARES - PRETENSÃO DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA - NÃO CONHECIMENTO - MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO - AVENTADA NULIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO DESCABIMENTO - MATÉRIA NÃO ALEGADA EM OPORTUNIDADE PRÓPRIA - PRECLUSÃO OPERADA - IRREGULARIDADES DO INQUÉRITO POLICIAL QUE NÃO TÊM O CONDÃO DE MACULAR A AÇÃO PENAL - FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL DE APENAS PREPARAR O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL - PRAZO IMPRÓPRIO PARA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO - MÉRITO - PLEITO ABSOLUTÓRIO NÃO ACOLHIMENTO - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS - VERSÃO DA RÉ INCONSISTENTE COM AS DEMAIS PROVAS COLIGIDAS NO PROCESSO - IMPORTÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - MÁ-FÉ E DOLO ESPECÍFICO DA APELANTE - COMPROVAÇÃO - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO EM PARTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO VISTOS, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Crime nº 1.512.362-7, da Vara Criminal e Anexos da Comarca de Rio Branco do Sul, em que é apelante LUANA DANIELLE SILVA, tendo como apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. LUANA DANIELLE SILVA foi condenada ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, ao valor unitário mínimo legal, reprimenda esta substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, pela prática do crime capitulado no artigo 168, §1º, inciso III, c/c art. 71, ambos do CP, por ter, de janeiro de 2009 a agosto de 2010,
mediante abuso de confiança derivada da relação de emprego, apropriado-se por diversas vezes de valores, que somados totalizaram R$25.856,00 (vinte e cinco mil oitocentos e cinquenta e seis reais) de propriedade da vítima Jair. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (fls. 225- 237), requerendo, preliminarmente, a concessão dos benefícios da justiça gratuita, bem como arguindo a nulidade do inquérito policial, por violação dos princípios da publicidade e da razoável duração do processo. Neste contexto, argumentou que somente tomou ciência da investigação realizada contra si, quando foi citada para oferecer defesa preliminar, asseverando, ademais, que entre a portaria que instaurou o inquérito e o oferecimento da denúncia transcorreram mais de 04 (quatro) anos. No mérito, pleiteou sua absolvição, sob o argumento de que inexistem provas do desvio de valores alegado pela acusação, tampouco de que teria sido a apenada a autora dos ilícitos. Para tanto, pontuou que os clientes ouvidos como testemunhas da acusação garantiram que sempre efetuavam o pagamento para si, mas na presença da vítima, o qual era o responsável, diariamente, por "fazer o caixa" da ótica na qual trabalhava. Sustentou, ainda, que o Juízo singular desconsiderou sua negativa de autoria e baseou a condenação em provas advindas estritamente da fase administrativa. Contrarrazões às fls. 248-259 A d. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso (fls. 273-281). É o relatório.
Registre-se, num primeiro momento, que a apelação crime não pode ser conhecida em sua integralidade, eis que a matéria relativa à pretensão da concessão da benesse da assistência judiciária gratuita é de competência exclusiva do Juízo da Execução, uma vez que somente este é que deve aferir as condições financeiras da agente. Neste diapasão: "APELAÇÃO CRIME - DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA (ARTIGO 15 DA LEI Nº 10.826/03) - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO - EXAME DE CORPO DE DELITO NÃO REALIZADO - ARMA DE FOGO NÃO APREENDIDA - PRESCINDIBILIDADE - PROVA TESTEMUNHAL QUE SUPRE A AUSÊNCIA DO EXAME - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 167 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS - ALEGAÇÃO DE CONDUTA ATÍPICA POR NÃO CAUSAR LESÃO A NENHUM BEM JURÍDICO - NÃO ACOLHIMENTO - DELITO DE PERIGO ABSTRATO E DE MERA CONDUTA, QUE INDEPENDE DO RESULTADO NATURALÍSTICO - CRIME CARACTERIZADO - REQUERIMENTO DE ISENÇÃO DE MULTA E CUSTAS PROCESSUAIS - NÃO CONHECIMENTO - PEDIDO QUE DEVE SER FORMULADO PERANTE O JUÍZO DE EXECUÇÃO PENAL - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO." (sem destaque no original) (TJPR Segunda Câmara Criminal Apelação Criminal nº
1.177.406-4 Rel. Desembargador JOSÉ CARLOS DALACQUA Julg. 29/05/2014). No que concerne aos demais pleitos, o recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os requisitos processuais de admissibilidade. Pois bem. Como se viu da síntese dos fatos, preliminarmente, requer a defesa técnica a decretação da nulidade do processo, desde a fase administrativa, tendo-se em conta que não foi a apenada indiciada, tampouco ouvida no inquérito policial, tendo tomado conhecimento da investigação contra ela realizada somente quando citada para apresentar defesa preliminar, o que teria violado o princípio da publicidade, bem como o da razoável duração do processo, sendo certo que por diversas vezes o prazo para conclusão do inquérito policial foi prorrogado, transcorrendo-se mais de 04 (quatro) anos entre a portaria que instaurou o procedimento administrativo e o oferecimento da denúncia. Todavia, em que pesem as supramencionadas alegações, tenho para mim que o processo transcorreu normalmente, inexistindo qualquer nulidade a ser declarada. De imediato, cumpre registrar que as nulidades arguidas pela defesa nem sequer deveriam ser analisadas, uma vez que em nenhum momento prévio às razões recursais acostadas às fls. 225-237, apresentou a defesa qualquer insurgência nesse sentido, razão pela qual entendo que se operaram os efeitos da preclusão, nos termos do art. 571, II, do CPP, dispositivo legal este que determina que eventuais nulidades verificadas durante a instrução criminal devem ser arguidas até as alegações finais.
Sobre o tema, colaciono os seguintes julgados: "APELAÇÃO CRIME - HOMICÍDIO CULPOSO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - NULIDADE OCORRIDA DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL - MATÉRIA NÃO ALEGADA EM OPORTUNIDADE PRÓPRIA - PRECLUSÃO OPERADA - INTELIGÊNCIA DO ART. 571, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INEXISTÊNCIA - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - INOCORRÊNCIA - IMPRUDÊNCIA BEM DELINEADA - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO NA PARTE CONHECIDA. 1. As supostas nulidades da instrução criminal devem ser suscitadas no momento do oferecimento das alegações finais, sob pena de preclusão. 2. Não é inepta a denúncia que explicita qual teria sido a conduta imprudente da autora, de molde a configurar o tipo penal do homicídio culposo. 3. Não há falta de fundamentação, quando o julgador, de forma sóbria e comedida, demonstra seu convencimento acerca da culpa da apelante no evento danoso. 4. Age com imprudência o motorista que, ao mudar de pista, interrompe a passagem de outro veículo, o qual, visando evitar a colisão, desvia para a pista do lado e acaba por colidir com uma motocicleta, que transitava regularmente pela via". (TJPR
Primeira Câmara Criminal Apelação Crime nº 1.264.857-8 Rel. Desembargador CAMPOS MARQUES Julg. 09/04/2015) "HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. NULIDADE DE CITAÇÃO EDITALÍCIA. RÉU EM LUGAR INCERTO E NÃO SABIDO (FORAGIDO). POSTERIOR CONSTITUIÇÃO DE DEFENSOR PARA ACOMPANHAR A INSTRUÇÃO. ATO QUE SUPRE EVENTUAL FALTA OU NULIDADE DA CITAÇÃO. ARGUIÇÃO FORA DO MOMENTO OPORTUNO. CONVALIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL AUSENTE. PARECER ACOLHIDO. 1. O atual entendimento adotado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça é de que não se tem mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. Quando manifesta a ilegalidade ou sendo teratológica a decisão apontada como coatora, situação verificada de plano, admite-se a impetração do mandamus diretamente nesta Corte para se evitar o constrangimento ilegal imposto ao paciente. 2. Encontrando-se o réu foragido, em lugar incerto e não sabido, correta a determinação da citação editalícia. Contudo, a constituição de advogado, mediante procuração nos autos, configura comparecimento espontâneo do acusado, suprindo eventual falta ou nulidade da citação (Precedentes). 3. De acordo com o art. 571, II, do Código de Processo Penal, nos processos de competência do Juiz singular, as nulidades
ocorridas durante a instrução processual devem ser arguidas, em preliminar, nas alegações finais, sob pena de preclusão. In casu, a nulidade da citação só foi levantada em preliminar de apelação criminal, portanto fora do momento oportuno. 4. Habeas corpus não conhecido". (STJ Sexta Turma Habeas Corpus nº 293.320/MS Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Julg. 11/11/2014). De mais a mais, dos artigos que tratam do tema no CPP, dessume-se que o inquérito policial é instrumento administrativo que viabiliza a produção de provas de materialidade e indícios suficientes de autoria, destinados à formação da opinio delicti do Ministério Público, sendo que não poderão sozinhas, consoante determina o art. 155 do referido Codex, ensejar a condenação. Deste modo, evidente que eventual nulidade no inquérito policial não tem o condão de macular a ação penal, justamente porque esta etapa tem características específicas, dentre elas, a ausência de contraditório. Nesse sentido: "ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES - SENTENÇA CONDENATÓRIA - ARGUIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E DA CIRCUNSTACIALIZAÇÃO DOS FATOS - NÃO ACOLHIMENTO - DENÚNCIA COMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA - INEXISTÊNCIA DE VÍCIO - DENÚNCIA EM PERFEITA ADEQUAÇÃO AO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL - EXPOSIÇÃO QUE PERMITE AMPLA ARTICULAÇÃO DEFENSIVA, ADEMAIS, SENTENÇA JÁ PROLATADA - NULIDADE DA AÇÃO PENAL - NULIDADE POR VÍCIO NO INQUÉRITO POLICIAL - REJEITADA - POSSIVEIS VICIOS NO INQUÉRITO QUE NÃO AFETAM A AÇÃO PENAL A QUE DEU ORIGEM - MERO PROCEDIMENTO INFORMATIVO - PRELIMINARES AFASTADAS - MÉRITO - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONVERGE DE FORMA COERENTE E HARMÔNICA PARA DEMONSTRAÇÃO DA AUTORIA DELITIVA - PALAVRA DAS VÍTIMAS - IMPORTÂNCIA SUBSTANCIAL EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - CONDENAÇÃO DEVIDA - RECURSO DESPROVIDO." (sem destaque no original) (TJPR Quarta Câmara Criminal Apelação Crime nº 1.363.984-8 Rel. Desembargador CARVÍLIO DA SILVEIRA FILHO Julg. 25/02/2016). "HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CONHECIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. FASE PRÉ-PROCESSUAL. NATUREZA MERAMENTE INFORMATIVA. EXUMAÇÃO DE CADÁVER. AUSÊNCIA DE PRAZO HÁBIL PARA REQUERER NOMEAÇÃO DE
ASSISTENTE TÉCNICO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. I - Acompanhando o entendimento firmado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus n. 109.956, de relatoria do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, a 5ª Turma deste Superior Tribunal de Justiça passou a adotar orientação no sentido de não mais admitir o uso do writ como substitutivo de recurso ordinário, previsto nos arts. 105, II, a, da Constituição da República e 30 da Lei n. 8.038/1990, sob pena de frustrar a celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional. II - O entendimento desta Corte evoluiu para não mais se admitir o manejo do habeas corpus em substituição ao recurso próprio, bem assim como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes. III - Inaplicável o princípio do contraditório na fase inquisitorial, porquanto esta possui natureza administrativa, destinando-se a prover elementos informativos ao responsável pela Acusação, que lhe permitam oferecer a denúncia. Precedentes. IV - Impossibilidade desta Corte aprofundar o exame do conjunto fático-probatório, sobretudo na via estreita do writ. Precedentes. V - Habeas corpus não conhecido". (sem destaque no original) (STJ Quinta Turma Habeas Corpus nº 212.494/SC Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA Julg. 08/05/2014).
E ainda que assim não fosse, como bem ponderou a douta Procuradoria Geral de Justiça, é possível ao Ministério Público oferecer denúncia sem que tenha havido inquérito policial prévio, não tendo demonstrado a defesa qualquer prejuízo que tenha sofrido, diante de não ter sido a apenada cientificada da instauração do procedimento administrativo. Do mesmo modo, não comprovou a defesa eventuais prejuízos advindos da prorrogação do prazo para a conclusão do referido procedimento, tendo-se em conta, ademais, que o prazo estabelecido no CPP é tido pela doutrina e pela jurisprudência como impróprio, justamente porque diante da deficiente estrutura estatal é deveras improvável a conclusão das investigações preliminares em 30 (trinta) dias, quando se tratar de réu solto, ou 10 (dez) dias, em caso de indiciado preso em flagrante ou preventivamente (art. 10 do CPP). Amoldam-se ao caso vertente, os seguintes precedentes: "APELAÇÃO CRIMINAL - LATROCÍNIO - USO DE ALGEMAS - POSSIBILIDADE - NULIDADE NÃO CARACTERIZADA - AUSÊNCIA DOS RÉUS NA OITIVA DAS TESTEMUNHAS - ARGUIÇÃO TARDIA EM FACE DA PRECLUSÃO - PREJUÍZO NÃO COMPROVADO - CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO COMPROVADO - AUSENCIA DE INTERROGATÓRIO NA FASE DE INQUERITO - MERA IRREGULARIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - DELAÇÕES EXTRAJUDICIAIS DOS CORRÉUS EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE
CONVICÇÃO - SÓLIDO CONTEXTO PROBATÓRIO - LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO - CONDENAÇÃO MANTIDA - REDUÇÃO DA PENA - FALTA DE INTERESSE RESURSAL - REPRIMENDA APLICADA NO MÍNIMO LEGAL- RECURSOS NÃO PROVIDOS. - O uso de algemas é possível quando necessário para segurança própria ou alheia, não constituindo desrespeito à dignidade do réu. - Não tendo sido eventual irregularidade reclamada a tempo e a modo, desautorizada a posterior arguição de nulidade, pois preclusa a oportunidade para fazê-lo. - Não integrando o vício alegado o rol das nulidades absolutas, cabe à parte que o erigir comprovar a ocorrência de efetivo prejuízo, nos termos do art. 563 do CPP. - A juntada de carta precatória após o oferecimento das alegações finais não implica em cerceamento de defesa, pois previsto no art. 222 do CPP. - Eventuais irregularidades ocorridas na fase de inquérito não têm o condão de macular a ação penal, sendo certo, ainda, que os princípios do contraditório e da ampla defesa não se aplicam ao período de investigações policiais. - A retratação em juízo de corréu, apresentando nova versão para o crime, não tem valor de convicção quando isolada nos autos. - As provas colhidas durante o inquérito, se comprovadas durante a instrução em juízo, servem como fundamentos para a decisão do juiz.
- A prova testemunhal, aliada aos demais indícios probatórios são elementos de convicção suficientes são suficientes para a condenação, em conformidade com o sistema do livre convencimento motivado. - Quando a pena é aplicada em seu mínimo legal, falta interesse recursal ao apelante ao pedir a redução da reprimenda". (sem destaque no original) (TJMG Primeira Câmara Criminal Apelação Crime nº 10245120254918001 Rel. Desembargador ALBERTO DEODATO NETO Julg. 30/05/2014). "HABEAS CORPUS. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO. CRIME DE LATROCÍNIO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. PRISÃO DO RÉU NÃO DECORRE DO FEITO SOB ANÁLISE. INEXISTÊNCIA DE MANDADO DE PRISÃO. PLEITO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. I- Quando o indiciado em autos de inquérito não teve sua prisão decretada, o prazo para oferecimento da denúncia é impróprio e sua extrapolação não acarreta qualquer constrangimento ilegal. II- A inexistência de ameaça do direito de liberdade impossibilita a concessão da ordem e eventual trancamento do inquérito policial". (TJPR Quarta Câmara Crimi8nal Habeas Corpus nº 811.097-6 Rel. Desembargador MIGUEL PESSOA Julg. 15/09/2011).
Diante de tal quadro, estou plenamente convencido da inexistência de qualquer nulidade a macular o processo. No mérito, a defesa requer a absolvição da apelante, aduzindo, em apertada síntese, que inexistem provas dos desvios realizados na ótica onde trabalhava, tampouco de que tenha sido a autora. Para tanto, aduz a nobre defesa que todos os clientes do estabelecimento, que foram ouvidos como testemunhas da acusação, asseguraram que efetuavam o pagamento para a acusada, porém tudo se passava na frente do patrão desta, ora vítima. Ainda, asseverou que era o ofendido Jair quem "fazia o caixa" diariamente da ótica de sua propriedade, não tendo a apelante qualquer envolvimento com o procedimento. Neste contexto, a ré, ouvida judicialmente às fls. 168, negou a autoria delitiva, confirmando que teria trabalhado por 04 (quatro) anos na ótica de propriedade da vítima Jair, sendo que durante todo esse período nunca tirou férias e presenciou diversas ilegalidades cometidas pelo ofendido, dentre elas o fato de que Jair fazia exames médicos na ótica e não cobrava do cliente, para que este comprasse seus óculos naquele estabelecimento. Esclareceu que em um dado dia resolveu confrontar o patrão, pedindo-lhe, de início, um aumento, o que foi por ele recusado, razão pela qual informou-lhe que ajuizaria ação na justiça do trabalho para reivindicar o valor das suas férias, asseverando, ainda, que iria reporta-lo pelas irregularidades. Sustentou que foi em razão dessa conversa que Jair lhe imputou o crime em questão, asseverando que seria impossível ter realizado os desvios por ele pontuados, porque o ofendido estava a todo
momento na ótica, havia câmeras de segurança e era Jair o responsável, todos os dias, por "fazer o caixa". Todavia, em que pesem as supramencionadas alegações, entendo, na mesma esteira do parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, que a ré foi autora do crime capitulado no art. 168, §1º, III, c/c art. 71, ambos do CP, descrito na inicial de fls. 02-04. Vejamos. A materialidade delitiva restou consubstanciada pela portaria de fls. 06, boletim de ocorrência de fls. 07-08 e documentos de fls. 15-50, 57-60, 64-70 e 76-82. A autoria, por sua vez, a meu ver, é certa e recai sobre a ora apelante, consoante depoimentos coligidos em ambas as fases processuais. A vítima, sempre quando ouvida (fls. 12-13, 56 e 150), narrou que é proprietária de uma ótica, sendo que a ré foi sua funcionária de 2006 a 2010, tendo ela sido demitida por justa causa. Durante este período, pontuou que somente Luana trabalhava no local, exercendo a função de vendedora, além de estar autorizada a receber o pagamento dos clientes. Explicou que era o responsável por fechar o caixa diariamente, mas era a apenada quem negociava diretamente com os clientes, preenchia os carnês, registrava as "folhinhas" no sistema e, depois de receber o pagamento, colocava-as, junto com o dinheiro, na gaveta do caixa. Elucidou que, em agosto de 2010, percebeu que a entrada do caixa era menor do que a saída de mercadorias, ao observar duas ordens de serviço em que constava o pagamento à vista no sistema, enquanto que no caixa não havia a correspondente entrada de valores. Ao questionar Luana sobre o fato, a apenada afirmou
que os clientes haviam dito que pagariam "aos poucos", mesmo confrontada com o registro no sistema de que o pagamento teria sido à vista. Assim, por conhecer uma das clientes, procurou-a, questionando-a sobre a forma de pagamento que teria combinado com Luana, tendo esta lhe esclarecido que já havia pago à ré um determinado montante, mas que faltava uma parcela. Luana, quando novamente questionada, nada respondeu, dando autorização ao ofendido para descontar de seu pagamento a importância devida. Em razão disso, resolveu o declarante fazer uma conferência mais aprofundada dos recebimentos e das ordens de serviço, tendo percebido que desde de janeiro de 2009 haviam sido realizados desvios, que totalizaram R$25.856,00 (vinte e cinco mil oitocentos e cinquenta e seis reais). Quando questionado, mencionou que nunca desconfiou de nada, porque tinha plena confiança em Luana. E aqui, não é demais trazer à colação o entendimento desse Egrégio Tribunal de Justiça a respeito da importância da palavra da vítima em crimes contra o patrimônio, justamente em razão de, em regra, serem perpetrados às escondidas: "APELAÇÃO CRIME. ESTELIONATO (ARTIGO 171, CAPUT, E ARTIGO 29, AMBOS DO CÓDIGO PENAL) SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DEPOIMENTO DA VÍTIMA QUE ENCONTRA RESPALDO NAS DEMAIS PROVAS. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA EM CASOS DE DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO." (TJPR Quarta Câmara Criminal
Apelação Crime nº 921.773-6 Rel. Juíza Substituta em 2º Grau de Jurisdição ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES Julg. 26/02/2014). Como testemunhas de acusação foram ouvidos três clientes da ótica de propriedade da vítima Jair, Darci (fls. 61 e 148), Pamela (fls. 71-72 e 152) e Ricardo (fls. 74 e 151), os quais confirmaram, em ambas as oportunidades em que foram ouvidos, que, como de costume, efetuavam o pagamento das lentes e óculos que adquiriam para a funcionária Luana, sendo que, diferentemente do que sustentou a defesa, nem sempre o ofendido Jair estava presente. Vale ressaltar que os clientes supramencionados asseguraram que não recebiam qualquer recibo por parte de Luana, quando efetuavam os pagamentos em dinheiro, sendo que Pamela consignou que no seu caso, em específico, acordou com a apelante que o valor que devia à ótica, em razão de ter comprado lentes de contato, seria compensado com uma dívida pessoal que Luana tinha para consigo, uma vez que, na época, vendia, autonomamente, lingeries. Atente-se, nesse contexto, que a testemunha Pamela afirmou que ao questionar Luana sobre o assunto, a ré lhe garantiu que seu patrão, Jair, sabia e havia autorizado a referida compensação (o que foi negado pela vítima). Há, ainda nos autos, os depoimentos das testemunhas de defesa Diomar (fls. 153) e Suellen (fls. 154), tendo o primeiro registrado o bom comportamento da acusada, que teria sido sua funcionária em outro estabelecimento, enquanto a segunda esclareceu que teria trabalhado na companhia de Luana na ótica de propriedade de Jair, tão-somente, em quatro sábados, sendo que nunca presenciou qualquer comportamento estranho da inculpada.
Pois bem. A situação ora delineada é, na realidade, o embate entre a palavra da vítima e a da acusada, sendo que da análise das provas acima sumarizadas, entendo que o relato daquela deve preponderar, restando evidenciado que a inculpada, aproveitando-se da sua posição de atendente na ótica do ofendido, estando autorizada a receber pagamentos, cadastrando-os no sistema e no caixa, apropriou-se indevidamente de valores de que legalmente tinha posse, subsumindo-se sua conduta ao delito tipificado no art. 168, §1º, III, do CP. Isso porque, as declarações prestadas pela vítima se deram de forma coerente com as circunstâncias que contextualizaram a realização do delito, havendo completa sintonia entre a sua narrativa e as demais provas coligidas, em especial o teor da documentação acostada às fls. 15-50, 57-60, 64-70 e 76-82, em que é plenamente possível perceber que pagamentos que eram efetuados por clientes e recebidos por Luana não eram lançados no sistema de contabilidade do estabelecimento (a título de exemplo, verificar os comprovantes de pagamento do dia 1º de abril de 2010, acostados às fls. 37 ordens de serviço nº 6091, 6021, 6162, 6059, 6096 e 6187 , que não constam no movimento de caixa do mesmo dia, acostado às fls. 15). Especificamente quanto ao cliente ouvido, Darci, foram juntados pelo ofendido Jair os comprovantes da compra efetuada e nota fiscal (registre-se que segundo Darci e a nota fiscal teria a testemunha dado uma entrada de R$200,00 [duzentos reais] a Luana, mas na frente de Jair, e parcelado o restante do valor em 04 [quatro] vezes, a primeira parcela paga diretamente a Luana em 10 de junho de 2010, no valor de R$139,00 [cento e trinta e nove reais], e as demais nos meses subsequentes, no montante de R$137,00 [cento e trinta e sete reais] cada), que revelam que o montante de
R$200,00 (duzentos reais), referente à entrada, foi registrado no caixa (fls. 66), porém as duas parcelas seguintes de R$139,00 (cento e trinta e nove reais) e R$137,00 (cento e trinta e sete reais), pagas, respectivamente nos dias 12 de julho (fls. 67) e 10 de agosto de 2010 (fls. 69), recebidas por Luana, não foram registradas no caixa (fls. 68 e 70). Importante sublinhar, neste contexto, que a documentação juntada ao feito pela vítima desmente por completo a versão trazida pela sentenciada de que não desviava valores, ao passo que resta evidente que o dinheiro dos clientes era por ela recebido (fls. 48-50), mas não constava nos registros de movimentação do caixa. Veja-se que sequer o argumento de que a ré não poderia perpetrar o crime em questão, porque o ofendido sempre estava presente na hora em que recebia os valores dos clientes e porque havia câmeras na ótica, socorre a apelante, uma vez que, consoante os depoimentos dos próprios clientes e da vítima, verifica-se que por diversas vezes a apenada estava sozinha no momento do pagamento, não havendo qualquer elemento de prova, em dissonância com o disposto no art. 156 do CPP, de que estas câmeras existiam ou funcionavam regularmente. Forçoso consignar, ademais, que a consumação do ilícito de apropriação indébita se dá quando o agente inverte a posse do bem ou, na hipótese, valor, que originariamente recebeu (tinha posse) licitamente. Sobre o tema, têm-se os seguintes julgados: Apelação Criminal. Condenação. Apropriações indébitas. Crime continuado. Recurso. Juízo de prelibação positivo. Mérito. Absolvição incabível. Alienação de bens dos quais a ré
só tinha propriedade na proporção de 50%. Inaplicabilidade do art. 181, inciso I, CP, ao caso. Delito caraterizado. Dosimetria. Manutenção dos acréscimos. Culpabilidade acentuada pelas circunstâncias do caso concreto (patente tentativa de não cumprir medida imposta pelo DETRAN/PR). Circunstâncias do crime. Condição de sócia que facilitou a concretização dos delitos, além da transgressão de normas internas da sociedade. Acréscimo não alterado. Aplicação da pena nas demais fases escorreita. Prescrição. Inocorrência. Não incidência do lapso temporal entre os marcos interruptivos. Recurso conhecido e, no mérito, desprovido. 1. Caracteriza-se o delito de apropriação indébita quando a parte que detém a posse/detenção de determinado bem alheio, exerce ato que demonstra a intenção de não restituí-lo. No caso em tela, não há dúvidas quanto à tipicidade da conduta cometida pela agente, vez que ela dispôs da totalidade de bens dos quais somente tinha a propriedade na razão de metade. 2. No caso em tela é inaplicável a isenção de pena prevista no artigo 181, inciso I, do Código Penal porque ré e a vítima, à época dos fatos delineados na denúncia, não estavam mais na constância da sociedade conjugal. 3. O aumento em face da culpabilidade é razoável nos casos em que se demonstra que a reprovabilidade da conduta cometida foi acima do normal. Na hipótese dos autos, o fato de a ré de ter tentado violar medida imposta pelo DETRAN/PR (processo administrativo que culminou no cancelamento do seu registro e licença funcionam), justifica a elevação levada a efeito em primeiro grau. 4.Além da facilitação do crime em face da condição de sócia que ostentava, a ré transgrediu normas internas da sociedade (empresa Centro de Formação de Condutores Glazek Ltda), circunstâncias essas que devem ser consideradas em seu desfavor. 5. Não transcorrendo, entre os marcos interruptivos, o prazo aplicável ao caso (oito (08) anos, conforme art. 109, inciso IV, do Código Penal), não incide a prescrição da pretensão punitiva Estatal. (sem destaque no original) (TJPR Quarta Câmara Criminal Apelação Crime nº 1.004.684-3 Rel. Juiz de Direito Substituto em 2º Grau ROGÉROP ETZEL Julg. 03/07/2014).
"APELAÇÃO CRIME. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ARTIGO 168, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO
DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. ALEGAÇÃO DE FATO EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE PENAL. NÃO COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA DEFESA. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA. FIXAÇÃO. ATUAÇÃO EM SEDE RECURSAL. ABRANGÊNCIA. 2 1. Presentes provas suficientes de materialidade e autoria, e ausente qualquer causa excludente de ilicitude ou de isenção de pena, deve ser mantida a condenação. 2. Demonstrado que o acusado, após a inversão da posse de objeto que lhe fora confiado licitamente, recusa-se a devolvê-lo, incumbe à defesa comprovação de fato excludente da responsabilidade penal. 3. O arbitramento de honorários advocatícios na sentença em favor do defensor dativo, em montante adequado e suficiente para abranger a remuneração pelo trabalho em primeiro e segundo graus, afasta a pretensão de nova fixação pela atuação em sede recursal. 4. Apelação crime conhecida e não provida." (TJPR Quinta Câmara Criminal Apelação Crime n 1.166.079-0 Rel. Desembargador LUIZ CARLOS GABARDO Julg. 07/08/2014).
Atente-se, por fim, que não se desincumbiu a apenada, tampouco, de comprovar a justificativa dada por ela, em seu interrogatório judicial, para a imputação do ilícito de apropriação indébita, isto é, de que Jair teria falsamente lhe incriminado, porque intentava a acusada ingressar com uma ação trabalhista, por não lhe ter sido concedido seu direito às férias, e visava a ré denunciá-lo em razão de ilicitudes por ele cometidas na ótica. Dessa forma, restando comprovado que a ré Luana Danielle Silva, sem qualquer autorização do seu empregador, a ora vítima Jair, e sem devolver os valores recebidos dos clientes, aproveitando-se da sua condição de funcionária da ótica de propriedade do ofendido, apropriou-se, em diversas oportunidades, de montantes em dinheiro oriundos dos clientes de Jair, conduta esta que se subsume ao capitulado no art.
168, §1º, III, c/c art. 71, ambos do CP, impõe-se, portanto, a manutenção da condenação exarada em primeiro grau, não havendo que se falar, como demonstrado, que a referida condenação restou baseada apenas em provas angariadas no inquérito policial. Em face do exposto, voto, em conclusão, no sentido de conhecer em parte do presente recurso de apelação e, nesta extensão, negar-lhe provimento, mantendo a sentença lançada por seus próprios fundamentos, mais os aqui invocados. ACORDAM os Desembargadores da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer em parte do apelo e, nesta extensão, negar-lhe provimento, tudo nos termos da fundamentação supra. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Lidia Maejima (Presidente, com voto), e Celso Jair Mainardi.
Curitiba, 11 de agosto de 2016.
RENATO NAVES BARCELLOS Desembargador Relator
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