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Certificado digitalmente por: JORGE WAGIH MASSAD PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Estado do Paraná APELAÇÃO CRIMINAL N 1577099-7 DA 2ª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA NUMERAÇÃO ÚNICA: 0032475-27.2015.8.16.0013 APELANTE: PATRICIO MACHADO (réu preso) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: DES. JORGE WAGIH MASSAD RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL TRÁFICO ILÍCITO DE DROGA DESCLASSIFICAÇÃO ART. 28 OU ART. 33, § 3º, DA LEI 11.343/06 IMPOSSIBILIDADE DOSIMETRIA TEORIA DA COCULPABILIDADE INAPLICABILIDADE PENA-BASE AUMENTO DESPROPORCIONAL 1 REINCIDÊNCIA FRAÇÃO DE ACRÉSCIMO EXAGERADA ADEQUAÇÕES IMPERIOSAS SENTENÇA ALTERADA RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Revela-se acertada a condenação pelo tráfico ilícito de droga se o conjunto probatório carreado aos autos evidencia a prática, pelo agente, de uma das condutas elencadas no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. O depoimento prestado por policial pode configurar prova contra o acusado, sendo plenamente cabível sua utilização na formação do convencimento do julgador, sobretudo quando em consonância com outras evidências colhidas na persecução criminal. (Precedentes).Cód. 1.07.030 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Estado do Paraná Inaplicável a teoria da coculpabilidade, para o fim de diminuir a reprimenda imposta, se inexistente circunstância concreta indicando que a vulnerabilidade social do agente propiciou a prática delitiva. Não obstante a discricionariedade que permeia a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a escolha do quantum de acréscimo por aquelas reputadas desfavoráveis ao apenado deve se pautar na razoabilidade e ser proporcional ao intervalo da sanção cominada abstratamente ao crime. Deve ser adequado o acréscimo pela reincidência, na segunda fase da dosimetria, se observado excesso, pena de se equiparar a circunstância agravante às causas especiais de aumento 2 Apelação conhecida e parcialmente provida, com a redução da pena imposta. Trata-se de recurso de apelação criminal deduzido contra a respeitável sentença da Meritíssima Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Patricio Machado foi condenado às penas de 8 (oito) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e de 799 (setecentos e noventa e nove) dias-multa, devido à prática do delito disposto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. A persecução criminal teve como substrato a seguinte narração fática:
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"No dia 30 (trinta) do mês de dezembro do ano de 2015 (dois mil e quinze), por volta das 20h30, na praça situada na Rua Natalio Scussiato, n. 20, Bairro Campo Comprido, cidade e Comarca de Curitiba/PR, o denunciado PATRICIO MACHADO, agindo com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, sem autorização e em desacordo com determinação legal, vendeu, à pessoa de Nilton Schiitze, 01 (uma) pedra, da substância entorpecente `Benzoilmetilecgonina', popularmente conhecida como `crack', e trazia , com finalidade de venda, 26 (vinte e seis) pedras, da mesma droga, pesando no total 35g (trinta e cinco gramas); tudo consoante `Auto de Exibição de Apreensão' do evento 1.2 e `Auto de Constatação Provisória de Droga' de evento 1.2; droga essa capaz de causar dependência física e/ou psíquica e que tem seu uso proscrito no país, conforme SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998 e atualizada pela resolução da diretoria 3 colegiada RDC n. 06 de fevereiro de 2014 (lista F1). Consta dos autos, que a equipe policial estava em patrulhamento na praça, quando avistaram o denunciado PATRICIO vendendo drogas para Nilton, o qual estava na posse de uma pedra de crack e um cachimbo. Ressalta-se, que foi encontrado com o denunciado a quantia de R$ 5,00 (cinco reais), valor esse derivado da venda da respetiva droga (cfr. `Auto de Exibição e Apreensão' do evento 1.2)." A defesa de Patricio Machado, inconformada com o édito condenatório, requer, em síntese, a desclassificação delitiva para a figura típica do art. 28 da Lei 11.343/06 e, por conseguinte, a "não imposição de pena" ao apelante, devido à inconstitucionalidade deste delito. Cód. 1.07.030
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Não acolhida esta tese, pugna pela alteração do enquadramento da conduta de Patricio Machado para o art. 33, § 3º, da mesma legislação especializada. No âmbito da dosimetria, pretende a fixação da pena-base no mínimo legal, bem como o reconhecimento da atenuante inominada do art. 66 do Código Penal, por força da teoria da coculpabilidade, para diminuir a sanção imposta. Mov. 133.1. Em contrarrazões, a digna Promotora de Justiça se manifestou pela integral manutenção da decisão atacada. Mov. 136.1. O ilustre representante da Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer, igualmente opinou pelo conhecimento e não provimento do apelo. Fls. 9/13. É o relatório. Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de 4 admissibilidade, conheço do recurso, o qual não prospera. As teses desclassificatórias ventiladas pela defesa não encontram arrimo nos autos para seu acolhimento. A materialidade delitiva está consubstanciada no auto de prisão em flagrante delito (mov. 25.1 inquérito policial), auto de exibição e apreensão (mov. 25.4 - IP), auto de constatação provisória de droga (mov. 25.6 - IP), boletim de ocorrência (mov. 25.12 - IP), laudo pericial de substâncias químicas (mov. 115.1) e testemunhos colhidos durante a persecução criminal. A autoria, do mesmo modo, é incontestável. As provas dos autos são bastantes em apontar que Patricio Machado praticou a conduta ilícita do art. 33, caput, da Lei 11.343/06, nos exatos termos denunciados. Cód. 1.07.030
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O apelante, ouvido em juízo, negou o crime. Em resumo, disse que após terminar seu trabalho naquela dia, comprou, com mais dois amigos, 27 (vinte e sete) buchas de "crack" para fumarem juntos na praça da região. Chegando neste local, foi detido pela polícia. Segundo alegou, foi preso em flagrante, pois estava com tornozeleira eletrônica e os milicianos verificaram que ele já tinha uma condenação por tráfico. Contou, ainda, ser de sua propriedade o cachimbo com o qual foi encontrado e admitiu ter repassado uma pedra do entorpecente a seu companheiro "Nilton", não, porém, a título de venda, mas apenas porque estava com todos os tóxicos comprados pelo trio. Foi ele o responsável por ir buscar a droga, tendo recebido previamente o dinheiro de seus parceiros, nos seguintes valores: R$15,00 (quinze reais) de "Nilton" e R$ 40,00 (quarenta reais) do "Clevinho"; de sua parte, pagou R$ 70,00 (setenta reais). Cada pedra custou R$ 5,00 (cinco reais). Além disso, falou que, dias antes, os mesmos agentes de 5 segurança o abordaram e, vendo sua tatuagem de palhaço no braço, prometeram "arrumar pra ele ainda" se não "tirasse" tal desenho corporal. Perguntado sobre o motivo pelo qual não contou tal situação na Delegacia, respondeu que "estava dormindo quando foi interrogado", pois estava sob efeito de álcool, ingerido entre o intervalo do término de seu serviço e o momento da compra do "crack". Mov. 93.1 CD-ROM. A versão do recorrente, todavia, é fraca e encontra-se isolada nos autos. Confirmam os fatos conforme narrados na exordial acusatória os depoimentos, firmes e uníssonos, de Wesley de Oliveira Lourenço e Diego Renan Pontes, policiais atuantes no caso. Aquele miliciano relatou em inquérito que (mov. 25.2 - IP):
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"Quando estavam em patrulhamento na praça, avistamos um indivíduo, posteriormente identificado como sendo Patricio Machado, passando um objeto a outro indivíduo (identificado como Nilson Schiitze); quando realizada a abordagem onde (sic) localizamos com o indivíduo que havia recebido (Nilson), objeto (sic) uma pedra de substância semelhante ao crack e um cachimbo, e com o outro indivíduo [apelante] foi localizado vinte e seis pedras da mesma substância e R$ 5,00 reais em dinheiro; que as pedras foram encontradas com o primeiro indivíduo, que o usuário [Nilson] admitiu que estava comprando drogas e havia pago R$ 5,00; que indagado Patricio falou que estava traficando, que de cada 10 pedras ele ganharia duas (sic); (...)." Seu colega de farda Diego apresentou a mesma versão dos fatos na Delegacia (mov. 25.3 - IP) e, posteriormente, também em juízo (mov. 93.1 CD- ROM), conforme fiel transcrição exarada na sentença vergastada: "por diversas vezes já tinham avistado o réu no local, mas quando 6
tentavam a abordagem ele conseguia se evadir da equipe. Assim, no dia dos fatos, presenciaram o réu repassando alguma coisa para um senhor, de modo que tal pessoa foi abordada, sendo constatado que se tratava de uma pedra de crack. Esclareceu que nessa oportunidade PATRICIO também foi abordado e com ele foram encontradas 26 pedras de crack e a quantia de R$ 5,00 (cinco reais). Comentou que PATRICIO, durante a abordagem, negou o tráfico e disse que era apenas usuário, de modo que informou ao réu que não cabia a ele tal conclusão e que ele seria encaminhado à Autoridade Policial para as providências cabíveis. Disse que o réu sempre estava no mesmo lugar, numa praça e quando visualizava a viatura, sempre fugia do local. Esclareceu que o réu e o senhor não estavam consumindo droga, sendo que visualizou PATRICIO entregando alguma coisa para esse senhor, o que foi verificado, posteriormente, que se tratava de crack. Afirmou, com certeza, que viu o réu praticando a venda da droga. Não se recordou com mais detalhes da ação em razão do grande número de atendimentos da mesma espécie, de modo que após ser lido seu depoimento em delegacia, informou que tudo que falou na delegacia
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foi exatamente o que aconteceu, lembrando-se, ainda, que o réu tinha uma tornozeleira eletrônica e isso lhe chamou a atenção. Disse que o réu não estava com cachimbo e quem estava com tal instrumento era o senhor (Nilton). Disse que o local onde o réu foi preso é conhecido como ponto de tráfico, posto que a população sempre reclama dessa situação na região. Por fim, disse que o réu não aparentava estar sob efeito de droga." Acerca da palavra dos milicianos, pertinente ressaltar que a jurisprudência é pacífica quanto à possibilidade de utilização do depoimento prestado por policial como prova contra o acusado e, assim, como elemento de formação do convencimento do julgador, sobretudo quando harmônico, além de colhido sob o crivo do contraditório e em consonância com o restante das evidências obtidas durante a persecução criminal. Nessa toada, já decidiu este Tribunal de Justiça:
7 "TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM O FLAGRANTE EM HARMONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE DEU A PRISÃO DEMONSTRAM A INTENÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO DO TÓXICO APREENDIDO. DOLO CARACTERIZADO. IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. O simples pleito absolutório desprovido de provas ou índicos aptos a fundamentá- lo é insuficiente para desconstituir o decreto condenatório fundado no harmônico quadro probatório produzido. O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais, ainda mais quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório, reveste-se de inquestionável eficácia probatória. A simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita."
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(TJPR Apelação Criminal n.º 636548-0 4ª Câm. Criminal rel. Des. Miguel Pessoa DJ 27.08.2010).
"O valor do depoimento testemunhal de servidor policial - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor, quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com os outros elementos probatórios idôneos." (TJPR 5ª Câm. Criminal Apelação 532315-3 rel. Des. Lauro Augusto 8
Fabrício de Melo DJ 21.08.2009)
No mesmo sentido, é a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DEPOIMENTO DOS POLICIAIS. MEIO DE PROVA IDÔNEO. PRECEDENTES. (...) 1. Não há falar em ilicitude das provas produzidas, porquanto o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que o depoimento de policiais pode servir de referência ao juiz na verificação da materialidade e autoria delitivas, podendo funcionar como meio
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probatório válido para fundamentar a condenação, mormente quando colhido em juízo, com a observância do contraditório." (STJ Habeas Corpus n.º 136220/MT Quinta Turma rel. Min. Arnaldo Esteves Lima DJ 22.03.2010).
E, colhe-se da doutrina:
"Qualquer pessoa pode ser ouvida como testemunha. Porém, nos crimes de tóxico, de comum clandestinidade, em função do absoluto e justificado temor, em especial na grande e organizada criminalidade, embora possa ser conduzido coercitivamente (art. 218, CPP), como regra, o cidadão comum não presta testemunho, o que leva, invariavelmente, aos depoimentos dos policiais que tenham atuado na investigação. Não há qualquer impedimento legal para a ouvida dos agentes policiais, até mesmo pelo fato de que, como não há uma hierarquização das provas no sistema processual penal brasileiro, incumbe ao órgão competente, 9 inicialmente, o Ministério Público (na formação da opinio delicti), e, posteriormente a autoridade judiciária (na formação da culpa), fazer uma abordagem acerca do peso que será dado as declarações, em uma análise racional com a totalidade do conjunto probatório." (THUMS, Gilberto e PACHECO FILHO, Vilmar Velho. Leis Antitóxicos - Crimes, Investigação e Processo Análise Comparativa das Leis 6.368/1976 e 10.409/2002. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2004; p.78). Reforçando os relatos dos agentes de segurança pública, destacam-se as evidências fáticas do flagrante, in casu, tais como: a) a grave natureza e, ao revés do alegado pela defesa, expressiva quantidade da droga possuída pelo recorrente 35 g (trinta e cinco gramas) de "crack"; Cód. 1.07.030
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b) o modo, típico de destinação comercial, como estava distribuído o entorpecente: na forma de 26 (vinte e seis) pedras; c) a região do flagrante, conhecida como ponto de venda de substâncias ilícitas; d) o dinheiro encontrado com Patricio R$ 5,00 (cinco) reais , correspondente ao valor de uma bucha do tóxico. Sobre este montante pecuniário, embora pequeno, ficou evidente ter origem no tráfico ilícito em questão. Isso em razão de Nilton Shiitze, usuário de droga detido com o acusado, estar na posse de um cachimbo e de 1 (uma) pedra de "crack", a qual os milicianos viram ser repassada de Patricio para ele. Tais circunstâncias cotejadas ao fato de, segundo os abordados, a pedra de "crack" custar R$ 5,00 (cinco reais), exato valor localizado com o recorrente, não deixa dúvidas de que havia acabado de ocorrer a venda de referida bucha do denunciado para o viciado. 10 Especificamente sobre a pretensão de desclassificação delitiva para o art. 28 do caderno normativo especializado, a aventada condição de dependente químico do sentenciado não exclui o enquadramento de sua conduta no art. 33 da Lei 11.343/06. Conquanto seja o apelante viciado em drogas, tal condição, por si só, é insuficiente para afastá-lo da categoria de traficante. Infelizmente, é muito comum os usuários de entorpecentes incursionarem no comércio ilícito de substâncias tais para sustentarem seu próprio vício. Nesse sentido: "APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS - CONJUNTO PROBATÓRIO EFICAZ - DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO PARA USO PRÓPRIO (ART. 28, CAPUT, DA LEI 11.343/06) - IMPOSSIBILIDADE - FALTA DE PROVA IDÔNEA A DEMONSTRAR ESSA ÚNICA FINALIDADE - A SIMPLES ALEGAÇÃO DE TRATAR-SE DE USUÁRIO Cód. 1.07.030
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DE DROGAS, DESACOMPANHADA DE ELEMENTOS DE PROVA, NÃO TEM O CONDÃO DE ELIDIR A TRAFICÂNCIA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1) A quantidade de entorpecente apreendido, bem como local e condições em que se desenvolveu a ação criminosa, além das circunstâncias do caso indicam que a droga não se destinava exclusivamente a consumo pessoal. 2) "A simples alegação, sem qualquer prova, de ser o réu dependente ou usuário, ou mesmo de que possuía a droga para seu exclusivo consumo pessoal não constitui, por si só, motivo para a pretendida desclassificação, porque nada impede que o usuário, ou dependente, seja também traficante. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC 793210-9 - Jacarezinho - Rel.: Rogério Coelho - Unânime - J.09.02.2012).3) O delito de tráfico de drogas dispensa a presença de qualquer elemento subjetivo específico, bastando que o agente tenha a consciência e a vontade de praticar um 11 dos 18 (dezoito) verbos constantes do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 para sua tipificação". (TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 1349863-2 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel.: Ângela Regina Ramina de Lucca - J. 10.09.2015) Não bastasse tudo isso, igualmente impossível desclassificar a conduta de Patricio para o art. 33, § 3º, da Lei 11.343/06. Para a configuração do crime de uso compartilhado de droga, a Lei exige, cumulativamente, a presença de 4 (quatro) requisitos: oferecimento de tóxico; atuação sem o objetivo de lucro; envolvimento de pessoa de relacionamento próximo do réu; e consumo conjunto entre o agente e aquele que está recebendo a droga. Cód. 1.07.030
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In casu, além de as evidências do caso indicarem a comercialização de entorpecentes pelo acusado, restou demonstrado que tinha a intenção e obteve lucro ao oferecer "crack" a Nilton Shiitze. Ademais, o denunciado não estava consumindo o tóxico quando flagrado e inexistem elementos nos autos que apontem para a existência de uma amizade entre a dupla abordada. Logo, a conduta de Patricio não se encaixa no art. 33, § 3º, da Lei de Substâncias Ilícitas, pois não cumpre suas elementares. Farta e suficientemente comprovado, portanto, que o apelante trazia consigo 26 (vinte e seis) pedras de "crack" e vendeu 1 (uma) bucha, do mesmo tóxico, a terceiro revela-se acertada a sua condenação pelo crime de tráfico de droga, não prosperando qualquer intento desclassificatório. Por conseguinte, não acolhida a tese desclassificatória de porte de entorpecente para uso próprio, prejudicada a pretensão defensiva de afastar a punição do recorrente por inconstitucionalidade do art. 28 de precitada legislação especializada. 12 No tocante à dosimetria, não colhe ensejo o pleito de diminuição da pena-base no mínimo legal e/ou da reprimenda provisória com base na teoria da coculpabilidade. Na primeira fase, a ilustre Magistrada, sopesando negativamente o aspecto da culpabilidade, elevou a sanção de Patricio em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, pelas seguintes razões: "Culpabilidade: certamente que o fato de PATRICIO realizar o comércio de drogas estando com tornozeleira eletrônica impõe um maior grau de reprovação da sua conduta". A meu ver, agiu bem a Meritíssima Juíza, pois, realmente, o fato de o condenado, cumprindo expiação em regime semiaberto harmonizado com benefício Cód. 1.07.030
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de liberdade sob monitoramento eletrônico, cometer o delito em questão demonstra sua maior audácia e reprovabilidade. Ademais, ao revés do buscado pela defesa, o Estado não pode ser corresponsabilizado por tal conduta, sobretudo porque antecipou a liberdade do recorrente, oportunizando-lhe sua ressocialização. A teoria da coculpabilidade é, pois, inaplicável, na hipótese, conforme melhor justifico na sequência. Deve, portanto, ser mantida a desfavorável ponderação da culpabilidade do apelante. Verifico, porém, a necessidade de adequação do consequente aumento operado, pois calculado em excesso. O acréscimo na fase inicial de dosimetria é obtido através da divisão do intervalo dos limites de pena previsto ao tipo da condenação 10 (dez) anos, na hipótese pelo número de circunstâncias passíveis de ponderação nesta etapa 8 (oito), conforme art. 59 da Norma Punitiva1. 13 O resultado desta conta culmina na parcela de aumento devida para cada elemento ponderado em detrimento do apenado, que, no caso, corresponde a 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão. Destarte, altero e diminuo a reprimenda inicial do sentenciado para 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa. Na segunda etapa, o apelo sustenta a necessidade de decréscimo da sanção do recorrente, em virtude da aplicação da teoria da coculpabilidade como atenuante inominada, nos termos do art. 66 do Estatuto Repressivo. Alega que a vulnerabilidade social do reprochado, advinda da ineficiência estatal na prestação dos serviços essenciais à coletividade, teria propiciado a prática delitiva. 1 A Meritíssima Juíza não considerou a natureza e quantidade da droga, previstas no art. 42 da Lei 11.343/06, como circunstâncias de peso autônomo na pena-base. Cód. 1.07.030
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Sem razão, contudo. Embora não se possa negar as condições sociais desfavoráveis da população marginalizada, entendo ser inadmissível beneficiar o infrator criminal com a justificativa de que a sua vulnerabilidade propiciou a prática delitiva. Somente em hipóteses excepcionais se admite a tese de que a situação social precária do agente pode levá-lo ao cometimento de um delito (como é o caso do furto famélico). Na hipótese, contudo, não restou comprovada nenhuma circunstância concreta a ensejar a diminuição da reprimenda, em razão da situação socioeconômica do apelante. Admitir que as mazelas sociais geram a criminalidade seria o mesmo que reconhecer a tolerância estatal perante a prática delitiva, incentivando o caos e a desordem. A jurisprudência é majoritária em não reconhecer a teoria da coculpabilidade:
14 "APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. (...) PEDIDO DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA COCULPABILIDADE COMO ATENUANTE INOMINADA (ART. 66 DO CP). IMPROCEDÊNCIA. TEORIA QUE, VIA DE REGRA, NÃO VEM ENCONTRANDO ASSENTO NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS.ALÉM DISSO, INAPLICABILIDADE DA REFERIDA TEORIZAÇÃO NA ESPÉCIE, ANTE A INEXISTÊNCIA, NOS AUTOS, DE PROVA SOBRE A AUSÊNCIA OU REDUÇÃO DA CAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO DO RÉU, OU MESMO DE QUE SUA ALUDIDA DIFICULDADE FINANCEIRA DECORRERIA DE OMISSÃO ESTATAL. PRECEDENTES." (TJPR Apelação Criminal n.º 1362736-8 4ª Câm. Criminal rel. Des. Lidia Maejima DJ 07.10.2015) "APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO SIMPLES (ART. 157, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) - PLEITO ABSOLUTÓRIO - DESCABIMENTO - AUTORIA E
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MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - RECONHECIMENTO PESSOAL - DOSIMETRIA DA PENA - PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE ANTE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE - INVIABILIDADE - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO." (TJPR Apelação Criminal n.º 1357563-2 5ª Câm. Criminal rel. Des. Marcus Vinicius de Lacerda Costa DJ 22.07.2015). "CRIME DE FURTO QUALIFICADO - PROVA BASTANTE - CONDENAÇÃO MANTIDA - CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE INOMINADA (ARTIGO 66, DO CÓDIGO PENAL) - COCULPABILIDADE DO ESTADO - INAPLICABILIDADE - TENTATIVA - ITER CRIMINIS PERCORRIDO - FRAÇÃO DE REDUÇÃO CORRETA - APELAÇÃO DESPROVIDA. Muito embora a negativa da autoria, a absolvição resta inviável porque a prova coligida dá pleno suporte à sentença condenatória. Nos delitos contra o patrimônio a palavra da vítima possui eficácia probatória bastante para embasar a condenação, mormente quando, 15 como no caso, está em harmonia com os elementos probatórios colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Não tem aplicação da atenuante inominada (artigo 66, do Código Penal) porque não tem cabimento se imputar ao Estado a responsabilidade pelo crime cometido com a justificativa de que a não promoção da igualdade social contribuiria com aqueles que, por falta de opção, se dedicam a atividade criminosa. A eventual falta da devida assistência à sociedade não justifica o amparo ou cometimento de delitos, porque, é inegável, sempre prevalece o livre arbítrio da pessoa." (TJPR Apelação Criminal n.º 1285506-6 3ª Câm. Criminal rel. Des. Rogério Coelho DJ 20.05.2015). "APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES. PLEITO ABSOLUTÓRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DESACOLHIMENTO. VIOLAÇÃO DO PRÍNCIPIO DO NO BIS IN
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IDEM. INOCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE GENÉRICA DA COCULPABILIDADE. INVIABILIDADE. ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. (...) Coculpabilidade não configurada. Réu agiu livre e conscientemente, invalidando a justificativa de que a deficiência da assistência do Estado induz ao cometimento de delitos. A condição social de um indivíduo não constitui critério indicativo da delinquência." (TJRS Apelação Criminal n.º 70065968687 Sétima Câm. Criminal rel. Des. José Antonio Daltoe Cezar DJ 01.10.2015) "APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE INAPLICÁVEL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. TENTATIVA. INOCORRÊNCIA. MAJORANTE PELO USO DE ARMA BRANCA MANTIDA. ATENUANTE GENÉRICA DA COCULPABILIDADE INAPLICÁVEL. (...) Atenuante Genérica da Co-culpabilidade. Inexistem nos autos elementos 16 concretos a indicar a coculpabilidade ou a própria responsabilidade do Estado e da sociedade na prática do ilícito pelo réu. Ainda, para aplicação da atenuante genérica do art. 66 do Código Penal é necessária a comprovação de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, mesmo que não prevista em lei, o que não se verifica no caso concreto." (TJRS Apelação Criminal n.º 70065803017 Sexta Câm. Criminal DJ 23.09.2015). Inaplicável, portanto, corresponsabilizar o Estado pela infração praticada pelo apelante para o fim de diminuir a reprimenda imposta. A ilustre Magistrada verificou a incidência da agravante da reincidência e, por serem três as anteriores reprovações que geram tal situação, exasperou a sanção do recorrente em 1/5 (um quinto).
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Apesar de correto o reconhecimento do art. 61, inciso I, do Decreto-Lei 2.848/402, o grau de elevação aplicado deve ser diminuído. Como cediço, as circunstâncias agravantes não possuem parâmetros previstos na legislação penal. Cabe ao julgador estabelecer, fundamentada e razoavelmente, o acréscimo na resposta punitiva que merece a incidência de cada circunstância. A par disso, doutrina e jurisprudência se posicionaram ao longo do tempo no sentido de que a fração não pode ser maior do que a mínima prevista na terceira fase da dosimetria, sob pena de configurar verdadeira causa especial de aumento e ofender a lógica do sistema trifásico do saudoso professor Nelson Hungria. Com efeito, convencionou-se que, dentro da discricionariedade do Juiz, a fração de aumento não pode superar 1/6 (um sexto). Especificamente sobre o assunto, cito o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
17 "HABEAS CORPUS. ROUBO. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. ACRÉSCIMO DESPROPORCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Devido o Código Penal não ter estabelecido balizas para o agravamento e atenuação das penas, na segunda fase de sua aplicação, a doutrina tem entendido que esse aumento ou diminuição deve se dar em até 1/6 (um sexto), atendendo a critérios de proporcionalidade. 2. Na hipótese, reconhecida a agravante da reincidência, o Juízo de primeiro grau se deteve, apenas, a mencionar o quantum da elevação
2 Reincidência demonstrada por força das seguintes reprovações, prévias e definitivas, do apelante: 1) 0019481-40.2010.8.16.0013; 2) 0010968-20.2009.8.16.0013; e 3) 0003336-69.2011.8.16.0013 informações processuais anexas.
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que se deu em patamar superior a 1/3 (um terço) , sem declinar qualquer fundamentação a justificar a exasperação desarrazoada. 3. Desse modo, por ausência de fundamentação e proporcionalidade, o acréscimo decorrente do reconhecimento da agravante da reincidência deve ficar na fração de 1/6 (um sexto). 4. Ordem concedida." (STJ Habeas Corpus n.º 158848/DF Sexta Turma rel. Min. Og Fernandes DJ 10.05.2010). "PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. CONDUTA SOCIAL. AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. GRANDE QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. POSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. QUANTUM DE AUMENTO. RAZOABILIDADE. 18 (...) IV - Embora os percentuais relacionados às agravantes não encontrem limites expressos no Código Penal, a exacerbação da reprimenda em razão destas circunstâncias não poderá ultrapassar o limite mínimo previsto para a terceira fase da dosimetria, sob pena de se equiparar as circunstâncias agravantes às causas especiais de aumento." (STJ Habeas Corpus n.º 148002/SC Quinta Turma rel. Min. Felix Fischer DJ 22.02.2010). Logo, na hipótese, fixada fração superior a 1/6 (um sexto), modifico a decisão atacada, neste ponto, e aplico o precitado grau de aumento, quedando-se a pena intermediária de Patricio em 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15
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(quinze) dias de reclusão e 729 (setecentos e vinte nove) dias-multa, a qual se torna definitiva por inexistirem causas de aumento ou diminuição. A despeito da redução operada, mantenho o regime inicial fechado de cumprimento da expiação, devido à medida de reproche e à reincidência do apelante, com fulcro no art. 33, § 2º, alíneas "a" e "b", do Código Penal. Outrossim, incabível a concessão do benefício de substituição da espécie sancionatória, nos termos do art. 44 de precitado codex. Ante o exposto, meu voto é no sentido de dar parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir a pena imposta a Patricio Machado. É como decido. ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, PARA REDUZIR A PENA IMPOSTA A PATRICIO MACHADO, nos 19 termos do voto do relator. Participaram do julgamento os Desembargadores Luiz Osório Moraes Panza e Rogério Coelho. Curitiba, 01 de dezembro de 2016.
JORGE WAGIH MASSAD Relator Cód. 1.07.030
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