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Acórdão
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Certificado digitalmente por: ESPEDITO REIS DO AMARAL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.547.861-4, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 13ª VARA CÍVEL NPU: 0023054-25.2010.8.16.0001 APELANTE: CAIXA SEGURADORA S/A APELADA: JANAYNA DE HOLANDA MELO RELATOR: Des. ESPEDITO REIS DO AMARAL DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE ADESÃO A GRUPO DE CONSÓRCIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. VÍCIO NA CONTRATAÇÃO EVIDENCIADO. AUTORA INDUZIDA EM ERRO PELO GERENTE DE VENDAS DA ADMINSTRADORA. FALSA PROMESSA DE POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO FGTS DO CÔNJUGE. MOTIVO DETERMINANTE PARA A CONTRATAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. Vistos, examinados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.547.861-4, de Curitiba 13ª Vara Cível, em que é apelante CAIXA SEGURADORA S/A e apelada JANAYNA DE HOLANDA MELO.
1 EXPOSIÇÃO FÁTICA:
Cuida-se de recurso de apelação voltado a impugnar a sentença (fls. 275/279) proferida na Ação Anulatória de Contrato c/c Devolução de Valores NPU 0023054-25.2010.8.16.0001, ajuizada por JANAYNA DE HOLANDA MELO contra CAIXA SEGURADORA S/A E MAPFRE CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO, que julgou procedentes os pedidos iniciais, para o fim de declarar a nulidade do Contrato de Adesão a Grupo de Consórcio administrado pela MAPFRE CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO, e determinar a devolução dos valores adimplidos pela autora, corrigidos monetariamente pela média do INPC e IGPDI, a contar do desembolso, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, descontado o valor já adimplido em razão do deferimento da antecipação da tutela. Pela sucumbência, condenou as rés ao
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.547.861-4 pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.
Em recurso de apelação (fls. 291/298), a ré CAIXA SEGURADORA S/A sustentou, em síntese, que:
I. O contrato assinado pela autora está em perfeita consonância com a Circular nº 2766 do BACEN; II. Quando da contratação, a apelada tinha plena consciência dos termos do contrato, não podendo alegar agora o contrário; III. A utilização do FGTS do esposo da apelada não foi previamente autorizada pela apelante, como pretende fazer a apelada; IV. A utilização do FGTS nunca foi dada como certa, mas sim uma possibilidade. Todas as normas colocadas no contrato assinado pela autora estão em consonância com a legislação pertinente Oficio Circular 2766 do BACEN; V. Nos termos da cláusula 37.6 do contrato, a devolução das parcelas pagas pelo consorciado somente ocorrerão após o encerramento, "...no prazo de 60 dias após a data da última assembleia de contemplação do grupo", motivo pelo qual a CAIXA DE CONSÓRCIOS não atendeu de imediato o pedido da autora, uma vez que tal atendimento causaria um desequilíbrio econômico-financeiro entre as partes, prejudicando inclusive os demais consorciados do grupo; VI. Requereu o provimento do recurso, para o fim de se afastar a condenação imposta ao apelante, confirmado a legalidade e validade do contrato formalizado entre as partes. Em contrarrazões (fls. 302/312), a autora JANAYNA DE HOLANDA MELO alegou, em síntese, que:
I. A testemunha foi taxativa, ao afirmar que Edson Gurgel assegurou à requerente ser possível utilizar o FGTS de seu cônjuge. Ainda, afirmou que tal informação foi fundamental para que a recorrida fechasse o consórcio ofertado; II. Ao se interessar pelo produto, a recorrida buscou esclarecer diversas dúvidas a respeito das condições oferecidas, inclusive em relação à utilização do FGTS para pagamento do consórcio; III. Edson Gurgel, gerente de vendas da Mapfre, afirmou que, caso a recorrida adquirisse uma cota do consórcio administrado pela CAIXA e comercializado pela MAPFRE, garantiria a utilização do FGTS de seu marido para oferta de lance; IV. No formulário para formalização da Garantia (doc. 17), consta que o lance oferecido pela recorrida incluiria a importância de R$ 53.000,00, que seria paga através do FGTS; V. Diante da impossibilidade de utilização do FGTS, o lance conforme ofertado pela recorrida não poderia ser adimplido, aplicando-se a regra contratual constante na cláusula 25.10 (doc. 08). Assim, a CAIXA deveria considerar cancelada a contemplação do lance da recorrida, efetivando a devolução do valor pago pela autora, de R$ 11.999,88;
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.547.861-4 VI. Tentando induzir a recorrida em erro, os réus preferiram modificar o lance ofertado, descontado da carta de crédito os R$ 53.000,00 que seriam pagos através do FGTS. Assim, a autora pagaria, através de carta de crédito, a importância total de R$ 178.000,00; VII. Adquiriu as cotas consorciais principalmente em razão da propaganda enganosa de utilização dos recursos depositados na conta vinculada do FGTS de seu esposo; VIII. Houve violação do dever de informação, previsto no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor; IX. O contrato somente foi assinado pela recorrida em razão da atitude dolosa da MAPFRE, a qual tinha o dever de informação e o prestou de forma incorreta para induzir a autora a fechar o negócio. Os réus tentaram induzir a autora a assinar o contrato com condições completamente distintas daquelas constantes no lance ofertado; X. Pugnou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
2 FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
De início, esclareço que a decisão se encontra fundamentada no CPC/1973, porque o comando judicial impugnado foi publicado antes da vigência da Lei nº 13.105/2015, nos termos do Enunciado Administrativo nº 2 do STJ, aplicável a este Tribunal, in verbis:
"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
A recorrente pretende a reforma da sentença para o fim de julgar improcedente o pedido formulado na petição inicial, ao argumento de que a apelada tinha plena consciência dos termos do contrato, especialmente de que a utilização do FGTS nunca foi dada como certa, não passando de uma mera possibilidade. Argumenta, ainda, que o contrato está de conformidade com a Circularº 2766 do BACEN.
Sem razão, contudo.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.547.861-4 Em que pesem os argumentos da apelante, a sentença não merece qualquer reparo, uma vez que o Juízo a quo bem analisou as alegações das partes e as provas por elas produzidas, concluindo pela nulidade do Contrato de Adesão a grupo de Consórcio, por dolo da empresa MAPFRE CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO (segunda ré).
Preliminarmente, ressalte-se que a relação jurídica travada entre as partes é de consumo, estando sujeita, por conseguinte, à incidência das normas de ordem pública insertas no Código de Defesa do Consumidor.
Partindo desta premissa, competia a ré fazer prova de que o contrato não previa a possibilidade de utilização do FGTS do cônjuge da autora e que tal informação não foi a causa determinante da contratação, ônus do qual não se incumbiu.
Com efeito, não produziu qualquer prova capaz de demonstrar que não houve dolo específico da empresa MAPFRE CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO no momento celebração do contrato.
De acordo com o art. 171 do Código Civil, a anulação de negócio jurídico pode ser determinada por incapacidade relativa do agente, ou por vícios de consentimento consistentes em erro substancial, dolo, coação, estado de perigo que convirja em assunção de obrigação excessivamente onerosa, lesão por prestação desproporcional ao valor da prestação oposta ou fraude, dependendo de prova irrefutável a ocorrência de alguma das causas.
Na espécie, a pretensão da autora está fundamentada na alegação de dolo do gerente de vendas da MAPFRE CONSORCIO IMOBILIÁRIO Edson Gurgel , que a induziu a firmar o Contrato de Adesão a Grupo de Consórcio, sob a informação de que seria possível a utilização do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) de seu marido para oferta de lance.
No que se refere ao dolo, Sílvio de Salvo Venosa esclarece:
"O dolo induz o declaratório, isto é, o destinatário da manifestação de vontade, a erro, mas erro provocado pela conduta do declarante. O erro participa do conceito de dolo, mas é por ele absorvido. Entre nós é clássica a definição de Clóvis (1980:219): "Dolo é artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro." (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. Vol. 1. 7.ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 383).
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.547.861-4 Sobre o tema, oportuno citar ainda os ensinamentos de José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo (Código Civil Comentado. Editora Revistas dos Tribunais. São Paulo. 2014. páginas 182-183), in verbis:
"I- Erro e dolo. Direito à informação. O dolo contém um plus em relação ao erro, consistente na intenção manifesta de umas das partes da relação jurídica em induzir a outra em engano. (...) II- Caracterização do dolo. Para a caracterização do dolo, deve uma das partes encontrar-se em erro. Tal erro deve derivar da indução do declaratório ou de um terceiro. O elemento intencional que diferencia o erro do dolo é o embuste praticado, o qual pode ser comprovado diretamente ou por elementos circunstanciais."
Com efeito, para que o dolo se caracterize como vício do consentimento, seria necessária a comprovação de que o gerente de vendas da segunda ré, Edson Gurgel, induziu a autora celebrar o Contrato de Adesão a Grupo de Consórcio, com a falsa premissa de possibilidade de utilização do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) de seu marido para oferta de lance, ônus do qual a autora se desincumbiu.
Nesse aspecto, deve ser destacado que no formulário para a formalização da garantia (fl. 34) e no termo de pagamento de lance (fl. 35) consta expressamente que os recursos do FGTS, no valor de R$ 53.000,00 (cinquenta e três mil reais), seriam utilizados para fins de lance.
A única testemunha ouvida nos autos, Sra. Alba Lucia de Souza, declarou que, na primeira reunião na apresentação do produto , quando questionado pela autora JANAYNA DE HOLANDA MELO como fazer para dar lance, o gerente Edson Gurgel falou que 50% da carta podia ser FGTS e também complementar, em espécie. A testemunha esclareceu, ainda, que o gerente foi informado pela autora sobre a existência de um imóvel quitado em seu nome, e quando perguntado sobre a possibilidade de utilização do FGTS do esposo, afirmou que poderia sim ser utilizado. Se não bastasse isso, a testemunha declarou, com convicção, que nada do que foi prometido pelo gerente Edson Gurgel foi cumprido, e que JANAYNA DE HOLANDA MELO somente celebrou o contrato, porque lhe foi garantido que seria possível a utilização do Fundo de Garantia do marido.
Com efeito, pode-se afirmar, sem margem de dúvidas, que a autora foi induzida em erro pelo gerente Edson Gurgel pela falsa promessa de possibilidade de utilização do FGTS do marido, que foi a causa determinante para a TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 1.547.861-4 celebração do contrato.
De outro lado, o fato de o contrato estar em conformidade com a Circular nº 2766 do BACEN, não é suficiente para afastar o vício de consentimento determinante para contratação.
Ao contrário do que pretende fazer crer a apelante, ainda que a utilização do FGTS fosse apenas uma possibilidade, ela foi prometida pelo gerente de vendas da Mapfre, sendo inegável que essa possibilidade foi determinante para a assinatura do contrato.
Em arremate, não assiste razão à apelante quando sustenta, com base na cláusula 37.6 do contrato, que a devolução das parcelas pagas pelo consorciado somente poderá ocorrer no prazo de 60 dias do encerramento do grupo, uma vez que a devolução não está sendo determinada em razão da desistência da consorciada, mas sim pela anulação do contrato por vicio de consentimento.
Ante o exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso.
3 DECISÃO:
ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos da fundamentação.
Participaram do julgamento os Desembargadores PÉRICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA (Presidente, sem voto), LUÍS ESPÍNDOLA e VITOR ROBERTO SILVA.
Curitiba, 7 de dezembro de 2016.
ESPEDITO REIS DO AMARAL Relator
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