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Acórdão
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LONDRINA - FORO REGIONAL DE CAMBÉ - 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA NÚMERO UNIFICADO: 0010915-31.2014.8.16.0056 APELANTE: FERNANDO PAIVA FARIAS APELADO: BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A RELATORA: DESEMBARGADORA THEMIS FURQUIM CORTES RELATOR CONVOCADO: JUIZ MARCO ANTONIO ANTONIASSI
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR -- JUSTIÇA GRATUITA JÁ DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU - NÃO CONHECIMENTO - RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACT SUNT SERVANDA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, PROBIDADE E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO - UTILIZAÇÃO DA TAXA DE JUROS COMPOSTO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO (TABELA PRICE) - POSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO DEC. 22626/33 E ART. 591 DO CÓDIGO CIVIL QUE DIZEM RESPEITO À CAPITALIZAÇÃO DE JUROS MORATÓRIOS - AUTORIZAÇÃO DA CAPITALIZAÇÃO PELA PREVISÃO NO CONTRATO BANCÁRIO DE TAXA DE JUROS ANUAL SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA MENSAL SUFICIENTE PARA PERMITIR AS TAXAS CONTRATADAS - PERMISSIVO DA COBRANÇA NA FORMA CONTRATADA RECONHECIDA PELO STJ EM RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - CONTRATO CELEBRADO EM PARCELAS FIXAS - CONHECIMENTO DE PLANO PELO AUTOR DO MONTANTE PAGO DA PRIMEIRA À ÚLTIMA PARCELA - POSSIBILIDADE DO HOMEM MÉDIO COMPREENDER A CAPITALIZAÇÃO NO MOMENTO DE CONTRATAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA MP 2170-36/2001 - INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 121, DO STF - AUSÊNCIA DE VALORES A REPETIR - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO EM PARTE E NA PARTE CONHECIDA DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1.501.497-8, da 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública do Foro Regional de Cambé da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, em que é Apelante FERNANDO PAIVA FARIAS e Apelado BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A.
Relatório
1. Decidindo (seq. 50.1) Ação Revisional c/c Repetição de Indébito ajuizada por FERNANDO PAIVA FARIAS em face do BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A, o juiz de direito da 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública do Foro Regional de Cambé da Comarca da Região Metropolitana de Londrina julgou improcedente a pretensão constante na exordial e extinguiu o feito, com fulcro no artigos 269, I, e 333, I, ambos do CPC/73 (art. 487, I/ art. 373, I, ambos do NCPC). Em razão da sucumbência, condenou a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), conforme art. 20, §4º do CPC/73 (art. 85, §8º, NCPC), suspendendo, contudo, sua exigibilidade em razão da prévia concessão do benefício de assistência judiciária gratuita ao autor. Vem daí o recurso de apelação interposto pelo autor FERNANDO PAIVA FARIAS (seq. 57.1), no qual requer, preliminarmente, a concessão dos benefícios da gratuidade judicial, sob a alegação de que não possui condições financeiras para arcar com as custas processuais sem prejudicar seu sustento e de sua família. No mérito, sustenta, que quase a totalidade dos consumidores não são capazes de compreender plenamente os juros contratados e, muito menos, identificar se há ou não cobrança de capitalização de juros, razão pela qual seus contratos devem ser revisados com base no princípio constitucional da função do social dos contratos. Alega que houve prática abusiva e ilegal de capitalização de juros quando da utilização da tabela Price, já que houve a cobrança de juros sobre juros para a formação de parcelas fixas, contrariando o art. 591 do Código Civil, o art. 4º do Decreto nº 22626/33 e o disciplinamento do Supremo Tribunal Federal em sua Súmula 121. Postula pela exclusão da capitalização mensal de juros e pelo recalculo das parcelas de maneira simples (método Gauss), com a menor taxa de juros contratada. Aduz a falta de razoabilidade da orientação jurisprudencial do STJ, que é favorável a aplicação da MP nº 2.170- 36/01, tendo em vista que tal medida provisória se mostra inconstitucional. Assevera que os art. 421 e 422 do Código Civil relativizam o princípio do pact sunt servanda, o que garante que os contratos sejam revisados e interpretados de acordo com probidade e boa-fé, bem como que a liberdade de contratar seja exercida nos limites da função social do contrato. Postula pela repetição do indébito em dobro, acrescido de juros e de correção monetária tendo em vista a má- fé da instituição financeira, com base no art. 42, § único, do CDC. Por fim, requer o conhecimento e provimento do recurso, com a consequente inversão do ônus sucumbenciais.
Com as contrarrazões (seq. 63.1), subiram os autos a esta egrégia Corte de Justiça. Já nesta Corte o autor regularizou sua representação em face do falecimento de seu primitivo advogado.
É o relatório.
Voto
2. Não merece conhecimento o recurso no que se refere ao pleito pela concessão dos benefícios da justiça gratuita, visto que a sentença expressamente concedeu ao autor tal benesse, inexistindo interesse recursal na análise deste tópico. No mais, o recurso merece conhecimento, na medida em que estão presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os intrínsecos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer), como os extrínsecos (tempestividade - seq. 55.0, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo dispensado por ser o autor beneficiário de justiça gratuita). 3. Provimento, contudo, não merece o presente recurso. 3.1. Da função social do contrato:
Inicialmente, cumpre fazer uma breve consideração a respeito das cláusulas gerais, invocadas pelo autor em seu apelo (art. 421 e 422, ambos do CC), que dispõem sobre os princípios da probidade, boa-fé objetiva e função social dos contratos, aplicáveis às relações contratuais. Com base na observação do que de ordinário acontece na vida cotidiana, impõe-se destacar que a liberdade de contratar pode, por vezes, extrapolar os limites considerados como socialmente aceitáveis. Em tais casos cabe ao Poder Judiciário a revisão dos contratos firmados, objetivando restabelecer o equilíbrio das relações contratuais. Não obstante, convém registrar que, in casu, há evidente relação de consumo na oferta de crédito pelos agentes financeiros, serviço este remunerado pelos juros que incidem sobre o valor financiado. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu que:
"CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. (...)" (STF, Tribunal Pleno, ADI: 2591/DF, Relator Min. CARLOS VELLOSO, j. 07.06.2006, p. 29.09.2006. Os grifos não estão no original).
É bem de concluir-se, portanto, que o direito contratual (principalmente nos casos de contrato de adesão) não é mais conduzido só e tão somente pela força obrigatória dos contratos (popularmente conhecida pelo brocardo latino pacta sunt servanda), possuindo, assim, uma autonomia relativa, devendo respeitar as restrições impostas em lei, a função social do contrato, a moral, a boa- fé, os bons costumes, etc. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já se posicionou a respeito:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. INCIDÊNCIA DO CDC. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INVIABILIDADE DE CUMULAÇÃO COM OS DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Precedentes. (...)" (STJ, 4ª T., AGRESP 1422547, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 20.02.2014, p. 14.03.2014. Os grifos não estão no original).
Dessa feita, perfeitamente possível que o Judiciário mitigue o princípio pacta sunt servanda com a finalidade de rever cláusulas que se revelem abusivas e ilegais. No tocante especificamente a função social do contrato, o Prof. NELSON NERY JR. assim esclarece - grifos nossos:
"o contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (CF 3º, I) e da justiça social (CF 170, caput), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (CF 1º, III), não se ferirem valores ambientais (CDC 51, XIV), etc. Haverá desatendimento da função social quando: a) a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato; b) quando houver vantagem exagerada para uma das partes; c) quando quebrar-se a base objetiva ou subjetiva do contrato " 1 .
Nesse sentido, haverá afronta ao princípio da função social do contrato quando se perceber manifesta desproporção entre as prestações das partes, vantagem excessiva para alguma delas, ou ainda, a quebra objetiva ou subjetiva do contrato. No caso em análise, como restará satisfatoriamente
1 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014, p 796. demonstrado no próximo tópico, não há demonstração efetiva de quaisquer abusividades ou ilegalidades contratuais capazes de desiquilibrar a relação contratual existente, não se verificando assim, hipótese hábil a descaracterizar a socialidade do contrato em análise.
3.2. Da capitalização de juros:
O apelante assevera que o uso da tabela Price para a formação de parcelas fixas mensais, embutindo de maneira disfarçada a capitalização mensal de juros, é prática abusiva e ilegal, em consonância com o que dispõem a Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal, Decreto Lei nº 22.626/33 e o art. 591 do Código Civil. Acrescenta ainda, a impossibilidade da prevalência do errôneo posicionamento do STJ a respeito da possibilidade da capitalização dos juros, diante da inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 2.170/36. Tais alegações não procedem. Inicialmente, cumpre ressaltar que a utilização da taxa de juros composta na formação do contrato (tabela Price) é um importante método para o cálculo dos juros, utilizado com o único intuito de compor as parcelas a serem pagas. É certo que a utilização da tabela Price não acarreta a capitalização automática dos juros, sendo que está apenas e tão somente irá ocorrer se houver inadimplemento, quando, então, os juros inadimplidos de um mês e já incorporados ao capital, trespassam ao próximo mês, ocorrendo, aí sim, a aplicação de "juros sobre juros". Neste sentido:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. 1. ASSINATURA DE CONTRATO EM BRANCO. AUSÊNCIA DE PROVAS. INDÍCIOS DE CIÊNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO ÀS CLÁUSULAS PACTUADAS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO EXIME AUTOR DE PROVAR ALEGAÇÕES. 2. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ADMISSIBILIDADE. PREVISÃO LEGAL. CONSTITUCIONALIDADE DA MP 2.170-36 E DA LEI 10.931/04. CLÁUSULA EXPRESSAMENTE PACTUADA. PARCELAS FIXAS. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. ART. 422 DO CÓDIGO CIVIL. USO DA TABELA PRICE NÃO CONFIGURA, POR SI SÓ, CAPITALIZAÇÃO OU ANATOCISMO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ. [...]" (TJPR, 18ª CC, Apelação cível n° 1061928-6, rel. des. Clayton de Albuquerque Maranhão, DJe 23/10/2014 - negritei).
Pois bem, de fato, o contrato em questão (seq. 1.7) prevê a cobrança de juros na forma composta em sua formação. Vejamos:
Contudo, diferentemente do alegado pelo apelante, mencionada cobrança não é proibida pelo Decreto 22.626/1933, antes e pelo contrário, é autorizada, conforme entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 973.827-RS, submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC (art. 1.036, NCPC), tendo como relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti:
"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JURO COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170- 36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. [...]" (DJe 24/09/2012, RSTJ, vol. 228, p. 277).
Assim, consoante se depreende do acórdão supra, é pacífico o entendimento do STJ de que a utilização do método composto de formação de juros, "conceito abstrato da matemática financeira", caracterizado pela divergência entre a taxa de juros anual e o duodécuplo da taxa mensal nos contratos, não só não é ilegal, como é suficiente para permitir e considerar devidamente pactuada sua cobrança. Desse modo, resta claro que o que o art. 4º do Decreto nº 22.629/33 proíbe apenas a capitalização de juros em sentido estrito, ou seja, aquela que se dá quando houver inadimplemento e os juros inadimplidos de um mês, e já incorporados ao capital, trespassam ao próximo mês, e não a "capitalização" utilizada no método composto da formação de juros (tabela Price). Nesse sentido, já restou ponderado por este Tribunal de Justiça:
"Não obstante esse método de formação da taxa de juros seja ordinariamente utilizado como sinônimo de 'capitalização', 'anatocismo' e 'juros capitalizados', restou decidido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, que o artigo 4º do Decreto nº 22.626/33 proíbe tão-somente a capitalização de juros em sentido estrito, ou seja, aquela decorrente da incorporação de juros vencidos ao capital, com a incidência superveniente de novos juros" (TJPR, 17ª CCivil, AC nº 1.044.196-0, rel. juiz substituto em 2º grau Péricles B. de Batista Pereira, DJe 12/05/2014- destaquei).
O mesmo ocorre com o artigo 591 do Código Civil, que assim dispõem: "Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual". Veja-se que tal dispositivo remete ao art. 406 do mesmo diploma legal, que assim prevê: "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional." Ora, de uma simples análise dos artigos supramencionados, infere-se que a permissão da capitalização anual de juros prevista no art. 591 do Código Civil concerne tão somente aos juros moratórios, ou seja, aqueles devidos quando há o inadimplemento e ocorre incorporação de juros vencidos ao capital, com a incidência superveniente de novos juros, a dita "capitalização em sentido estrito", que conforme já ponderado, aqui não discutida. Assim sendo, ainda que possamos ter como sinônimo de capitalização a prática utilizada pelo banco e verificada no contrato em questão, já que os juros mensais ajustados são superiores ao duodécuplo da taxa mensal, certo é que tal restou devidamente contratado e encontra-se dentro da hipótese possível, permitida, então, pelo Superior Tribunal de Justiça. E outro não poderia ser o entendimento deste Egrégio Tribunal:
"APELAÇÃO CÍVEL - REVISIONAL DE CONTRATOS - ABERTURA DE CONTA CORRENTE E CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - PERMITIDA DESDE QUE PACTUADA - PRÁTICA AFASTADA NOS CONTRATOS DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE - COMPENSAÇÃO/REPETIÇÃO DO INDÉBITO - CABIMENTO - RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE QUE DEVE SER DOBRADA - SUCUMBÊNCIA MÍNIMA MANTIDA.RECURSO NÃO PROVIDO". (TJPR - 14ª C. Cível - AC - 1420853-6 - Cascavel - Rel.: Octavio Campos Fischer - Unânime - - J. 25.11.2015 - destaquei)
"APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO PRÉ-FIXADO. SENTENÇA QUE LIMITA JUROS REMUNERATÓRIOS EM 12% AO ANO, AFASTA CAPITALIZAÇÃO E LIMITA JUROS MORATÓRIOS EM 12% AO ANO. TESE RECURSAL DE INTEGRAL REFORMA. ACOLHIMENTO. JUROS REMUNERATÓRIOS DE 2% AO MÊS, EXPRESSAMENTE PACTUADOS, QUE NÃO SE MOSTRAM ABUSIVOS NEM CAUSADORES DE ONEROSIDADE EXCESSIVA AO MUTUÁRIO. SÚMULA 382 DO STJ. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CONTRATAÇÃO EXPRESSA. POSSIBILIDADE. MP 2.170- 36/2000, STF/RE 592.377 E STJ/REsp 973827. JUROS MORATÓRIOS CONTRATADOS EM 12% AO ANO, E EXIGIDOS PELA EXEQUENTE NESTE LIMITE. INÓCUA A SENTENÇA NESTE ASPECTO.DEMAIS ENCARGOS PARA O PERÍODO DE INADIMPLEMENTO (MULTA DE 2% E JUROS REMUNERATÓRIOS LIMITADOS À TAXA DO PERÍODO DE NORMALIDADE) QUE ENCONTRAM RESPALDO NAS SÚMULAS 296 E 472 DO STJ.SUCUMBÊNCIA INVERTIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (TJPR - 14ª C. Cível - AC - 1258608-8 - Campo Mourão - Rel.: Joscelito Giovani Ce - Unânime - - J. 16.12.2015).
Insta observar, ainda, que a cobrança de juros compostos se deu na fase pré-contratual, ou seja, o consumidor teve prévio conhecimento do valor contratado e aderiu ao instrumento na forma proposta. Assim, diferentemente do que acontece nos financiamentos de bens imóveis, p.ex., em que as prestações ou o saldo devedor são variáveis e que os encargos são calculados durante a execução do contrato, estipulou-se um preço exato para o produto oferecido ao cliente, à conta e risco da instituição financeira. Sob pena de ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, por conseguinte, não se pode agora pretender modificar a obrigação contratual assumida, já que, reitere-se, o valor da prestação foi pré- fixado e aceito pelo consumidor. Neste sentido, aliás, importante posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
"[...] 1. O princípio da boa-fé objetiva se aplica a todos os partícipes da relação obrigacional, inclusive daquela originada de relação de consumo. No que diz respeito ao devedor, a expectativa é a de que cumpra, no vencimento, a sua prestação. [...]" (STJ, 2ª Seção, REsp nº 1.058.114-RS, rel. p/ o acórdão min. João Otávio de Noronha, DJe 16/11/2010 - destaquei).
Destarte, improcede a alegação de que o homem médio não compreenderia exatamente o valor contratado em decorrência da simples palavra "capitalização". Em primeiro lugar porque, conforme acima exposto, o valor estabelecido é pré-fixado, o que garante ao cliente saber exatamente o quanto irá pagar desde a primeira parcela até a última. E segundo, porque é sabido pelo homem comum que ao contratar com o Banco, este irá cobrar as taxas e encargos oriundos do exercício de sua atividade. Ora, ao se dirigir à instituição financeira, não tem o indivíduo médio a ideia de que aquela irá lhe prestar serviços de forma gratuita. Muito pelo contrário. Já tem ele embutido em si o pensamento natural de que em decorrência do serviço prestado será devida a contraprestação, que consiste efetivamente nas taxas cobradas. De mais a mais, tais taxas, obedecem a uma tabela montada pelo Banco Central do Brasil que dispõe acerca dos valores mínimos e máximos que poderão ser cobrados efetivamente pelos Bancos. Ademais, se a autor assinou um contrato aceitando pagar mensalmente parcelas no importe de R$ 240,89 (duzentos e quarenta reais e oitenta e nove centavos) é porque previamente já sabia que tais parcelas caberiam no seu orçamento, não podendo alegar qualquer surpresa no simples cumprimento do avençado. Ou seja, na forma como restou contratada, não há qualquer dúvida ao consumidor, inclusive porque, inobstante as partes tinham ciência do percentual fixado para a taxa de juros mensal e anual no momento da contratação, há previsão expressa e detalhada da capitalização de juros. Veja-se (seq. 1.7):
O autor aponta ainda a inconstitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, pelo que seria vedada a capitalização de juros. Contudo, tem-se como necessária a observância do atual entendimento adotado pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça quando do julgamento do incidente declaratório de inconstitucionalidade nº 806.337-2/01, que restou assim ementado:
"INCIDENTE DECLARATÓRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA MP 2170- 36/2001. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ADMISSIBILIDADE COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. PEDIDO DE REEXAME SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO EM REFERÊNCIA EM RAZÃO DE FATOS RELEVANTES E SUPERVENIENTES. ART. 272 DO RITJ. ADMISSIBILIDADE. CONHECIMENTO DO INCIDENTE. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE ABUSO DE PODER A AUTORIZAR O CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA TRATAR DA MATÉRIA. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL AFASTADAS. INCIDENTE JULGADO IMPROCEDENTE, COM A DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À 18ª CÂMARA CÍVEL DESTE TRIBUNAL.- Consoante o artigo 272 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça "A decisão declaratória ou denegatória da inconstitucionalidade, se proferida por maioria absoluta, constituirá, para o futuro, decisão de aplicação obrigatória em casos análogos, salvo se algum órgão fracionário, por motivo relevante, entender necessário provocar novo pronunciamento do Órgão Especial sobre a matéria".- As medidas provisórias, como todas as demais leis e atos normativos, sujeitam-se ao controle de constitucionalidade (STF, ADI-MC 295/DF, Rel. Min.Marco Aurélio, DJ de 22/08/97), sendo admitida, em hipóteses excepcionais, consoante a jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de controle jurisdicional sobre a configuração dos pressupostos da relevância e urgência (art. 62, CF), como forma de impedir situações de abuso do poder de legislar (ADI 162/DF, Rel. Min. Moreira Alves) ou que se caracterizem hipóteses reveladoras da ausência dos requisitos de índole jurídica (RTJ 165/173, Rel. Min. Carlos Velloso) (cfme. STF, ADI 2736/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 08/09/2010, DJe de 28/03/2011).- No caso em exame não ocorre situação excepcional de abuso de poder por parte do Chefe do Poder Executivo a autorizar o controle jurisdicional sobre a presença dos requisitos da relevância e urgência a autorizar a edição da Medida Provisória em questão.- O Tribunal Pleno do excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 2591, já decidiu que "(...) A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro (...)" (ADI 2591, Rel. p/ Ac. Min.EROS GRAU, Tribunal Pleno, j. em 07/06/2006, DJ 29-09- 2006).- A regulamentação a que se refere o artigo 192 da Constituição Federal diz respeito à relação do Poder Público com as instituições financeiras públicas ou privadas, uma vez que a relação entre os bancos e os particulares rege-se por normas de direito privado, motivo pelo qual, sob o escólio de José Afonso da Silva, "as leis complementares só são exigidas na disciplina das relações institucionais, não nas relações negociais entre bancos e clientes, bancos e depositários, bancos e usuários dos serviços bancários. Essas relações negociais se regem pela legislação que lhe é própria." (Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª ed., p. 826)."(TJPR - Órgão Especial - IDI - 806337-2/01 - Londrina - Rel.: Jesus Sarrão - Por maioria - - J. 03.12.2012 - destaquei)
Este Tribunal de Justiça, em consonância com o julgamento do Órgão Especial, vem reconhecendo à constitucionalidade do artigo 5º da MP 2.170-36/01, consoante se afere do seguinte julgamento:
"APELAÇÃO CÍVEL DO AUTOR. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DESTE ENCARGO. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA MP 2.170-36 DECLARADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE COM EFEITO VINCULANTE AOS ÓRGÃOS FRACIONÁRIOS (INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 806337-2/01 ALTERANDO ANTERIOR POSICIONAMENTO). CONTRATAÇÃO PRESUMIDA EM FACE DO ENTENDIMENTO EXPRESSADO NO RECURSO ESPECIAL AFETADO COMO REPETITIVO PELO STJ Nº 973.827 - RS (2007/0179072- 3 -) - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. DISCUSSÃO INÓCUA. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DESDE ENCARGO OU COMPROVAÇÃO DE SUA COBRANÇA.PETIÇÃO INICIAL GENÉRICA E QUE NÃO OBSERVOU OS TERMOS DO CONTRATO PARA FINS DE IMPUGNÁ-LO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJPR - 18ª C.Cível - AC - 1084-3 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Marco Antonio Antoniassi - Unânime - - J. 23.04.2014 - destaquei)
Mais recentemente o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória em questão. Ainda, não há que se falar em aplicação da Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal, editada com base na lei da usura (Decreto-Lei nº 22.626/33), visto que tal lei não é aplicável às instituições financeiras, que são submetidas aos ditames da Lei nº 4.595/84. Nesse sentido, é o entendimento pacífico deste E. Tribunal:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EXTRAJUDICIAIS - NÃO CONHECIMENTO - SENTENÇA FAVORÁVEL À INSURGÊNCIA DOS APELANTES - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA 2170/36 DE 2001 - EFICÁCIA NÃO SUSPENSA - JULGAMENTO PENDENTE DA ADIN 2316/DF - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - POSSIBILIDADE DESDE QUE PREVIAMENTE PACTUADA - INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 121 DO STF - CONFORMIDADE COM O JULGAMENTO DO RECURSO REPETITIVO Nº 1.251.331/RS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - TAXA DE JUROS ANUAL SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA TAXA MENSAL - TARIFA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC) E TARIFA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC) - TARIFA DE AVALIAÇÃO DE BENS - IRRELEVÂNCIA - TARIFAS NÃO CONTRATADAS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DESTAS NAS PRESTAÇÕES MENSAIS - TARIFA DE CADASTRO - POSSIBILIDADE - TARIFA DE REGISTRO DE CONTRTO - ABUSIVIDADE - ÔNUS DA ATIVIDADE EXERCIDA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - PREVISÃO NÃ ABRANGIDA PELAS RESOLUÇÕES NORMATIVAS - APURAÇÃO DO VALOR MEDIANTE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - RESTITUIÇÃO SIMPLES - ÔNUS SUCUMBENCIAL MANTIDO - SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 12ª C.Cível - AC - 1358330-7 - Cianorte - Rel.: Joeci Machado Camargo - Unânime - - J. 24.02.2016 - destaquei)
Além do mais, desde o ano de 2000, com a publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/00, atual Medida Provisória nº 2.170-36, permite-se, em contratos bancários, a pactuação de capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. E embora esteja pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal a ADIn nº 2.316-1/DF, o entendimento que prevalece nos Tribunais é de que há presunção de constitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória nº 1.963-17/00, reeditada sob o nº 2.170-36/01, conforme acima exposto, o que permanecerá até decisão em contrário. Pelo exposto, não havendo que se falar na ilegalidade da capitalização de juros utilizada na formação do contrato, há que se negar provimento ao recurso de apelação. Como consequência lógica do desprovimento do recurso, descabe a análise do pleito de repetição de indébito, bem como da inversão do ônus sucumbenciais. 4. Passando-se as coisas desta maneira, meu voto é no sentido de conhecer parcialmente do recurso e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, mantendo-se a sentença em seus exatos termos.
Decisão
5. À face do exposto, ACORDAM os integrantes da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer em parte o recurso e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.
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