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Acórdão
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Certificado digitalmente por: FRANCISCO LUIZ MACEDO JUNIOR Agravo de Instrumento nº 1551014-4, da Comarca de Guarapuava 1ª Vara Cível e da Fazenda Pública. Agravante: Joana Ribeiro Jak e outro. Agravados: Linoel Carvalho de Lima e outros. Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Júnior AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCA DE NATUREZA CAUTELAR ARTIGO 300, DO CPC/2015 - BLOQUEIO ADMINISTRATIVO DO VEÍCULO CAUSADOR DO ACIDENTE E DOS DEMAIS PERTENCENTES A UM DOS AGRAVADOS MEDIDA TÍPICA DE ARRESTO - FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA NÃO DEMONSTRADOS RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Trata-se de recurso contra decisão que, em Ação de ressarcimento por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trânsito, indeferiu os pedidos de tutela de urgência e de tutela de evidência,
que tinham por objetivo obter ordem judicial de bloqueio administrativo do veículo causador do acidente e dos demais veículos pertencentes à frota do segundo requerido, isto com o intuito de garantir resultado final do processo.
Infere-se dos autos que, no dia 26/11/2014, ocorreu um acidente na PR 466, Km 233+100m, envolvendo um caminhão marca Ford, modelo Cargo, placas ASJ 6304, de propriedade de Reni Pedro Kunz e conduzido por Linoel Carvalho de Lima e o veículo marca Volkswagen, modelo Gol, placas ALD 7595, de propriedade de João dos Santos e conduzido por Deonísio Jak.
Em virtude do acidente, o condutor do veículo Gol faleceu.
As agravantes, esposa e filha de Deonízio Jak, ajuizaram ação indenizatória por danos materiais e morais em face dos agravados, pedindo, liminarmente, o bloqueio do veículo causador do acidente e dos demais pertencentes a Reni Pedro Kunz, a fim de que fosse garantida futura execução.
Sobreveio a decisão agravada, indeferindo o bloqueio, por entender que os requisito necessários para concessão do pedido estariam ausentes.
Alegam as agravantes, que a manutenção da decisão
agravada colocaria em risco o futuro provimento jurisdicional, pois sem o bloqueio dos veículos, não haveria qualquer segurança quanto ao ressarcimento de eventual indenização.
Sustentam que o conjunto probatório demonstraria que o acidente foi causado pelo veículo dos agravados, eis que efetuou ultrapassagem em local proibido, vindo a colidir frontalmente com o veículo conduzido por Deonísio Jak, esposo e genitor das agravantes.
Aduzem que o caminhão supostamente causador do acidente estaria prestando serviços para a empresa Realiza Transportes e Locação de Veículos, razão pela qual esta responderia solidariamente por eventuais danos causados.
Aduzem que o bloqueio administrativo do veículo causador do acidente e dos demais veículos pertencentes ao agravado Reni Pedro Kunz, seria imprescindível para assegurar o resultado útil do processo e que tal medida não causaria qualquer prejuízo aos agravados, posto que poderiam continuar sendo utilizados por esses.
Alegam que estariam presentes os requisitos autorizadores da tutela de urgência, quais sejam: o periculum in mora e o fumus boni iuris.
Aduzem ser cabível a concessão de tutela de evidência, por estarem presentes os requisitos do artigo 311, do CPC/2015.
Por fim, requereram o provimento do recurso para deferir a tutela de urgência ou de evidência, para o fim de: "emitir ordem judicial de bloqueio da transferência dos veículos listados na inicial".
Despacho inicial determinando o processamento do recurso às fls. 151/152.
Os agravados, apesar de devidamente intimados (fls. 155), não apresentaram contrarrazões (fl. 156).
Parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça, pela manutenção da decisão agravada (fls. 159/160).
É o Relatório, VOTO: Presentes os requisitos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos.
O inconformismo cinge-se ao fato de ter sido indeferida a tutela provisória de urgência, de natureza cautelar, quanto ao pedido de bloqueio administrativo do veículo causador do acidente e dos demais veículo pertencentes ao agravado Reni Pedro Kunz.
O Código de Processo Civil de 2015, no artigo 300, prevê a possibilidade de concessão de tutelas provisórias de urgência ou de evidência. As tutelas de urgência se subdividem em: a) tutela provisória
satisfativa (antecipada) e tutela provisória cautelar.
Sobre a diferença entre ambos os institutos, é a lição de Fredie Didier Júnior1:
A tutela provisória satisfativa antecipa os efeitos da tutela definitiva satisfativa, conferindo eficácia imediata ao direito afirmado. Adianta-se, assim, a satisfação do direito, com a atribuição do bem da vida. Esta é a espécie de tutela provisória que o legislador resolveu denominar de "tutela antecipada", terminologia inadequada, mas que não será desconsiderada ao longo deste capítulo. A tutela provisória cautelar antecipa os efeitos da tutela definitiva não-satisfativa (cautelar), conferindo eficácia imediata ao direito à cautela. Adianta-se, assim, a cautela a determinado direito. Ela somente se justifica diante de uma situação de urgência do direito a ser acautelado, que exija sua preservação imediata, garantindo sua futura e eventual satisfação (arts. 294 a 300, CPC). A tutela provisória cautelar tem assim dupla função: é provisória por ser eficácia imediata à tutela definitiva não-satisfativa; e é cautelar por assegurar a futura eficácia da tutela definitiva satisfativa, na medida em que resguarda o direito a ser satisfeito, acautelando- o. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, inserta no artigo 300, do Novo Código de Processo Civil, "será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Estes dois elementos são tradicionalmente conhecidos como: fumus boni iurus e 1DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador/BA: Editora Jus Podivm, 2016, p. 582/583
periculum in mora.
Segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero, in Novo Código de Processo Civil2, "para a concessão da tutela antecipada de urgência, diversamente do que ocorria no direito anterior, basta a probabilidade do direito".
Nas palavras dos autores citados, "a probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos".3
No que diz respeito ao perigo de dano ou ao risco ao resultado útil do processo, estes resumem-se a caracterização da urgência, o que se conceituava na legislação anterior como o perigo na demora (periculum in mora).
Sobre o tema, esclarece Medina, que "usa-se, hoje, a expressão perigo de demora (periculum in mora) em sentido amplo, seja para se afirmar que a tutela de urgência é concedida para se evitar dano decorrente da demora processual, seja porque se está diante de uma 2 Marinoni, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado/ Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 312. 3 Op. cit, p. 312.
situação de risco, a impor a concessão de medida de emergência a evitar a ocorrência de dano iminente"4.
A respeito bem esclarecem Marinoni, Arenhart e Mitidiero5:
"A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo de demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito. " Em assim sendo, por ser medida de caráter especial, posto que adianta, ao menos em termos, a decisão final do conflito, deve haver obediência às condições estabelecidas na lei, para a sua concessão, sem que com isso sejam causados prejuízos às partes.
Tais requisitos ou condições, como se disse, encontram- se elencados no artigo 300 do Novo Código de Processo Civil, quais sejam: a probabilidade do direito invocado (fumus boni iuris) e o perigo de dano (periculum in mora). 4 Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado (livro eletrônico): com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2015, p. 291. 5 Marinoni, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado/ Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 313.
Wambier e Talamini6, destacam que existem quatro modalidades de medidas urgentes:
(i) adiantar uma produção probatória, em relação ao seu momento processual oportuno (exemplo: produção antecipada de provas, exibição de documentos, justificação...); (ii) resguardar a possibilidade de concreta realização do provimento final, mediante a conservação de bens ou de um estado jurídico (exemplo: sequestro, arresto, atentado, arrolamento...); (iii) determinar contracautela a fim de evitar danos que possam advir de outro provimento sumário e provisório (caução - n. 42.7.2, acima); (iv) antecipar total ou parcialmente os efeitos do provimento final, a fim de evitar danos irreparáveis a uma das partes. Segundo referidos autores, as três primeiras modalidades são de natureza cautelar, enquanto a última tem natureza antecipatória. As primeiras, também chamadas de cautelares probatórias, estão disciplinadas pelo código no capítulo destinado às provas.
As segundas estão previstas, exemplificativamente, no artigo 301, do CPC, que assim dispõe: "A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida
6WAMBIER, Luiz Rodrigues & TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, livro eletrônico, p. 460.
idônea para asseguração do direito".
Veja-se que o código faz alusão às medidas cautelares que estavam disciplinadas de forma específica no CPC/1973, razão pela qual, na ausência de regulamentação específica no CPC/2015, devem ser interpretadas de acordo com a doutrina e a jurisprudência firmada sob a égide do código anterior, como destacam os autores acima referidos:
O Código não define essas medidas. Mas elas devem ser compreendidas à luz da tradição jurídica brasileira. Ou seja, cabe considerar a definição funcional que elas tinham no Código anterior, para assim conferir- se um sentido útil à atual disposição normativa.7 No caso, as agravantes pretendem o bloqueio do veículo causador do acidente e dos demais pertencentes ao agravado Reni Pedro Kunz, a fim de assegurar o resultado útil de eventual condenação, provimento de natureza cautelar típica de arresto.
Sob a égide do CPC/1973, o deferimento da medida cautelar de arresto estava subordinado ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: I prova literal da dívida líquida e certa; II prova documental ou justificação de algum dos casos de perigo de dano jurídico, mencionado no art. 8138. Este último pode ser resumido como o risco de
7 WAMBIER, Luiz Rodrigues & TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, livro eletrônico, p. 460. 8 Art. 813. O arresto tem lugar:
I quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado;
insolvência, inadimplemento ou fraude do devedor.
Tais requisitos, embora não estejam mais previstos expressamente no CPC/2015, devem ser considerados como parâmetros para verificar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, exigidos para a concessão da medida na atualidade.
E, no caso, entendo que a medida não pode ser deferida, primeiro porque não se pode bloquear a venda de bens, antes da existência de algum crédito, em face dos efeitos nocivos do arresto9, quais sejam: a) restrição física à posse do dono, já que o objeto arrestado passa à guarda do depositário judicial; b) imposição de ineficácia dos atos de transferência dominial, frente ao processo em que se deu a constrição.
De se ponderar também, que o direito pleiteado se funda na suposta responsabilidade dos agravados por ato ilícito, que segundo a doutrina e a jurisprudência, tem como requisito primordial, a existência de culpa do agente.
Ora, antes do pronunciamento judicial sobre a culpa, não II quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-lo em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV nos demais casos expressos em lei. 9 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Processo de Execução e Cumprimento
de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 561.
se pode conceder declaração do direito pleiteado, pois, do contrário, estaria se admitindo a presunção da culpa, o que é vedado pelo ordenamento brasileiro nos casos em que a análise da culpa é feita com base em critérios subjetivos.
Assim, a questão posta necessita melhor ser analisada e sopesada, e somente por ocasião do julgamento é que o magistrado poderá emitir um juízo seguro e correto sobre a caracterização de ato ilícito e dos direitos aqui pleiteados.
Não fosse isso, entendo que não restou demonstrada a existência de risco ao resultado útil do processo.
Veja-se que para o deferimento da medida, as agravantes precisariam comprovar que os requeridos não possuem condições de arcar com o pagamento de eventual condenação ou, ainda, que os veículos listados na inicial são os únicos bens capazes de garantir a satisfação da dívida ou ainda que os agravados estão dilapidando seu patrimônio.
Ocorre que, no caso, nenhuma prova foi produzida neste sentido. Como bem asseverou o magistrado de primeiro grau: "as autoras não narram qualquer fato concreto no sentido de que os réus pretendem se desfazer de seu patrimônio com a intenção de frustrar a execução do julgado em caso de procedência do pedido. A mera possibilidade ou mesmo a facilidade de ser comercializado um veículo não é suficiente, por si só, para o deferimento da liminar, até porque as requerentes sequer afirmam
que apenas os veículos fazem parte do patrimônio do segundo requerido" (fl. 146-TJ).
E, na ausência de prova sobre o periculum in mora, a tutela não pode ser deferida.
Confira-se a jurisprudência deste Tribunal:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM - BLOQUEIO DE QUANTIA SOBRE PARCELA DO PAGAMENTO DECORRENTE DA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL - ARRESTO DE BENS - TUTELA DE URGÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR - REQUISITOS INSUFICIENTES - INEXISTÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DA DÍVIDA LÍQUIDA E CERTA - RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO NÃO CONFIGURADO - DECISÃO REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 12ª C.Cível - AI - 1522100-0 - Goioerê - Rel.: Joeci Machado Camargo - Unânime - - J. 09.11.2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA PARA BLOQUEIO ANTECIPADO DE BENS - INDEFERIMENTO MANTIDO - AUSÊNCIA DE QUALQUER EVIDÊNCIA DE DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO - REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO NCPC NÃO CONFIGURADOS RECURSO DESPROVIDO (TJPR - 9ª C.Cível - AI - 1547214- 5 - Capanema - Rel.: José Augusto Gomes Aniceto - Unânime - - J. 22.09.2016). Faltam, então, os requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência.
Por fim, quanto ao pedido de tutela de evidência, é de consignar que se trata de tutela provisória satisfativa (antecipação) e que, portanto, não se adequa ao pedido de tutela cautelar feito pelas agravantes.
Inobstante isso, o caso em análise não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 311, do CPC, pois, como se disse anteriormente, a questão posta necessita ser melhor analisada e sopesada, e somente por ocasião do julgamento é que o magistrado poderá emitir um juízo seguro e correto sobre a caracterização de ato ilícito e dos direitos aqui pleiteados.
Não fosse isso, no momento em que este recurso foi interposto a demanda ainda não havia sido contestada, sendo impossível, por isso, tecer qualquer juízo de valor sobre a contraprova documental do réu, requisito essencial para deferir a tutela de evidência com base no artigo 311, IV, do CPC/2015.
Diante do exposto, VOTO por CONHECER o recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a decisão agravada, por seus próprios fundamentos.
ACORDAM os Membros Integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER o recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.
O julgamento foi presidido por este Relator e dele participaram os excelentíssimos Desembargadores Domingos José Perfetto e Coimbra de Moura.
Curitiba, 16 de fevereiro de 2017.
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