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Acórdão
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Certificado digitalmente por: HAYTON LEE SWAIN FILHO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.623.329-1 NPU 0003625-51.2012.8.16.0147 E 1.623.711-9 NPU 0034475-41.2012.8.16.0001 DA 2ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA APELANTES: (01) MARLI MARTINS CORDEIRO (02) BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO APELADOS: OS MESMOS RELATOR: DES. HAYTON LEE SWAIN FILHO DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. REVISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. QUESTÕES PREJUDICIAIS. 1. EFEITO SUSPENSIVO. 2. CERCEAMENTO DE DEFESA. 3. SENTENÇA EXTRA PETITA. 1. Nas hipóteses do art. 1.012, do NCPC, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação, o que não se verifica no caso dos autos. 2. Em atenção ao princípio do livre convencimento motivado, estando o Julgador apto a decidir com base no material probatório carreado aos autos, pode antecipar o julgamento da lide, sem que isso configure prejuízo a parte postulante, nos termos do art. 370, parágrafo único, do NCPC. 3. Verificado que a sentença julgou extra petita, porquanto declarou a rescisão contratual não pleiteada pela instituição financeira, impõe-se a exclusão de tal parcela do veredicto APELO DA MUTUÁRIA (01). 1. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. 2. REPETIÇÃO EM DOBRO. 1. Considerando que o anatocismo consiste na cobrança de juros sobre juros vencidos e não pagos, resta descartada a capitalização dos juros na composição do valor das parcelas fixas com vencimento futuro do financiamento com encargos prefixados, além de se considerar a cláusula que prevê taxa de juros anual superior ao duodécuplo mensal, como ajuste expresso de capitalização mensal, circunstâncias que obstam o seu expurgo. 2. A devolução de valores cobrados em desacordo com a lei ou com a forma pactuada deverá ser feita de forma simples, salvo em caso de comprovada má-fé, quando deverá ser feita em dobro. APELO DO BANCO (02). 1. REVISÃO DE CONTRATOS LIVREMENTE PACTUADOS. 2. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. 1. O princípio clássico da obrigatoriedade dos contratos, bem como os princípios da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, devido à evolução e à complexidade das relações contratuais que se estabelecem hodiernamente passaram a ser interpretados em conjunto com os princípios modernos da equivalência material das partes, boa-fé objetiva e função social do contrato. Daí que possível e necessária a revisão e modificação do contrato quando nele presentes cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações e prestações desproporcionais para as partes contratantes, sem que se cogite de violação do princípio da pacta sunt servanda. 2. "A cobrança de comissão de permanência -- cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato -- exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual" (Súmula 472 do STJ). APELAÇÃO (01) NÃO PROVIDA. APELAÇÃO (02) CONHECIDA EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.623.329-1 e 1.623.711-9, da 2ª Vara Cível de Curitiba, em que são apelantes: (01) MARLI MARTINS CORDEIRO e (02) BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO e apelados OS MESMOS. 2
BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A ajuizou ação de busca e apreensão (autos nº 0003625- 51.2012.8.16.0147) em face de MARLI MARTINS CORDEIRO, na Comarca de Rio Branco do Sul, em razão de seu inadimplemento no contrato de financiamento, com cláusula de alienação fiduciária, pretendendo a consolidação da sua propriedade sobre o bem.
Pela decisão de pág. 49 (mov. 5.7), foi deferida a busca e apreensão, a qual foi devidamente cumprida conforme se verifica da certidão do oficial de justiça, inclusive com a citação da devedora (págs. 63/64 mov. 5.13).
A requerida informou o ajuizamento de revisional do contrato (autos nº 0034475-41.2012.8.16.0001), bem como de depósitos em juízo das parcelas devidas (págs. 66/69 mov. 5.15).
Diante do reconhecimento de conexão das ações, foi determinada a remessa da busca e apreensão para a 2ª vara Cível de Curitiba (pág. 267 - mov. 5.30).
BV Financeira apresentou impugnação à revisional (págs. 277/297 - mov. 11.1), alegando, preliminarmente, afronta ao art. 300, do CPC. No mérito, defendeu o vencimento antecipado do contrato, a legitimidade da busca e apreensão, a mora da mutuária e inexistência de conexão.
Anunciado o julgamento antecipado da lide (pág. 320), a mutuária interpôs agravo retido às págs. 327/332.
Após sobreveio sentença (págs. 356/368 mov. 51) de (i) procedência parcial dos pedidos da revisional, para determinar a incidência exclusiva da comissão de permanência no período de inadimplência, devendo os valores cobrados cumulativamente serem devolvidos/compensados de forma simples, com a consequente condenação da autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em R$1.000,00, com a ressalva do art. 12, da Lei nº 1060/50; (ii) procedência da busca e apreensão, para declarar rescindido o contrato e consolidar a requerente na posse e propriedade do veículo,
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confirmando a liminar concedida anteriormente, com a condenação da autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$500,00.
Dessa decisão, houve a interposição de embargos de declaração (págs. 373/375 mov. 55), os quais foram rejeitados (págs. 388/389 mov. 58).
Marli Martins Cordeiro apelou (págs. 396/423 mov. 64), aduzindo, em síntese, cerceamento de defesa e ilegalidade da capitalização de juros. Requereu efeito suspensivo, nos termos do art. 1012, § 4º do NCPC, para que evitar a transferência do veículo à terceiros; o afastamento da mora; a devolução em dobro, bem como a restituição do bem. Por fim, pugnou a inversão do ônus de sucumbência ou, alternativamente, a redução dos honorários advocatícios.
BV Financeira S/A apelou (págs. 425/442 mov. 65), alegando, em síntese, julgamento ultra petita; princípio da "pacta sunt servanda"; legalidade dos juros remuneratórios e da comissão de permanência, ainda que de forma cumulada com a multa contratual e juros de mora. Por fim, pleiteou a condenação da apelada ao pagamento das custas processuais, ou alternativamente, a redução dos honorários. O recurso foi devidamente preparado (pág. 443).
Contrarrazões apresentadas por ambas as partes às págs. 463/477 e 483/491.
Assim vieram os autos a esta Corte.
É O RELATÓRIO.
Inicialmente, ressalto que se aplicam, no presente caso, as disposições do Código de Processo Civil de 2015, na medida em que tanto a sentença quanto os recursos foram interpostos já na sua vigência. Diante da prejudicialidade de algumas questões levantadas pelos apelantes, passo analisá-las antes de adentrar no mérito dos recursos.
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Efeito Suspensivo
Pleiteia a mutuária a concessão de efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do art. 1.012, §4º, do NCPC, a fim de que o veículo não seja transferido a terceiros.
Com efeito o art. 1.012, § 4º, do NCPC dispõe:
Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo. § 1o Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: I - homologa divisão ou demarcação de terras; II - condena a pagar alimentos; III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado; IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem; V - confirma, concede ou revoga tutela provisória; VI - decreta a interdição. § 2o Nos casos do § 1o, o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório depois de publicada a sentença. § 3o O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1o poderá ser formulado por requerimento dirigido ao: I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la; II - relator, se já distribuída a apelação. § 4o Nas hipóteses do § 1o, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.
Ocorre que a apelante não demonstrou em suas razões de apelo, nem a probabilidade de provimento do recurso nem a existência de algum risco de dano grave ou de difícil reparação.
A propósito, cumpre ressalvar trechos da r. sentença (pág. 366):
Assim, verifica-se que o direito da parte autora se encontra devidamente demonstrado, por meio da juntada da cópia do contrato celebrado pelas partes (mov. 5.4) e dos documentos comprobatórios da constituição em mora da devedora (mov. 5.4, f. 27), a qual ocorreu antes da decisão que deferiu o depósito judicial, consoante dispõe o art. 2º, § 2º, do Decreto-lei n° 911/69. 5
Desta forma, tendo a parte demandante cumprido todos os pressupostos necessários para o acolhimento do pedido, não resta alternativa senão confirmar definitivamente a liminar concedida, consolidando a instituição financeira requerente na posse e propriedade do bem descrito na peça vestibular.
Friso que, o afastamento da cobrança cumulada de encargos de mora com a comissão de permanência em sede de revisional, não é capaz de afastar a mora do devedor, diante do inadimplemento de diversas parcelas.
Por fim, consigno ao requerido que o bem será leiloado, e em caso de saldo em favor da ré, com o abatimento da dívida, este lhe será restituído.
De mais a mais, como se verá adiante, verifica-se a ausência de qualquer dos requisitos autorizadores para concessão do efeito suspensivo, não havendo como acolher o pedido pretendido pela mutuária.
Cerceamento de Defesa
A mutuária pretende a declaração de nulidade da sentença, sob o argumento da ocorrência de cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, eis que não houve a pretendida produção de prova pericial, razão não assiste à apelante.
Ora, sendo o Juiz o destinatário das provas, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização, incumbindo- lhe indeferir as inúteis e protelatórias, nos termos do art. 370, parágrafo único, do NCPC, máxime quando já tenha formado um juízo de convicção sólido que permita a prestação jurisdicional pretendida.
Ou seja, em atenção ao princípio do livre convencimento motivado, estando o Julgador apto a decidir com base no material probatório carreado aos autos, pode antecipar o julgamento da lide, sem que isso configure prejuízo aos postulantes.
Nesse sentido a jurisprudência do STF:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - PRUDENTE DISCRIÇÃO DO MAGISTRADO SENTENCIANTE - POSSIBILIDADE - 6
INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE - OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO - REEXAME DE FATOS E PROVAS - INVIABILIDADE - SÚMULA 279/STF - RECURSO IMPROVIDO. A decisão judicial, que, motivada pela existência de outras provas e elementos de convicção constantes dos autos, considera desnecessária a realização de determinada diligência probatória e julga antecipadamente a lide, não ofende a cláusula constitucional da plenitude de defesa. (...). (AI 752176; Min. Celso de Mello, DJe-218; de 20-11-2009 EMENT VOL-02383-10). Por fim, convém observar que os documentos juntados aos autos tanto da busca e apreensão como da revisional se faziam bastantes para a solução da controvérsia, como se verá adiante.
Assim sendo, impõe-se a rejeição da preliminar de cerceamento de defesa.
Julgamento ultra petita
BV Financeira sustenta a ocorrência de sentença ultra petita, alegando que o douto Juiz sentenciante teria decidido sobre questão não pleiteada.
Com razão.
Infere-se da inicial de busca e apreensão que não há pedido de rescisão contratual (pág. 07), sendo de rigor reconhecer que a sentença é ultra petita.
Assim sendo, resta evidente que a decisão de primeiro grau que declarou a rescisão do contrato de financiamento celebrado entre as partes concedeu tutela jurisdicional fora do pedido formulado pela instituição financeira.
Deste modo, não há dúvidas de que a sentença extrapolou os contornos da lide e desafiou o comando dos arts. 141 e 492, do NCPC, concedendo provimento "extra petita".
Art. 141. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. 7
Art. 492. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
Neste diapasão, veja-se o seguinte aresto desta Corte: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. APELAÇÃO. SFH SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. MÚTUO IMOBILIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. CONEXÃO. AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO E IMISSÃO DE POSSE. SENTENÇA ÚNICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. (...) Recurso de apelação 1 provido. Recurso de apelação 2 prejudicado. Em grau originário, julgar procedente a ação de imissão de posse e improcedente a ação anulatória de ato jurídico. 1. Julgamento "extra petita" reconhecimento. Diz-se extra petita a decisão que (i) tem natureza diversa ou concede ao demandante coisa distinta da que foi pedida, (ii) leva em consideração fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes, em lugar daqueles que foram efetivamente suscitados, ou (iii) atinge sujeito que não faz parte da relação jurídica processual. (...). (TJPR, 15ª C.Cível, AC 574741-3, Rel. Des. Jurandyr Souza Junior, J. 21.07.2010). Pelo exposto, deve ser reconhecida a nulidade parcial da sentença no ponto em que declarou a rescisão do contrato, pelo que deve se excluir tal parcela do veredicto.
Pois bem, passo a análise dos recursos.
APELAÇÃO DA MUTUÁRIA (01)
A mutuária interpôs dois recursos de apelação, um nos autos nº 34.475-41.2012.8.16.001 (Ação Revisional mov. 55) e outro nos autos nº 3625-51.2012.8.16.0147 (Ação de Busca e Apreensão - mov. 64). Ocorre que diante do princípio da unirrecorribilidade, é inadmissível a interposição de dois recursos em face da mesma decisão, no caso, sentença única (mov. 49 e 51).
Veja-se a orientação uníssona da jurisprudência: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DE MAIS DE UM AGRAVO REGIMENTAL CONTRA A MESMA DECISÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. APLICAÇÃO. 1. O princípio da unirrecorribilidade impede que contra a mesma decisão seja manejado, pela mesma parte, mais de um recurso. 2. Agravo regimental não conhecido. 8
(STJ - AgRg no AgRg no REsp: 1399053 MG 2013/0059451-2, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 17/03/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/03/2015)
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 1. Interpostos dois recursos pela mesma parte contra a mesma decisão, não se conhece daquele apresentado em segundo lugar, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa. 2. Agravo regimental não conhecido. (STJ - AgRg no AREsp: 191042 RS 2012/0125317-5, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/06/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2014) Assim, apesar de serem idênticos os recursos, conheço tão somente do apelo interposto na Ação Revisional (autos nº 34.475- 41.2012.8.16.001), isso porque foi interposto antes, no dia 15/08/2016 (mov. 55), enquanto o outro foi juntado no dia seguinte (16/08/2016 - mov. 64).
Assim, diante do princípio da unirrecorribilidade de sentença única não conheço do recurso de apelação interposto nos autos nº 3625-51.2012.8.16.0147 (Ação de Busca e Apreensão - mov. 64 AC 1.623.329-1).
Capitalização de Juros
Sustenta a apelante que deve ser afastada a incidência da capitalização de juros, haja vista não estar de forma clara e expressa a sua previsão no contrato, bem como por ser prática vedada pela Súmula nº 121, do Supremo Tribunal Federal.
Antes de tudo, convém destacar a validade da relação contratual, vez que o contratante livremente escolheu a instituição financeira e aceitou todos os encargos contratados, tendo total ciência acerca do que lhe seria exigido durante a relação contratual.
Infere-se dos autos que a mutuária celebrou contrato de financiamento com a instituição financeira (págs. 37/40 mov. 5.4), pelo qual emprestou o valor de R$13.841,39, a ser pago em quarenta e oito parcelas fixas e consecutivas de R$441,16, sendo a 1ª parcela com vencimento em 15/11/2010. Por isso, não há capitalização de juros.
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O anatocismo consiste na cobrança de juros sobre juros vencidos e não pagos, sendo impossível a ocorrência desse fenômeno quando o empréstimo é realizado por meio de parcelas prefixadas, como no caso, em que o valor dos juros já foi nelas embutido. Isso porque não há juros vencidos e muito menos não pagos, pois as parcelas fixas têm vencimentos futuros.
Assim, mesmo que a instituição financeira tenha se utilizado de taxa de juros efetiva diversa da nominal para elaboração do valor das prestações, isso ocorreu em fase antecedente à pactuação, de modo que, conforme entendimento desta Câmara, não ocorreu capitalização de juros durante o período de normalidade da relação contratual. A propósito, veja-se: PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSOS DE APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS C.C. TUTELA ANTECIPADA. (...) 5. Contrato Crediário Itaú Pré. Capitalização de juros - Financiamento por parcelas fixas. Possível a capitalização de juros, estipulada em fase pré-contratual, formando preço e parcelas certas e determinadas, fixas, insuscetíveis de variações futuras. O contrato somente se completou a partir do momento em que o consumidor manifestou declaração de vontade no sentido de aceitar o preço proposto pelo fornecedor. Neste particular, aderiu ao contrato atraído pelo valor das prestações às quais estaria submetido no decorrer do prazo do contrato, e não propriamente pela taxa de juros que foi empregada no cálculo da dívida. Assim, a vontade das partes convergiu exatamente em relação àquele preço determinado, sendo que a pretensão do consumidor de excluir o anatocismo, que nem mesmo foi praticado durante a vigência da relação contratual, caracteriza verdadeiro "venire contra factum proprium".(...) (15ª C. Cível, AC 413.187-5, Rel. Des. Jurandyr Souza Junior, J. 07/11/2007 - Unânime).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR. 1. ANATOCISMO. INOCORRENCIA. PARCELAS FIXAS. 2. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 1. Considerando que o anatocismo consiste na cobrança de juros sobre juros vencidos e não pagos, resta descartada a capitalização dos juros na composição do valor das parcelas fixas com vencimento futuro do financiamento com encargos prefixados. 2. A distribuição dos ônus da sucumbência deve ser proporcional às vitórias e derrotas de cada parte. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO. (15ª C. Cível, AC 648.405-1- minha relatoria - J. 27/01/2010). Entendimento diverso ofenderia o princípio da boa-fé objetiva, porquanto na fase pré-contratual as partes ajustaram o preço em valor certo, sem a possibilidade de variações futuras, tendo
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o contrato somente se aperfeiçoado após a consumidora ter concordado com as exatas condições de pagamento.
Ademais, ainda que hipoteticamente ocorresse a capitalização, essa seria legítima diante da constitucionalidade da Medida Provisória 2.170-36/2001, que permite a capitalização de juros inferior a um ano em contratos celebrados após 31/03/2000, desde que expressamente pactuada (STJ, REsp n. 973.827/RS; STF, RE 592.377).
Além disso, em relação às cédulas de crédito bancário, existe expressa autorização legal amparando a incidência de capitalização de juros, que se encontra disposta no art. 28, §1º, inciso I, da Lei 10.931/2004, com o seguinte teor:
"Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no §2º. §1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados: I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação; (...)".
Nesse sentido é a orientação pacífica desta Câmara: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA. DECISÃO "EXTRA PETITA". AFASTAMENTO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CONTRATAÇÃO EXPRESSA. LEGALIDADE (ART. 28, DA LEI 10.931/2004). TARIFA DE DESPESAS DE SERVIÇOS DE TERCEIROS. CONTRATAÇÃO. PRESENÇA. VALOR. ABUSIVIDADE. MÉDIA DE MERCADO. IMPUGNAÇÃO. INEXISTÊNCIA. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. ART. 20, § 4º, DO CPC. VALOR. MANUTENÇÃO. 1. (...) 2. Nos contratos de cédula de crédito bancário, admite-se a capitalização mensal de juros desde que expressamente pactuada. (...) (15ª C. Cível, AC 964.139-8, Rel. Des. Luiz Carlos Gabardo, j. 29/05/2013)
Revisional de contratos. Capitalização mensal de juros. Financiamentos com parcelas fixas. Cédulas de crédito bancário. Art. 28, I, §1º, Lei 10.931/2004. Nos contratos de empréstimo com prazo fixo, onde o consumidor aceita o valor das parcelas fixas preestabelecidas, não é possível a alteração dos juros ou de sua forma de incidência, em observância ao princípio da boa- fé contratual (art. 422 do Código Civil). Ademais, o inciso I, do § 1º, do artigo 28, da Lei 10.931/2004 permite a pactuação e incidência de juros capitalizados em cédulas de crédito bancário. Apelação não provida. (15ª C. Cível, AC 1.017.582-9, Rel. Des. Hamilton Mussi Correa, j. 24/04/2013)
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Ademais, a pactuação de juros anuais -- 25,19% -- de taxa superior ao duodécuplo da taxa mensal -- 1,89% (pág. 37) é considerada ajuste expresso da capitalização mensal, portanto, admitida como possível, circunstância que serve, igualmente, para rechaçar a pretensão da apelante, conforme posição consolidada do STJ, "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (REsp 973.827-RS, analisado em sede de Recurso Repetitivo, j. 08.08.2012).
Assim, como o contrato foi firmado em 2010 com expressa pactuação de capitalização mensal de juros, conforme se infere do item 5 Especificação do Crédito e da cláusula 13 (págs. 37/38), autorizado está o cômputo de juros capitalizados nos termos da MP 2.170-36/2001.
Em razão disso, mostra-se legítima a capitalização mensal de juros, eis que amparada por lei (art. 28, §1º, I, da Lei 10.931/2004) e expressamente pactuada entre as partes, permanecendo hígida a dívida.
Nestas condições, sob qualquer ângulo que se examine, não procede a pretensão da apelante de exclusão da capitalização de juros, devendo ser mantida a sentença neste tópico.
Afastamento Da Mora
Quanto a descaracterização da mora, o STJ, no julgamento do REsp 1061530/RS, pelo rito dos Recursos Repetitivos, tendo como relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, em 22.10.2008 (Segunda Seção, DJe 10.03.2009), consolidou o entendimento de que ela se dá apenas no caso de cobrança de encargos ilegais no período da normalidade. Destarte, somente há que se falar em descaracterização de mora em relação aos valores contratados declarados indevidos. Todavia na normalidade os encargos cobrados mostram-se regulares, como se viu. 12
Por oportuno, vale transcrever trecho da r. sentença (pág. 366): Friso que, o afastamento da cobrança cumulada de encargos de mora com a comissão de permanência em sede de revisional, não é capaz de afastar a mora do devedor, diante do inadimplemento de diversas parcelas.
Assim, não merece respaldo o pleito de que não deve haver a incidência de encargo moratório algum na relação contratual.
Repetição De Indébito
A restituição em dobro tal como pretendida não merece prosperar, pois a repetição deve ocorrer na forma simples, logo que a aplicação da penalidade prevista no art. 42, § 2º, do CDC, exige a demonstração de má-fé da instituição financeira (REsp 1099680/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 29/03/2011), o que não se verificou no caso sob análise.
Logo, a sentença deve ser mantida neste aspecto.
Honorários Advocatícios
Por fim, pretende a apelante a redução dos honorários advocatícios arbitrados monocraticamente em R$1.000,00, na revisional (autos nº 34475-41.2012.8.16), por entender que tal valor é elevado.
No caso dos autos, mantém-se o quantum fixado a título de honorários advocatícios, pela sentença, pois sopesados os critérios fixados no art. 85, do Novo Código de Processo Civil, na medida em que a questão debatida mostrou-se de baixa complexidade, exigindo tempo reduzido para a prestação de serviço dos profissionais que atuaram no feito.
De todo o exposto, o não provimento do recurso interposto pela mutuária é medida que se impõe.
APELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (02)
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Conheço, em parte, do recurso.
Isso porque não há interesse de agir em relação ao ponto referente aos juros remuneratórios, eis que a sentença foi favorável ao banco, mantendo as taxas pactuadas.
Deixo de analisar também o pedido de condenação da apelada nas verbas sucumbenciais, por ausência de interesse recursal, eis que a mutuária foi condenada ao pagamento integral dos ônus de sucumbência tanto na busca e apreensão como na revisional.
Passo a analisar os tópicos conhecidos, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
Princípio da "Pacta Sunt Servanda"
Sustenta a BV Financeira a impossibilidade de revisar contratos livremente pactuados, porém há que se ressalvar o direito da mutuária em ver revisados contratos firmados com a instituição financeira, não procedendo a alegação de que não restou demonstrada qualquer nulidade do contrato ou desequilíbrio das suas pactuações, a prevalecer o princípio do `pacta sunt servanda', haja vista que o pedido revisional pode ser feito a qualquer momento, inclusive em relação a contratos findos, desde que respeitado o prazo prescricional.
Comissão de permanência
Sustenta, ainda, a legalidade da cobrança da comissão de permanência, ainda que cumulada com multa contratual e juros de mora para a hipótese de inadimplemento.
Pois bem, é entendimento assente no Superior Tribunal de Justiça a possibilidade da cobrança da comissão de permanência, desde que pactuada expressamente, não cumulada com correção monetária (súmula 30, do STJ) e com outros encargos, e desde que o valor cobrado a tal título não ultrapasse a soma dos juros remuneratórios e moratórios previstos no contrato, tal como preceitua a súmula 472, do STJ: 14
"A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual".
Nesse sentido, recente julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. COMISSÃO DE 10 PERMANÊNCIA. SÚMULA Nº 83/STJ. TARIFAS BANCÁRIAS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. 1. A cobrança da comissão de permanência é admitida apenas no período de inadimplência, desde que pactuada e não cumulada com os encargos da normalidade (juros remuneratórios e correção monetária) e/ou com os encargos moratórios (juros moratórios e multa contratual), de acordo com as Súmulas nºs 30 e 296/STJ. Entendimento consolidado no julgamento do REsp nº 1.058.114/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos. 2. A reforma do acórdão quanto às tarifas bancárias encontra o óbice de que tratam as Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte em virtude da ausência de informações, nos provimentos judiciais ordinários, a respeito da data do contrato.3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 562.626/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 02/02/2015 -- grifei) Estabeleceu-se, portanto, que a comissão de permanência é lícita, desde que: a) possua previsão contratual; b) não seja cumulada com correção monetária; c) seu valor não ultrapasse a somatória dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato; e, d) seja cobrada em substituição aos juros remuneratórios, moratórios e multa contratual.
Na hipótese dos autos, a cédula de crédito bancário (págs. 37/38) prevê, no item 6 e na cláusula 16, que em caso de inadimplência, haverá a incidência cumulativa de comissão de permanência de 12% e multa contratual de 2%, o que é vedado.
Logo, impõe-se a manutenção da sentença que determinou a incidência exclusiva da comissão de permanência para eventual período de inadimplência, com observância da Súmula 472, do STJ. De todo exposto, impõe-se o provimento parcial ao recurso da instituição financeira tão somente para decotar da sentença o ponto em que declarou a rescisão do contrato. 15
Da sucumbência
Diante do provimento parcial do apelo da instituição financeira, tão somente para declarar a nulidade de parte da sentença que rescindiu o contrato de financiamento entabulado entre as partes, e considerando que a mutuária decaiu na maioria dos seus pedidos, deve suportar integralmente os ônus sucumbenciais, mantidos os honorários no valor de R$1.000,00, observando-se, ainda, a ressalva do artigo 12 da lei 1.060/50.
CONCLUSÃO Por essas razões, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer apenas do recurso interposto por MARLI MARTINS CORDEIRO nos autos 34.475- 41.2012.8.16.0001 (ação revisional AC 1.623.711-9), para no mérito, negar-lhe provimento; e em conhecer parte do recurso interposto por BV FINANCEIRA S/A, para no mérito, dar-lhe provimento parcial, tão somente para decotar da sentença o ponto em que declarou a rescisão do contrato de financiamento, nos termos do voto.
O JULGAMENTO FOI PRESIDIDO PELO SENHOR DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS GABARDO (COM VOTO) E DELE PARTICIPOU E O SENHOR DESEMBARGADOR SHIROSHI YENDO. Curitiba, 08 de março de 2017. assinatura digital HAYTON LEE SWAIN FILHO DESEMBARGADOR RELATOR
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